Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:719/19.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL;
REVERSÃO;
PEDIDO;
CAUSA DE PEDIR;
Sumário:I – O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


F., citado na qualidade de responsável subsidiário da sociedade em insolvência N. Lda, veio impugnar judicialmente a decisão de reversão de execução fiscal, no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados pelo Serviço de Finanças de Loulé 1, com fundamento na ilegitimidade da pessoa citada nos processos executivos e nulidade da citação.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 25 de junho de 2021, julgou improcedente a impugnação, por verificada a exceção de erro na forma de processo e inviabilidade da convolação da presente ação de impugnação para a forma processual adequada - oposição à execução -, absolvendo a Fazenda Pública da instância.

Não concordando com a decisão veio o Impugnante interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A- A sentença recorrida acolheu, na íntegra, a tese defendida pelo representante da Fazenda Pública segundo a qual a forma processual adequada a ser seguida pelo aqui Impugnante seria a da oposição à execução (cfr. Artigo 204º, nº1 do C.P.P.T.) e não a da impugnação, ocorrendo, pois, uma situação de erro na forma do processo (Cfr. Páginas 1 a 7 da sentença recorrida), invocando não ser aplicável a correção do processo para o meio processual adequado, como o poderia permitir o artigo 97º, nº3 da Lei Geral Tributária, uma vez que a petição inicial foi apresentada nos presentes autos, em 13/11/2019, fora do prazo de 30 dias (Cfr. Artigo 230 CPPT) que seria o prazo da oposição à execução uma vez que a citação terá ocorrido em 12/08/2019 tal como supostamente resulta de fls. 130 dos autos menção SITAF (Cfr. Páginas 8 a 10 da sentença recorrida).

B- O Recorrente entende que, embora o Impugnante pudesse se ter socorrido da figura da oposição à execução, prevista no artigo 204º do C.P.P.T., também o poderia, como o fez, recorrer à Impugnação Judicial que, segundo o artigo 99º do C.P.P.T. pode ter como fundamento “qualquer ilegalidade”, sendo que o artigo 97º, alínea n) do mesmo C.P.P.T. prevê expressamente a figura do recurso dos atos praticados na execução fiscal, sendo que um dos atos é precisamente o do despacho de reversão fiscal que, em simultâneo, torna o visado em executado de um processo de execução fiscal, pelo que o recurso à Impugnação Judicial é possível, legal e, por isso, também tempestivo.

C- Mesmo que assim não fosse, haveria que levar em consideração que nos pontos 1 a 6 da sua impugnação, se alega e se argui a nulidade da citação do despacho que decreta a reversão do Impugnante com citação em reversão no processo de execução fiscal, sendo certo que o artigo 99º, alínea c) do C.P.P.T. refere que é fundamento da impugnação a “Preterição de outras formalidades legais” que pode ser deduzida a todo o tempo (Cfr. Artigo 102º, nº3 do C.P.P.T) e que, ao abrigo do disposto conjugado dos artigos 124º, nº1 e 165º, nº1 do C.P.P.T., conduz à anulação dos termos subsequentes do processo do qual a nulidade declarada dependa absolutamente, conduzindo à própria declaração de nulidade do ato impugnado.

D- A sentença recorrida não valorou o alegado nos pontos 4 a 6 da Impugnação relativamente ao facto de que “(…) o mandatário recebeu a informação técnica relativa à proposta de resposta ao exercício do direito de reversão, enquanto o próprio Impugnante recebeu a decisão final que basicamente repetia a proposta de reversão anterior, só que desprovida da informação.”

E- No primeiro parágrafo da página 10 da douta sentença recorrida refere-se que a citação do aqui Recorrente ocorreu no dia 12 de Agosto tal como supostamente resulta de fls. 130 dos autos menção SITAF; porém, , dos documentos que constam do processo administrativo omite-se o documento de citação do despacho de reversão no processo de execução fiscal, porquanto aquele que foi dirigido ao Impugnante OMITIU a fundamentação/Informação técnica que considerou improcedente a argumentação por si invocada, em sede de audiência prévia.

