Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:547/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IVA;
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO.
Sumário:1. A liquidação oficiosa de IVA efetuada ao abrigo do artigo 40º do CIVA (atual artigo 41º), encerra um ato suscetível de alterar a situação tributária dos contribuintes pelo que a respetiva notificação deve ser feita através de carta registada com aviso de receção.
2. Se as cartas foram devolvidas, e não constar dos registos da AT a comunicação da alteração do domicílio fiscal do contribuinte, a AT deverá proceder a novo envio, também com aviso de receção, para o mesmo endereço, em cumprimento do disposto no art. 39º/5 do CPPT.
3. Neste caso, a notificação presumir-se-á efetuada se a carta não tiver sido recebida ou levantada (art. 39º/5 do CPPT).
4. Contudo, para operar a presunção de notificação é necessário que o contribuinte tenha condições de poder tomar conhecimento do aviso de receção, maxime que este tenha sido depositado no seu recetáculo postal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária
RECORRIDO: S....., Lda.


OBJECTO DO RECURSO:
Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição intentada por S....., Lda., executada no PEF nº.............. e apensos, instaurados para cobrança de dívida de IVA dos períodos 0206T, 0306T, 0309T, 0312T, e dos trimestres de 2004, na qual defendia a caducidade da liquidação e a inexistência de imposto a liquidar.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida, e em consequência, declarou extinto o processo de execução fiscal n.° .............. e apensos.
B. Resulta da matéria assente da douta sentença, que a Administração Tributária notificou, a contribuinte na morada, sita na Rua………., BI. A, Costa da Guia, que constituía o domicilio fiscal da mesma na referida data.
C. A alteração do domicílio fiscal tem de ser comunicada sendo ineficaz a simples inscrição da morada actual na declaração de rendimentos, a qual não dá lugar à sua actualização por banda da administração fiscal.
D. Assim, ao contrário do doutamente decidido e salvo o devido respeito, foi a oponente, ora recorrida, notificada, para o domicílio fiscal constante do cadastro da administração tributária.
E. Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.

A S…………, Lda. não apresentou contra-alegações.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição com fundamento em falta de notificação do Oponente.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

a) A 30/06/2005, foi instaurado o PEF n.°.............., para cobrança de IVA no valor de 374,10euros, relativa a 2002 (cfr. documento de fls. 1 e 2 do PEF);

b) A 06/06/2006, foi instaurado o PEF n.°............., para cobrança de IVA no valor de 1.122,30euros, relativa a 2003 (cfr. documento de fls. 3 e 4 do PEF);

c) Aos 23/01/2007, foi instaurado o PEF n.°............., para cobrança de IVA no valor de 1.496,40euros, relativa a 2004 (cfr. documento de fls. 5 e 6 do PEF);

d) Relativamente ao IVA de 2002, foi emitida a liquidação oficiosa n.°…………. (cfr. documento de fls. 22 dos autos e informação de fls. 20 e 21);

e) Para notificação da aqui oponente, relativamente à liquidação a que se refere a alínea anterior, foi remetida missiva com aviso de recepção, para a Rua……….., Bl. A, Costa da Guia (cfr. documento de fls. 22 e informação de fls. 20 e 21, dos autos);

f) A carta veio devolvida (cfr. informação de fls. 20 e 21, dos autos);

g) A 10/01/2005, foi remetido ofício de segunda notificação, com Aviso de recepção (cfr. documento de fls. 23 e 24 dos autos);

h) O ofício foi devolvido, com a indicação “Mudou-se” (cfr. documento de fls. 25 dos autos);

i) Relativamente ao IVA de 2003, foi emitida a liquidação oficiosa n.°............. (cfr. documento de fls. 27 dos autos e informação de fls. 20 e 21);

j) Para notificação da aqui oponente, relativamente à liquidação a que se refere a alínea anterior, foi remetida missiva com aviso de recepção, para a Rua………., Bl. A, Costa da Guia (cfr. documento de fls. 27 e informação de fls. 20 e 21, dos autos);

k) A carta veio devolvida (cfr. informação de fls. 20 e 21, dos autos);

l) A 13/09/2005, foi remetido ofício de segunda notificação, com Aviso de recepção (cfr. documento de fls. 28 e 29 dos autos);

m) O ofício foi devolvido, com a indicação “Endereço Insuficiente” (cfr. documento de fls. 30 dos autos);

n) Relativamente ao IVA de 2004, foi remetida a liquidação, por correio registado (cfr. documento de fls. 32 dos autos e informação de fls. 20 e 21);

o) A carta veio devolvida, com a indicação “Encerrado” (cfr. documento de fls. 34 dos autos).

