Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:831/11.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Nas liquidações oficiosas, originadas pela falta de entrega das declarações tributárias devidas, mas baseadas em elementos contabilísticos fornecidos pelo contribuinte, deve ser realizada a audiência prévia deste quanto aos elementos que determinam o valor da liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C…., L.da, impugnando as liquidações oficiosas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativas aos seus exercícios de 2007 e de 2008, como das conexas liquidações de juros compensatórios, veio interpor recurso jurisdicional.
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões
1.ª A douta sentença a quo, com a ressalva da devida vénia, ofendeu o preceito do artigo 77º da LGT e 83º CIRC ao decidir anular as liquidações impugnadas imputando-lhes o vício de falta de fundamentação.
2.ª A verdade é que, a densidade gradativa do conteúdo da fundamentação terá de ter em conta a natureza estritamente vinculada do acto tributário; o seu carácter massivo e a circunstância de a sua base factual ter sido declarada pela Impugnante, no lugar da averiguação e apreciação das circunstâncias pela AT, devendo considerar-se suficientemente fundamentado com a indicação na "demonstração de liquidação" dos valores considerados, da respectiva taxa e operações efectuadas.
3.ª Tanto mais que foi a própria douta sentença a quo a reconhecer que, de acordo com os elementos juntos aos autos, a Impugnante foi chamada a participar no procedimento que conduziu às liquidações, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, podendo conhecer nesta sede da respectiva fundamentação.
4.ª Assim é de entender que as liquidações de imposto em causa continham os elementos suficientes para que uma pessoa normal, perante a situação concreta, fique em condições de conhecer o iter cognoscitivo que conduziu à emissão das liquidações oficiosas.
5.ª Isto, sobretudo, quando estamos perante uma liquidação oficiosa efectuada nos termos do art.º 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC (ou seja, liquidação efectuada pela AT com base na matéria colectável declarada pela Impugnante que não apresentou a declaração de rendimentos), e que tudo foi dado a conhecer à Impugnante e, caso esta tivesse cumprido oportunamente o seu dever declarativo, lhe cumpriria proceder à autoliquidação do imposto, para o que se lhe impunha que conhecesse quer a operação para apurar o imposto quer a taxa a aplicar.
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida C......, Ld.ª, não apresentou contra-alegações.
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1.3. Parecer do Ministério Público
A Exm.ª Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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1.4. Questões a decidir
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Factos considerados provados na sentença:
1. A Impugnante, C......, L.da, relativamente aos anos de 2007 e de 2008 entendeu não ter de apresentar a declaração de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, modelo 22, em razão de ter feito dada opção.
2. Contudo, enviou à Administração Tributária as informações contabilística e fiscal simplificadas, relativas a esses exercícios.
3. Nessa sequência, a Administração Tributária despoletou procedimentos de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para aqueles dois exercícios da Impugnante.
4. No seu termo a Administração Tributária elaborou à Impugnante as seguintes liquidações e procedeu às seguintes notificações:
2007
a) a liquidação de 2 de dezembro de 2010, com o n.° [2010]8310016…, de que resultou uma coleta líquida de E6.630,50;
b) em compensação, de 6 de dezembro de 2010, resultou um total de E7.646,84, com derrama no valor de E336,10 e juros compensatórios, estes no valor de E680,24;
5. Tais atos foram notificados à Impugnante pela nota de demonstração da liquidação, com prazo de pagamento com termo a 12 de janeiro de 2011, onde se diz que a nota segue na sequência da notificação da fundamentação, tendo anexa uma demonstração da liquidação [liquidação n° (2010)00001623…] dos citados juros, na qual se indicam como datas entre as quais foram contados os dias 1 de junho de 2008 e o dia 8 de novembro de 2010, o valor base – a citada coleta e derrama – e a taxa de 4%.
2008
a) a liquidação de 2 de dezembro de 2010, com o n° [2010]8310016…, de que resultou uma coleta líquida de E5.256,19;
b) em compensação, de 7 de dezembro de 2010, resultou um total de E4.563,09, com derrama no valor de E394,21 e juros compensatórios, estes no valor de E248,69;
6. Tais atos foram notificados à Impugnante pela nota de demonstração da liquidação, com prazo de pagamento com termo a 17 de janeiro de 2011, onde se diz que a nota segue na sequência da notificação da fundamentação, tendo anexa uma demonstração da liquidação [liquidação n° (2010)00001623…] dos citados juros, na qual se indicam como datas entre as quais foram contados os dias 1 de junho de 2009 e o dia 8 de novembro de 2010, o valor base – a citada coleta e derrama – e a taxa de 4%.
7. Como a Impugnante não procedeu ao pagamento daquelas quantias, no Serviço de Finanças de Loures 1 foram instaurados os processos executivos para sua cobrança coerciva, a que couberam os n.os15202011015… (dívida das liquidações respeitantes a 2007) e 15202011015... (dívida das liquidações respeitantes a 2008).
8. Notificada daqueles atos, no dia 14 de abril de 2011 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.
2.1.2 A sentença considerou não provado:
1. Que a Impugnante haja efetivamente intervindo no procedimento de liquidação oficiosa referido na matéria de facto provada.
2. Que a Impugnante tenha sido notificada da fundamentação dos atos de liquidação mencionados na matéria de facto provada.
3. Qual a concreta fundamentação dos atos de liquidação mencionados na matéria de facto provada.
4. Que as coletas oficiosamente apuradas, subjacentes às liquidações impugnadas, não fossem as que legalmente decorreriam do procedimento oficioso de liquidação referido na matéria de facto julgada provada.