F- Porém, notificada para vir aos autos entregar a totalidade do processo instrutor, dele não consta nem a defesa apresentada pelo aqui Recorrente, em sede de audição prévia, nem a fundamentação técnica que serviu de base à não consideração dos argumentos que constavam dessa mesma audição, sendo que se verificarmos o teor de fls 81 e 82 do processo instrutor remetido pelo Serviço de Finanças de Loulé I, verifica-se que, do mesmo, faltam claramente documentos, o que violou o disposto no artigo 111º, nº2 do C.P.P.T – facto que a sentença recorrida não se pronunciou.

G- Estamos, pois, perante uma nulidade insanável do processo de execução fiscal, por falta de citação acompanhada da documentação (informação técnica) suporte que fundamenta a não consideração dos argumentos invocados pela audição prévia do aqui Recorrente, nos termos do disposto no artigo 165º, nº1, alínea a) do C.P.P.T, sendo que tal nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser arguido até ao trânsito em julgado da decisão final (Cfr. Artigo 165º, nº2 e nº 4 do C.P.P.T.).

H- No mesmo sentido, veja-se o teor do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27/10/2016, proferido no Processo nº 2356/08.8BEPRT, in www.dgsi.pt, segundo a qual:

I. A nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal. Por isso, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal.

II. Admite-se o conhecimento incidental da nulidade quando a sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição.

III. A falta de requisitos essenciais do título executivo quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Mas esta nulidade não está prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 204 do CPPT e também não constitui fundamento de oposição.

I- Ora, no que diz respeito à nulidade de citação arguida pelo aqui Recorrente, a sentença recorrida, na sua página 7, alega que a nulidade da citação teria que ter sido arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, porém o Recorrente assim que remeteu ao Serviço de Finanças de Loulé I, a fundamentação da sua impugnação, suscitou essa questão e este serviço teve oportunidade de se pronunciar tal como resulta do teor de fls. 82 do do processo instrutor remetido pelo Serviço de Finanças de Loulé I, sendo certo que não faria sentido apresentar recurso hierárquico da decisão daquele serviço em manter a sua posição já que o artigo 76º, nº2, parte final do CPPT é claro ao referir a impugnação judicial já deduzido “consome” qualquer outro tipo de recurso.

J- Acresce que, quer a fls. 81 do processo instrutor do Serviço de Finanças de Loulé I se referiu que a impugnação é tempestiva, como neste mesmo tribunal foi proferido douto despacho inicial no qual se ordena a citação do Representante da Fazenda Nacional “não sendo manifesta a caducidade do direito de acção admite-se a impugnação” (Cfr. Despacho judicial, proferido nos presentes autos em 29/11/2019).

K- De facto, por remissão aos artigos 97º, alínea n) e 99 do C.P.P.T., a figura da impugnação judicial é perfeitamente admissível no caso sub judice e o recurso forçado à oposição à execução (como único recurso possível), com o objetivo de negar ao contribuinte o exercício dos seus legítimos direitos é clara e manifestamente uma interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias, indigna de um Estado e Direito e violadora do disposto nos artigos 18º, nº2 e 20º, nº1, nº4 e nº5 da Constituição.

L- Acresce que, se verificarmos o teor da citação remetida pelo Serviço de Finanças de Loulé I ao aqui Recorrente, de Agosto de 2019, consta (segundo o entendimento da sentença agora recorrida) uma informação propositadamente errada que, até parece ter, então, o objetivo de induzir o Recorrente a não poder reclamar os seus direitos, como se de uma armadilha se tratasse, porquanto diz a dita citação “Informa-se ainda que, nos termos do nº 5 do artigo 22º da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar Reclamação graciosas ou deduzir Impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no artigo 99º do CPPT, e os prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do CPPT”, sendo que o artigo 102º, nº1, alínea b) do C.P.P.T estabelece um prazo de três meses para a impugnação judicial.

