Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:444/19.4BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:FALTA DE INTERESSE EM AGIR;
PRÉ-CONTRATUAL.
Sumário:
I- Se numa acção de contencioso pré-contratual a A. não impugna o acto que excluiu a sua proposta do concurso e apenas impugna o acto que admitiu a proposta de outra concorrente, Contra-interessada nos autos e se verifica que a proposta da A. não poderia ser admitida, falece-lhe o pressuposto relativo ao interesse em agir, pois a eventual procedência dos pedidos que fez na acção não lhe traz nenhum benefício directo e pessoal;
II- Os alegados benefícios da A., relativos à necessária deserção do concurso e à provável abertura de novo procedimento concursal, onde apresentaria uma proposta já formalmente correcta, são vantagens indirectas e meramente eventuais;
III - Conforme art.º 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, tem legitimidade activa para impugnar um acto administrativo – no caso, o acto que admitiu a proposta da Contra-interessada – quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal;
IV - Mas, para preencher o pressuposto relativo ao interesse em agir, exige-se, ainda, que haja um interesse directo, pessoal, actual e efectivo, que tenha cobertura no Direito e necessite de ser acautelado judicialmente. O A. terá de demonstrar no processo que necessita de proteger um interesse ou direito através do processo judicial e que o uso de tal meio é idóneo a esse efeito, porque através da acção que apresenta consegue a reintegração ou a satisfação do seu interesse ou direito. Assim, a interposição da acção e a sua eventual procedência têm de trazer para o A. uma efectiva utilidade, um benefício ou uma vantagem real.
V – A excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir determina a absolvição da instância.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Município de Loulé interpôs recurso do despacho saneador do TAF de Loulé, que julgou não verificada a excepção de falta de interesse em agir da A. e Recorrida e da sentença final, que julgou procedente a presente acção e anulou os actos de admissão e de adjudicação da proposta da B........, proferidos no concurso público para “fornecimento e montagem de equipamento para espaço de jogo e recreio - Seiceira – Ameixial”.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “ I - Conforme disposto no artigo 55° nº 1. al. a) do CPTA têm legitimidade activo, nas acções que envolvam a apreciação do legalidade de actos administrativos, quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal lesado pelo acto impugnado, sendo que a alegação de um interesse pessoal releva para aferir da legitimidade, enquanto que a alegação de um interesse dlrecto releva para aferir do Interesse em agir.
II - Salvo melhor opinião, uma vez que a A., ora Recorrida, não procedeu à impugnação do ato que determinou a sua exclusão, falta-lhe a legitimidade activa e o interesse em agir para impugnar o acto de adjudicação. (Cfr.Acordõo do TCAS de 10.03.2016. in www.dgsi.pt supra mencionado)
IlI. Acresce que, sem conceder, decorre do consagrado no artigo 615º. nº 1 al. d) do CPC que o Juiz não pode apreciar ou conhecer questões de que não podia tomar conhecimento. daí que se entenda, que lhe estava vedado o apreciação e conhecimento da eventual ilegalidade da al.ix do artigo 7° do Programa de concurso, e, consequente anulação do ato de adjudicação com esse fundamento, o que determina a nulidade do douta sentença recorrida e consequente revogação.
IV. De igual modo do disposto artigo 615°, nº l. al. e) do CPC o Juiz não pode condenar o Réu a anular a al. ix do artigo 7° do Programa, por tal extravasar a causa de pedir e pedido da A ., o que determina a nulidade da douta sentença recorrida e consequente revogação.”

A Recorrida C........, Lda. (CRP), nas contra-alegações apresentadas não apresenta conclusões.

O DMMP não apresentou pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada, pelo que se mantém:
A) Em 29/04/2019 foi publicitado na plataforma electrónica o Concurso Público para “Fornecimento e Montagem de Equipamento para Espaço de Jogo e Recreio – Seiceira - Ameixial” (cfr. p.a.);
B) Na mesma data foi publicado o caderno de encargos e o programa de procedimento para o concurso referido na alínea anterior, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dos quais se transcrevem as seguintes cláusulas pela sua relevância para a decisão da causa:
“Caderno de Encargos:
(…) ARTIGO 8º
Critério de adjudicação:
1. A adjudicação será feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 74» do Código dos Contratos Públicos.
2. Após avaliação das propostas se se verificar empate entre duas ou mais propostas o desempate far-se-á mediante o recurso a sorteio.
