Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03812/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
MÉTODOS DIRECTOS.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:1.Não é ilegal o apuramento do IVA por métodos directos quando a AT mercê da dificuldade/impossibilidade em apurar alguns dos montantes de imposto e de proveitos indiciariamente omitidos, designadamente por lhe ser impossível conhecer as diversas taxas que no caso seriam aplicáveis, decide tributar o contribuinte por métodos directos, com base apenas nas diferenças entre os valores declarados pelo contribuinte nas respectivas declarações periódicas de IVA e os valores das facturas passadas pelo mesmo e em poder dos seus clientes, sem que tenha chegado a invocar a impossibilidade de comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável;

2. Encontram-se formalmente fundamentadas as liquidações de IVA por métodos directos, assentes nas diferenças apuradas nos valores entre as declarações periódicas remetidas ao SIVA pelo sujeito passivo e os valores constantes nas facturas passadas pelo mesmo e em poder dos seus clientes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. José ................. e outros, identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, vieram da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Entre ao factos do relatório levados ao probatório consta a seguinte afirmação: "Pelo motivos já expostos no início deste relatório, não é possível obter elementos contabilísticos da "M........, Lda.", pelo que a confirmação através da contabilidade nos parece definitivamente prejudicada".
B) Para além desta constam do mesmo relatório as seguintes afirmações, que por relevantes e essenciais para decisão da causa devem ser levadas ao probatório e consideradas factos provados:
-"existem muitas facturas emitidas pelo sujeito passivo que não foram incluídas no nosso apuramento. Basta ver que a numeração dessas facturas não é sequencial. E será muito difícil à administração fiscal, conseguir obter qualquer informação sobre essas facturas. É que se, por um lado, não nos é possível­ proceder a uma análise contabilística, por outro, os clientes que não ultrapassem o montante total de € 25.000,00 de aquisições de bens e/ou serviços à "M........., Lda" em cada um dos anos, não inscreveram esse valor nos Anexos P das suas Declarações Anuais, de acordo com o estabelecido no artigo 28° do Código do IVA." (fls. 9 e 10 do Relatório de Inspecção).
-“ O apuramento efectuado no ponto III-1 deste relatório não teve em conta todas as facturas emitidas pelo sujeito passivo. Caso a administração fiscal tivesse conhecimento dessas facturas, as omissões de proveitos e de IVA liquidado seriam obviamente superiores às que são apuradas neste relatório" (fls. 13, in fine, do relatório de inspecção).
-"à semelhança do que sucede nos outros anos, também em 2004, foram emitidas ­inúmeras facturas que não foram tidas em conta no nosso apuramento .Caso tivesse sido possível incluir essas facturas, os valores de omissões apurados apurados seriam obviamente superiores. Estes facto fica-se a dever à falta de elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, associada à manifesta incapacidade da ­administração fiscal em conhecer todos os valores e/ou clientes das facturas emitidas pela "M.........., Lda", uma vez que a obrigação de declarar os mesmos, existe apenas para valores totais anuais superiores a € 25.000,00" (fls. 19, in fine, do relatório de inspecção).
-"após a análise dos elementos recolhidos, verificámos que se encontrava instalado o programa "PRIMAVERA Software". No entanto, os ficheiros recolhidos não contêm informação contabilística relevante." (fls. 7 do Relatório de Inspecção)
C) A Administração fiscal ao fazer estas afirmações reconhece a sua impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
D) Daqui resulta que não foi possível à administração fiscal, proceder à determinação da matéria tributável por método directo.
E) Apesar desta impossibilidade a Administração Fiscal determinou a matéria colectável por (suposto porque não possível no caso) método directo.
F) Tal apuramento é ilegal pois que havendo impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, a administração fiscal não poderia ter usado o método directo, mas o método indirecto.
G) A Administração Fiscal não tem nestas circunstância o poder de optar pelo método que entenda, pois tal poder é vinculado e não discricionário.
H) Ademais, não se pode utilizar o método directo, quando, no caso, esse não é possível.
I) Fazer o apuramento por método directo nestas circunstâncias constitui uma máscara de algo que em rigor, não é método directo, nem indirecto, mas apenas uma arbitrariedade, que lei não prevê nem o sistema admite.
J) Uma interpretação do artigo 87°, n° 1, al. b) da Lei Geral Tributária que admita que ao seu abrigo a administração fiscal possa escolher entre o método indirecto e o directo, quando este último não é possível, é inconstitucional por violação do princípio da tributação do lucro real (art. 104°, n° 2 da da Constituição da República portuguesa) e por violação do art. 266°, n° 2 do mesmo diploma (dever de subordinação à constituição e à lei por parte dos órgãos e agentes da administração e princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade)
K) A administração fiscal perfilhou esta interpretação que é ilegítima e viola a Constituição.
L) Os actos tributários em questão são ilegais e devem ser anulados.
Sem conceder,
M) A fundamentação dos actos tributários sub-judice é contraditória.
N) Esta contradição advém da circunstância de invocar fundamentos para aplicação dos métodos indirectos de apuramento da matéria colectável, mas acabar por propor o apuramento por método directo que, no caso, reconhece não ser possível.
O) Em consequência, os actos tributários sub-judice padecem ainda do vício de falta de fundamentação por equivalência, em função de contradição dos fundamentos, nos termos do art. 125°, n° 2 do CPA, o que constitui, também, fundamento de anulação dos actos tributários "sub judice"

