Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:845/19.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/21/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCESSO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMAS;
LEGITIMIDADE POPULAR;
REGULAMENTO DO AEROPORTO DE LISBOA.
Sumário:I. Carece de utilidade conhecer do fundamento do recurso se, tendo sido proferida sentença em conheceu e proferiu autonomamente três decisões – de incompetência material, de absolvição da instância e da absolvição do pedido – em relação a partes diferentes do pedido, refletindo tais decisões no respetivo dispositivo da sentença, o ora Recorrente não impugna qualquer dessas decisões, limitando-se à alegação vaga e genérica de que a sentença viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

II. Sem a invocação contra a sentença recorrida da violação de qualquer norma jurídica ou princípio de direito, nem a invocação de qualquer outra censura à sentença, por não ser alegado qualquer nulidade processual ou nulidade decisória, nem o erro de julgamento de facto, nem especificamente, o erro de julgamento de direito, torna-se inútil conhecer da alegada violação dos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, porque sempre se teriam de manter as concretas decisões proferidas não impugnadas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

P.............., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 04/04/2020, que no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia de normas administrativas, movido contra a A………….., SA, em que é pedida a suspensão imediata da eficácia das normas constantes do artigo 8.º, n.ºs 1, 2, 3, a), b), c) e d) do Regulamento 386/2019, de 30/04/2019, nos termos dos artigos 112.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e a suspensão imediata de eficácia de todo o Regulamento, julgou o Tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido, na parte em que o mesmo se estriba na violação dos artigos 20.º e 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, na parte em as normas em causa se afiguram apenas mediatamente operativas, julgou procedente a exceção dilatória inominada de inobservância dos pressupostos do artigo 130.º do CPTA e no demais absolveu a Entidade Requerida do pedido de suspensão de eficácia.


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Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1º O Art. 2º, nº 2, do CPTA determina que: “A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: d) “A declaração de ilegalidade de normas emitidas ao abrigo de direito administrativo”.

2º O valor da quinta coima acumulada, de €19.500,00 é 325 VEZES o valor de uma multa de estacionamento previsto na Lei nº 72/2013, de 3-09-2013, Art. 50º, nº 2 (Código da Estrada): €19.500,00 / €60,00 = 325.

3º O Douto tribunal considerou que é legal (e proporcional) a primeira coima ser 25 vezes o valor referido na Lei nº 72/2013, de 3-9-2013 - Código da Estrada;

4º Considerou proporcional o valor (acumulado) da segunda coima ser 37 vezes o valor da coima de estacionamento referido no Código da Estrada, o que viola o princípio da proporcionalidade, vertido no Art. 7º do Código de Procedimento Administrativo.

5º Estão reunidos os pressupostos do Art. 120º, nº 1 do CPTA.

6º O Regulamento acarinhado pela R é ilegal face ao disposto no Art. 17º, do DL nº433/82, de 27 de Outubro, dado que os valores fixados nele colidem com este dispositivo legal, sendo muito provável a procedência da ação principal.

7º Existem prejuízos de difícil reparação para os particulares, face à desproporcionalidade das coimas em causa: Art. 120º, nº 1 do CPTA.

8º A Douta sentença viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e por isso é ilegal.

9º O Regulamento impugnado é imediatamente operativo, conforme preceitua o Art. 73º, nº 1, a) do CPTA: “A declaração de ilegalidade com força obrigatória legal de norma imediatamente operativa pode ser pedida:

b) Pelo Ministério Público e por pessoas referidas, nos termos do nº 2, do Art. 9º do CPTA”.

10º É jurisprudência pacífica, que: “no caso de poderes vinculados” como a PSP do Aeroporto, que não pode escolher entre aplicar ou não uma norma, quando a lei o determina, a norma é imediatamente operativa.

11º Se a norma não admitir qualquer discricionariedade ao órgão ou agente que a aplica, estamos perante uma norma imediatamente operativa.