M- A citação promovida pelo Serviço de Finanças de Loulé I viola pois quer o disposto no artigo 190º, nº2 do C.P.P.T pelo que será de aplicar o entendimento adotado pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/04/2012, in www.dgsi.pt , segundo o qual “III- A errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando apenas a aplicação do disposto no artigo 37°, n.º 4 do CPPT no caso de se tornar impossível a convolação no meio processual adequado.

IV - Já a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face ao princípio geral de direito da boa fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas.

V - O erro na forma de processo e a convolação efectuada deve determinar a anulação de todos os actos posteriores à petição se a contestação foi apresentada por quem não detinha competência para representar a administração tributária junto do tribunal tributário de 1ª instância.”

N- Pelo que, nos termos do artigo 37º, nº4 C.P.P.T. tendo a citação remetida ao aqui Recorrente indicado o artigo 102º, por referência ao seu nº1 e à alínea b) deste do C.P.P.T, onde se indica um prazo de três meses, sob pena de se violar a confiança do aqui Recorrente nas informações constantes das notificações/citações aos contribuintes, deverá ser realizada e ordenada a convolação para o processo adequado prevalecendo o disposto no artigo 37º, nº4 do C.P.P.T sobre o artigo 97º, nº3 da Lei Geral Tributária ou, caso assim não se entenda, devendo ambos ser interpretados e aplicados de forma sistemática.

~

Nestes termos, requer-se a V.Exa que:

Deve, pois, o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência deve-se

a) Considerar idóneo o procedimento de impugnaçãojudicial.

b) Caso assim não se entenda, deve-se considerar improcedente a exceção decretada pela sentença recorrida, dada, entre outras, a arguição de nulidade de citação alegada.

c) Caso assim não se entenda, deve-se aplicar o disposto no artigo 97º, nº3 da Lei Geral Tributária em conjugação com o artigo 37º, nº4 do C.P.P.T., ordenando-se a convolação do processo para a forma adequada, uma vez que o teor da citação remetida ao Recorrente continha informações erradas quanto ao prazo de reação contra o ato, objeto de citação.

Pois só assim se aplicará o Direito e se fará sã e serena

Justiça!»


*

A recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

Não foram destacados factos provados e não provados na decisão recorrida.

O TAF de Loulé conheceu a excepção dilatória de erro na forma do processo e impossibilidade de convolação do processo para a forma legalmente adequada, invocadas pela Fazenda Pública, em sede de contestação, que obstam à apreciação do mérito da causa, nos seguintes termos:

«Do erro na forma de processo

Vejamos.

Tendo os interessados o direito de impugnarem ou reclamarem de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente tutelados, estes encontram-se, porém, dependentes da utilização das formas de processo previstas na lei, sendo que a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo, nos termos dos artigos 95.º e 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

O erro na forma de processo, previsto no artigo 193.º do Código de Processo Civil, traduz-se em ter o Autor usado a forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, aferindo-se o acerto ou o erro na forma de processo através do pedido formulado, buscando-se no articulado inicial os elementos que permitam avaliar da adequação do meio processual utilizado ao efeito pretendido, consagrando-se assim o princípio da adequação formal (cfr. o artigo 547.º do Código de Processo Civil).

Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido como direito fundamental nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, não só assegura um meio que permite o acesso à justiça administrativa como também pressupõe uma “pretensão regularmente deduzida em juízo”, ou seja, que a lei discipline a forma pela qual se processa esse acesso.

Com efeito e face a essa correspondência entre direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial.

Ora, no caso dos autos, o Impugnante pretende que seja revogada a decisão final que decretou a responsabilidade subsidiária do aqui Impugnante pelas dívidas da sociedade supra mencionada, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 1082-2010/… 1082-2011/…, 1082- 2009/…2, 1082-2009/…, 1082-2009/…, 1082-2009/…, 1082-2010/…, 1082-2010/…, extinguindo-se, deste modo, a reversão da execução fiscal

Apresentando como fundamentos a sua ilegitimidade e a nulidade da citação recebida para os autos executivos.