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Instaurada execução fiscal contra a sociedade S…….., Lda. esta deduziu oposição judicial alegando, em síntese, ter entregue  as declarações de IVA em falta respeitantes as anos de 2003 a 2009, quando foi confrontada com a sua falta. E procedeu à sua entrega, sem qualquer quantia declarada, uma vez que a executada nunca efetuou qualquer transação pelo que não há qualquer fundamento que sustente a execução.
Acrescentou nunca ter sido notificada da liquidação de imposto, nem para proceder ao seu pagamento. E tendo a execução como fundamento a falta de entrega das declarações de IVA dos anos 2002/2003 e 2004, caducou o direito à liquidação.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por remissão, contrariando todos os fundamentos alegados.
A MMª juiz julgou procedente a oposição com fundamento em que
“a jurisprudência do STA vem entendendo que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de recepção em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações:
-  Recusa do destinatário em receber a carta;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal - assim, acórdão STA 21 Maio 2008, recurso 01031/07,- acórdão STA 8 Jul. 2009, recurso 0460/09,- acórdão STA 27 Jan. 2010, disponíveis em \www.dg si.pt.

A propósito da segunda situação (não levantamento da carta), Jorge Lopes de Sousa,

in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2006, pág. 357, expende o seguinte: "pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontra depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de:

- Ter sido deixado aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada;
- Não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência".


Ora, é certo que a oponente não mudou a sua morada junto da AT, mas o que não é certo é que tenha sido deixado aviso na sua sede da impugnante, por forma a permitir o levantamento das cartas.
Em suma e sem necessidade de maiores considerações, o procedimento empreendido pela AT não foi o adequado à efectivação da notificação das liquidações à oponente, em face dos factos provados, sendo aplicada norma que não tinha aplicação ao caso, assim, e tal como invocado, a oponente não foi notificada das liquidações que estão na origem das dívidas em execução, dentro do prazo de caducidade, e por essa razão, tem de proceder a presente oposição.”
A Recorrente insurge-se contra esta fundamentação e decisão por entender que se encontram verificados os requisitos para poder operar a presunção de notificação. Com efeito, diz, a AT remeteu as notificações para a morada constante do sistema informático, não tendo sido comunicada qualquer alteração de morada a qual é por isso, ineficaz em relação à AT.
Apreciemos.
  
A  notificação das liquidações oficiosas de IVA liquidações efetuadas ao abrigo do artigo 83º do CIVA e do atual 88º do mesmo diploma são liquidações decorrentes da não apresentação da declaração periódica de IVA, tal como previsto no artigo 40º do CIVA (atual artigo 41º). O artigo 83º do CIVA, na redação anterior à revisão do articulado, efetuada pelo Decreto-Lei n.º102/2008, de 20/06, previa o seguinte, naquilo que para aqui importa registar:
1 - Se a declaração periódica prevista no artigo 40.º não for apresentada, a Direção de Serviços de Cobrança do IVA procederá à liquidação oficiosa do imposto, com base nos elementos de que disponha.
2 - O imposto liquidado nos termos do número anterior deve ser pago na Tesouraria da Fazenda Pública competente, no prazo mencionado na notificação, efetuada por carta registada com aviso de receção, o qual não poderá ser inferior a 90 dias contados desde o seu envio.

Posteriormente, o artigo 88º do CIVA (que corresponde ao anterior 83º) passou a dispor (após 2008) que:

1 - Se a declaração periódica prevista no artigo 41.º não for apresentada, a Direcção-Geral dos Impostos procede à liquidação oficiosa do imposto, com base nos elementos de que disponha.
2 - O imposto liquidado nos termos do número anterior deve ser pago nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo mencionado na notificação, efetuada nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual não pode ser inferior a 90 dias contados desde o seu envio.

