Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:41/12.5BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:10/29/2020
Relator:RICARDO LEITE
Descritores:LEI DA IMPRENSA
DIREITO DE RESPOSTA
PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DE DIREITO
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário:I. Segundo o artº 24º, nº 1 da Lei de Imprensa, para o exercício do direito de resposta, terá legitimidade "qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que neles tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afetar a sua reputação e boa fama ''.
II. Levará a uma interpretação injustificadamente restritiva do artº 24º, nº 1 da Lei de Imprensa, a exigência, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do Código Civil, de que representação seja assegurada pelo Secretário-geral de um partido político, ou quem a administração designar.
III. Num país como Portugal, onde a memória de uma ditadura, vivida entre 1926 e 1974, ainda está enraizada na memória do povo e a Constituição da República Portuguesa proíbe associações que adotem e propaguem a ideologia fascista, as referências a “radicalismo fascizante de extrema direita (PND)”, serão suscetíveis de poder afetar a sua reputação e boa fama;
IV. A atuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social no quadro do artigo 59. º. n.º º 1, dos seus estatutos, para defesa do exercício do direito de resposta de interessado, integra a previsão do artigo 4. º, n.º 1, g), do Regulamento das Custas Processuais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL, com sede na Av. 24 de Julho, n.º 58, 1200 Lisboa, melhor identificada nos autos, Recorrente/Ré nos presentes autos, em que é Autor/Recorrido E....., LDA., com sede na Rua ....., pessoa colectiva n.º ....., também ele melhor identificado nos autos, interpôs recurso do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datado de 31 de dezembro de 2013, que decidiu julgar procedente a ação e anular a deliberação .....do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de 11 de Outubro de 2011, que havia decidido nos seguintes termos:

“- Reconhecer legitimidade ao Recorrente (E.....) para o exercício do direito de resposta, consagrado no artigo 37.º n.º4, da Constituição da República Portuguesa e 24º e seguintes da Lei de Imprensa (LI);

- Não determinar ilícita a recusa até à presente deliberação da publicação da resposta por parte do “J.....”, porquanto só com o presente recurso apresentou o Recorrente documentos legalmente exigíveis, nos termos do artigo 26.º, n.º 7, da LI, tidos pelo Recorrido como bastantes para comprovar a legitimidade daqueles;

- Determinar ao “J.....” a publicação do texto de resposta do Recorrente, no prazo de dois dias a contar da recepção da presente deliberação, com o mesmo relevo e apresentação do escrito respondido, designadamente, levando em linha de conta o disposto no artigo 26.º, n.º 4, da Lei de Imprensa;

- Atento o deliberado no ponto 2, dispensar o Recorrido do cumprimento da obrigação de menção que a publicação é efectuada por efeitos de deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.”

