Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:257/15.2BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL VS IMPUGNAÇÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
TUTELA DA CONFIANÇA.
Sumário:1 - A nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.

2 – Questões não se confundem com factos.

3- Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação, está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.

4 - No âmbito da actividade administrativa, são pressupostos da tutela da confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

5 – Não desconhecendo a Recorrente o que está legalmente estabelecido em matéria de notificações electrónicas, nem tão-pouco que, ao cabo do procedimento inspectivo, de que foi alvo, ser-lhe-ia liquidado imposto respeitante a retenções na fonte, saberia (ou deveria saber) que, a qualquer momento, a AT iria proceder à comunicação dos actos liquidação consequentes, pelas formas previstas na lei, nas quais se inclui a utilização da caixa postal electrónica.

6 - O direito da Recorrente, e que não pode deixar de ser protegido, é o de ser notificada do acto de liquidação e de o ser pelas formas legalmente previstas. Coisa diferente é considerar que, não obstante a existência de diferentes formas de notificação, era expectável que, no caso, a forma adoptada fosse uma e não outra, já que anteriormente outra tinha sido a prática seguida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


1- RELATÓRIO

Sociedade .........., SA, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a oposição deduzida com respeito ao processo de execução fiscal nº .........., instaurado pelo Serviço de Finanças de Belmonte, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

Não podendo a recorrente ignorar o que se encontra legalmente estabelecido em matéria de citações eletrónicas, tendo as correções técnicas aos elementos por si declarados à administração tributária, sido introduzidos no decurso de um procedimento inspetivo em que a regra é a notificação pessoal ou por via postal, a alteração a esta prática recorrendo à citação eletrónica, à qual a recorrente não acedeu, e por este facto não foi notificada, constitui uma violação ao princípio da confiança nos procedimentos administrativos, tutelarmente previstos na Constituição da República Portuguesa.

A violação deste princípio afetou os direitos de defesa da recorrente e de acesso aos tribunais, e determina a nulidade dos atos processuais que foram subtraídos ao seu conhecimento.

Não conhecendo a existência do imposto, porque este não chegou ao conhecimento de facto da recorrente, esta, na oposição, atacou a execução usando como fundamento um pressuposto que cai no âmbito da al. i) do artigo 204º do CPPT que tem a ver com a existência do imposto e a sua exigibilidade.

A decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia ao não dar como provado a data de pagamento voluntário do imposto.

Tendo sido dado como assente que a recorrente se tem como validamente notificada a 15-01-2015, e que a petição inicial entrou a 16-04-2015, dever-se-ia ter procedido à convolação do processo, pois nessa data, mesmo partindo do pressuposto que a data limite do pagamento do imposto ocorreu a 15-01-2015, a recorrente estava em tempo para deduzir Impugnação Judicial.

e

A atender-se haver erro na forma do processo,

Ordenar a convolação para a forma processual adequada.

Assim se fazendo justiça.


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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. parecer de fls. 102 a 104).

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:


1. Em 19.12.2014 foi elaborada, em nome da Oponente, a liquidação de retenções na fonte, do ano de 2011, com o n.º 2014.........., no valor de EUR 580.500,00, e a liquidação dos juros compensatórios, com o n.º 2014.........., calculados sobre a referida quantia, no valor de EUR 76.848,65, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 16.02.2015 (e não 16.02.12, como por manifesto lapso consta da sentença) – cfr. demonstração de liquidação de retenções na fonte de fls. 119 do processo de execução fiscal.

2. Em 21.12.2014 o ofício de demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR a que se refere o ponto anterior do probatório foi enviado e integrado no via CTT e entregue na caixa postal electrónica do Via CTT da Oponente – cfr. documento de fls. 120 do processo de execução fiscal.

3. Em 05.03.2015 foi autuado, no Serviço de Finanças de Belmonte, o processo de execução fiscal n.º .......... (doravante, PEF), no qual é executada o Oponente, para cobrança da quantia exequenda no valor de EUR 657.348,65, referente a dívida de IRS, do ano de 2011, e respectivos juros – cfr. autuação, certidão de dívida e detalhe da quantia exequenda de fls. 14 a 16 do processo de execução fiscal.

