Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:309/10.5BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE LICENÇA DE OBRAS, SUSPENSÃO DA LICENÇA
Sumário:I. A questão da suspensão da contagem do prazo da licença que serve de fundamento ao ato impugnado, não constitui uma questão sobre o qual recai o dever legar de decidir, mas antes um fundamento do ato impugnado, que releva necessariamente para efeitos da apreciação do erro de julgamento da sentença e, por via dela, para efeitos de conhecimento da legalidade do ato impugnado, mas não para fundar a nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II. O regime da suspensão dos efeitos da licença distingue-se do regime excecional de extensão dos prazos para a execução de obras, previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, podendo um e outro aplicar-se à mesma situação jurídica.

III. A circunstância de a Administração ter deferido o pedido de suspensão dos efeitos da licença não obsta à aplicação do regime excecional da prorrogação do prazo, antes acarretando que quando cessar a citada suspensão, a autora passe a dispor do dobro do prazo do que havia inicialmente concedido.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Município de Sines, devidamente identificado nos autos de ação administrativa instaurada por C....... – C........ Lda., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 06/02/2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou a ação procedente, condenando o Município de Sines a praticar o ato administrativo que defira o pedido de prorrogação, por três anos adicionais, do prazo de execução das obras de construção tituladas pelo Alvará n.º ………, emitido em 10/04/2007.


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Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

“A) Ao deixar de se pronunciar sobre a aplicação do disposto no nº 1 e nº 4 do artº 3º do DL nº 26/2010, de 3/10, nos casos em que a licença de construção de obras particulares se encontre suspensa e a pedido da interessada – Autora – pedido esse deferido pelo Recorrente com efeitos reportados a 17/09/2009, o Tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre questão que deve apreciar pelo que a douta sentença padece da nulidade a que alude o disposto no artº 615º dº 1 al. d) do CPC ex vi do artº 1º do CPTA, o que determina a revogação da sentença e a prolação de outra decisão.

B) Tendo em consideração que a suspensão dos efeitos da licença de obras particulares tituladas pelo respetivo alvará, tem como consequência a paralisação do prazo para a execução das respetivas obras e que impede, assim, a caducidade da licença nos termos do disposto no artº 71º, nº 3 al. d) do DL nº 555/99, de 16/12, ou, dito de outra forma, o qual deixa de correr, não é de aplicar ao caso iudicio o disposto no nº 1 e nº 4 do DL nº 26/2010, de 30/03.

B) SEM Prescindir da nulidade da douta sentença, caso se entenda que no caso presente não está em causa uma nulidade da sentença, sempre se verifica uma errada interpretação aplicação do direito aos factos provados, mormente tendo presente os factos constantes das alíneas D), E, F), G), H), J) e K) da douta sentença, e errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 e nº 4 do artº 3º do DL nº 26/2010, de 30/10 e artº 8º do citado diploma, conjugado ainda com o disposto nos nºs 1, 2 e 9 do artº 58º e artº 59º, ambos do DL nº 555/99, de 16/10 o que consubstancia erro de julgamento.”.

Pede a procedência do recurso, declarando-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ou por erro de julgamento, revogando-se e sendo substituída por outra que declare a validade do ato impugnado e sua manutenção na ordem jurídica.


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Notificada, a Autora não contra-alegou o recurso, nada tendo dito.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade decisória, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC;

2. Erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 4 e 8.º do D.L. n.º 26/2010, de 30/10, conjugado com os artigos 58.º, n.ºs 1, 2 e 9 e 59.º do D.L. n.º 555/99, de 16/10.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

A) A Autora apresentou projecto de licenciamento para a construção de uma moradia, no Lote 15, inserida na operação de loteamento titulada pelo Alvará n.º 2/94, objecto de aditamento em 24.09.2002 _ cfr. Documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial e, ainda, Documentos n.ºs 1, 3 e 6 juntos com a contestação;

B) O Lote 15 encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Sines, sob o número 1……., e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sines, sob o artigo 3……., a favor da Autora _ cfr., de novo, Documento n.º 4 junto com a petição inicial;

C) Mediante despacho camarário, exarado em 16.09.2006, foi aprovado o projecto de arquitectura e, por despacho camarário, proferido em 13.03.2007, foram aprovados os respectivos projectos de especialidade e deferido o pedido de licenciamento das obras de construção da moradia mencionada em A) _ cfr. Documento n.º 5 junto com a petição inicial;

D) Em 10.04.2007, pela Câmara Municipal de Sines, foi emitido o alvará de autorização de obras de construção n.º 43/2007, o qual cessaria os seus efeitos em 10 de Abril de 2010 _ cfr. Documento n.º 5 junto com a petição inicial e, ainda, Documento n.º 1 junto com a contestação;