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A) O Acórdão datado de 31/12/2013 anula a Deliberação nº....., do Conselho Regulador da ERG, de 11 de outubro, por considerar que o contra-interessado E....., Vogal da Direção do Partido da Nova Democracia, não tem poderes para exercer o direito de resposta em nome deste partido;
B) Como decorre dos autos, a Recorrida indicou e identificou, como Contra­ Interessado, o Sr. E..... "na qualidade de Vogal da Direção do partido da Nova Democracia ", tendo, inclusive, indicado a sede daquele partido como sendo o domicílio daquele;
C) Nos termos do art. 25°, nº 1 e 3 da Lei de Imprensa, apenas se exige, para o exercício do direito de resposta, que o texto seja "entregue com assinatura e identificação do Autor e através de procedimento que comprove a sua receção ao director da publicação em causa, invocando expressamente o direito de resposta ou o de rectificação ou as competentes disposições legais", tendo legitimidade "qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que neles tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afetar a sua reputação e boa fama ";
D) Há que ser feita a distinção entre órgãos deliberativos e órgãos representativos, incumbindo a estes últimos a representação da "pessoa nas suas relações com terceiros. Tratam com estes, emitindo ou recebendo declarações de vontade cujos efeitos se vão produzir na esfera jurídica daquela pessoa" ,
E) Não é a primeira vez que o J..... recusa a publicação de um texto de resposta ao PND, por não admitir a legitimidade deste mesmo contra-interessado para o exercício do direito de resposta em nome daquele partido;
F) Ora, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, pronunciou-se o TCA Sul, por Acórdão de 26/04/2012, reconhecendo-se a este mesmo contra-interessado, E....., legitimidade para exercer o direito de resposta em representação dos interesses do PND;
G) A representação externa do PND, para defesa da sua reputação, bom nome e imagem, recai legitimamente no Contra-Interessado E....., ainda que sendo vogal da Direção do PND, o qual exerceu, e bem, o direito de resposta em nome do partido e em nome próprio, de acordo com o art. 25°, n.º 1 e n.º 3 da Lei de Imprensa;
H Nestes termos, não se verifica o invocado vício de violação de lei por falta de legitimidade para o exercício do direito de resposta pelo Contra­ Interessado, não tendo sido posta em causa a segurança jurídica no que diz respeito ao exercício do direito de resposta, como refere o Acórdão Recorrido;
1) A Entidade Demandada beneficia da isenção subjetiva prevista na alínea g) do nº 1 do art. 4° do Regulamento das Custas Processuais;
J ) Esta disposição legal isenta de custas "As entidades públicas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias" ;
K) Efetivamente, o art. 39º da CRP incumbiu a Entidade Demandada de assegurar, nos meios de comunicação social, liberdades, direitos e princípios estruturantes do Estado de Direito, entre eles, o direito à informação e a liberdade de imprensa (ai. a) do nº 1), o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais (ai. d) do nº 1) e o respeito pelas normas reguladoras das atividades de comunicação social (ai. f) do nº 1);
L) Face ao exposto, deve ser reformado o Acórdão do TCA Sul de 11/04/2013, no que diz respeito à condenação parcial em custas, já que a Entidade Demandada beneficia, neste caso, da isenção conferida pelo art. 4°, nº 1, ai. g) do Regulamento das Custas Processuais.”

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O recorrido, por sua vez, apresentou contra-alegações, pugnando, em singelo, pela manutenção, por acertada, da decisão em crise, não formulando quaisquer conclusões.

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O M.P. não emitiu parecer.

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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
As questões suscitadas prendem-se com saber se, ao contrário do decidido pelo acórdão em crise, assiste legitimidade ao contrainteressado E....., para exercer a representação externa do PND, para defesa da sua reputação, bom nome e imagem, nos termos e para os efeitos previstos no art. 25°, n.º 1 e n.º 3 da Lei de Imprensa; e ainda se a Recorrente beneficia da isenção subjetiva prevista na alínea g) do nº 1 do art. 4° do Regulamento das Custas Processuais;
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
1. Em 19 de Julho de 2011, o J..... publicou um artigo intitulado “.....”, da autoria de Alberto João Jardim, nos termos do qual consta, entre o mais, que:

- Cfr. doc. a fls . 21 do processo administrativo.

2. Em 21 de Julho de 2011, E..... solicitou ao J..... a publicação do direito de resposta ao artigo referido em 1. supra, nos seguintes termos:

- Cfr. doc. a fls . 22 do processo administrativo.

3. Em 22 de Julho de 2011, a A. recusou a E..... o exercício do direito de resposta relativo ao artigo de opinião publicado no J..... do dia 19/07/2011, intitulado “.....” - Cfr. doc. A fls . 23-25 do processo administrativo.
4. Em 1 de Agosto de 2011, E..... requereu à Entidade Reguladora da Comunicação Social que deliberasse no sentido do J..... publicar o direito de resposta - cfr. doc. a fls . 1-2 do processo administrativo.
5. Em 1 de Setembro de 2011, a A. pronunciou-se sobre o recurso apresentado por E....., referido em 4. supra, pugnando pelo respectivo arquivamento, da qual consta, entre o mais, que:



Cfr. doc. A fls . 30-35 do processo administrativo.