De onde resulta que o pedido formulado não se mostra adequado à presente forma processual de impugnação judicial, mas sim à oposição à execução fiscal, prevista no artigo 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nos termos do citado n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário: “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação; b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida; c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução; d) Prescrição da dívida exequenda; e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade; f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda; g) Duplicação de colecta; h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”

Ora, como é sabido, o meio processual de impugnação judicial tem por objecto, normalmente, um acto de liquidação de um qualquer tributo, ou um outro a que expressamente a lei atribua este meio processual de reacção, desde que eivado de um qualquer dos vícios que o afecte na sua validade, tendo em vista obter a sua invalidade (normalmente a sua anulação, embora também, por vezes, possa conduzir à declaração da sua nulidade, ou mesmo, eventualmente, da sua inexistência jurídica).

Ou seja, o Impugnante com a manifesta pretensão de extinguir as dívidas contra si revertidas, deveria ter recorrido à oposição à execução fiscal, meio adequado a tal desiderato.

Dito de outro modo, aferindo-se o erro na forma de processo pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor, em suma de extinção da execução (e resultante das causas de pedir formuladas na petição inicial), deveria a Impugnante ter recorrido ao meio processual previsto no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a oposição à execução fiscal – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Setembro de 2017, processo n.º 01399/16, disponível em www.dgsi.pt.

Acresce que quanto à outra causa de pedir, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, “[a] nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável” – cfr. o acórdão de 7 de Maio de 2014, tirado no processo n.º 0283/14, disponível em www.dgsi.pt.

Transpondo este entendimento para os autos, o Impugnante deveria ter suscitado a nulidade das citações, em primeira mão, perante o Órgão de Execução Fiscal, e somente após uma eventual decisão que lhe fosse desfavorável, apresentar reclamação para o Tribunal dessa decisão.

Há, pois, erro na forma do processo, por o meio processual não se adequar ao pedido formulado.

No entanto, dispõe o artigo 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária que se ordenará a correcção do processo quando o meio usado não for adequado segundo a lei.

Como referem LEITE DE CAMPOS E OUTROS, Lei Geral Tributária anotada, nota 3 ao artigo 97.º, “o n.º 3 do preceito visa obstar a que, por via de uma errada eleição da forma de processo, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa. Trata -se de uma injunção ao próprio juiz. Este só estará desonerado da obrigação de ordenar a correcção da forma de processo quando ela se mostre de todo inviável”, sendo que – nota 4 – “a solução da convolação do processo tem sido várias vezes aflorada e decidida no contencioso tributário, tendo-se a jurisprudência firmado no sentido da sua admissibilidade desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada de processo e a acção judicial não esteja caducada”.

Destarte, o erro na forma do processo é susceptível de sanação mediante convolação para o meio processual adequado, numa perspectiva de concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena e de máximo aproveitamento dos actos processuais praticados, e de favorecimento do processo, desde que de tal aproveitamento não resulte uma diminuição das garantias da parte contrária (cfr. os artigos 20.º da Constituição da República Portuguesa, 97.º n.º 2 e 3, da Lei Geral Tributária, 98.º n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2.,º n.º 2, e 193.º do Código de Processo Civil).

A convolação da petição na forma processual adequada deve ser determinada quando dela constem pedido e causa de pedir idóneos para o efeito e desde que seja viável o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente no que respeita à tempestividade da acção. De facto, caso seja manifesta a intempestividade da petição inicial com referência ao meio processual adequado ao pedido, não deve ser ordenada a convolação, pois tal conduziria à sua subsequente rejeição liminar e, assim, a convolação consubstanciaria a prática de um acto inútil e, portanto, proibida - cfr. o artigo 130.º do Código de Processo Civil.

Assim, importa apreciar se o pedido é tempestivo para a forma de processo adequada, isto é, para a oposição à execução.