Foram violados os arts. 77°, 87°, n° 1, al. a) e 88°, al. a) da LGT, 104°, n° 2 e 266°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa e 125°, n° 2 do Código do Procedimento Administrativo.
Termos em que deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial deduzida.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a AT se ter socorrido dos elementos disponíveis para apurar o imposto devido, e bem assim a liquidação em causa não padecer do vício de falta da sua fundamentação (formal).


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterado no sentido proposto pelos ora recorrentes; Se no caso foi ilegal o apuramento do imposto por métodos directos por terem sido apurados os pressupostos para o mesmo ser apurado por métodos indirectos; E se as liquidações impugnadas padecem do vício formal de falta de fundamentação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. O acto de liquidação em conflito reporta-se à actividade da sociedade "M.......... - Sistemas ............., Lda.," de que eram sócios gerentes, à data dos factos: António ............ e José ................, aqui também impugnantes - cfr. fls. 48 dos autos.
2. A "M............ - Sistemas ..........., Lda.," dedicava-se a Actividades de Investigação e Segurança, com o NIF .......... e o CAE 74600 e sede em A.......... RMR - cfr. consta do relatório de Inspecção Tributária - fls. 5 e seguintes e fls. 47 dos autos.
3. Com base nas ordens de serviço números ......., .......... e ............ de 14/03/2008, para os exercícios de 2004, 2005 e 2006 respectivamente os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ........ procederam a acções de verificação externa aos elementos da contabilidade do sujeito passivo que tiveram o seu início em 02/07/2008 e conclusão em 26/07/2008 – cfr. consta do relatório de Inspecção Tributária (pág. 5) – fls. 17 do e seguintes do P.A. junto aos autos.
4. Do relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva supra referida consta sob o título de “III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável”, que a seguir se transcreve:
Aquando do início do procedimento de inspecção de consulta, (...) o gerente do sujeito passivo, Sr. António ............., informou que não seria possível apresentar os elementos contabilísticos, respeitantes aos anos definidos no despacho (...), declarou “Que os mesmos foram roubados, em Alfragide de dentro de uma carrinha da empresa, (...)
Nesse mesmo dia, tendo como base o despacho acima identificado e na presença do gerente do sujeito passivo, Sr. António ............., foi analisado o computador que teria sido utilizado para emitir elementos/documentos. Efectuou-se a selecção dos ficheiros que poderiam conter informação relevante, (...)
Simultaneamente, foram solicitadas informações, no âmbito da colaboração com a Administração Fiscal, aos vários clientes e fornecedores da “M....... ......, Lda”, os quais foram identificados através do cruzamento informático entre os Anexos O e os Anexos P das Declarações Anuais entregues pelos contribuintes.
(...)
1) As informações enviadas pelos clientes da “M........, Lda.”, nomeadamente as facturas emitidas por esta, permitem apurar, nos anos de 2004, 2005 e 2006, os seguintes valores:
Quadro n.º1 – Valor total das facturas emitidas pela “M......, Lda.” recolhidas junto do seus clientes, discriminadas por taxas de IVA – ano de 2004
Período Vendas sujeitas à taxa de IVA Vendas sujeitas à taxa de IVA
Reduzida normal
Valor líquido IVA Valor líquido IVA
(...)
Total – 2004 € 70.239,54 € 3.512,00 € 1.173.559,58 € 222.976,35