(…) “Parte II – Cláusulas Técnicas
(…) 1.2 – Referências na Escolha do Equipamento e Piso Amortecedor
• Pretende-se, para a área disponível, a criação de zonas únicas que, privilegiando as características de polivalência, se destinem a uma faixa etária dos 3 aos 12 anos, com equipamentos predominantemente lúdicos e que suscitem jogos de grupo, de forma a desenvolver um relacionamento social, na base da descoberta, aventura, criatividade e imaginação.
• No que diz respeito aos equipamentos a instalar, os modelos terão de, obrigatoriamente, estar em conformidade com as normas legislativas respeitantes à qualidade, segurança e durabilidade, sendo para tal exigido um certificado individual de qualidade, passado por entidade independente e acreditada para o efeito.
•(…) • A entidade adjudicatária deverá assegurar a entrega de certificados relativamente a segurança das superfícies de impacto, depois da realização dos respetivos testes de ensaio por empresa creditada para o efeito (só mediante a apresentação dos respetivos certificados se dará a obra por concluída).
• Todos os documentos apresentados na proposta pela empresa adjudicatária referente aos equipamentos e pavimento de segurança, deverão obrigatoriamente fazer-se acompanhar de sua respetiva tradução em português e certificada por entidade independente.(…) (cfr. p.a.);
C) No programa de concurso solicita-se que a proposta seja apresentada com certos documentos e na alínea ix) do art. 7º, exigem-se “Certificados relativamente a segurança de superfícies de impacto, depois da realização dos respectivos testes de ensaio por empresa creditada para o efeito (só mediante a apresentação dos respectivos certificados se dará a obra por concluída (documentos a anexar pelo concorrente)” (cfr. p.a.);
D) Em 10/05/2019 foi feito relatório preliminar de análise das propostas, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde consta, nomeadamente:
“(…) 5.2 Proposta de Adjudicação
Considerando que apenas foi admitida uma proposta, propõe-se que a adjudicação do fornecimento e montagem de equipamento para espaço de jogo e recreio - Seiceira - Ameixial, se efetue ao concorrente n.º 1 - B........, LDA, pelo valor de € 19.635,17 (dezanove mil, seiscentos e trinta e seis euros e dezassete cêntimos) nos termos da proposta apresentada. (…)”
E) Foi os concorrentes notificados para o exercício de audiência prévia, tendo a A. apresentado requerimento nesse âmbito (cfr. p.a.);
F) Em 23/05/2019 o júri elaborou o relatório final das propostas, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente, que:
“(…) Na sequência de idêntica reclamação por parte do concorrente Comércio e Reciclagem de Produtos, em 2017, com o mesmo objeto, foi solicitado pelo Município de Loulé, esclarecimento a duas entidades acreditadas: instituto aiju - Instituto Tecnológico de Producto Infantil y Ocio e Instituto Português de Acreditacão, I.P. (IPAC, I.P.), tendo sido prestado os seguintes esclarecimentos:
a.i) "Nas superfícies de jogo, e especialmente se são "in situ", não se pode falar de certificado de segurança. Todas as superfícies de jogo podem ser seguras porque 0 certificado de segurança não pode indicar que a superfície cumpre a norma EN 1177 e EN 1176-1, porque a conformidade e equipamentos de segurança vai depender do tipo de jogo que nós damos à área de jogo. Por exemplo, se uma superfície apresente uma altura de queda critica de l,3m implica que todos os equipamentos que se possam colocar devem apresentar uma altura livre de queda inferior a l,3m. Quando se realiza um ensaio de acordo com a norma EN 1177, o que se obtém é um resultado da altura critica de queda. Este resultado permitir-nos-á saber os equipamentos de jogo que queremos instalar. Um pavimento "in situ" não se pode certificar porque depende de muitos parâmetros. O certificado de ensaio tem atribuído um número de relatório de ensaio onde aparece a nossa acreditação (ENAC) reconhecido por IPAC. Pode solicitar ao fabricante destes números de ensaios onde aparece lá a nossa identificação e todos os ensaios realizados. Estes ensaios têm como objetivo oferecer ao cliente que foram ensaiados de acordo com a norma EN 1177 e que resultados apresentam."