4. Em 16.03.2015 o Chefe do Serviço de Finanças de Belmonte emitiu, no âmbito do PEF, mandado de citação com vista à citação da Oponente para pagamento da dívida em cobrança coerciva – cfr. mandado de citação de fls. 19 do processo de execução fiscal.

5. Em 16.04.2015 foi apresentada, no Serviço de Finanças de Belmonte, a petição inicial dos presentes autos – cfr. comprovativo de entrega de fls. 92 do processo físico.

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Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.
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A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise do processo do processo administrativo e do processo de execução fiscal integrado nos autos conforme discriminado supra no probatório.
No que respeita ao ponto 2 do probatório a convicção do Tribunal resulta da informação constante da aplicação informática da Administração Tributária – SECIN (Sistema Electrónico de Citações e Notificações) – que contém o histórico de operações e de ficheiros desde a criação do documento até à sua entrega na caixa postal electrónica do Via CTT da Oponente”.

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2.2. De direito

Tal como a sentença recorrida evidenciou, no articulado inicial a oponente alegava, em síntese, que a liquidação a que se reporta a dívida exequenda não lhe foi notificada, pelo que a dívida não é exigível; por outro lado, os elementos declarados à AT mostram-se correctos, o que o sujeito passivo ainda não pôde discutir face à falta de notificação da liquidação.

A sentença ora em apreciação considerou, naquilo que para aqui importa e em síntese, que:

- a Oponente foi validamente notificada da liquidação do valor em dívida, pelo que a dívida exequenda é-lhe exigível;

- quanto ao demais invocado, trata-se de matéria que, por contender com a legalidade da liquidação, deve ser objecto de apreciação em sede de impugnação judicial, não podendo ser conhecida nestes autos.

A Recorrente discorda do assim decidido e insurge-se contra a sentença dirigindo a este Tribunal de recurso diversas questões.

Vejamos, por partes, não seguindo exactamente a ordem pela qual as questões foram suscitadas no recurso. Assim:

Na conclusão 4ª, defende a Recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia.

Em concreto, defende a Recorrente que o Tribunal devia ter dado como provado, e não deu, a data de pagamento voluntário do imposto.

O que dizer sobre isto?

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, conceito este que, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364), “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, questões, nos termos expostos, não se confundem com factos, ao contrário daquilo que a Recorrente parece entender, ao defender a omissão de pronúncia em resultado de não ter sido levado ao probatório um determinado facto.

Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, improcede a questão em apreciação.

Sem prejuízo daquilo que ficou dito, a relevância da omissão da ponderação de tal facto terá lugar em sede de análise do julgamento da matéria de facto.

É o que se fará seguidamente.


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E sobre o julgamento da matéria de facto, entende a Recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provada a data de pagamento voluntário do imposto, o que, na economia da sua exposição, encontra justificação e relevo para efeitos de fixação do termo inicial do prazo para deduzir impugnação judicial da liquidação adicional do imposto subjacente à dívida exequenda.

Também aqui nenhuma razão assiste à Recorrente.

Na verdade, é manifesto que a sentença deu como provada a data limite do pagamento voluntário do imposto, o que ressalta do ponto 1 dos factos provados. Com efeito, à parte o manifesto lapso (de escrita) entre as datas de 16.02.12 e 16.02.15, que oportunamente corrigimos e que o documento de suporte esclarece cristalinamente, dúvidas não restam que o ponto 1 da matéria de facto contempla já o circunstancialismo apontado – aí se lê que “Em 19.12.2014 foi elaborada, em nome da Oponente, a liquidação de retenções na fonte, do ano de 2011, com o n.º 2014.........., no valor de EUR 580.500,00, e a liquidação dos juros compensatórios, com o n.º 2014.........., calculados sobre a referida quantia, no valor de EUR 76.848,65, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 16.02.2015”.

Improcede, pois, tal conclusão.