Quadro n.º2 – Valor total das facturas emitidas pela “M......., Lda.” recolhidas junto do seus clientes, discriminadas por taxas de IVA – ano de 2005
Período Vendas sujeitas à taxa de IVA Vendas sujeitas à taxa de IVA
Reduzida normal
Valor líquido IVA Valor líquido IVA
(...)
Total – 2005 € 27.213,48 € 1.360,69 € 599.338,77 € 119.736,52

Quadro n.º3 – Valor total das facturas emitidas pela “M........, Lda.” recolhidas junto do seus clientes, discriminadas por taxas de IVA – ano de 2006
Período Vendas sujeitas à taxa de IVA Vendas sujeitas à taxa de IVA
Reduzida normal
Valor líquido IVA Valor líquido IVA
(...)
Total – 2006 € 45.547,15 € 2.277,37 € 213.702,33 € 44.877,51
(...)
Após a recolha e tratamento das informações enviadas por clientes da "M..........., Lda". que conduziram ao apuramento dos valores indicados nos quadros anteriores, impunha-se proceder á confirmação da sua contabilização. Pelos motivos já expostos no início deste relatório, não é possível obter elementos contabilísticos da "M......., Lda", pelo que a confirmação através da contabilidade nos parece definitivamente prejudicada. Por conseguinte, temos que comparar os valores das facturas emitidas pela "M.........., Lda" enviadas pelas seus clientes, com os valores inscritos nas declarações fiscais, nomeadamente, nas declarações periódicas de IVA, as quais contém os valores declarados pelo sujeito passivo, discriminados por períodos e por taxas de IVA.
2) As declarações periódicas de IVA entregues pelo sujeito passivo, respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006, indicam-nos os seguintes valores declarados em cada um dos períodos, discriminados por taxas de IVA:
Quadro n.º4 – Declarações periódicas de IVA, respeitantes aos períodos de 2004.
Período Transmissão de bens e serviços Transmissão de bens e serviços
sujeitos à taxa reduzida sujeitos à taxa normal
Base tributável IVA liquidado Valor líquido IVA
Campo 1 Campo 2
Total 2004 € 63.575,40 € 3.178,77 € 729.666,75 € 138.636,68
Quadro n.º5 – Declarações periódicas de IVA, respeitantes aos períodos de 2005.
Período Transmissão de bens e serviços Transmissão de bens e serviços
sujeitos à taxa reduzida sujeitos à taxa normal
Base tributável IVA liquidado Valor líquido IVA
Campo 1 Campo 2
Total 2005 € 62.261,79 € 3.113,12 € 821.855,26 € 170.891,43
Quadro n.º6 – Declarações periódicas de IVA, respeitantes aos períodos de 2006.
Período Transmissão de bens e serviços Transmissão de bens e serviços
sujeitos à taxa reduzida sujeitos à taxa normal
Base tributável IVA liquidado Valor líquido IVA
Campo 1 Campo 2
Total 2006 € 67.379,21 € 3.369,01 € 962.276,42 € 202.078,13
(...)
3) De seguida, os valores das facturas emitidas pela "M......., Lda", apurados com base nos elementos enviados pelos seus clientes (Quadros do ponto III -1 deste relatório), foram confrontados com os valores inscritos nas declarações periódicas de IVA entregues pelo sujeito passivo (Quadros do ponto III -2 deste relatório). Nesta conferência, foram detectadas omissões de IVA liquidado e de proveitos, em virtude dos valores apurados com base nas informações dos clientes (Ponto III - 1 do relatório) serem superiores aos valores declarados pelo sujeito passivo (Ponto III – 2 do relatório). Estes omissões encontram-se quantificadas nos quadros seguintes e discriminadas por períodos de imposto:
(...)
4) EM RESUMO
Transmissão de bens e serviços Transmissão de bens e serviços
Período Sujeitos à taxa reduzida Sujeitos à taxa normal
Omissão de IVA liquidado Omissão de IVA liquidado
proveitos em falta proveitos em falta
Ano de 2004 € 45.895,43 € 2.294,77 € 513.855,30 € 97.632,53
Ano de 2005 - - € 363.620,95 € 71.913,86
Ano de 2006 € 19.066,02 € 953,30 € 1.432,26 € 300,77
Transmissão de bens e serviços
Período Omissão de proveitos IVA liquidado em falta
Ano de 2004 € 559.750,73 € 99.927,30
Ano de 2005 € 363.620,95 € 71.913,86
Ano de 2006 € 20.498,28 € 1.254,07
(...)
Tudo conforme consta do relatório de Inspecção Tributária - fls. 13 e seguintes do P.A. junto aos autos.
«»
Factos não provados
Não se provaram outros factos susceptíveis de afectar a decisão e que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.
«»
No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se fundamentalmente, com base na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.