(…) a.ii) O Instituto aiju - Instituto Tecnológico de Producto Infantil y Ocio, junta- se comprovativo de acreditação válida da ENAC para realizar as atividades que estão em causa (pavimento "In Situ"), conforme documentos em anexo. b) Pelo Instituto Português de Acreditação, I. P. (IPAC, I. P.}, o seguinte: a.ii) Quanto ao referido, onde o Instituto aiju - Instituto Tecnológico de Producto Infantil y Ocio refere que a acreditação (ENAC) é reconhecida pelo IPAC, respondeu o Instituto Português de Acreditação, i. P. que: "Confirmamos que a ENAC é signatária do acordo de reconhecimento mútuo relevante do «European cooperation for Accreditation», nos termos do Regulamento ICE) n.º 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, e como tai o IPAC reconhece as acreditações concedidas pela ENAC como equivalentes às que ele próprio concede." (comprovativos em anexo).
Assim, entendeu o júri do procedimento, na sequência da pronúncia em sede de audiência prévia apresentada pelo concorrente n.º 4 - Comércio e Reciclagem de Produtos, não dar provimento ã pronúncia em sede de audiência prévia quanto à certificação, uma vez que o certificado de ensaio apresentado cumpre o estipulado no nº 1 do art. 15º, do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17 de setembro, obedecendo assim o disposto nas normas europeias e é emitido por um organismo de reconhecimento mútuo relevante da «European cooperation for Accreditation», nos termos do Regulamento (CE) n.ºs 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008. Refira-se ainda que, um relatório de ensaio é efetivamente diferente de um certificado, no entanto e tratando-se de pavimento "In situ", o certificado só poderá ser emitido após instalação do pavimento, pelo que o relatório de ensaio confirma nesta fase que o pavimento está de acordo com o equipamento que se pretende instalar. Proposta de Adjudicação Mediante o atrás exposto, o Júri do concurso mantém o disposto no Relatório Preliminar, que a adjudicação do fornecimento e montagem de equipamento para espaço de jogo e recreio - Seiceira - Ameixial, se efetue ao concorrente n.º 1 - B........, LDA, pelo valor de € 19.636,17 (dezanove mil, seiscentos e trinta e seis euros e dezassete cêntimos) nos termos da proposta apresentada.” (cfr. p.a.);”

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil – CPC e 149.º do CPTA, acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
G) No art.º 7.º, ponto 1.4, al. iv) do Programa de Concurso (PC) estipula-se a obrigação de entrega de documentos relativos a “certificados dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança (EDM, SBR e cola/resina)” – cf. PA, em anexo.
I) No art.º 3.º, 1, 1.3, 1.8, 1.9 do Caderno de Encargos (CD) estipula-se o seguinte:”1- Sem prejuízo de outras obrigações previstas na legislação aplicável, no presente Caderno de Encargos ou nas cláusulas contratuais, da celebração do contrato decorrem para o adjudicatário as seguintes obrigações:
(…) 1.2- No que diz respeito aos equipamentos a instalar, os modelos terão de, obrigatoriamente, estar em conformidade com as normas legislativas respeitantes à qualidade, segurança e durabilidade, sendo para tal exigido um certificado individual de qualidade, passado por entidade independente e acreditada para o efeito.
(…) 1.8- Após a conclusão de todos os trabalhos nos Espaços de Jogo e Recreio, deverá a entidade adjudicatária proceder de imediato à realização de uma inspeção pós-instalação e ensaio a todos os equipamentos e superfícies de impacto por empresa acreditada e independente para o efeito com posterior emissão do relatório /certificado.
1.9- Consideram-se os trabalhos concluídos após realização da inspeção acima referida e da entrega de relatório que comprove a conformidade com as Normas Europeias de 2008 e legislação Nacional em vigor no âmbito da segurança.” – cf. PA, em anexo.
J) Foi entendido pelo júri do concurso que quer a proposta da B........ quer a proposta da CRP apresentavam as “iii) Fichas técnicas dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança (EPDM, SBR e cola/resina)”, os “iv) Certificados dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança (EPDM, SBR e cola/resina)”, as “v) Fichas técnicas de montagem dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança”, os “viii) Certificado individual de qualidade, passado por entidade independente e acreditada para o efeito, referente aos equipamentos a instalar (os modelos terão de, obrigatoriamente, estar em conformidade comas normas legislativas respeitantes à qualidade, segurança e durabilidade)” – cf Relatório preliminar no PA, em anexo.
J) Foi entendido pelo júri do concurso que a proposta da B........ apresentava os ”ix) Certificados relativamente a segurança de superfícies de impacto, depois da realização dos respetivos testes de ensaio por empresa creditada para o efeito (só mediante a apresentação dos respetivos certificado se dará a obra por concluída” e a proposta da CRP não apresentava estes documentos - cf Relatório preliminar no PA, em anexo.