E) Em 17.09.2009, deu entrada na Câmara Municipal de Sines requerimento da Autora, com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”


_ cfr. PA e, ainda, Documento n.º 6 junto com a contestação;

F) Em 09.04.2010, deu entrada na Câmara Municipal de Sines Requerimento da Autora, no qual se lê que:

“(texto integral no original; imagem)”

_ cfr. fls. não numeradas do processo administrativo;

G) Mediante Informação dos serviços camarários, datada de 14.05.2010, foi emitido o seguinte parecer:

_ cfr. fls. não numeradas do processo administrativo;

H) Em 17.05.2010, sob a proposta mencionada em G), foi proferido o seguinte despacho pela Vereadora do pelouro:


“(texto integral no original; imagem)”

_ cfr. fls. não numeradas do processo administrativo apenso;

I) Mediante carta datada de 21.05.2010, com registo número 3571, recebida em 25.05.2010, a Entidade Demandada notificou a Autora, do(s) despacho e parecer a que aludem as alíneas G) e H), nos seguintes moldes:

_ cfr. Documento n.º 1 junto com a petição inicial;

J) Em 23.09.2010, foi intentada a presente acção administrativa especial _ cfr. fls. 1 dos autos;

K) Em 01.02.2011, pela Vereadora do pelouro, foi exarado o seguinte despacho:

“(…) M........, Vereadora da Câmara Municipal de Sines, no uso da sua competência delegada e subdelegada, determina o seguinte, no âmbito do processo de licenciamento de obras particulares, que corre os seus termos sob o PC/60/06 (…) cujo titular da respectiva licença de construção é C…. – C……, Lda. (…) e relativamente ao pedido de suspensão da licença de construção e pedido de extensão para o dobro do prazo para a execução das respectivas obras, apresentado por requerimento n.º 6……., de 09/04/2010, considerando ainda o Requerimento de 17/09/2009, refª …..(SIPA 1391/ob):

- Na sequência do Requerimento n.º ……., de 09.04.2010, por despacho datado de 17/05/2010, da Vereadora com competência delegada e subdelegada (…), e notificado (…) em 25/05/2010, foi indeferido o pedido de extensão para o dobro do prazo de execução das obras de construção tituladas pelo alvará nº 43/2007 (…). O referido indeferimento teve subjacente o deferimento do pedido de suspensão do decurso do prazo para a execução das obras formulado pelo Requerente em 17/09/2009 e reiterado no Requerimento de 09/04/2010. Deste acto de deferimento do pedido de suspensão da licença e indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para execução das obras (notificado em 25/05/2010), (…):

Por requerimento de 17/09/2009, Refª …. (SIPA 1391/ob), veio a C……, Lda, requerer que se (i) suspenda a contagem do prazo do alvará de autorização de obras de construção respeitante ao lote 15, suspensão essa reportada à data de 02/06/2009, em que foi requerido pela Requerente o registo de alteração de alvará de loteamento e contactada a CMS nos termos supra mencionados em 15, (ii) ou caso assim se não entenda, à data em que foi recusado tal registo, ou seja, 19/06/2009. Sobre este requerimento não foi proferida decisão, porquanto a Câmara Municipal de Sines não dispunha do processo e como tal não se encontrava munida dos elementos necessários para a sua apreciação em face da inspecção da IGAL e posteriormente em face da requisição por parte da Polícia Judiciária das pastas que integram o respectivo procedimento administrativo de licenciamento e bem assim das pastas referentes ao loteamento em apreço, do qual resultou o lote 15.

Em 09/04/2010, deu entrada no Serviço competente, com Refª …., um novo pedido da Requerente, através do qual reitera o pedido de suspensão supra formulado, bem como ― considerando o regime estabelecido no artº 3º, nº 1 e 4 do DL nº 26/2010, de 30 de Março, requer-se a extensão para o dobro do prazo de três anos constante do alvará de autorização de obras de construção respeitante ao lote 15 e que tem o nº. 43/2007. Foi emitido parecer em 14/05/2010, com o qual se concorda pelo que: A apreciação do pedido de extensão para o dobro do prazo de construção nos termos do disposto no artº 3º, nº 1 e nº 4 do DL nº 26/2010, de 30 de Marços, está desde logo dependente da apreciação do pedido formulado pela Requerente em 17/09/2009 e cujo interesse nele se mantém em face do disposto no seu requerimento de 09/04/2010, e que diz respeito à suspensão da licença de construção titulada pelo Alvará nº 43/2007.