4. Na matéria da sua conclusão B), vieram os recorrentes insurgir-se contra a matéria fixada no probatório da sentença recorrida pretendendo que outra a ele seja acrescida, que enumeram, extraída do relatório do exame à escrita efectuado à M......., Lda, sem que, contudo, tenham dado cumprimento ao disposto no art.º 685.º-B do CPC, na redacção actual e a aplicável, nos seus n.ºs 1 e 2, o que desde logo levaria à rejeição do recurso nesta parte, já que não se vê também, por outro lado que, oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 712.º do mesmo Código, tal matéria tenha relevância para o conhecimento da apreciação das questões debatidas neste recurso e que, como tal deva ser fixada no mesmo probatório, quando o probatório fixado na sentença da 1.ª Instância já contém a transcrição do relatório da inspecção tributária que no caso teve lugar, numa sua grande parte, como dele se pode ver, no seu ponto 4., constituído por mais de duas páginas, pelo que não pode deixar de improceder a pretendida alteração do probatório fixado.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que no caso se não verificam os pressupostos para o imposto ser apurado por métodos indirectos, ainda que dos elementos da contabilidade da recorrente em confronto com as declarações de rendimentos dos seus clientes se tenha concluído pela omissão de diversas operações donde resultavam omissões de proveitos e de liquidação de IVA, mas que puderem ser apurados por métodos directos, para além de que as mesmas liquidações não padecem do vício de falta de fundamentação (formal), sendo a base invocada apta a conduzir ao resultado obtido nessas liquidações, desta forma habilitando o contribuinte a perceber porque tiveram lugar estas liquidações e não quaisquer umas outras.

Para os recorrentes, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta dupla fundamentação que esgrimem argumentos tendentes a reapreciar tal decisão, por entenderem que se mostram reunidos todos pressupostos para o imposto ser apurado por métodos indirectos e como tal, não podia a AT renunciar àquele no apuramento do imposto para optar pelo método directo, bem como padecerem de fundamentação contraditória tais liquidações, quando se encontram reunidos os pressupostos para métodos indirectos e a AT fundamentar as liquidações em métodos directos.