L) Foi entendido pelo júri do concurso que a proposta da B........ apresentava ”xi) As propostas e documentos referentes aos equipamentos e pavimento de segurança” acompanhados “da sua respetiva tradução em português e certificada por entidade independente” e a proposta da CRP não apresentava estes documentos - cf Relatório preliminar no PA em suporte electrónico, em anexo.
M) A proposta da A. e Recorrida foi excluída do concurso considerando-se o seguinte: “O concorrente não apresenta documento que comprove que apresentará os certificados relativamente à segurança de superfícies de impacto, depois da realização dos respetivos testes de ensaio por empresa creditada para o efeito (só mediante a apresentação dos respetivos certificados se dará a obra por concluída), nem faz acompanhar a sua proposta de tradução em português, certificada por entidade independente, dos documentos apresentados em língua estrangeira, de acordo com o ponto 1.4 do art.º 7 do Programa de Procedimento e de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do Código de Contratos Públicos” - cf Relatório preliminar no PA, em anexo.
L) Com excepção da proposta da B........, todos as restantes propostas foram excluídas - cf. PA, em anexo.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste recurso são:

- aferir do erro decisório quanto á decisão inclusa no despacho saneador, que julgou não verificada a excepção de falta de interesse em agir da A. e Recorrida, porque esta não impugnou o acto que a excluiu do concurso.
- aferir da nulidade da sentença proferida, por ter sido invocada nas alegações a ilegitimidade activa da A. e Recorrida e a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre tal matéria;
- aferir da nulidade da sentença proferida e da violação do art.º 615.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC, por ter sido oficiosamente apreciada a ilegalidade da al. ix) do art.º 7.º do Programa de Concurso (PC) e ter sido anulado o acto de adjudicação com esse fundamento, quando a A. e Recorrida não invocou tal fundamento de invalidade nem requereu a anulação do acto de adjudicação com base nessa razão.

A CRP apresentou a presente PI, que indica como relativa a um contencioso pré-contratual, requerendo a final “A exclusão da proposta da co-interessada B........ Lda, por falta de cumprimento do disposto no artigo 7.º do programa de procedimento e no artigo 70º, n.º 2 al c) do CCP e por violação dos artigos 14.º e 15.º do DL n.º 203/2015 de 17 de Setembro e A anulação do contrato se entretanto o mesmo vier a ser celebrado”.
Para suportar tais pedidos, a A. e Recorrida, CRP, alega na PI que apresentou proposta no concurso em apreço e que tal proposta foi excluída. Mais diz a A. e Recorrida, que a exigência inclusa no art.º 7.º, al. iv), do PC, era relativa a um certificado de produto, ao passo que a exigência inclusa nos art.ºs 7.º, al. ix), do PC e 3.º, 1.2, do Caderno de Encargos (CE), era relativa a um certificado de segurança. Alega a A. e Recorrida, que reclamou em audiência prévia relativamente à proposta de adjudicação, por entender que tinha sido preterida pela B........ a obrigação de entrega dos documentos indicados no art.º 7.º, al. iv), do PC. Considera a A. que o documento que a B........ entregou era um mero certificado de ensaio, que só podia ser emitido após a realização da obra, sendo uma condição de boa execução da obra e não um certificado da qualidade dos materiais, que se evidenciava como um pré-requisito, tal como se exigia pelos art.ºs. 7.º, al. iv), do PC, 14.º, 15.º, n.ºs 4 e 5 e 25.º do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17/09. Igualmente, diz A. e Recorrida que a B........ não apresentou os referidos documentos traduzidos para português. Diz ainda a A. e Recorrida, que a sua proposta foi ilicitamente excluída, porque o documento indicado nos art.ºs 7.º, al. ix), do PC e 3.º, 1. do CE, relativo aos certificados de segurança das superfícies de impacto, só era possível entregar depois de realizada a obra e que previamente só se poderia entregar um certificado de produto que comprovasse a conformidade com a norma EN1177, que é algo diferente. A A. e Recorrida invoca a violação das citadas normas, legais e concursais e do princípio da concorrência.
Apresentada a contestação pelo Município de Loulé, vêm suscitadas as excepções de falta de interesse em agir, por a A. e Recorrida não ter impugnado o acto que a excluiu do concurso e a ineptidão da PI, por a mesma ser totalmente omissa na identificação do acto que determinou a adjudicação do concurso à B........ e nela não se impugnar tal acto de adjudicação.