6. Dos estatutos do PND consta, nomeadamente:
“Art. 21.º (Definição e Competência) 1. O Secretário-Geral representa o partido e tem a seu cargo a gestão administrativa e financeira, sendo o seu representante legal nessas matérias, em juízo e fora dele. A sua assinatura é suficiente para obrigar o partido externamente.” - Cfr. doc. a fls . 13 do processo administrativo.
7. O contrainteressado E..... é vogal da direcção do Partido da Nova Democracia - cfr. doc. a fls . 17 do processo administrativo.
8. Em 11 de Outubro de 2011, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social adoptou a deliberação ....., relativa ao recurso de E..... contra o J....., que aqui se dá por integralmente reproduzida, e nos termos da qual, consta, entre o mais, que:

9. Cfr. doc. a fls . 31-37 dos autos e fls . 37-43 do processo administrativo.

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IV. Direito
Nos presentes autos importa apurar se o Juiz a quo incorreu em erro de julgamento ao reconhecer não assistir legitimidade ao contrainteressado E..... para exercer a representação externa do PND, para defesa da sua reputação, bom nome e imagem, nos termos e para os efeitos previstos no art. 25°, n.º 1 e n.º 3 da Lei de Imprensa e, a final, ter condenado a em custas à revelia de uma alegada isenção subjetiva, nos termos previstos na alínea g) do nº 1 do art. 4° do Regulamento das Custas Processuais;
Quanto ao imputado erro de julgamento:
O acórdão em crise, datado de 31/12/2013, anulou a Deliberação n.º ....., de 11 de Outubro, do Conselho Regulador da ERC, que se pronunciou sobre uma queixa apresentada pelo contrainteressado E....., Vogal da Direção do Partido da Nova Democracia, que viu recusado o exercício do direito de resposta, em nome deste partido, por parte da Direcção do J....., propriedade da aqui Recorrida, conforme resulta do ponto 3 da matéria de facto.
A Deliberação em causa havia reconhecido ao contrainteressado o invocado direito de resposta e, em consequência, determinou que o respetivo texto fosse publicado nas páginas do jornal, nos termos do ponto 8 da matéria de facto.
No entanto, o Acórdão ora sob escrutínio anulou a Deliberação do Conselho Regulador da ERG, de 11 de outubro, por considerar que o contrainteressado E....., Vogal da Direção do Partido da Nova Democracia, não tinha poderes para exercer o direito de resposta em nome deste partido.
Ora bem:
Os direitos de liberdade de expressão, de informação e de imprensa são valores fundamentais, protegidos pelos artigos 37º e 38º da CRP. Dentro do direito de liberdade de expressão e de informação cabe, nos termos do artigo 37º, n.º4, da CRP, o direito de resposta e de retificação.
Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a inserção deste direito de resposta no artigo 37º da CRP (que consagra a liberdade de pensamento), em sede de direito de liberdade de expressão e informação, e não no artigo seguinte, relativo à liberdade de imprensa «significa que ele é constitucionalmente concebido como elemento constituinte do direito de expressão e de informação em geral, independentemente da forma de exercício e do seu suporte ou veículo.» (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, vol. I, pág. 576).
Da mesma forma, esse direito de resposta é concebido como um direito pessoal fundamental, por contraposição com o artigo 38º da CRP (que consagra a liberdade de imprensa e meios de comunicação social), onde o direito à liberdade de imprensa assume carácter não só de direito fundamental, mas também de garantia institucional.
Na Lei da Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13.01), regula-se, nos artigos 24º a 27º, os modos e tempos de exercício dos direitos de resposta e retificação. Nesta matéria, os comandos constitucionais estão devidamente densificados pelo legislador ordinário, gozando a Administração de reduzidos poderes discricionários.
Da mesma forma, quis o legislador garantir ao particular um máximo de tutela, instituindo no artigo 27º, nsº 1 e 2, da Lei da Imprensa, o direito ao recurso aos tribunais judiciais e à ERC, sendo que da decisão judicial há recurso, mas com efeitos meramente devolutivos.
Instituiu o legislador um primeiro patamar na garantia da tutela efectiva dos direitos de liberdade de expressão, informação e de imprensa, que cabe à ERC, entidade administrativa independente, a quem compete, por imposição constitucional, assegurar tais direitos.
Segundo o artº 24º da Lei da Imprensa (Lei n.º 2/99 - Diário da República n.º 10/1999, Série I-A de 1999-01-13), com a epígrafe “Pressupostos dos direitos de resposta e de retificação”:
“1 - Tem direito de resposta nas publicações periódicas qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama.
2 - As entidades referidas no número anterior têm direito de rectificação nas publicações periódicas sempre que tenham sido feitas referências de facto inverídicas ou erróneas que lhes digam respeito.
3 - O direito de resposta e o de rectificação podem ser exercidos tanto relativamente a textos como a imagens.
4 - O direito de resposta e o de rectificação ficam prejudicados se, com a concordância do interessado, o periódico tiver corrigido ou esclarecido o texto ou imagem em causa ou lhe tiver facultado outro meio de expor a sua posição.
5 - O direito de resposta e o de rectificação são independentes do procedimento criminal pelo facto da publicação, bem como do direito à indemnização pelos danos por ela causados.”