12º A norma regulamentar que produz efeitos na esfera jurídica do particular, e obriga o mesmo a uma ação ou abstenção – é imediatamente operativa, como o Regulamento da R.

13º O tribunal deve suspender a norma prevista no Art.8º, nº 1, nº 2, nº 3, a) a d) do Regulamento impugnado, nos termos do Art.112º, nº 1 e nº 2 do CPTA, bem como nos termos do Art. 130º, nº2 do CPTA.

14º A douta sentença é ilegal, tanto na decisão, como fundamentos, e o juiz devia (desde há muito e com caráter oficioso) declarar a suspensão da mesma.

15º O Regulamento da R não prevê a defesa do infrator (e cidadão), contrariamente ao disposto no DL nº 433/82, de 27 de Outubro, por isso também ilegal.”.

Pede a revogação da sentença recorrida, a procedência da providência e o decretamento da providência de suspensão do artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3, a) a d) do Regulamento da Requerida.


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A ora Recorrida notificada, apresentou contra-alegações, em que formulou as conclusões seguintes:

“A. Não merece a Sentença recorrida qualquer censura, porquanto (i) são procedentes as exceções invocadas e verificadas pelo Tribunal a quo e, ainda que assim não fosse, (ii) os pressupostos necessários para a concessão da providência cautelar não se encontram, manifestamente, preenchidos.

B. No que diz respeito à exceção de incompetência material parcial do Tribunal a quo para conhecer do pedido de suspensão das normas suspendendas com fundamento na sua pretensa inconstitucionalidade, nas alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente e respetivas conclusões não é, em momento algum, questionada esta parte da decisão, o que a cristaliza sob a forma de caso julgado.

C. Bem andou o Tribunal a quo nesta parte da decisão, já que, agindo o autor ao abrigo de legitimidade popular e visando a suspensão, com efeitos gerais, de normas jurídicas com fundamento na sua inconstitucionalidade, o Tribunal não pode conhecer desse pedido, pelas mesmas razões pelas quais, na ação principal de que o processo cautelar é acessório, não pode declarar a ilegalidade das mesmas normas com força obrigatória geral, nos termos do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA.

D. Bem andou também a sentença recorrida ao negar a operatividade imediata das normas suspendendas, visto que a respetiva aplicação depende necessariamente da prática pela Recorrida de atos administrativos de aplicação das sanções pecuniárias.

E. Para que os efeitos das normas suspendendas se produzam no caso concreto, será sempre necessário um ato administrativo a praticar pela Recorrida com base numa violação concreta e punível, na sequência de procedimento administrativo (e, em especial, de audiência prévia do interessado), podendo aquele ato ser impugnado administrativa ou judicialmente com base em vícios próprios do mesmo ou das normas ao abrigo das quais é praticado.

F. Uma norma apenas é imediatamente operativa se não depender de um ato administrativo de aplicação, independentemente de este ser tendencialmente vinculado ou discricionário. O que significa que a norma continuará a ser apenas mediatamente operativa mesmo que o ato administrativo seja um ato vinculado, ao contrário do que resulta da argumentação do Recorrente, como resulta claramente do disposto na parte inicial do n.º 3 do artigo 73.º do CPTA.

G. De qualquer forma, como salienta, e bem, a sentença recorrida, os atos de aplicação de sanções não são atos totalmente vinculados, porque aos mesmos “não pode deixar de subjazer uma considerável margem de apreciação – quer no que tange a um juízo de oportunidade que os mesmos necessariamente encerram, quer no que concerne à densificação de conceitos indeterminados com que os deveres a observar se encontram plasmados na letra da norma de direito administrativo” (cfr. pág. 16), não se podendo afirmar antecipadamente que a qualquer situação participada pelas autoridades de fiscalização corresponda automaticamente uma decisão de aplicação de sanção.