Em resposta, a A. e Recorrida vem dizer que tem interesse em pugnar pela exclusão da proposta da B........, porque com essa exclusão o procedimento ficará deserto e terá de ser aberto um novo procedimento, o que lhe permitirá apresentar uma nova proposta, rectificando uma falha antes cometida – a relativa à falta de tradução das fichas técnicas dos equipamentos – e assim obter a satisfação do seu interesse patrimonial na realização da obra.
Foi prolatado o despacho saneador, ora recorrido, que julgou não verificada a excepção de ineptidão da PI, assim como julgou não verificada a excepção de falta de interesse em agir, por o interesse da A. e Recorrida visar “a exclusão de todas as propostas, por considerar que nem a Contra-interessada poderia ser admitida.” Mais se entendeu no despacho saneador, que é “o acto de não exclusão coincidente com a adjudicação – o acto que pretende ver afastado da ordem jurídica e substituído por outro que decida não haver lugar à adjudicação e revogue a decisão de contratar, legitimando o seu interesse em agir, nesta medida, na possibilidade de abertura de um novo procedimento por parte da entidade demandada”.
Nesta óptica, considerou-se no despacho saneador que o acto de não exclusão da proposta da B…………… - por a Entidade Contratante entender que a sua proposta cumpria a exigência do art.ºs 7.º, al. ix), do PC - acabava por prejudicar directamente a A. Considerou-se que não podendo ser admitida nenhuma proposta - por tal cláusula não o permitir – daí decorria necessariamente um interesse para a A. e ora Recorrente.
Seguidamente, foi prolatada a sentença final recorrida, que na mesma óptica apreciou da invocação que vinha feita na PI, relativa ao erro cometido pela Entidade Contratante que admitiu a proposta da Contra-Interessada B........ sem que a mesma tivesse apresentado o certificado de segurança que se exigia nos termos do art.º 7.º, al ix), do PC e 3.º, n.º 1.2. do CE. Da fundamentação adoptada na sentença final que foi proferida, compreende-se que o Tribunal ad quo faz reportar a alegação da A. relativa ao erro na exigência da apresentação com a proposta de um certificado de segurança quer à invocada omissão dessa apresentação pela Contra-interessada, por tal apresentação ser impossível àquela data – por ser algo que só poderia ser apresentado após a execução da obra – quer às próprias razões que foram apresentadas pela Entidade Adjudicante para excluir a proposta da A. e Recorrente.
Consequentemente, seguindo este raciocínio, o Tribunal ad quo julgou ilegal a determinação contida no art.º 7.º, al. ix), do PC, julgou “a ilegalidade dessa peça concursal”, de “todos os actos subsequentes, inclusivamente a exclusão da A. e restantes concorrentes e a admissão da Contra-interessada”, acrescentou que “não pode a entidade demandada deixar de anular todo o procedimento com fundamento na ilegalidade do art.º 7º al ix)” e terminou anulando “o acto de admissão e adjudicação da proposta da Contra-interessada”.
Ora, este raciocínio do Tribunal ad quo foi errado, pois baseou-se numa interpretação defeituosa da causa de pedir e dos pedidos formulados na PI, que condicionou tanto a decisão tomada em sede de despacho saneador, como a decisão final que foi proferida.
Porque o Tribunal ad quo configurou a pretensão formulada nestes autos como visando a invalidação ab initio do concurso, por ser ilegal a exigência constante do art.º 7.º, al. ix), do PC, julgou que tal norma concursal não poderia ser um fundamento válido para a admissão da proposta da Contra-interessada e para a exclusão da proposta da ora A.
Porém, apreciada a PI, constata-se, que as referências que aí são feitas ao art.º 7.º, al. ix), do PC vêm associadas a um invocado erro na exclusão da proposta da A. e não a um erro na admissão da proposta da Contra-interessada.
Na PI a A. e Recorrida alega que a sua proposta foi mal excluída porque cumpria as exigências dos art.º 7.º, al. ix), do PC e 3.º, 1.2, do CE, que eram relativas a um certificado de segurança que só poderia ser apresentado no termo da obra e não junto com a proposta.
