Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/22.7 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:COIMA
CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
Sumário:Na circunstância de a notificação efectuada à arguida não conter todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, verifica-se nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, sendo de conhecimento oficioso nos termos do preceituado no nº5.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


ASSOCIAÇÃO .., melhor identificada nos autos, deduziu Recurso de Contra-Ordenação contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra- ordenação n.° 1147.2021/06000001977, que correu os seus termos no Serviço de Finanças de Vila do Bispo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 18 de maio de 2022, julgou procedente o presente recurso de contra- ordenação e, em consequência, declarou a nulidade da decisão de aplicação de coima.

Não concordando com a decisão, a fazenda pública, aqui Recorrente, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I) Decidiu a Meritíssima Juiz "a quo” pela procedência dos autos de Recurso, por considerar que:

II) a “notificação da decisão de aplicação da coima efectuada à Recorrente não descreve absolutamente nada, nenhum facto, impondo-lhe ao invés, à Arguida, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma um atitude “pró-activa”, para tal”.;

III) e “(...) que não resulta claro, nem evidente, como foi calculado o montante da coima que foi aplicada à Recorrente.”;

IV) Salvo melhor e douta opinião, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão;

V) Com efeito, afigura-se-nos que a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação no que concerne à invocada nulidade insuprível por falta do requisito enunciado no art.° 79.°, n.° 1, alínea b) do RGIT;

VI) Desde logo, porque as exigências daquele preceito deverão considerar-se satisfeitas dado que da notificação da decisão de aplicação da coima enviada à arguida, consta em carta anexa o despacho decisório do Chefe do Serviço de Finanças;

VII) E, verifica-se que a decisão condenatória proferida pela AT, constante do probatório, encontra-se bem fundamentada, de harmonia com o disposto no art.° 79.° n.° 1, alínea b) do RGIT, e com o disposto no artigo 58.° n.° 1 do RGCO;

VIII) Por seu lado a remissão para completa fundamentação constante do Portal das Finanças encontra-se legalmente prevista por força da aplicação do n.° 13 do art.° 38° do CPPT às notificações ao arguido em matéria de contraordenações, ex vi, artigo 70° n.° 2 do RGIT;

IX) Mais, afigura-se-nos que a sentença recorrida incorreu, também, em erro de apreciação no que concerne à invocada nulidade insuprível por falta do requisito enunciado no art.° 79.°, n.° 1, alínea c) do RGIT;

X) Aqui a questão decidenda prende-se com a alegada falta de indicação expressa do n.° 4 do artigo 26° do RGIT por julgar-se não se saber se a coima aplicada foi ou não pelo mínimo legalmente previsto para a concreta infração em causa nos presentes autos;

XI) - Em primeiro lugar, não foi valorada prova inserta a fls. 23 do documento n.° 004686631 dos autos do SITAF;

XII) - Documento que confirma que, precisamente, a coima fixada na decisão objeto dos autos corresponde à coima mínima;

XIII) - Sendo que esse pressuposto factual inquina à partida grande parte do raciocínio lógico do julgador, devendo por isso esse facto constar do probatório;

XIV) - Assim, aplicando-se o mínimo legal, o montante da coima exigível resulta de uma simples operação aritmética qual seja a multiplicação do coeficiente 7,5 pelo valor da taxa de portagem devida e sendo pessoa coletiva aquele montante será elevado para o dobro (artigo 7.°, n.° 1 da Lei n.° 25/2006, de 30 de junho e artigo 26.°, n.° 4 do RGIT), a qual lhe foi indicada;

XV) - Entendeu, ainda, a Mma juiz a quo que "a infração foi qualificada como "frequente” pela entidade administrativa, não resultando da decisão como é que esse facto foi valorado, isto é, se obstou à aplicação da coima pelo mínimo e, em caso afirmativo, como foi valorado.”;

XVI) - E que da fundamentação da decisão de aplicação da coima não resulta inequívoco que tenha sido ponderado o disposto no art.° 26° n.° 4 do RGIT, uma vez que apenas refere que foram respeitados os limites do art.° 26° do RGIT, mas que a Recorrente tem de saber, para efeitos de exercício do seu direito de defesa.

XVII) - Sempre com o muito e merecido respeito, não podemos concordar com tal entendimento;

XVIII) - Para tanto, aqui se invoca a jurisprudência do STA firmada no douto Acordão de 14-12-2016, proferido no Processo 01270/15 e no douto Acordão de 25-06-2015, proferido no Processo 0382/15.

XIX) - Sendo que "Os requisitos previstos no artigo 79.° do RGIT para a decisão condenatória do processo contraordenacional tributário, visam acima de tudo assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa”, verifica-se que a decisão que aplicou a coima dos autos não impediu a defesa da Arguida, ora Recorrida,

XX) - Não pode ainda a, ora, Recorrida ignorar a sua natureza de pessoa coletiva.