H. O ato administrativo de aplicação de uma sanção suporá necessariamente a densificação dos conceitos (alguns deles indeterminados) previstos na norma punitiva, a apreciação dos factos e a sua subsunção àquela norma, a avaliação da verificação dos pressupostos gerais da punição, nos quais entra necessariamente a inexistência de causas de exclusão da licitude (e, em certo grau, da culpa) e o juízo, de legalidade mas também de oportunidade, sobre se a punição se afigura a melhor solução para o interesse público no caso concreto, bem como da sua conformidade aos princípios legais aplicáveis.

I. Tendo em conta, o exposto, bem andou o Tribunal a quo ao entender verificada a exceção dilatória inominada de falta de pressuposto processual, visto que, não se estando perante normas imediatamente operativas, não pode o autor popular pedir a sua suspensão, seja por via do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 130.º do CPTA, da mesma forma como não preenche os pressupostos para as poder impugnar no processo principal, nos termos da al. b) do n.º 1 e al. b) do n.º 3 do artigo 73.º do CPTA.

J. No que respeito ao mérito da providência cautelar, não merece qualquer censura a conclusão do Tribunal a quo de que o Recorrente não logrou demonstrar a verificação do periculum in mora, dado que nenhum fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação foi por ele, ainda que a um nível meramente indiciário, demonstrado.

K. A mera entrada em vigor de um regulamento que estabelece regras e taxas para o uso de um determinado espaço, assim como sanções pecuniárias em caso de uso em violação do disposto naquelas regras, não é, só por si, causa suficiente e adequada para produzir uma situação de facto consumado e/ou prejuízos de difícil reparação para os utentes dos parques de estacionamento e zonas dedicadas à largada e tomada de utentes.

L. Nem o montante das sanções ou a ilegalidade e inconstitucionalidade alegadas em relação ao Regulamento poderão consubstanciar, como muito bem decidido na Sentença, qualquer tipo de periculum in mora.

M. Em primeiro lugar, porque pode ser pedida a suspensão dos atos de aplicação das sanções pecuniárias, verificados os requisitos legais, mediante providência cautelar conservatória, o que afasta qualquer nexo causal necessário entre as normas suspendendas e hipotéticos prejuízos de difícil reparação sofridos pelos interessados.

N. Segundo, na medida em que, num cenário de aplicação de sanções, o putativo prejuízo em que as mesmas se podem traduzir é exclusivamente pecuniário e, por conseguinte, suscetível de reconstituição natural, caso, na ação principal, se conclua pela respetiva ilegalidade. Tudo visto, não se encontra o requisito legal do periculum in mora minimamente demonstrado.

O. Subsidiariamente, sempre se diga que não estariam preenchidos os demais requisitos de que cumulativamente dependeria a tutela cautelar, cuja análise o Tribunal a quo entendeu prejudicada pela sua decisão.

P. Quanto ao requisito do fumus boni iuris, as alegações do Recorrente não permitem razoavelmente demonstrar uma aparência de direito ou da procedência da pretensão do Recorrente, pelos motivos que na oposição se deram conta, que aqui se dão por reproduzidos, para além de se verificarem exceções que impedem o conhecimento do mérito na ação principal.

Q. Não estamos perante contraordenações, mas perante sanções administrativas especiais ou setoriais, que têm um propósito e um âmbito de aplicação distinto do das primeiras, pelo que é perfeitamente descabido alegar qualquer violação dos princípios e regras jurídicas que regem as contraordenações, sendo o regime aplicável o do Código do Procedimento Administrativo, designadamente quanto à necessidade de audiência prévia e quanto à suscetibilidade de recurso das decisões de aplicação das penalidades.

R. Quando à ponderação de interesses, verifica-se a existência de interesses públicos prevalecentes, dado que o decretamento da providência cautelar requerida seria de molde a causar importantes prejuízos ao interesse público, dado que, a serem suspensas, durante o processo cautelar, as normas do Regulamento que fixam regras de organização e disciplina do espaço aeroportuário, criar-se-ia uma situação em que, durante todo o período do processo principal, ficaria fortemente desguarnecida a coercibilidade das regras da utilização do espaço pelos utentes, o que poderia ser de molde a conduzir a uma situação caótica em termos de congestionamento dos curbsides e dos terminais dos aeroportos, em claro prejuízo do serviço público aeroportuário.