Por sua vez, o artº 25º da Lei da Imprensa (Lei n.º 2/99 - Diário da República n.º 10/1999, Série I-A de 1999-01-13), com a epígrafe “Exercício dos direitos de resposta e de rectificação”, diz o seguinte:
“1 - O direito de resposta e o de rectificação devem ser exercidos pelo próprio titular, pelo seu representante legal ou pelos herdeiros, no período de 30 dias, se se tratar de diário ou semanário, e de 60 dias, no caso de publicação com menor frequência, a contar da inserção do escrito ou imagem.
2 - Os prazos do número anterior suspendem-se quando, por motivo de força maior, as pessoas nele referidas estiverem impedidas de fazer valer o direito cujo exercício estiver em causa.
3 - O texto da resposta ou da rectificação, se for caso disso, acompanhado de imagem, deve ser entregue, com assinatura e identificação do autor, e através de procedimento que comprove a sua recepção, ao director da publicação em causa, invocando expressamente o direito de resposta ou o de rectificação ou as competentes disposições legais.
4 - O conteúdo da resposta ou da rectificação é limitado pela relação directa e útil com o escrito ou imagem respondidos, não podendo a sua extensão exceder 300 palavras ou a da parte do escrito que a provocou, se for superior, descontando a identificação, a assinatura e as fórmulas de estilo, nem conter expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvam responsabilidade criminal, a qual, neste caso, bem como a eventual responsabilidade civil, só ao autor da resposta ou da rectificação podem ser exigidas.”
Segundo o artigo 26º, com a epígrafe “Publicação da resposta ou da rectificação”:
“1 – Se a resposta exceder os limites previstos no n.º 4 do artigo anterior, a parte restante é publicada, por remissão expressa, em local conveniente à paginação do periódico e mediante pagamento equivalente ao da publicidade comercial redigida, constante das tabelas do periódico, o qual será feito antecipadamente ou assegurado pelo envio da importância consignada bastante.
2 – A resposta ou a rectificação devem ser publicadas:
a) Dentro de dois dias a contar da recepção, se a publicação for diária;
b) No primeiro número impresso após o segundo dia posterior à recepção, tratando-se de publicação semanal;
c) No primeiro número distribuído após o 7.º dia posterior à recepção, no caso das demais publicações periódicas.
3 – A publicação é gratuita e feita na mesma secção, com o mesmo relevo e apresentação do escrito ou imagem que tiver provocado a resposta ou rectificação, de uma só vez, sem interpolações nem interrupções, devendo ser precedida da indicação de que se trata de direito de resposta ou rectificação.
(…)
7 – Quando a resposta ou a rectificação forem intempestivas, provierem de pessoa sem legitimidade, carecerem manifestamente de todo e qualquer fundamento ou contrariarem o disposto no n.º 4 do artigo anterior, o director do periódico, ou quem o substitua, ouvido o conselho de redacção, pode recusar a sua publicação, informando o interessado, por escrito, acerca da recusa e do seu fundamento, nos 3 ou 10 dias seguintes à recepção da resposta ou da rectificação, tratando-se respectivamente de publicações diárias ou semanais ou de periodicidade superior.
(…)”
O acórdão recorrido, interpretando os preceitos acima e lançando mão do disposto no artº 163º do Código Civil, adota a seguinte argumentação:
“Perante o escrito respondido e face ao seu conteúdo, apenas o Partido da Nova Democracia pode ser titular do direito de resposta enquanto entidade expressamente visada pelas expressões do artigo de opinião, pelo que a questão da legitimidade só deve ser aferida relativamente a ele e, no entendimento deste Tribunal, não à pessoa individual que o representa.
A representação da pessoa colectiva é uma questão do foro interno da mesma, uma competência intra-organizacional, ou intra-orgânica e que não se confunde com a legitimidade para o exercício do direito de resposta. Ou seja, legitimidade para o exercício do direito de resposta é uma coisa, poderes de representação da pessoa colectiva, é outra.
A eventual não existência ou não demonstração de poderes de representação da pessoa colectiva não gera a ilegitimidade desta para o exercício do direito. Poderá gerar uma irregularidade na representação, a qual, seria suprível, nos termos gerais.
Tendo sido suscitada a questão pela A., aquando da recusa da publicação, impunha-se que a E.D. averiguasse a mesma no âmbito da instrução do procedimento, com o rigor necessário para apurar os poderes de representação do contra-interessado.
A forma como tratou a questão é claramente insuficiente demonstrando uma falta de rigor jurídico pouco compatível com o estatuto de entidade reguladora e com as atribuições que legalmente prossegue, culminando com uma conclusão errada face aos elementos carreados para a instrução do procedimento.
Na instrução do procedimento, a E.D. considerou como suficiente a demonstração da qualidade de vogal da direcção para assim concluir pela legitimidade do contra-interessado actuando em nome e representação do PND.
Porém, concluiu precipitadamente.
A E.D. não apurou a regularidade da representação do PND, pelo contra-interessado. É assertiva a argumentação da A. nesta matéria. Em momento algum, no procedimento, ou até no processo judicial, os poderes de representação do contra-interessado foram demonstrados. Ademais, segundo o art. 21.º dos Estatutos do PND, juntos pelo contra-interessado ao procedimento, vide 6. Dos Factos Provados, a representação do partido cabe ao seu Secretário-Geral.
O que foi demonstrado foi a qualidade de vogal da direcção do PND, vide 7. dos Factos Provados, o que é coisa diferente. E, foi isso, que a A. reconheceu. Não se compreende, assim, a afirmação da E.D. “Com efeito, é lícito ao respondido exigir ao respondente a comprovação dos seus poderes de representação para responder em nome de uma pessoa colectiva (…) A questão fica definitivamente superada (…) o Recorrido só a veio a reconhecer em sede do presente recurso (…).”
E, a questão é efectivamente relevante, pois a segurança jurídica no exercício de um direito, como é o direito de resposta, mostra-se fundamental. Pense-se, apenas, na situação criada se todos os restantes vogais da direcção do PND, resolvessem exercer o direito de resposta. Qual o que prevalecia? Qual o que deveria a A. aceitar?
A representação da pessoa colectiva cabe a quem os estatutos determinarem ou a quem a administração designar, cfr. art. 163.º, n.º 1, do Código Civil (CC).
Em resumo, a falta de demonstração de poderes de representação, por mandato, ou por competência estatutária, do contra-interessado, para exercer o direito de resposta em nome do PND, constitui uma ilegalidade susceptível de obstar ao exercício do direito, afectando necessariamente a deliberação impugnada.
Resta concluir pela verificação do vício de violação de lei, com este fundamento.”