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Como se percebe, porém, a análise deste concreto aspecto quanto à matéria de facto está intimamente relacionada com o alcance da conclusão 5ª, nos termos da qual “tendo sido dado como assente que a recorrente se tem como validamente notificada a 15-01-2015, e que a petição inicial entrou a 16-04-15, dever-se-ia ter procedido à convolação do processo, pois nessa data, mesmo partindo do pressuposto que a data limite do pagamento do imposto ocorreu em 15-01-2015, a recorrente estava em tempo para deduzir Impugnação Judicial”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito, sendo, desde já, evidente que a Recorrente estabelece uma notória confusão entre a data limite do pagamento voluntário do acto de liquidação (16/02/15) e a data em que tal acto foi considerado notificado pela sentença (15/01/15). Trata-se, como é óbvio, de momentos diferentes, que não se confundem e que se apresentam com alcances distintos.

A formulação da conclusão 5ª denota uma outra confusão, já que relevante para efeitos de dedução de impugnação judicial de acto tributário de liquidação é, em regra, o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte e não a data em que tal acto se considera notificado. Isto mesmo decorre, sem esforço de interpretação, do disposto no artigo 102º, nº1, do CPPT.

Vejamos, então, a crítica apontada à sentença na já transcrita conclusão 5ª: o tribunal deveria ter procedido à convolação da oposição em impugnação judicial, já que a tal nada obstava.

Desde já de adianta que a Recorrente, também aqui, não tem a razão do seu lado.

A propósito da análise do invocado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, considerou-se na sentença, além do mais, o seguinte:
“(…)
O processo de oposição só pode ser apresentado com algum dos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT, pelo que, antes do mais, importa apreciar se o fundamento sob apreciação se subsume a alguma das alíneas do n.º 1 do referido dispositivo.
Dispõe a alínea i) do referido preceito legal que são admitidos quaisquer fundamentos não referidos nas anteriores alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT “desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.” (sublinhado nosso). No que respeita à possibilidade da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda poder constituir fundamento de oposição, dispõe a alínea h) do referido preceito legal que tal é admitido “sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.”.
No caso em apreço, a Oponente pretende discutir se a liquidação de retenções na fonte de IRS é devida e nega a ocorrência do facto tributário. Assim, na realidade, o que a Oponente pretende discutir nos presentes autos é a legalidade do acto de liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento e, em consequência, da dívida exequenda.
A Oponente foi notificada do acto de liquidação como já explicitado. Deveria, então, ter sindicado o referido acto, por meio de reclamação graciosa (artigo 68.º do CPPT) ou impugnação judicial (alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º e artigo 99.º do CPPT), para discutir a sua legalidade. Sendo assim, não pode a Oponente sindicar a legalidade da dívida exequenda no âmbito dos presentes autos quando a lei lhe faculta meio judicial adequado ao efeito.
Face ao exposto, o fundamento em apreço invocado na petição inicial para sustentar o pedido de extinção da execução fiscal, por se dirigir exclusivamente à (in)existência de imposto, e por a lei facultar à Oponente a possibilidade de sindicar o acto por via de impugnação judicial, não é válido à pretensão da Oponente e por isso não pode ser apreciado nos presentes autos”.

Vejamos.

Na verdade, ao longo de grande parte da petição inicial, a Oponente, para além de suscitar a inexigibilidade da dívida exequenda, dedica-se a atacar a legalidade da liquidação subjacente à mesma, defendendo, em suma, que “à classificação como retirada por conta de lucros da sociedade que é feita no relatório inspectivo e que é de €2.700.000,00, a mesma é errada como se demonstrará”. Pede, a final, a extinção da execução fiscal.

Ora, não suscita dúvidas que o erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.

No caso, o Oponente, conforme referido, peticionou a extinção da execução fiscal, o que equivale a dizer que o pedido é absolutamente adequado à espécie processual adoptada, pelo que inexiste erro da forma do processo.

A questão de saber se o imposto foi, ou não, correctamente liquidado, constitui, isso sim, fundamento de impugnação judicial, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento, salvo nos casos - que não é o dos autos - em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) – cfr. Acórdão do STA, de 07/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01120/15.

Como é óbvio, no caso em análise, não se coloca qualquer questão de convolação, posto que – repete-se – inexiste erro na forma de processo, importando lembrar que, conforme já antes ressaltado, na petição inicial o que se verificou é que foram invocados dois fundamentos, um (inexigibilidade da dívida) que é próprio da oposição, o outro (ilegalidade da liquidação) que é fundamento de impugnação judicial.

Ora, deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação, está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição – cfr. Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.