S. Quanto ao pedido do Recorrente de que o Ministério Público intervenha no processo, cabe referir que o artigo 85.º do CPTA – que é a disposição relevante para estes efeitos – não se aplica aos processos cautelares, como o que está em causa nos presentes autos.

T. Por último, quanto ao pedido de extração de “certidão criminal contra o Conselho de Administração da A……………., SA, pelos crimes de Abuso de Poder e Concussão, previstos nos Arts. 382º e 379º do Código Penal, e os remeta ao DCIAP para procedimento criminal”, cabe referir que tal afirmação é manifestamente infundada, dado que em momento algum se alegou ou deu como provada matéria de facto que possa ser minimamente subsumível ou indiciária da verificação dos elementos tipificados desses crimes.”.

Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sustenta a questão prévia de o Tribunal ter decidido, de forma subsidiária, do requisito do periculum in mora, o qual não foi impugnado no presente recurso, antes ter sido aceite.

Como estabelece o artigo 635.º, n.º 5 do CPC, os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nem pela anulação do processo, pelo que, ainda que o Tribunal decidisse revogar a sentença recorrida e decidir do mérito da causa, nunca o Tribunal poderia alterar o juízo contido na sentença recorrida quanto à não verificação do periculum in mora, por não ser questionado no recurso interposto.

Motivo por que entende que o presente recurso é perfeitamente inútil, devendo o Tribunal ad quem abster-se de conhecer, de forma a evitar a prática de atos inúteis.

No demais, entende que as questões suscitadas pelo Recorrente não são despiciendas, mas devem ser discutidas na sede própria, que é a ação principal.

Pugna pela improcedência do presente recurso.


*

Notificado o Requerente, ora Recorrente, veio pronunciar-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, no sentido de não ter razão.

Defende não ser verdade que o Requerente não tivesse alegado o periculum in mora no requerimento inicial.

Pede que não procedam os argumentos invocados pelo Ministério Público, no seu parecer.


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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se em determinar se a decisão recorrida incorre em violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O Ministério Público, no parecer emitido, suscitou a questão prévia da inutilidade do conhecimento do objeto do recurso, atenta a falta de impugnação do recurso do fundamento do periculum in mora, devendo conduzir à sua falta de conhecimento mas, em qualquer caso, à sua improcedência.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. Em 14.12.2012, a Requerida celebrou com o Estado Português um “Contrato de Concessão de Serviço Público Aeroportuário nos Aeroportos Situados em Portugal Continental e na Região Autónoma dos Açores”, tendo em vista a “prestação de Atividades e Serviços Aeroportuários” – id est, “atividades e serviços diretamente prestados pela Concessionária ou para que a Concessionária disponibiliza infraestruturas aeroportuárias associados a: (…) 17. organização dos espaços aeroportuários, bem como a disciplina da sua ocupação e utilização. 18. circulação do Pessoal, Passageiros e outros Utentes bem como a sua transferência modal entre todos os meios de transporte disponíveis nos aeroportos; 19. disponibilização de parques de estacionamento automóvel de acesso público nos aeroportos 20. manutenção geral e conservação das infraestruturas aeroportuárias” –, mais se estabelecendo que à Requerida são atribuídos os “seguintes poderes e prerrogativas de autoridade: (…) (b) fixação das contrapartidas devidas pela ocupação e pelo exercício de atividades em bens do domínio público aeroportuário (…), bem como à respetiva cobrança coerciva (…); (f) elaboração e aplicação de normas regulamentares no âmbito da atividade concessionada, designadamente em matéria de segurança, ambiente e acesso e utilização dos serviços englobados nas Atividades e Serviços Aeroportuários; e (g) execução coerciva das suas decisões de autoridade, incluindo a utilização de força pública” (cf. cópias do contrato de concessão e respectivo anexo I juntas a fls. 66-142 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

2. Em 30.04.2019, foi publicado em Diário da República, II Série, o Regulamento, cujo teor se transcreve parcialmente infra:

Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da A………., S. A.