Vejamos então.
Comecemos por conhecer do invocado fundamento da existência de pressupostos para o apuramento do imposto ser efectuado por métodos indirectos, sabido que aquele método é subsidiário em relação à avaliação directa, dir-se-á o seguinte.

Nos termos do disposto nos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC e 82.º do CIVA, a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, hoje denominados de indirectos, com o recurso a estimativas ou presunções para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita sempre que ocorra alguma das situações subsumíveis às várias alíneas da norma do citado art.º 51.º do CIRC e que determine a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, caso em que o director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, procederá a tal determinação e consequente liquidação do imposto devido, em que, para o efeito, se baseará, em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento.

O que pressupõe que o contribuinte tenha violado alguns dos seus deveres legais de organização contabilística, como seja os contidos nas normas dos art.ºs 17.º n.º3 e 98.º n.º3 do CIRC, que dispõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, constituindo aquele o afloramento de um princípio geral e que dispõe que na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:
Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos,
tendo em vista o registo das correspondentes reais operações, e cuja falta legitima a utilização dos métodos indirectos.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.

Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários ou indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como dizem as normas dos art.ºs 82.º n.º4 e 84.º n.º1 do CIVA, 51.º n.º2 do CIRC e hoje também, dos art.ºs 85.º, 87.º e 88.º da LGT, regime que é aplicável a todos os contribuintes e não apenas aos pequenos retalhistas(1).

Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

Ou como bem se diz no recente acórdão deste Tribunal de 3.5.2006(2),(...) o lançar mão de qualquer um deles em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos, com o duplo objectivo, no mínimo, de evitar, por um lado o “emagrecimento” ilegítimo dos recursos do Estado e, por outro, de repartir equitativamente, como constitucionalmente imposto, a carga fiscal sendo que, ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.

E no caso, ocorreram os tais pressupostos de aplicação dos métodos indirectos como pretendem os ora recorrentes?

Pela matéria constante nos vários subpontos do ponto 4. do probatório fixado na sentença, designadamente nos subpontos 1. e 2., e melhor se colhe do relatório elaborado pela inspecção tributária, cuja cópia consta de fls. de 13 e segs do PA apenso, como bem se fundamenta na sentença recorrida, apesar da ausência da contabilidade da ora recorrente M......., Lda, regularmente organizada (por roubo dos seus elementos, conforme declarou o seu sócio e gerente), pela colaboração do seu gerente da mesma com a AT, pelas informações enviadas pelos clientes da mesma M........... e pelos valores inscritos por esta nas respectivas declarações periódicas de IVA remetidas ao SIVA, resultou uma diferença de imposto, por as facturas emitidas pela mesma M...... serem de valor inferior aos montantes apurados tendo por base as informações dos seus clientes, não sendo por outro lado possível conferir os montantes constantes das facturas emitidas pela mesma M......... que foram recolhidas junto dos seus clientes com a respectiva contabilização nesta empresa, face à inexistência de tal contabilidade, pelo que foi apurado o IVA devido com base nessas omissões de imposto liquidado e de proveitos, e que constituem os montantes de IVA ora liquidados e impugnados, apurados por correcções meramente aritméticas, justificando-se no mesmo relatório que, apesar dos indícios dos montantes omitidos deverem ser de mais elevado valor que o considerado, seria muito difícil à AT obter informações sobre as facturas emitidas (fora da ordem sequencial), por os clientes da mesma M.........., que não ultrapassem o montante anual de € 25.000,00, em aquisições de bens e serviços, não se encontrarem sujeitos a inscreverem esse valor nos anexos P das suas declarações anuais, pelo que, apesar de existirem fortes indícios da omissão de proveitos e de IVA liquidado, não foram os mesmos quantificados e nem foram utilizados no apuramento do imposto, desde logo por impossibilidade de discriminar tais valores pelas diferentes taxas de IVA praticadas, desta forma tendo as liquidações se cingido, a tais diferenças entre os montantes constantes das facturas emitidas pela referida M........, em poder dos seus clientes, e os valores declarados pela mesma nas respectivas declarações periódicas.