Ou seja, o acórdão em crise considerou que representação da pessoa colectiva cabe a quem os estatutos determinarem ou a quem a administração designar, nos termos previstos no art. 163.º, n.º 1, do Código Civil, artigo que nos diz, no seu nº1, que “[a] representação da pessoa coletiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.”
Neste caso, segundo o acórdão recorrido, a falta de demonstração de poderes de representação, por mandato, ou por competência estatutária, do contrainteressado, para exercer o direito de resposta em nome do PND, constituiria uma ilegalidade suscetível de obstar ao exercício do direito.
No entanto, afigura-se-nos que o acórdão em questão procede, indevidamente, a uma interpretação restritiva do artº 24º, nº 1 da L.I., acima transcrito.
Nos termos dos preceitos supra transcritos, mormente no artº 24º, nº 1 e art. 25°, ns.º 1 e 3 da Lei de Imprensa, apenas se exige, para o exercício do direito de resposta, que o texto seja "entregue com assinatura e identificação do Autor e através de procedimento que comprove a sua receção ao director da publicação em causa, invocando expressamente o direito de resposta ou o de rectificação ou as competentes disposições legais”, tendo legitimidade para esse exercício "qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que neles tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afetar a sua reputação e boa fama ''.
Afigura-se-nos, pois, que o contrainteressado, tendo feito prova da sua qualidade de Vogal/titular de órgão social/membro da Direção Nacional do PND, visado no artigo que havia sido publicado no “J.....”, teria a legitimidade que lhe conferem os artsº 24º e 25º da L.I., acima transcritos.
Tanto mais que, tal como entendeu (e bem) a ERC, as referências a “radicalismo fascizante de extrema direita (PND)”, serão, efetivamente, suscetíveis de poder afetar a sua reputação e boa fama, mais a mais quando falamos de um país como Portugal, onde a memória de uma ditadura, vivida entre 1926 e 1974, ainda está enraizada na memória do povo e, como tal, tudo quanto de negativo se associa à conotação de qualquer instituição com a menção de “fascista”. Mais a mais, quando, como bem salientou a Recorrente, na fundamentação que adotou para estribar o ato anulado pelo acórdão ora em crise, a Constituição da República Portuguesa proíbe associações que adotem e propaguem a ideologia fascista.
Não tem razão, pois, a Recorrida (e a decisão recorrida, quando segue esta linha de raciocínio), quando alega que a representação do PND, para o efeito de que ora tratamos, teria de ser assegurada pelo respetivo Secretário-geral ou a quem a administração designar, nos termos do disposto no art. 163.º, n.º 1, do Código Civil.
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Quanto à questão da condenação em custas, suscitada pela Recorrente, a apreciação da mesma ficará prejudicada com as conclusões a que se chegou acima e que determinarão a respetiva absolvição do pedido, infra.
Contudo, sempre se imporão algumas notas em relação à questão da reclamada isenção subjetiva da Recorrente.
Ora bem:
Segundo o art. 4°, nº 1, g), do Regulamento das Custas Processuais, artigo com a epigrafe “Isenções”, “[a]s entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias" .
De acordo com o art. 1°, nº 2, da Lei nº 53/2005, de 8 de Novembro, que criou a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social e aprovou os seus Estatutos, trata-se de "uma pessoa colectiva de direito público, com natureza de entidade administrativa independente, que visa assegurar as funções que lhe foram constitucionalmente atribuídas, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição a quaisquer diretrizes ou orientações por parte do poder político".
Por sua vez, o art. 39° da CRP incumbiu a Recorrente de assegurar, nos meios de comunicação social, liberdades, direitos e princípios estruturantes do Estado de Direito, entre eles, o direito à informação e a liberdade de imprensa [al. a) do nº 1], o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais [al. d) do nº 1] e o respeito pelas normas reguladoras das atividades de comunicação social [al. f) do nº 1].
Nos seus Estatutos são desenvolvidas as atribuições da Entidade Demandada e definidas as competências do seu Conselho Regulador, tendo sempre em vista a densificação do citado preceito constitucional que consagrou a existência de uma entidade reguladora para o sector da comunicação social.