Por conseguinte, a Mma. Juiza a quo fez o que lhe competia, ou seja, apreciou o fundamento próprio da oposição deduzida (inexigibilidade da dívida), com vista à extinção da execução fiscal, não se conhecendo a (i)legalidade da liquidação, sem deixar de apontar as razões pelas quais a oposição não era o meio adequado para conhecer este último fundamento.

Em suma, improcede também este esteio do recurso que vínhamos analisando e que corresponde à conclusão 5ª.


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Passemos, por último, para as conclusões 1ª a 3ª, conclusões estas que se prendem com o fundamento próprio da oposição à execução fiscal (inexigibilidade da dívida exequenda) que, tendo sido apreciado, ditou a improcedência da mesma.

Vejamos, recuperando a linha argumentativa adoptada pelo TAF de Castelo Branco para decidir tal questão. Lê-se na sentença recorrida o seguinte:

“A Oponente alega que não foi notificada da liquidação do valor em execução, pelo que a dívida não é exigível. Tal alegação constitui fundamento de oposição com cabimento na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Considerando que o acto de notificação é um requisito de perfeição do acto de liquidação, impõe-se apurar se o acto foi notificado à Oponente, de modo a que a liquidação seja eficaz.

É de atentar que é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir coercivamente o pagamento da obrigação tributária (cfr. n.º 1 do artigo 74.º da LGT), pelo que a eventual falta de prova deve ser valorada contra a mesma.

As pessoas colectivas são notificadas para o respectivo domicílio fiscal, que nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 19.º da LGT, corresponde ao local da sua sede ou direcção efectiva e ainda à caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica. A caixa postal electrónica constitui um complemento ao correio tradicional pois permite a recepção de correio em formato digital e é operada pelos CTT.

Dispõe o n.º 9 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária, na redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12, que “Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração.”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CPPT as notificações dos actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, de que são exemplo os actos de liquidação adicional, são efectuadas por carta registada com aviso de recepção e podem ser efectuadas por transmissão electrónica de dados equivalendo, em tais casos, à remessa por via postal registada com aviso de recepção (cfr. n.º 9 do referido preceito legal).

As notificações efectuadas por transmissão electrónica de dados consideram-se efectuadas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica, ou, no 25.º dia posterior ao do seu envio, caso aquele não aceda à caixa postal em momento anterior (cfr. n.º 9 e 10 do artigo 39.º do CPPT, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 93/2017, de 01.08).

Da instrução dos autos resultou provado que a liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento referente ao ano de 2011 e respectivos juros foi depositada na caixa postal electrónica da Oponente em 21.12.2014 (cfr. ponto 1 e 2 do probatório).

Uma vez que não resultou apurado que a Oponente tivesse acedido ao documento em momento anterior, deve a mesma considerar-se notificada da referida liquidação no vigésimo quinto dia posterior ao seu envio, ou seja, em 15.01.2015 (por aplicação do disposto nos n.º 9 e 10 do artigo 39.º do CPPT na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 93/2017, de 01.08).

A Oponente nada diz no sentido de ilidir a presunção de notificação constante do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, designadamente, não alega que a notificação apenas tenha ocorrido em data posterior à presumida ou que havia comunicado a alteração da caixa postal nos termos do artigo 43.º do CPPT.

Mais, a Oponente não podia ignorar que a caixa postal electrónica constitui uma via para receber notificações, pelo que, à semelhança do que sucede com o correio tradicional, sobre si impendia um dever (de zelo e diligência) de pelo menos, periodicamente, aceder àquela caixa para verificar se tem correspondência. Porém, a Oponente não abriu a caixa postal electrónica nos 25 dias seguintes à entrega da notificação da liquidação e não apresenta sequer qualquer explicação para o efeito.

Posto isto, não restam dúvidas de que a Oponente se presume notificada da liquidação de imposto no dia 15.01.2015. Logo, não tendo sido paga a liquidação até ao termo do prazo de pagamento voluntário (15.02.2015, cfr. ponto 1 do probatório), foi extraída certidão de dívida e autuado o processo de execução fiscal em apreço (em 05.03.2015, cfr. ponto 3 do probatório).

Posto isto, não há dúvida de que a Oponente foi validamente notificada da liquidação do valor em dívida, pelo que a dívida exequenda é-lhe exigível.