XXI) - O artigo 26° do RGIT, sob a epígrafe "Montante das coimas”, estabelece os montantes máximos e mínimos das coimas a aplicar às pessoas singulares e pessoas coletivas,

XXII) - determinando o seu n.° 4 o seguinte:

"4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos de contra-ordenação são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.”;

XXIII) A decisão de fixação da coima em causa nos autos fundamentou terem sido respeitados os limites do artigo 26° do RGIT, sendo estes os dos números 1, 3 e 4, uma vez que a natureza de pessoa coletiva afasta desde logo a aplicação do n.° 2 à, ora, Recorrida;

XXIV) In casu, tendo a ora Recorrida sido notificada de que lhe fora aplicado a coima pelo mínimo e conhecendo o tipo legal de contraordenação como manifestou conhecer, tinha todos os elementos necessários para verificar todos os limites previstos no art.° 26° do RGIT;

XXV) Ao decidir pela procedência dos pedidos, incorreu a Mma Juiz a quo em erro de julgamento e violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 79.°, n.° 1 e 26.°, ambos do RGIT.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.»


*




Não foram apresentadas contra-alegações.

*
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« Compulsados os autos e analisada a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

A) Em 15-11-2021, foi autuado no Serviço de Finanças de Vila do Bispo, em nome de ASSOCIAÇÃO… o processo de Contra- ordenação n.° 11472021060000011977, por infracção ao artigo 5.°, n.° 2, da Lei n.° 25/06, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), punida pelo artigo 7.° do mesmo diploma legal (cfr. fls. 2 do Documento n.° 004686631 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

B) Em 27-12-2021, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Bispo, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima única à arguida, ora Recorrente, no montante de €4.285,07, acrescida de €76,50 de custas processuais com o seguinte teor: "(...)


«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»


(…)

(cfr. fls. 57 a 68 do Documento n.° 004686631 dos autos, idem);

C) Com data de 27-12-2021 foi enviado, à ora Recorrente, notificação da decisão de aplicação da coima, com o seguinte teor:

(cfr. fls. 69 do Documento n.° 004686631 dos autos, ibidem);»


*

Factos não provados

«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

*

Motivação da decisão de facto

«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.»


*

- De Direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Lidas as conclusões do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, verifica-se que a única questão que cumpre apreciar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado verificada a nulidade da notificação da decisão de aplicação da coima.


Não se conforma a Recorrente com a sentença proferida pelo TAF de Loulé, que determinou a anulação da notificação da decisão de aplicação da coima no processo de contra ordenação n.º 10472021060000011977, tendo julgado verificada a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT, por considerar que a notificação não continha os elementos referidos nas alíneas a) a f) do n.° 1, tal como determina o n.º 2, ambos, do artigo 79° do RGIT.


Nas conclusões das alegações do recurso interposto vem invocado “…erro de apreciação no que concerne à invocada nulidade insuprível por falta do requisito enunciado no art.° 79.°, n.° 1, alínea b) do RGIT” – concl. V)


Refere que “… as exigências daquele preceito deverão considerar-se satisfeitas dado que da notificação da decisão de aplicação da coima enviada à arguida, consta em carta anexa o despacho decisório do Chefe do Serviço de Finanças; – concl. VI)


E acrescenta “… que a decisão condenatória proferida pela AT, constante do probatório, encontra-se bem fundamentada, de harmonia com o disposto no art.° 79. ° n.° 1, alínea b) do RGIT, e com o disposto no artigo 58.° n.° 1 do RGCO” – concl. VII)


Considera que “… a remissão para completa fundamentação constante do Portal das Finanças encontra-se legalmente prevista por força da aplicação do n.° 13 do art.° 38° do CPPT às notificações ao arguido em matéria de contraordenações, ex vi, artigo 70° n.° 2 do RGIT” – concl. VIII)


Vejamos.


Resulta do ponto C) do probatório que, em 27 de dezembro de 2021, foi enviada à arguida notificação da decisão de aplicação de coima dando-lhe conta de que lhe foi aplicada uma coima, “… em consequência da prática dos factos constantes no Auto de Notícia n.º 928000213818. Os factos apurados, bem como as respectivas normas infringidas e punitivas são, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho, na redação dada pela Lei n.º 51/2015 de 8 de Junho.”


Comecemos por dizer que a situação de facto aqui em apreciação, e respectivo regime legal, foi já, por diversas vezes, apresentada neste TCA Sul, bem como no TCA Norte.


Assim, e por não vislumbramos razões para discordar da fundamentação que tem sido seguida, a ela aderimos na íntegra e sem reservas, relativamente à solução jurídica propugnada.


Assim sendo, permitimo-nos transcrever, na parte relevante, o acórdão proferido pelo TCAN em 10/09/2020, no âmbito do processo n.º 00913/16.8BEAVR, nos termos seguintes:


«É, portanto, pacífico que a notificação remetida à Recorrente não foi acompanhada de qualquer outro elemento para além do documento aludido nos pontos 4 e 5 da decisão da matéria de facto e que não contém indicação de parte dos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima.


Assim, a notificação que foi junta com a petição de recurso judicial de aplicação de coima como documento n.º 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem todo o seu conteúdo.