Pelo exposto, concorda-se com o teor do parecer emitido no sentido de que no que se refere ao título de construção e sem prejuízo do processo correspondente se encontrar indisponível, importa esclarecer que foi, em tempos, objecto de suspensão com fundamento na impossibilidade de registo das alterações à operação de loteamento, com implicações directas quer nos indicadores quer na área do lote 15. Não obstante o facto de as alterações permanecerem por registar, ainda assim foi dado início aos trabalhos, encontrando-se a obra, actualmente, em avançado estado de construção, situação que viria a fundamentar o indeferimento do pedido de nova suspensão.

Mais recentemente, foi apresentado novo pedido, contemporâneo da inspecção ordinária promovida pela IGAL, pedido que não chegou a merecer qualquer despacho, porquanto se considerou oportuno aguardar os resultados daquela acção inspectiva, o que aconteceu já o processo correspondente havia sido requisitado pela Polícia Judiciária.

Assim, e admitindo que existem fundamentos para deferir o pedido de suspensão da autorização, emite-se parecer desfavorável à prorrogação do prazo para execução da obra, uma vez que a suspensão impede quer a produção dos efeitos da autorização quer a caducidade do título.

Assim sendo, em face dos fundamentos supra mencionados, sendo certo que, no caso concreto, não obstante a validade da decisão da Câmara Municipal de Sines através da qual foi aprovada a alteração ao loteamento, a verdade é que de tal alteração o lote 15 passou a ter uma área de 780 m2, a qual quer para efeitos da matriz predial urbana quer para efeitos do Registo na C.R.P. de Sines ainda não foi possível inscrever com as necessárias consequências e de terem surgido dúvidas quanto à área efectivamente ocupada pela Operação de Loteamento em apreço, estando em causa questões de manifesto interesse público e que a Requerente bem conhece, defere- se o pedido de suspensão do prazo para a construção de obras, titulado pelo alvará nº 43/2007 ((…) e que a Requerente, bem sabendo da situação do lote 15 e do loteamento, entendeu iniciar as obras, por sua conta e risco dando azo a que a construção se encontre já numa fase avançada o que veio a fundamentar o indeferimento de anterior pedido de suspensão da licença de construção - anterior ao formulado em 17/09/2009), suspensão que produz efeitos a contar da data em que o Requerente comunicou à Câmara Municipal de Sines a impossibilidade de registo, ou seja, em 17/09/2009 e cujo prazo se iniciará após a inscrição das alterações ao Alvará de Loteamento nº 2/94 na CRP de Sines e quando se encontrar totalmente dirimida a questão subjacente às áreas objecto de permuta entre o Município de Sines e o Loteador que interferem necessariamente com a área do lote nº 15 na sequência da alteração ao loteamento em apreço retroagindo os efeitos do presente despacho à data do pedido.

Em face do exposto, tendo em consideração os efeitos próprios da suspensão do título em apreço, designadamente a paralisação da contagem do prazo para a construção e conclusão das obras de construção, com influência do procedimento propriamente dito, e que tal suspensão impede ainda a caducidade do respectivo título, sempre resulta a inaplicabilidade do disposto no artigo 3.º, nºs 1 e 4 do DL nº 26/2010, o qual, aliás sem prejuízo do supra determinado, sempre teria de ser indeferida, porquanto, o diploma em causa apenas entrou em vigor em 28.06.2010 conforme resulta do disposto no seu artigo 8.º, esclarecendo-se que o n.º 4 do artigo 3.º do citado diploma (…), refere-se ao âmbito de aplicação do regime excepcional de extensão dos prazos e não à entrada em vigor do respectivo artigo 3.º do referido diploma.

Pelo que, em 09.04.2010, não pode o Município de Sines aplicar uma norma que ainda não se encontra em vigor.” _ cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação;

L) Por carta datada de 03.02.2011, com registo número 1352, recebida em 03.02.2011 e, por carta registada, a Autora tomou conhecimento do despacho mencionando em K) _ cfr. Documento n.º 1 junto com a contestação;


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do tribunal fundou-se na factualidade alegada pelas Partes nos respectivos articulados e, ainda, na prova documental carreada para os autos por estas últimas, aqui se incluindo o processo administrativo apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

1. Nulidade decisória, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC

Sustenta o Recorrente que a sentença enferma de omissão de pronúncia, por a sentença recorrida não se pronunciar sobre os efeitos suspensivos alegados, de a suspensão dos efeitos da licença ter como consequência necessária a paralisação do prazo para a execução da obra particular em apreço, desde 17/09/2009, como consta do despacho impugnado, o que impede a caducidade da licença, nos termos do artigo 71.º, n.º 3, d) e se considerar inaplicável ao caso o artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 26/2017, de 30/10.