Depois, relativamente às determinações contidas nas als. iv) e ix) do art.º 7.º do PC e no art.º 3.º, ponto 1.2 do CE, a A. vem dizer que tais determinações foram mal interpretadas pela Entidade Contratante. Considera a A. e Recorrida que a B........ não entregou um documento que certificasse o produto – pois só entregou documentos relativos a um ensaio - como mandava o art.º 7.º, al. iv), do PC e os art.ºs 14.º, 15.º, n.ºs 4 e 5 e 25.º do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17/09, ao passo que a proposta por si apresentada juntou tal certificação. Seguidamente, por essa razão, a A. pugna pela exclusão da proposta da B…………...
Por seu turno, a final da PI a A. e Recorrida não pede nem para serem declaradas inválidas as determinações contidas nas als. iv) e ix) do art.º 7.º do PC e no art.º 3.º, ponto 1.2 do CE, nem para que a sua proposta seja admitida a concurso, ou para que a adjudicação que tenha sido feita da proposta da Contra-Interessada seja julgada inválida.
Atendendo às alegações inclusas nas várias peças processuais que a A. e Recorrida entregou, compreende-se, também, que por via da presente acção esta apenas pretendeu impugnar a interpretação que foi dada pela Entidade Contratante ao art.ºs 7.º, al. iv), do PC, para assim impugnar o acto de admissão da proposta da B......... Como a própria A. e Recorrida alega, sendo excluída a proposta da B........, a única concorrente admitida no concurso, tal concurso ficará deserto e será preciso lançar um novo concurso, ao qual concorrerá novamente, mas corrigindo uma das suas falhas anteriores e que justificaram a não admissão da sua proposta – a falha relativa à não entrega dos documentos traduzidos.
Portanto, porque se orientou segundo o supra indicado raciocínio - ou talvez porque tenha entendido que o acto de adjudicação teria necessariamente que cair com a procedência da invocada ilegalidade na admissão da proposta da B………. e sua consequente exclusão - a A. e Recorrida não indicou na PI visar impugnar o acto de adjudicação da proposta da B………, não lhe apontando quaisquer invalidades.
Mais se indique, que nos autos não vem alegado por nenhuma das partes que tenha ocorrido tal acto de adjudicação. A prova da existência desse mesmo acto não foi junta aos autos nem consta do PA.
Em suma, quando o Tribunal ad quo interpretou a PI – a causa de pedir e os pedidos aí formulados – como visando a impugnação da exigência inclusa no art.ºs 7.º, al. ix), do PC, que se entendeu impossível de cumprir pela Contra-interessada B……….. e também não exigível à proposta da A. e Recorrida, errou, pois não derivava da PI que fosse essa a pretensão formulada na presente acção. Identicamente, o Tribunal errou quando interpretou a PI como visando reagir contra o acto que excluiu a proposta da A. do concurso, por a exigência inclusa no art.ºs 7.º, al. ix), do PC ser ilegal ou quando interpretou a PI como visando reagir contra o acto de adjudicação.
Admite-se que a PI não é inteiramente clara na explicitação da causa de pedir e no raciocínio que desenvolve para justificar os pedidos que formula a final.
Sem embargo, é inelutável que através da PI não se pede a admissão da proposta da A. ao concurso. Não se faz tal pedido, obviamente, porque se sabe que essa pretensão não poderia ser julgada procedente, pois está assente que entre as razões pelas quais a A. não foi admitida ao concurso está aquela que se relaciona com a entrega de documentos não traduzidos.
Identicamente, é inelutável que através da PI não se impugna o acto de adjudicação, pois esse acto não vem indicado na acção, nem resulta provado que exista.
Ainda que a PI não seja totalmente clara, é também compreensível através da leitura atenta desta peça processual que quando a A. impugna a exigência constante dos art.ºs 7.º, al ix), do PC e 3.º, 1. do CE, relaciona esta alegação apenas com o acto que determinou a exclusão da sua proposta e já não com a admissão da proposta da Contra-interessada. Porém, relativamente ao acto que exclui a proposta da A. do concurso, como já antes mencionamos, este acto não vem impugnado na presente acção.
Tal se evidencia através do n.º 13 da resposta apresentada pela A. e Recorrida às excepções invocadas, nas suas próprias palavras, nesta acção a A. apenas “reclama do acto de admissão da proposta da contrainteressada, contra o que dispõe o caderno de encargos e o artigo 7º, 1.4, iv) do programa de procedimentos “Certificados dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança…”.