O prazo para deduzir oposição é de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora, ou da data em que tiver ocorrido facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado (cfr. o artigo 203.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

No caso dos autos, resulta que o Impugnante foi citado, como revertido, para os diversos autos de execução em 12 de Agosto de 2019 - cfr. fls. 130 dos autos, numeração SITAF.

Consequentemente, tendo a petição inicial sido apresentada em 13 de Novembro de 2019- cfr. as fls. iniciais dos autos -, conclui-se que o foi quando o prazo de 30 dias estava já largamente ultrapassado.

Assim, porque a oposição à execução seria manifestamente extemporânea, revelar se-ia inútil uma eventual convolação.

Verifica-se, assim, uma situação de erro na forma do processo e de inviabilidade da convolação da presente acção de impugnação judicial para a forma processual adequada, que seria a oposição à execução, o que constitui excepção dilatória

Motivo porque sem necessidade de mais considerandos, importa concluir ter ocorrido erro na forma de processo e, não podendo os autos ser aproveitados para prosseguirem, impõe-se a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância.”


*

Ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, consideramos provado o seguinte facto:

a) Do ofício de citação consta, para além do mais, o seguinte: “(…) Mais fica citado de que, no mesmo prazo, poderá (…) deduzir oposição judicial com base nos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT.” – Cfr. documento a fls.130 (SITAF).

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, resulta que está em causa saber se é correcto o entendimento da sentença recorrida de que se verifica erro no meio processual e que é impossível a convolação no meio processual correcto, por razões de intempestividade.

A sentença recorrida considerou verificada a excepção de erro na forma de processo em virtude de a impugnação judicial não ser o meio adequado para apreciar as causas de pedir e pedido em causa nos presentes autos. Mais entendeu não ser possível convolar no processo correcto, por razões de intempestividade.

O Recorrente não se conforma com o assim decidido.

Adiante-se que não tem razão.

Como ressalta da p.i. apresentada, o pedido indicado pelo Recorrente foi o seguinte:

“Termos em que se requer a V.ª Exª que seja declarada a nulidade da citação da decisão final e ainda que seja revogada a decisão final que decretou a responsabilidade subsidiária do aqui Impugnante pelas dívidas da sociedade supra mencionada, no âmbito dos processos de execução fiscal nº …, (…), extinguindo-se, deste modo, a reversão da execução fiscal.”

Ora, o pedido efectuado nada tem que ver com a legalidade de qualquer liquidação, cuja anulação seria o pedido adequado no meio processual de impugnação judicial, como disso deu nota a sentença recorrida.

Acresce que nenhuma das causas de pedir invocadas se relaciona com a (i)legalidade da liquidação, antes dizem respeito a ilegalidades alegadamente praticadas no âmbito do processo de execução fiscal, revertido contra o ora Recorrente.

Relativamente a esta matéria é unânime a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido acolhido pela sentença recorrida.

Sobre esta matéria foi já proferido Acórdão, por este TCAS, em 10/07/2014, proferido no âmbito do processo nº …/14, do qual se extrai e acolhe o seguinte:

“(…) A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a acção adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011).

Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da acção (Nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13).

Saliente-se que o juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A..

In casu, a Recorrente apresentou, junto do TAF de Loulé, Impugnação judicial, nos termos do art. 99.º do CPPT “contra a decisão de reversão contra si, na qualidade de devedor subsidiário”, peticionando a final que “[d]eve ser julgada procedente a presente impugnação judicial, declarando-se nula a reversão e fazendo cessar a execução fiscal contra o Impugnante.”.