Vejamos.

A Autora vem instaurar a presente ação administrativa impugnando o ato administrativo de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de execução de obras que havia sido apresentado, de modo que fosse aumentado de três para seis anos, ao abrigo do regime excecional previsto pelo D.L. n.º 26/2010.

Em face da concreta configuração do litígio, considerando o pedido e a causa de pedir que se mostram alegadas pela Autora, o teor do ato impugnado e o concreto teor da sentença ora recorrida, de imediato se impõe afirmar não incorrer a sentença recorrida na nulidade decisória que se mostra assacada.

Não se mostra impugnada a matéria de facto, pelo que será com base nos factos concretamente apurados que devem recair os normativos de direito.

Compulsando a matéria de facto, dela decorre que a Autora apresentou dois requerimentos junto da Câmara Municipal de Sines, um datado de 17/09/2009 em que requereu a suspensão da contagem do prazo do alvará de autorização de obras de construção respeitante ao lote 15, suspensão reportada à data de 02/06/2009 ou reportada à data de 19/06/2009 e um segundo, em 09/04/2010 em que requer que, sem prejuízo de manter interesse na suspensão da contagem do prazo já requerida e que reitera, requer ainda a extensão para o dobro do prazo de três anos constante do alvará de autorização de obras de construção respeitante ao lote 15, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º do D.L. n.º 26/2010, de 30/03 (vide alíneas E) e F) do julgamento de facto).

Por despacho datado de 17/05/2010 da Vereadora do pelouro da Câmara Municipal foi indeferido o pedido de prorrogação do prazo da autorização de construção, conforme consta das alíneas H) e I) da factualidade assente.

Na ação instaurada a Autora vem impugnar o citado ato administrativo datado de 17/05/2010.

Na sentença recorrida analisou-se o regime previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03 em que a interessada, ora Autora, fundara o requerimento apresentado em 09/04/2010 sobre o pedido de extensão para o dobro do prazo de três anos constante do alvará de autorização de obras de construção respeitante ao lote 15, designadamente. o regime da sua entrada em vigor, a sua articulação com o regime normal de prorrogação e ainda com o regime de caducidade da licença, mais decidindo que esse pedido do interessado deve ser deferido de imediato, por inexistir margem de apreciação da Administração.

Em face da concreta pretensão formulada pela Autora na petição inicial, a sentença recorrida não omite o conhecimento e decisão sobre qualquer questão, pois analisa e decide sobre o objeto do processo.

A questão que se mostra suscitada pelo Recorrente, relativa à suspensão da contagem do prazo da licença que serve de fundamento ao ato impugnado e que a ora Recorrente considera constituir um facto impeditivo do deferimento da pretensão da interessada à prorrogação do prazo nos termos requeridos, não constitui uma questão sobre o qual recai o dever legar de decidir, mas antes um fundamento do ato impugnado.

Relevará necessariamente para efeitos da apreciação do erro de julgamento da sentença e, por via dela, para efeitos de conhecimento da legalidade do ato impugnado, que indefere a pretensão requerida de prorrogação para dobro do prazo da licença com fundamento em tal prazo se encontrar suspenso, mas não serve para fundar a nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A sentença conheceu e decidiu sobre o objeto do processo, sendo que este não integra a pretensão de suspensão da contagem do prazo, apenas constituindo o fundamento usado pela Administração para indeferir a pretensão da interessada.

Por conseguinte, improcede o fundamento do recurso, por não provado, não enfermando a sentença recorrida na nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo Recorrente.

2. Erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 4 e 8.º do D.L. n.º 26/2010, de 30/10, conjugado com os artigos 58.º, n.ºs 1, 2 e 9 e 59.º do D.L. n.º 555/99, de 16/10

Discorda o Recorrente da sentença que foi proferida invocando o erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 4 e 8.º do D.L. n.º 26/2010, de 30/10, conjugado com os artigos 58.º, n.ºs 1, 2 e 9 e 59.º do D.L. n.º 555/99, de 16/10, por entender que encontrando-se suspensa a licença, tal obsta ao deferimento do pedido de prorrogação do prazo para dobro apresentado pela interessada em 09/04/2010 (alínea F) dos factos assentes).

Mais alega que a alínea K) a que se reporta o ato impugnado indeferiu o pedido de prorrogação do prazo de execução das obras de construção de 3, para 6 anos, com fundamento no facto de os efeitos da licença se encontrarem suspensos.