Como salienta SALVADOR DA COSTA in "Regulamento das Custas Processuais'', Almedina 2012, 4ª edição, pág. 189: "Prevê a alínea g) do nºI deste artigo as entidades públicas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difi1sos que lhe sejam especialmente conferidos pelo respetivo estatuto e a quem a lei atribua especial legitimidade processual nessas matérias, e estatui gozarem de isenções de custas. (...)
O conceito de entidade pública contrapõe-se ao de pessoa colectiva privada a que se reporta a alínea anterior do nº1 desse artigo, e objecto das acções lato sensu circunscreve-se à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e, ou, de interesses difusos.
São interesses difusos os que não se reportam a pessoas individualmente consideradas nem a grupos definidos, na medida em que são encabeçados por entidades representativas de interesses supraindividuais. Trata-se de interesses concernentes às pessoas, mas não individualmente determinadas, e, por isso, por elas não apropriados ou subjectivados, como é o caso dos interesses relativos à protecção da saúde, do ambiente, do património cultural e dos consumidores em geral.
Ou, noutra perspectiva, em termos objectivos, os interesses difusos são os relativos a grupos de extensão indeterminada, que se estruturam em termos de supraindividualidade, pertencentes a todos, mas onde há também o interesse de cada um, isto pelo facto de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se referem as normas que os tutelam.”
Também o STA já se pronunciou sobre esta questão, no seu acórdão de 09/01/2013, proferido no proc. nº 0303/12, no qual se diz, no que para aqui releva, o seguinte: "A atuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social no quadro do artigo 59. º. n.º º 1, dos seus estatutos, para defesa do exercício do direito de resposta de interessado, integra a previsão do artigo 4. º, n.º 1, g), do Regulamento das Custas Processuais.".
Assistirá, também nesta parte, razão à Recorrente, quando pretende estar isenta de custas, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao condená-la em custas.
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Aqui chegados, verifica-se que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação dos factos e aplicação do direito, cumprindo revogar o acórdão em crise e substitui-lo por outro julgando improcedente a ação e absolvendo a Recorrente, ali Ré, do peticionado.
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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. Segundo o artº 24º, nº 1 da Lei de Imprensa, para o exercício do direito de resposta, terá legitimidade "qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que neles tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afetar a sua reputação e boa fama ''.
II. Levará a uma interpretação injustificadamente restritiva do artº 24º, nº 1 da Lei de Imprensa, a exigência, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do Código Civil, de que representação seja assegurada pelo Secretário-geral de um partido político, ou quem a administração designar.
III. Num país como Portugal, onde a memória de uma ditadura, vivida entre 1926 e 1974, ainda está enraizada na memória do povo e a Constituição da República Portuguesa proíbe associações que adotem e propaguem a ideologia fascista, as referências a “radicalismo fascizante de extrema direita (PND)”, serão suscetíveis de poder afetar a sua reputação e boa fama;
IV. A atuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social no quadro do artigo 59. º. n.º º 1, dos seus estatutos, para defesa do exercício do direito de resposta de interessado, integra a previsão do artigo 4. º, n.º 1, g), do Regulamento das Custas Processuais.
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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão em crise e substituindo-a por outra julgando improcedente a ação e absolvendo a Recorrente do peticionado.
Custas pela Recorrida – cfr. artº 527. nº 1 e 2 do CPC e artº 189º, nº 2 do CPTA.
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Lisboa, 29 de outubro de 2020


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Ricardo Ferreira Leite*



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Ana Celeste Carvalho



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Pedro Marchão Marques

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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.