Face ao exposto, improcede o fundamento de inexigibilidade da dívida exequenda alegado pela Oponente”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Na petição de oposição a Oponente invocava a inexigibilidade da dívida em cobrança por falta de notificação da mesma. Em tal articulado lia-se, além do mais, que “encontra-se por notificar a liquidação resultante das correções introduzidas aos elementos declarados pela Oponente à Administração Tributária, sendo certo que é a partir daí que se inicia o prazo para o exercício do direito de defesa”.

Ora, contrariamente a tal alegação, o TAF concluiu que “a Oponente se presume notificada da liquidação de imposto no dia 15.01.2015”, considerando que “a liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento referente ao ano de 2011 e respectivos juros foi depositada na caixa postal electrónica da Oponente em 21.12.2014”.

Ora, se atentarmos nas conclusões 1 a 3, em apreciação, vemos que a Recorrente não se insurge contra a conclusão retirada na sentença no sentido da notificação da liquidação lhe ter sido feita, na data e pelos meios apontados na sentença.

Portanto, nesta parte, a sentença mostra-se inalterável.

O que, agora, a Oponente vem dizer é que, mesmo admitindo-se que teve lugar a notificação por meios eletrónicos, via caixa postal electrónica (à qual não acedeu), a verdade é que, no caso, tal comportamento da Administração, ao ter recorrido a tal forma de notificação, viola a princípio da confiança, por traduzir uma alteração de uma prática habitual – nas palavras da Recorrente, “tendo as correções técnicas aos elementos por si declarados à administração tributária, sido introduzidos no decurso de um procedimento inspetivo em que a regra é a notificação pessoal ou por via postal, a alteração a esta prática recorrendo à citação eletrónica, à qual a recorrente não acedeu, e por este facto não foi notificada, constitui uma violação ao princípio da confiança nos procedimentos administrativos”.

Vejamos.

O princípio da boa fé, na sua vertente de tutela da confiança, visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

Lançando mão do acórdão do STA, de 21/09/11, processo nº 753/11, deve dizer-se que “Com efeito na densificação do referido princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança (vide, neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, pag. 221).

(…)

Visa o mesmo salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem (…). É a isto que o artº 6º A, 2 a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» - ob. citada, fls. 222.

Por outro lado a tutela da confiança pressupõe a verificação de diversas circunstâncias: «primeiro uma actuação de um sujeito de direito que crie a confiança, quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adopção de outra conduta; segunda, uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem (…..); terceiro, a efectivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de acções ou omissões, que podem não ter tradução patrimonial, na base da situação de confiança; quarto o nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro; quinto a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou»- cf. ob. citada, fls. 222 e 223”.

Ora, são essas circunstâncias que se entende que não se verificam no caso presente.

Não desconhecendo a Recorrente, como a própria afirma, o que está legalmente estabelecido em matéria de notificações electrónicas, nem tão-pouco que, ao cabo do procedimento inspectivo, de que foi alvo, ser-lhe-ia liquidado imposto respeitante a retenções na fonte, saberia (ou deveria saber) que, a qualquer momento, a AT ira proceder à comunicação dos actos liquidação consequentes, pelas formas previstas na lei, nas quais se inclui a utilização da caixa postal eletrónica.

No caso, o direito da Recorrente, e que não pode deixar de ser protegido, é o de ser notificada do acto de liquidação e de o ser, acrescente-se, pelas formas legalmente previstas. Coisa diferente é considerar que, não obstante a existência de diferentes formas de notificação (e.g, carta registada com aviso de recepção, por contacto pessoal, por transmissão eletrónica de dados), era expectável que, no caso, a forma adoptada fosse uma e não outra, já que anteriormente outra tinha sido a prática seguida.

Como se sublinha no Acórdão STA, de 18/06/03, recurso nº 1188/02 (1ª Secção), para que se possa, válida e relevantemente, invocar o princípio da confiança é necessário “que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança”, o que aqui, como se vê, está longe de ter verificado.

Termos em que, face de tudo o que vem dito e sem necessidade de maiores considerações, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso, devendo a sentença recorrida manter-se inalterada.


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3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 31.10.19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)