Como decorre da factualidade assente, o que se exige no art.º 7.º, al iv), do PC, é a entrega de documentos relativos a “certificados dos equipamentos de jogo e pavimento de segurança (EDM, SBR e cola/resina)”. Depois, remete-se no art.º 3.º, n.º 1, ponto 1.2, do CE, quanto a estes documentos para “um certificado individual de qualidade, passado por entidade independente e acreditada para o efeito”.
Só nos art.ºs 7.º, al ix), do PC e 3.º, 1. do CE, é que se exige “Certificados relativamente a segurança de superfícies de impacto, depois da realização dos respectivos testes de ensaio por empresa creditada para o efeito (só mediante a apresentação dos respectivos certificados se dará a obra por concluída (documentos a anexar pelo concorrente)” - cf. também art.º 3.º, n.º 1, pontos 1.8 e 1.9 do CE.
O júri do concurso entendeu que quer a proposta da B........ quer a proposta da CRP apresentavam os documentos exigidos pelo art.º 7.º, al iv), do PC. Apenas com relação aos documentos exigidos nos art.ºs 7.º, al ix), do PC e 3.º, 1. do CE, é que foi entendido pelo júri que a proposta da B………… os contemplava e os da A. e ora Recorrida não.
Na sentença final, também recorrida, não se atentou no que se requeria nas diferentes alíneas do art.º 7.º do PC, nem no teor da decisão do júri, expresso no relatório preliminar. Da mesma forma, não se considerou os concretos pedidos que vinham feitos na PI e discorreu-se acerca das obrigações que vinham impostas pelo art.ºs 7.º, al ix), do PC e 14.º, 15.º, n.ºs 4 e 5 e 25.º do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17/09, para se terminar julgando ilegal aquele art.ºs 7.º, al ix), do PC.
Ora, como já se salientou, a referida ilegalidade do art.ºs 7.º, al ix), do PC, não vinha invocada nem requerida na PI e não era o fundamento aduzido pela A. para justificar a alegada invalidade do acto que admitiu a proposta da B......... O fundamento para essa alegada invalidade residia na errada interpretação de uma exigência diferente – a referida na al. iv) do art.º 7.º do PC – apreciação a que se alheou o Tribunal ad quo. Ou seja, o Tribunal ad quo não atentou na apreciação da alegada invalidade do acto de admissão da proposta da B........, por violar a al. iv) do art.º 7.º do PC e por não incluir documentos traduzidos e focou a sua apreciação na ilegalidade do que vinha exigido pela al. ix), do art.ºs 7.º, do PC, que era uma invocação apenas relativa ao erro na exclusão da proposta da A. e Recorrida, cuja apreciação não se requeria por não corresponder a um pedido que tivesse sido formulado na PI e relativo à ilegalidade de tal norma ou à ilegalidade do acto de exclusão da proposta da A. e Recorrida.
Ora, foi este raciocínio – equivocado - que veio a ser desenvolvido na decisão final, que terá estado na base da decisão proferida em sede de despacho saneador e que levou a que se julgasse não verificada a excepção de falta de interesse em agir.
Como decorre dos factos provados, ora acrescentados, a A. e Recorrida foi excluída no concurso por não ter entregue documento que comprovasse que apresentaria os certificados de segurança de superfícies de impacto depois da realização dos testes de ensaio e no termo da obra e por não ter traduzido para português os documentos apresentados em língua estrangeira.
Como já se disse, na PI a A. veio pedir a exclusão da proposta da B………… com fundamento na falta de entrega por esta concorrente do documento exigido nos termos do art.º 7.º, al. iv), do PC, por o documento que entregou ser um mero certificado de ensaio, que não certificava a qualidade dos materiais, tal como se exigia pela indicada norma concursal e pelos art.ºs 14.º, 15.º, n.ºs 4 e 5 e 25.º do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17/09.
Mais diz a A. e Recorrida, que relativamente ao documento exigido nos termos do art.º 7.º, al. iv), do PC, a B........ não apresentou a tradução para português.
A A. e Recorrida na PI alega, ainda, que a sua proposta foi ilicitamente excluída, porque o documento indicado nos art.ºs 7.º, al ix), do PC e 3.º, 1. do CE, relativo aos certificados de segurança das superfícies de impacto só era possível entregar depois de realizada a obra e que previamente só se poderia entregar um certificado de produto que comprovasse a conformidade com a norma EN1177.