Conforme resulta do pedido expressamente formulado, este não é o adequado à forma processual de impugnação judicial, que tipicamente é de anulação/nulidade de uma liquidação, mas antes o adequado à Oposição à execução fiscal previsto no art. 203.º do CPPT.
De qualquer modo, ainda que se pretenda interpretar o pedido em consonância com as causas de pedir de modo a se poder concluir pela existência de um pedido implícito que viabilizasse a forma processual utilizada pelo Recorrente, também nesse caso tal não seria viável, pois da leitura da petição resulta inequivocamente que todas as causas de pedir invocadas (inexistência de responsabilidade subsidiária e nulidade da decisão de reversão) estão em perfeita consonância com o pedido formulado, pelo significa que o pedido formulado pela Recorrente é inequívoco (no sentido da admissibilidade de utilização das causas de pedir para interpretar o pedido vide Ac. do STA de 28/05/2004, proc. n.º 01086/13).

Ou seja, não restam dúvidas que o pedido formulado pelo Recorrente é o adequado para satisfazer a sua pretensão articulada na p.i., as causas de pedir são as adequadas ao efeito jurídico que pretende obter com o pedido de “nulidade do despacho de reversão” e extinção da execução fiscal contra si revertida.

Sucede que aquele pedido formulado pelo Recorrente, manifestamente, não é adequado à forma que escolheu, ou seja, à Impugnação Judicial, mas sim à Oposição, prevista no art. 203.º e ss do CPPT, tal como foi decidido na 1.ª instância (nesse sentido, vide, por todos, o muito recente acórdão do STA de 18/06/2014, proc. n.º …/13, no qual se decidiu, conforme jurisprudência pacífica e uniforme nesta matéria que “(…) se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal.”).

Constitui jurisprudência pacífica e uniforme que a forma utilizada pela Recorrente, a impugnação judicial, não constitui meio processual adequado de reacção contra o acto de reversão da execução fiscal, e extinção da execução fiscal, mas sim o processo de oposição (cfr. entre muitos, acórdãos do STA de 13/07/2005, no proc. n.º 504/05; de 11/04/2007, no proc. n.º 19/07; de 08/03/2006, no proc. n.º 1249/05; de 4/06/2008, no proc. n.º 76/08; de 19/11/2008, no proc. n.º 711/08; de 27/05/2009, no proc. n.º 448/09; de 15/09/2010; no proc. n.º 234/10; de 24/02/2011, no proc. n.º 105/11; de 2/05/2012, no proc. n.º 300/2012; de 12/09/2012, no proc. n.º 453/12; e de 18/06/2013, no proc. n.º 640/13, e o muito recente Ac. do STA de 18/06/2014, proc. n.º 01327/13).

Por conseguinte, pese embora a petição inicial, se intitule de “impugnação judicial”, não é peticionado qualquer pedido de nulidade/anulação dos actos de liquidação subjacentes à dívida exequenda, como seria devido num processo de impugnação de acto de liquidação – art. 99.º do CPPT, mas sim pedido adequado à forma processual oposição, prevista no art. 203.º e ss do CPPT, pelo que verifica-se, efectivamente o erro na forma do processo.
Face ao exposto, o recurso não merece provimento quanto a este fundamento.(…)”

Regressando ao caso dos autos, verifica-se que, também aqui, as causas de pedir invocadas se prendem com a sua legitimidade no âmbito do processo de execução fiscal, bem como irregularidades alegadamente ocorridas relativamente à citação.

É certo, como decidido, que eventuais irregularidades ocorridas quanto à citação devem ser suscitadas perante o órgão de execução fiscal cabendo de eventual decisão desfavorável reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT, sendo que não há notícia nos autos de ter o ora Recorrente diligenciado nesse sentido.

Insurge-se, por outro lado, o Recorrente contra a informação, errada, no seu entendimento, que lhe foi comunicada relativamente aos prazos e meios de reacção.

Contudo, o ora Recorrente omite a informação que também consta da citação (cfr. facto por nós aditado), de que dispunha do prazo de 30 dias para deduzir oposição à execução, prazo esse que não foi respeitado, como bem decidiu a sentença recorrida, circunstância que obstou à convolação.

Improcede, pois, a argumentação recursiva, sendo de negar provimento ao recurso.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida, que bem decidiu.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 10 de Março de 2022


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(Isabel Fernandes)

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(Jorge Cortês)

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(Hélia Gameiro Silva)