Com o aumento de número de passageiros nos aeroportos geridos pela A............... S. A. (A……, S. A.), urge redefinir as normas regulamentares relativas às condições de utilização dos parques de estacionamento e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes.

Efetivamente, as zonas dedicadas à largada e tomada de utentes têm uma natureza e uso próprios, desde logo, pelo facto de se localizarem em áreas adjacentes aos terminais de passageiros nas quais é especialmente necessário assegurar o rápido acesso e escoamento do público em geral, que exigem que estas zonas sejam gratuitas para o uso comum das pessoas que querem aceder ao aeroporto.

Torna-se, deste modo, necessário implementar um regime que desincentive o uso excessivo destas zonas, convidando à rápida circulação e escoamento de veículos, dada a natureza das áreas Kiss and Fly.

Por outro lado, prevê-se ainda a cobrança de uma taxa de estacionamento, nos termos do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de novembro, devida pela utilização do domínio público aeroportuário, a qual, no entanto, apenas será devida nos termos e condições constantes do presente regulamento.

Assim, nos termos do disposto na alínea g) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, da alínea f) da Cláusula 31.1 do Contrato de Concessão de Serviço Público Aeroportuário de Apoio à Aviação Civil nos Aeroportos Situados em Portugal Continental e na Região Autónoma dos Açores e da alínea f) da cláusula 30.º do Contrato de Concessão de Serviço Público Aeroportuário nos Aeroportos Situados na Região Autónoma da Madeira, a A……, S. A. aprova o presente regulamento, que se rege pelos artigos seguintes: (…)

Artigo 2.º Objeto

O presente regulamento tem por objeto disciplinar a organização, utilização e funcionamento das áreas do perímetro aeroportuário destinadas a serem utilizadas como parques de estacionamento e como zonas dedicadas à largada e tomada de utentes, bem como o acesso às mesmas. (…)

Artigo 8.º

Deveres dos utentes dos parques e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes

1 - Os utentes devem, na utilização dos parques e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes, observar os seguintes deveres:

a) Respeitar as condições e regras de utilização dos mesmos, bem como a sinalização e avisos no acesso e interior dos mesmos;

b) Observar as regras estabelecidas no Código da Estrada e legislação complementar;

c) Cumprir as normais regras de boa conduta, relativamente a higiene e segurança;

d) Não atear lume, nem usar maçaricos ou quaisquer outras matérias, instrumentos e/ou utensílios suscetíveis de causarem riscos de incêndio ou explosão;

e) Não entrar com quaisquer bens, utensílios, materiais ou substâncias inflamáveis, explosivas ou tóxicas, especialmente reservatórios de carburantes, óleos, gases e matérias voláteis;

f) Não manter o motor do veículo em funcionamento, exceto para efeitos de acesso e saída do parque ou da zona dedicada à largada e tomada de utentes;

g) Não ocupar qualquer área ou praticar qualquer ato que de alguma forma impossibilite ou dificulte a utilização por parte dos restantes utentes;

h) Não estacionar o veículo para além do espaço reservado a um único veículo automóvel, de acordo com o traçado indelével marcado no pavimento, quando aplicável;

i) Não parar o veículo nos corredores de circulação, rampas de acesso ou em qualquer outro local que constitua parte comum, impedindo ou dificultando a circulação ou manobra dos demais utentes;

j) Não utilizar qualquer tipo de cobertura no veículo;

k) Cumprir as instruções dadas pela ANA e prestadores de serviços da mesma no que toca à gestão, segurança, manutenção, conservação e limpeza dos parques e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes;