Assim, defende que considerando a suspensão dos efeitos da licença, esta suspensão tem como consequência necessária a paralisação do prazo para a execução da obra particular, desde 17/09/2009 e impede a caducidade da licença, nos termos do artigo 71.º, n.º 3, d), sendo, consequentemente, inaplicável o artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 26/2010, de 30/10.

Sem razão.

Em primeiro lugar impõe-se dizer que não assiste razão ao Recorrente quando reputa o ato impugnado ser o que se dá como provado na alínea K) do julgamento de facto, por não ter sido esse o ato que foi impugnado pela Autora, nos termos constantes da petição inicial.

O ato impugnado é o que se encontra provado na alínea H), com a fundamentação que foi notificada à Recorrente constante do respetivo ofício que consta da alínea I) do probatório.

O ato que o Recorrente reputa como sendo o ato impugnado é apenas um ato confirmativo do ato impugnado, já que o mantém, embora acrescido de fundamentação.

Além disso, o ato impugnado é um verdadeiro ato administrativo.

Em segundo lugar, não assiste razão ao Recorrente ao fundamentar o indeferimento do pedido de extensão para o dobro do prazo de três anos constante do alvará de autorização de obras de construção, respeitante ao lote 15, fundado no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, na suspensão da contagem do prazo anteriormente requerida pela interessada e entretanto deferida.

O regime da suspensão dos efeitos da licença distingue-se do regime excecional de extensão dos prazos para a execução de obras, previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, com ele não se confundindo, podendo um e outro aplicar-se à mesma situação jurídica.

A circunstância de a Administração ter deferido o pedido de suspensão dos efeitos da licença não obsta à aplicação do regime excecional da prorrogação do prazo.

A pretensão da Autora, em beneficiar do regime legal excecional da extensão dos prazos previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, não interfere, nem colide com a suspensão dos efeitos da licença, antes acarretando que quando cessar a citada suspensão, passe a dispor do dobro do prazo do que havia inicialmente concedido.

Os pressupostos de direito em que a Entidade Demandada, ora Recorrente se baseia para indeferir o pedido de prorrogação não se verificam, pois a circunstância de ter sido deferido o pedido de suspensão apresentado pela interessada não constitui qualquer impedimento a que a pretensão da prorrogação excecional do prazo possa coexistir.

Está em causa a aplicação de um regime excecional, assim expressamente qualificado pelo legislador, de duração limitada no tempo, cuja justificação se deveu ao período de grande dificuldade económico-financeira existente no país, que obstaculizava à realização das obras dentro dos prazos das respetivas licenças.

Indo ao encontro das dificuldades existentes, visou criar as condições para que as obras licenciadas pudessem ser executadas num período mais dilatado.

Nesse sentido, nada obsta a que certa licença que se encontra suspensa, não possa ver o seu prazo alargado.

De resto, a Recorrente que dirige o erro de julgamento contra a sentença recorrida limita-se a invocar a errada interpretação e aplicação do regime legal, sem invocar qualquer razão que permita fundar a defesa da tese da inaplicação do regime legal previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03 à concreta situação jurídica da Autora.

A sentença recorrida analisou corretamente o regime previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, dele decorrendo a aplicação aos procedimentos já iniciados à data da sua entrada em vigor (artigo 5.º) e embora a entrada em vigor do diploma tenha sido prevista para 90 dias após a sua publicação, não tem razão de ser a razão invocada pelo Recorrente de a suspensão do prazo impedir a produção dos efeitos da autorização, assim como da caducidade do título.

Nestes termos, não pode proceder a censura que se mostra dirigida contra a sentença recorrida, a qual não incorreu no erro de julgamento que se mostra invocado.


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Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto, por não provado o seu fundamento.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A questão da suspensão da contagem do prazo da licença que serve de fundamento ao ato impugnado, não constitui uma questão sobre o qual recai o dever legar de decidir, mas antes um fundamento do ato impugnado, que releva necessariamente para efeitos da apreciação do erro de julgamento da sentença e, por via dela, para efeitos de conhecimento da legalidade do ato impugnado, mas não para fundar a nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II. O regime da suspensão dos efeitos da licença distingue-se do regime excecional de extensão dos prazos para a execução de obras, previsto no D.L. n.º 26/2010, de 30/03, podendo um e outro aplicar-se à mesma situação jurídica.

III. A circunstância de a Administração ter deferido o pedido de suspensão dos efeitos da licença não obsta à aplicação do regime excecional da prorrogação do prazo, antes acarretando que quando cessar a citada suspensão, a autora passe a dispor do dobro do prazo do que havia inicialmente concedido.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Paula da Ferreirinha Loureiro)