Realmente, quanto ao conteúdo da notificação, dispõe o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) que “[a] notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.


Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo [79.º do RGIT] para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.


Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.


Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.


Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (artigo 32.º, n.º 10 da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.


À face da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º, é exigida a própria indicação na decisão dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e com a garantia do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como o STA tem vindo a entender – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, páginas 527 e 528.


A decisão que aplica coima, como acto administrativo que é, está sujeita a notificação ao arguido (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), sem a qual a decisão é ineficaz.


Mas note-se que o artigo 79.º do RGIT distingue claramente o conteúdo da decisão a notificar (cfr. n.º 1) do conteúdo da notificação a efectuar (cfr. n.º 2).


Este último preceito consagra a exigência de que seja dado conhecimento efectivo ao arguido dos termos da decisão, de modo a que possa compreender os motivos e fundamentos da mesma e decidir se deve conformar-se ou defender-se; do montante das custas; do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da coima e custas ou para recorrer judicialmente da decisão; da consequência resultante da violação daquele prazo, em concreto, a cobrança coerciva dos valores em causa.


A falta de qualquer desses elementos constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, que é de conhecimento oficioso - cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.


Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea d) que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.º 2 do mesmo artigo 79.º.


O que se prevê no referido artigo 79.º, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.


Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º é a falta de requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.º 2 do artigo 79.º) e não os requisitos formais da mesma - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 452.


Nestes termos, a notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão (“os termos da decisão”), sendo, contudo, manifesto que a lei não impõe que a notificação seja necessariamente acompanhada da cópia da decisão de fixação da coima ou de documento que a transcreva integralmente. Nada obsta que a notificação (acto de comunicação do acto notificado) opte por fazer a transcrição total ou parcial do documento, desde que tal comunicação contenha todos os elementos informativos referidos expressamente no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.


No caso dos autos, analisando o conteúdo da notificação remetida à Recorrente, constata-se, de modo inequívoco, que a mesma contém a indicação dos prazos para pagamento e recurso e, bem assim, a advertência de que, decorridos os respectivos prazos, sem que seja efectuado o pagamento ou interposto recurso, se procederia à cobrança coerciva da coima e custas fixadas.


Vejamos, então, se também contém a globalidade da decisão (“os termos da decisão”):


Ora, verifica-se que o documento de notificação contém uma descrição sumária dos factos que consubstanciam a infracção imputada à Recorrente, a indicação das normas violadas e punitivas, o montante da coima e das custas processuais, a possibilidade e os termos do pagamento voluntário da coima e consequente redução da mesma e a indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus.


Assim sendo, e tendo por referência os requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, verifica-se que a notificação revela incompletude, pois omite a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente que lhe foi imputada a prática “frequente” de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, que a “situação económica e financeira” é baixa, ou que o “tempo decorrido desde a prática da infracção” foi de “3 a 6 meses”.


A falta de indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima contende com os “termos da decisão” a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.


Verifica-se que a notificação contém uma parte desses “termos”, mas omitiu outra parte importante, considerada essencial pelo próprio artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.


Pelo que tem de se concluir que a notificação não cumpriu integralmente o disposto na lei aplicável.


Efectivamente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 artigo 79.º do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.


Mas a verdade é que a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.


Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.» - fim de citação


Regressando ao caso dos autos, consideramos, na esteira do decidido no acórdão transcrito, que também no presente caso a decisão aqui sob escrutínio não contém a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente a que título lhe foi imputada a prática de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, qual a “situação económica e financeira” do agente, ou o “tempo decorrido desde a prática da infracção”.


Assim e não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, forçoso se torna concluir que tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT)


Acresce dizer que de nada serve o apelo feito pela recorrente quanto à protecção legal do n.° 13 do artigo 38° do CPPT e à remissão que na notificação se faz ao complemento de fundamentação para a área reservada do sujeito passivo no portal das Finanças, já que como bem refere a digna Magistrada do Ministério Publico junto do TAF de Loulé, “uma vez que o caso dos autos versa sobre o conteúdo e requisitos na notificação da decisão que aplica a coima, situação essa expressamente prevista pelo legislador no artigo 79.º n.º 2 do RGIT, não se verificando por isso caso omisso, consequentemente não se justifica o recurso à aplicação subsidiária de outro regime legal”.


Sendo certo que, com ali também se diz e que aqui reforçamos, o aqui está em causa é a protecção do direito de defesa expressamente consignado no artigo 32.º n.º 10 da CRP.


Em conclusão, resta salientar que a nulidade da notificação não impede que a mesma seja repetida em substituição da agora anulada desde que prolatada até ao trânsito em julgado da decisão final, tanto na fase administrativa como na judicial, podendo esta ser concretizada pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima, da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma.


Deverão, assim, os autos, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, ser remetidos por este à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista à possível renovação do ato de notificação


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mais se anulando todo o processado subsequente à notificação da decisão de fixação da coima, devendo o processo baixar ao Tribunal a quo para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto de notificação, se a tal nada mais obstar.


Sem custas.


Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)