l) Não efetuar quaisquer operações de lavagem, lubrificação, assistência ou reparação de veículos, exceto as estritamente necessárias para o acesso e saída do veículo;

m) Não tomar ou largar pessoas fora dos parques e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes;

n) Não estacionar veículos fora dos parques e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes;

o) Proceder ao pagamento das taxas devidas;

p) Não angariar nem celebrar contratos com clientes nos parques e nas zonas dedicadas à largada e tomada de utentes ou nos corredores de circulação, rampas de acesso ou em qualquer outro local que constitua parte comum nos aeroportos;

q) Não entregar ou recolher veículos nos parques e nas zonas dedicadas à largada e tomada de utentes ou nos corredores de circulação, rampas de acesso ou em qualquer outro local que constitua parte comum nos aeroportos;

r) Não exercer atividades que não o transporte rodoviário nos parques ou nos corredores de circulação, rampas de acesso ou em qualquer outro local que constitua parte comum nos aeroportos;

s) Não publicitar ou divulgar, designadamente através de distribuição de folhetos, serviços ou atividades, ou propostas comerciais, nos parques e nas zonas dedicadas à largada e tomada de utentes ou nos corredores de circulação, rampas de acesso ou em qualquer outro local que constitua parte comum nos aeroportos;

t) Proceder à respetiva identificação quando interpelado para tal pela ANA, pelo prestador de serviços a seu cargo ou pelas forças de segurança presentes nos aeroportos;

u) Não exercer qualquer serviço próprio da atividade de rent-a-car em violação das disposições dos regulamentos do exercício de serviços de rent-a-car por empresas sem instalações no domínio público aeroportuário e com reserva devidamente comprovada em vigor nos aeroportos.

2 - A violação de qualquer dos deveres previstos nas alíneas anteriores constitui infração ao presente regulamento e dá lugar ao pagamento de uma sanção pecuniária no valor de (euro) 1.500 (mil e quinhentos euros) por cada infração praticada.

3 - A repetição, em cada período de 1 (um) mês, de qualquer das infrações dá lugar ao agravamento de cada uma das penalidades eventualmente aplicáveis em cada visita nos termos seguintes:

a) Na segunda infração, ao pagamento em dobro da sanção aplicável; e

b) Na terceira infração, ao pagamento de valor adicional de (euro) 2.500,00; e

c) Na quarta infração, pagamento de valor adicional de (euro) 5.000,00; e

d) Na quinta e seguintes infrações, ao pagamento do valor adicional de (euro) 7.500,00.” (cf. cópia do Regulamento junta a fls. 19-24 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. O Requerente é advogado, detentor dos seus direitos cívicos e políticos, de forma plena e sem restrições (facto não controvertido).

A prova dos factos indiciariamente fixados supra assenta no teor dos documentos juntos aos autos, bem como nas alegações produzidas pelas partes, conforme referido a respeito de cada um deles.

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa entrar na análise das questões colocadas para decisão.

Discordando do decidido, vem o Recorrente interpor recurso.

No entanto, foi emitido parecer pelo Ministério Público, no âmbito do qual foi suscitada questão cujo conhecimento precede a do fundamento do recurso, segundo uma ordem lógica e prioritária de conhecimento.

1. Da falta de impugnação no recurso da inverificação do requisito do periculum in mora

Nos termos suscitados na presente instância, o presente recurso está votado ao insucesso, considerando o teor das alegações do recurso e as suas respetivas conclusões, por o Recorrente não ter impugnado a sentença na parte em que na mesma se julgou inverificada a falta do requisito de periculum in mora.

Contra tal entendimento insurge-se o Recorrente, pronunciando-se por ter alegado tal periculum in mora no requerimento inicial.

Vejamos.

A questão colocada para decisão deste Tribunal ad quem prende-se com os próprios limites do poder decisório do tribunal de recurso para conhecer e decidir da decisão impugnada, pelo que, naturalmente precede a do fundamento do recurso.