Como já indicamos, através desta acção a A. e Recorrida não veio pedir nem a ilegalidade das referidas normas concursais, nem impugna o acto que excluiu a sua proposta do concurso. Ou seja, o que a A. e Recorrida peticionou foi somente a apreciação da ilegalidade do acto que admitiu a proposta da B........, com fundamento na não entrega por esta empresa do documento exigido nos termos do art.º 7.º, al. iv), do PC e na não tradução desse documento. A final da PI, a A. também pediu “a anulação do contrato se entretanto o mesmo vier a ser celebrado”.
Mas já quanto à invocação da má interpretação feita pelo júri do concurso relativamente à exigência constante do art.ºs 7.º, al ix), do PC e 3.º, 1. do CE, vem alegada na PI apenas porque se entende que motivou a exclusão - ilegal - da proposta da A. e Recorrida. Consequentemente, como já sublinhamos, a A. e Recorrida não peticionou a final nem a declaração da ilegalidade das normas concursais, nem impugnou o acto que exclui a proposta que apresentou no concurso.
Nestes termos, delimitada a PI pelos seus concretos pedidos, com a eventual procedência dos mesmos a A. e Recorrida só poderia almejar que fosse julgada a ilegalidade do acto que admitiu a proposta da B……… e, em consequência, que fosse anulada a adjudicação e anulado o contrato que com aquela tivesse sido celebrado.
Ora, este julgamento não lhe traria nenhum benefício directo e pessoal. Por via dele nunca poderia a A. e Recorrida aspirar a ver admitida e escolhida a proposta que já apresentou.
Quanto aos benefícios que a A. e Recorrida invoca – relativos à necessária deserção do concurso e à provável abertura de novo procedimento concursal, onde apresentaria uma proposta já formalmente correcta – são vantagens indirectas e meramente eventuais.
Conforme art.º 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, tem legitimidade activa para impugnar um acto administrativo – no caso, o acto que admitiu a proposta da Contra-interessada – quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal.
Mas, para preencher o pressuposto relativo ao interesse em agir, exige-se, ainda, que haja um interesse directo, pessoal, actual e efectivo, que tenha cobertura no Direito e necessite de ser acautelado judicialmente. O A. terá de demonstrar no processo que necessita de proteger um interesse ou direito através do processo judicial e que o uso de tal meio é idóneo a esse efeito, porque através da acção que apresenta consegue a reintegração ou a satisfação do seu interesse ou direito. Assim, a interposição da acção e a sua eventual procedência têm de trazer para o A. uma efectiva utilidade, um benefício ou uma vantagem real.
Esse interesse inexiste no caso da A. e Recorrida, que tem apenas tem interesses reflexos ou indirectos na anulação do acto que admitiu a proposta da Contra-interessada. Em si mesmo, tal acto que admitiu a proposta da Contra-interessada não lesa de forma directa, imediata e efectiva nenhum direito seu, assim como não lesa um seu interesse, que seja legalmente protegido. Como reverso, através da presente acção a A. e Recorrida também não alcança nenhuma utilidade imediata e pessoal, pois ficaria sempre excluída no concurso, por falta da entrega de documentos obrigatórios. Identicamente, porque a sua proposta tinha sempre de ser excluída, numa poderia através desta acção ver a sua proposta adjudicada ou o contrato consigo celebrado - cf. neste sentido, entre outros, os Acs do STA n.º 01131/15, de 25/11/2015 ou do TCAS n.º 07710/11, de 12/09/2013, n.º 11547/14, de 04/12/2014, n.º 13299/16, de 30/06/2016 ou n.º 13132/16, de 15/02/2018.
Por conseguinte, no caso em apreço, tal como vem configurada a PI, a A. e Recorrida apresenta-se apenas com um interesse longínquo, eventual e hipotético, só passível de se tornar real, vg. se acaso o concurso fosse julgado deserto e a Entidade adjudicante decidisse lançar novo concurso.
Ou seja, no caso, verifica-se a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir por banda da A. e Recorrida, que determina a absolvição da instância – cf. art.ºs. 278,º, n.º 1, al. e) e 576.º, n.ºs 1 e 2, CPC, ex vi art.º 1.º CPTA.
Verificada esta excepção, há que anular os actos subsequentes, aqui se incluindo a sentença final que vem recorrida e fica prejudicado o conhecimento das restantes alegações de recurso relativas à nulidade desta última decisão.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogar o despacho saneador e julgar verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir da A., absolvendo-se o R. da instância;
- em anular os actos subsequentes e julgar prejudicado o conhecimento das restantes alegações de recurso;
- custas em 1.ª instância e de recurso pela A. e Recorrida (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020.


(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)