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Adita-se o seguinte facto à matéria de facto provada, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC:
9. Consta da informação dos serviços, junta fls. 48 e ss. dos autos (proc. físico), cujo teor se dá aqui por reproduzido, além do mais o seguinte:
16.º
Liquidações essas que foram realizadas com base na declaração anual de informação contabilística e fiscal daqueles exercícios que foram entregues pela ora impugnante, e de acordo com o preceituado no então vigente n° 4 do art° 58° do CIRC.
17.º
E, como se depreende linearmente das demonstrações de liquidacao juntas como documentos de suporte da p.i., bem como dos documentos extraídos do sistema informático da DGCI, as notas demonstrativas das liquidações do imposto, contêm em si mesmas, toda a fundamentação de facto e de direito, necessária e suficiente para a boa apreensão de toda a relação jurídico-tributaria e respectivos cálculos.
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2.2. De Direito
A questão nuclear diz respeito à alegada falta de fundamentação (ou não) das liquidações impugnadas: Na perspectiva da sentença tais liquidações carecem de fundamentação adequada, já que a vertida nas notas de liquidação não suprem esse dever, por exiguidade e singeleza, e porque não se provou uma mais alargada fundamentação foi enviada à recorrida.
Outra é a visão da Fazenda Pública, que parte de uma premissa: as liquidações foram efectuadas com base nos elementos contabilísticos fornecidos pela recorrida, razão pela qual seria dispensável uma fundamentação mais alargada.
Acrescenta também que a sentença reconhece que a impugnante participou no procedimento de liquidação, “para efeitos do exercício do direito de audição prévia, podendo conhecer nesta sede da respectiva fundamentação”.
Começando por este último aspecto dir-se-á que, salvo o devido respeito, não corresponde à verdade tal afirmação. A sentença, nos factos não provados, é clara a dizer que não se provou que “a Impugnante haja efetivamente intervindo no procedimento de liquidação oficiosa referido na matéria de facto provada”.
É certo que a sentença deu como provado que das notas de liquidação consta que foram enviadas demonstrações de liquidação e na fundamentação de direito refere que “infere-se das notificações das notas de demonstração das liquidações que antes de ela ser destas notificada teve oportunidade de intervir no procedimento que conduziu às liquidações, pois que a respetiva fundamentação lhe fora enviada anteriormente, art. 60° da Lei Geral Tributária, como decorre da referência aí feita à antecedente notificação da fundamentação desses atos”.
Mas a sentença acaba por dizer que houve preterição dessa formalidade, porque entendendo que a fundamentação que consta das notas de liquidação não é suficiente, concluiu que não houve comunicação da fundamentação, referindo: “Mas qual seja essa fundamentação, em concreto, desconhece-se”.
E, de facto percorrendo os autos e o PAT não se consegue descortinar onde se mostre provado que uma fundamentação mais alargada foi notificada ao contribuinte; pelo contrário, da informação de fls. 48 e ss. dos autos (proc. físico) colhe-se exactamente o oposto: que “as liquidações foram efectuadas com base na declaração anual de informação contabilística e fiscal” (artigo 16.º) e que a AT entendeu que a fundamentação exarada nas notas de liquidação era suficiente (artigo 18.º).
Em lugar algum consta que tenha sido dada oportunidade ao contribuinte para se pronunciar em sede de audiência prévia. Ademais, é sabido que as notas de liquidação correspondem a modelos informáticos que podem – como sucede no caso vertente – conter informações ou referências genéricas que não têm correspondência com o caso concreto.
Por conseguinte, o que consta em sentido contrário da sentença deve atribuir-se a lapso, já que a decisão está em linha com a fundamentação de facto e com parte da fundamentação de direito, pois uma coisa é dar como provado o consta das notas de liquidação - que a demonstração das liquidações foram enviadas - outra coisa é dar como provado o que de facto ocorreu: que essas demonstrações foram efectivamente enviadas.
Poderia argumentar-se que a contraditoriedade que se verifica na fundamentação de direito poderá viciar a sentença; sucede que não tendo sido colocada essa questão no recurso não nos cumpre nem dela se pode conhecer.
Concluindo-se, pois, que a fundamentação das liquidações em causa é parca, não permitindo apurar todo o iter cognoscitivo que subjaz às liquidações, é de seguir a jurisprudência que entende que, nas situações em que as liquidações oficiosas resultam da omissão de deveres declarativos dos contribuintes, lhes deve ser dada oportunidade prévia para conhecer os fundamentos das mesmas, ainda que elas sejam produto de elementos contabilísticos fornecidos pelos mesmos.
Esta jurisprudência entende que, se assim não proceder, a AT está a viciar as liquidações de falta de fundamentação, já que a que consta nas notas de liquidação é manifestamente insuficiente.
Donde, nessa senda é de negar provimento ao recurso, por ser evidente que ocorreu violação dos artigos 268.º da CRP, 125.º do anterior CPA, e 77.º da LGT, e consequentemente, confirmar a sentença recorrida, ainda que por fundamentação não totalmente coincidente com a desta.
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2.2.
Sumariando:
- Nas liquidações oficiosas, originadas pela falta de entrega das declarações tributárias devidas, mas baseadas em elementos contabilísticos fornecidos pelo contribuinte, deve ser realizada a audiência prévia deste quanto aos elementos que determinam o valor da liquidação.
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3 - Dispositivo:
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:
- Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-10-17
____________________________________ (Benjamim Barbosa, Relator)
____________________________________ (Ana Pinhol)
____________________________________ (Isabel Fernandes)