Na presente instância recursiva veio o ora Recorrente interpor recurso da sentença recorrida, dela discordando, sob a invocação de que viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Em rigor, contra a sentença recorrida nenhum outro fundamento se mostra invocado, por não ser invocada qualquer nulidade decisória, nem o erro de julgamento.

Também não se mostra impugnado o julgamento da matéria de facto, não sendo invocada a sua insuficiência, nem pretendendo o ora Recorrente que sejam aditados quaisquer factos ao elenco dos factos provados, pelo que, será com base nos factos concretamente julgados na sentença sob recurso que se terá de decidir a questão colocada.

Por isso, em face do julgamento da matéria de facto, é manifesto, que a pretensão cautelar formulada em juízo não poderá proceder, desde logo, por falta de factos relativos aos pressupostos do decretamento da providência cautelar.

Nenhum facto é dado como provado donde se possa extrair a produção de prejuízos de difícil reparação, que integrem o requisito do periculum in mora, pelo que, sem factos não pode recair qualquer julgamento de direito.

Do mesmo no tocante ao julgamento de direito constante da sentença recorrida.

Nos termos que se extraem do dispositivo da sentença recorrida, com reflexo traduzido no teor da sua fundamentação de direito, o Tribunal a quo proferiu três decisões distintas, a saber:

“(a) Declaro este Tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido, na parte em que o mesmo se estriba na pretensa violação dos artigos 20.º e 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, nos termos conjugados do artigo 72.º, n.º 2, do CPTA e do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Lei Fundamental, e, em consequência, dou-o sem efeito, nessa estrita vertente;

(b) No mais, e na medida em que as normas em causa se afiguram apenas mediatamente operativas, julgo procedente a excepção dilatória inominada consistente na inobservância dos pressupostos a que o artigo 130.º do CPTA adstringe a suspensão de eficácia de normas e, por conseguinte, absolvo a A…………………, S.A., da presente instância iniciada por P..............; e

(c) Em qualquer dos casos, absolvo a A………………., S.A., do pedido de suspensão de eficácia formulado por P...............”.

A anteceder tais decisões foram apresentadas as respetivas razões de direito, nos exatos termos constantes da fundamentação de direito.

O ora Recorrente limita-se a reiterar os fundamentos em que alicerça o pedido cautelar, defendendo a ilegalidade das normas do Regulamento cuja suspensão de eficácia requer, a invocar que a sentença recorrida viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas sem invocar a violação de qualquer norma jurídica ou princípio que entende ter sido infringido pela sentença recorrida.

Não releva para efeitos do presente recurso quais as normas legais ou constitucionais violadas pelo Regulamento, por não ser este o objeto do recurso, mas antes as normas ou princípios violados pela sentença, por ser esta a decisão recorrida e objeto do presente recurso.

Percorrendo o teor da alegação recursiva e as suas respetivas conclusões, é manifesto que o ora Recorrente não impugna qualquer das decisões tomadas pelo Tribunal a quo, pois não impugna a decisão de incompetência material quanto a uma parte do pedido, nem uma palavra dizendo sobre tal decisão vertida na alínea a) do dispositivo da sentença, do mesmo modo que absolutamente nada diz sobre as decisões proferidas sob as suas respetivas alíneas b) e c).

O ora Recorrente limita-se a reiterar os fundamentos do pedido cautelar e a censurar a sentença porque entende incorrer na violação os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas sem invocar as respetivas razões e normas ou princípios que considera terem sido violadas.

Por outro lado, considerando a natureza cautelar do processo e o seu caráter urgente não se vislumbra a possibilidade de ser proferido um despacho de aperfeiçoamento.