Registe-se que o artigo 88º do CIVA sofreu alterações posteriores até à redação presente, mas mantendo a referência à notificação da liquidação efetuada nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Portanto, podemos dizer que até 2008 o CIVA previa expressamente que a notificação das liquidações oficiosas de IVA fosse efetuada por carta registada com aviso de receção. A partir de 2008 desapareceu do CIVA, em concreto do artigo 88º, a referência expressa ao uso de carta registada com aviso de receção, passando aí a referir-se que a notificação é efetuada nos termos do CPPT.

De acordo com o artigo 38º/1 do CPPT, as notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

Uma liquidação oficiosa de IVA, efetuada ao abrigo do artigo 40º do CIVA (atual artigo 41º), encerra um ato suscetível de alterar a situação tributária dos contribuintes. Por conseguinte, a sua notificação deve ser feita através de carta registada com aviso de receção.

E assim sendo, a notificação das liquidações oficiosas de IVA relativas a 2002 a 2004 deviam ter sido efetuadas por carta registada com aviso de receção.
Esta obrigação foi cumprida no primeiro envio das notificações.

E quando estas foram devolvidas, por não constar dos registos da AT a comunicação da alteração do domicílio fiscal do contribuinte, a AT procedeu a novo envio, também com aviso de receção, para o mesmo endereço, em cumprimento do disposto no art. 39º/5 do CPPT.

Neste caso, a notificação presumir-se-á efetuada se a carta não tiver sido recebida ou levantada (art. 39º/5 do CPPT).

Contudo, quer na primeira notificação (primeiro envio) quer na segunda, para operar a presunção de notificação é necessário que o contribuinte tenha condições de poder tomar conhecimento do aviso de receção, maxime que este tenha sido depositado no recetáculo postal do contribuinte.

Da matéria assente resulta que a Administração Tributária procedeu a liquidação oficiosa de IVA dos anos 2002, 2003, e 2004  que enviou para o domicílio da Oponente constante do sistema informático, mediante carta registada com aviso de receção. As notificações foram devolvidas e a AT procedeu a segunda notificação para o mesmo domicílio. Também estas notificações foram devolvidas com a menção “mudou-se”, “Endereço Insuficiente” e “Encerrado”, respetivamente. 

Mas não resulta provado, nem dos autos consta qualquer indicação relevante nesse sentido, que tenha sido deixado aviso de receção no recetáculo do correio.

E tão pouco resulta provado que a recorrida teve qualquer outra oportunidade de tomar conhecimento do documento de cobrança.

E também não se provou  que a sociedade mudou de endereço[1], já que a mera indicação dos serviços postais nesse sentido não é suficiente para extrair essa conclusão.

Nestas circunstâncias, a sentença não merece qualquer censura e o recurso não poderá proceder.
V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de setembro de 2020.

(Mário Rebelo)



(Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)


[1] Ac. do STA n.º 0966/11  de  27-06-2012 - Relator:   ASCENSÃO LOPES
              
Sumário: I – A liquidação só produz efeitos em relação ao contribuinte, só estatui para ele a obrigação de pagar o imposto, a partir do momento em que aquele acto lhe é notificado.
II – Da conjugação das disposições constantes dos nºs 2 e 3 do art. 19º da LGT impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração Tributária, bem como qualquer alteração do mesmo,
III – Exigindo a lei a notificação da liquidação por carta registada com aviso de recepção e não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicilio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, em princípio, a presunção de notificação estabelecida no nº. 5 do artigo 39º do CPPT não funciona.
IV – Ainda assim, no caso, a falta de notificação da liquidação é inoponível à Administração Fiscal pois que a sociedade destinatária deixou de ter domicílio no local por si indicado, tendo omitido a obrigação legal de comunicar as alterações àquela e uma vez que foi cumprido todo o procedimento de tentativa de notificação previsto no preceito indicado em 3).