Desde logo por imperativo constitucional, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real – n.º2, do art.º 104.º da CRP - sendo que a matéria tributável é avaliada ou calculada segundo os critérios próprios de cada tributo – n.º1 do art.º 81.º da LGT – e que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa e que mesma naquela se visa sempre alcançar o valor dos rendimentos, ainda que através de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha – art.ºs 83.º e 85.º da LGT – a regra, consiste, justamente, nesta avaliação directa, que apenas pode ser afastada nos casos expressamente previstos na lei e desde que exista a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável – art.º 87.º e segs da LGT – o que no caso a AT não invocou e nem fez subsumir a tal pressuposto, por haver entendido da dificuldade em obter os elementos necessários aptos em ordem a quantificar os outros valores indiciariamente omitidos nas declarações periódicas enviadas ao SIVA, como acima se fundamentou, conduta da AT se nos afigura lícita, mesmo cautelosa e prudente, e dentro dos princípios fundamentais que regem a sua actuação, constantes no art.º 266.º da CRP, não sendo passível da censura apontada pelos ora recorrentes.

É que face à lei, existe uma preferência absoluta pela utilização de métodos de avaliação directa para fixação da matéria tributável, o que bem se compreende, por serem maiores as garantias de rigor que estes métodos fornecem.

Face ao circunstancialismo supra exposto, justificado se encontrava que a AT não recorresse aos métodos indirectos, que neste campo age vinculadamente, por ter entendido não se verificarem os seus pressupostos, nem aos recorrentes é lícito exigirem o apuramento do imposto em causa de acordo com esses métodos, pois não pode falar-se num direito dos contribuintes a essa modalidade de tributação, uma vez que está, sobretudo, prevista para a defesa dos interesses do Estado (3), pelo que improcede a matéria das conclusões do recurso relativamente a esta questão.


Na matéria das restantes conclusões das alegações do recurso [conclusões M) a O)], vêm ainda os recorrentes esgrimir com a falta de fundamentação (formal) de tais liquidações, na vertente de contradição entre os fundamentos invocados para a aplicação dos métodos indirectos e depois, apurarem o imposto por método directo, quando, o que desde logo se pode dizer é, que os recorrentes alteram os pressupostos em que a AT fundou as liquidações em causa, ao invocarem que foram invocados fundamentos para métodos indirectos quando o não foram, como acima se viu, o que não pode deixar de conduzir ao desmanchar, desfazer, dessa apontada contradição da fundamentação dessas liquidações, aliás, fundada, como dela se pode colher, na matéria do relatório da inspecção, transcrito em parte no probatório da sentença recorrida, sendo clara a fundamentação porque se alcançaram estes valores de imposto e não quaisquer uns outros – cfr. matéria dos subponto 3 e 4 do ponto 3. do probatório fixado na sentença recorrida – desta forma tendo sido cumprido o dever de fundamentação no procedimento de liquidação, contido em, entre outras normas, nas dos art.º 69.º e segs e 77.º da LGT.

Em suma, face a tal explanação, não puderam os ora recorrentes deixar de ficar informados porque tiveram lugar aquelas liquidações e não quaisquer umas outras, de molde a compreenderem o seu sentido e alcance e puderem determinar-se pela sua aceitação ou impugná-las, graciosa ou judicialmente, caso entendessem que as mesmas se encontravam eivadas de algum erro ou vício que as afectassem na sua validade, o que não deixaram de fazer, através da dedução da presente impugnação judicial.


Nestes termos, improcede toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa,15 de Dezembro de 2010
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Lucas Martins


(1) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão de 12.5.1992, do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância.
(2) Recurso 3.687/00, de que o ora Relator ali foi Adjunto.
(3) Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 3/12/2008, recurso n.º 439/08-30.