Atentas as concretas circunstâncias do caso, permitir que o ora Recorrente apresentasse nova alegação de recurso e respetivas conclusões, traduzir-se-ia em reabrir o prazo para a interposição do recurso e a apresentação de fundamentos não anteriormente alegados, num exercício que derrogaria a posição processual da contraparte e o princípio da igualdade substancial das partes.

Impunha-se que o ora Recorrente tivesse impugnado cada uma das decisões autonomamente vertidas no dispositivo da sentença, impugnando cada uma decisões, como os seus respetivos fundamentos.

Não o fazendo, por falta de impugnação no presente recurso, tais questões transitaram em julgado, impedindo que o Tribunal ad quem as reaprecie e sobre elas profira uma pronúncia judicial.

De resto, em face da configuração dada à presente instância cautelar, de impugnação de normas, nos exatos termos vertidos no requerimento inicial e do julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida, não se vê como seria possível o proferimento de decisão diferente, por falta dos legais pressupostos para o decretamento da providência cautelar.

Além de que, é igualmente manifesta a insubstanciação da alegação pelo Recorrente da violação pela sentença recorrida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por não existir a sua concretização.

Não obstante, mesmo que assim não fosse, tal matéria apenas diria respeito à aparência da ilegalidade das normas cuja suspensão de eficácia é peticionada em juízo, não respeitando aos critérios do decretamento da providência cautelar, previstos no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, por aplicação do disposto no artigo 130.º, n.º 4 do citado Código, do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.

O que acarreta, tal como suscitado pelo Ministério Público, que seja verdadeiramente inútil conhecer da questão suscitada pelo Recorrente, nos seus exatos termos constantes das conclusões do recurso.

Para o efeito, atende-se ao disposto no artigo 130.º do CPC, segundo o qual não é lícito realizar no processo atos inúteis.

Assim, carece de utilidade conhecer do fundamento do recurso se, tendo sido proferida sentença em conheceu e proferiu autonomamente três decisões – de incompetência material, de absolvição da instância e da absolvição do pedido – em relação a partes diferentes do pedido, refletindo tais decisões no respetivo dispositivo da sentença, o ora Recorrente não impugna qualquer dessas decisões, limitando-se à alegação vaga e genérica de que a sentença viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Sem a invocação contra a sentença recorrida da violação de qualquer norma jurídica ou princípio de direito, nem a invocação de qualquer outra censura à sentença, por não ser alegado qualquer nulidade processual ou nulidade decisória, nem o erro de julgamento de facto, nem especificamente, o erro de julgamento de direito, torna-se inútil conhecer da alegada violação dos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, porque sempre se teriam de manter as concretas decisões proferidas não impugnadas.

Termos em que, em face de todo o exposto, considerando o teor da alegação recursiva e respetivas conclusões do recurso, cabendo a estas, nos termos anteriormente enunciados, limitar o âmbito de conhecimento do Tribunal de recurso, não pode proceder o recurso interposto pelo Recorrente, o qual, por isso, será de julgar improcedente, por não provado.


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Nestes termos, será de julgar improcedente, por não provado, o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Carece de utilidade conhecer do fundamento do recurso se, tendo sido proferida sentença em conheceu e proferiu autonomamente três decisões – de incompetência material, de absolvição da instância e da absolvição do pedido – em relação a partes diferentes do pedido, refletindo tais decisões no respetivo dispositivo da sentença, o ora Recorrente não impugna qualquer dessas decisões, limitando-se à alegação vaga e genérica de que a sentença viola os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

II. Sem a invocação contra a sentença recorrida da violação de qualquer norma jurídica ou princípio de direito, nem a invocação de qualquer outra censura à sentença, por não ser alegado qualquer nulidade processual ou nulidade decisória, nem o erro de julgamento de facto, nem especificamente, o erro de julgamento de direito, torna-se inútil conhecer da alegada violação dos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, porque sempre se teriam de manter as concretas decisões proferidas não impugnadas.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Sem custas – artigo 4.º, n.º 1, b) do RCP.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Carlos Araújo)


(Ana Pinhol)