Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:254/16.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NOTIFICAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO EM RELAÇÃO A PESSOA INTERDITA
OPONIBILIDADE DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO OBJECTO DE INSCRIÇÃO NO REGISTO CIVIL
Sumário:1) A notificação do acto tributário é condição de exigibilidade da dívida que do mesmo emerge, originando a sua falta fundamento de extinção da execução.
2) A recepção da notificação dos actos tributários corresponde a um acto próprio do sujeito passivo do imposto.
3) Dada a situação de interdição da contribuinte/executada, a eficácia da notificação em causa depende de a mesma ser dirigida à pessoa do tutor, representante legal da executada. O que não sucedeu no caso em exame.
4) A inoponibilidade da notificação em causa decorre da existência de sentença inscrita no registo civil, contendo a interdição da contribuinte/oponente e a nomeação do tutor.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 82/89, que julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal intentada por Maria Teresa ..., contra o processo de execução fiscal n.º ... instaurado por dívidas de IMI dos anos de 2012 a 2014.
Nas alegações de recurso de fls. 112/120, a recorrente formula as conclusões seguintes:
I -  O entendimento que emana da Sentença ora recorrida, é o de que tendo sido a Oponente declarada incapaz por interdição, a mesma não se encontra dotada de capacidade tributária, o que acarreta a sua impossibilidade de receber notificações e citações.
II -  Efectivamente, a liquidação do tributo, consubstanciando-se como um acto administrativo de eficácia externa, deve, em respeito pelo postulado no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, ser objecto de notificação aos interessados, sendo que a falta de notificação da liquidação tributária, por regra, tem como consequência legal a ineficácia do acto de liquidação (…)
III -  Voltando ao caso dos autos, constatamos que em 6-05-2014 o Serviço de Finanças de ... remeteu à Oponente, por carta registada com aviso de recepção n.º RD147682525PT, o ofício n.º 4583 tendo em vista a actualização da matriz predial do imóvel sito na Rua D. ..., n.º 82, inscrito na matriz predial sob o artigo 1317 da União de Freguesias de ....
IV -  Com a expressa advertência de que, passados 30 dias sem que tenha apresentado a declaração em causa, a administração tributária promoveria oficiosamente a avaliação, nos termos do artigo 37.º do Código do IMI.
V -  Como tal ofício tivesse sido devolvido, procedeu a administração tributária, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, a nova notificação, através do ofício n.º 4980 de 21-05- 2014, a qual seguiu, igualmente, a forma de registo com aviso de recepção, não obstante esta ter sido novamente devolvida.
VI -  No entanto, e nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do CPPT, a notificação considera-se realizada no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, o que perfaz com que a Oponente se tenha por validamente notificada para proceder à actualização da matriz predial, em virtude de alterações à edificação, no dia 26-05-2014.
VII -  Considerando que a Oponente não efectuou a actualização da matriz devida, procedeu a administração tributária à avaliação oficiosa da matriz predial, em harmonia com o preceituado no artigo 37.º do Código do IMI.
VIII -  Nesta conformidade e conforme a matéria factual que deve resultar provada nos presentes autos, a Oponente foi notificada em 28-07-2015 e em 15-08-2015 (segunda notificação), por cartas registadas com os n.ºs RY288520613PT e RY282856728PT, respectivamente, da avalização do imóvel e do prazo que dispunha para requerer a segunda avalização, caso não concordasse com o valor patrimonial tributário apurado oficiosamente.
IX -  Não obstante tais notificações terem sido devolvidas, a verdade é que a Oponente se considera notificada, por força do preceituado no n.º 6 do artigo 39.º do CPPT.
X -  Prosseguindo-se os demais termos e atendendo ao facto de a Oponente não ter contestado a avalização efectuada pela administração tributária, esta tornou-se definitiva e deu origem à emissão de notas de cobrança de IMI que ora se pretendem cobrar, as quais foram remetidas para a Oponente por intermédio de carta registada e foram efectivamente recepcionadas no domicílio fiscal da Oponente, cfr. fls. 26 a 37 do PEF.
XI -  Tanto mais que o conceito de domicílio fiscal, definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT, relativamente às pessoas singulares e salvo disposição em contrário, é o local da residência habitual, sendo imperativo, por força do n.º 3 da mesma disposição legal, que o sujeito passivo comunique à administração tributária o seu domicílio fiscal, sob pena de, não o fazendo, ser ineficaz qualquer alteração ou mudança de domicílio fiscal.
XII -  E particularmente relevante para o que ora nos ocupa e com dignidade para constar da factualidade dada como assente pelo Douto Tribunal a quo, resulta que as liquidações adicionais de IMI que ora se cobram foram efectivamente recepcionadas no domicílio fiscal da Oponente, como se impunha por força do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do Código do IMI.
XIII -  Consagra o n.º 2 do artigo 16.º da LGT que “Salvo disposição legal em contrário, tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária”, postulando ainda o n.º 2 do artigo 3.º do CPPT que “A capacidade judiciária e para o exercício de quaisquer direitos no procedimento tributário tem por base e por medida a capacidade de exercício dos direitos tributários”, e o n.º 3 da mesma norma estabelece que “Os incapazes só podem estar em juízo e no procedimento por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente”.
XIV -  Enquanto que para efeitos civis se podem distinguir diversos tipos de capacidade (substantiva e processual, para administrar ou para dispor, etc.), em termos tributários não é possível afirmarmos (por não decorrer da lei) um conceito de capacidade tributária com carácter geral, oposto ou diferente do regime aplicável ao direito privado.
XV -  Com efeito, dizem-nos Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis Editores, 3.ª ed., 2003, pág. 111, que “A capacidade tributária depende dos diversos sujeitos passivos em Direito tributário e das entidades que são consideradas sujeitos passivos. A lei tributária pode alargar ou restringir a capacidade tributária dessas pessoas ou entes. Neste sentido, o n.º 2 ao determinar que, salvo disposição em contrário, tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária, deixa aberto o caminho para adaptações”.
XVI -  Importa, neste sentido, fazer a destrinça entre capacidade tributária entendida em sentido estrito, como aquela que se consubstancia na aptidão dada pela ordem jurídica a determinado sujeito para ser titular de direitos e obrigações; e a capacidade de agir, entendida esta como a faculdade atribuída pelo Direito a determinado sujeito para exercer os direitos ou cumprir obrigações.
XVII -  Como nos ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, cfr. ob. cit., pág. 112, “Os incapazes, menores ou interditos, são admitidos ao cumprimento dos seus deveres fiscais, à prática dos actos relativos à sua situação tributária, sem necessidade da intervenção dos seus representantes legais”.
XVIII -  Isto é, a incapacidade de agir para efeitos tributários não decorre, imediatamente e sem mais, de qualquer interdição declarada contra o sujeito passivo; tornando-se necessário saber quais os direitos do sujeito passivo que estão em jogo e se os mesmos ficam de alguma maneira coarctados ou mutilados quando o mesmo age por si só no procedimento tributário.
XIX -  Efectivamente, a interdição de que padece a Oponente em nada belisca a capacidade da mesma em receber notificações de liquidações de IMI, enquanto sujeito passivo de imposto, uma vez que o escopo da notificação que aqui se considera não ter sido válida, consagrada como garantia fundamental dos cidadãos, tem subjacente ou está conexionada com a possibilidade de exercício do direito de impugnação de actos administrativos lesivos.
XX -  O que foi plenamente conseguido no caso em apreço, porque já vimos que, muito embora não conste da factualidade dada como provada na Sentença recorrida, as liquidações de IMI que ora se cobram foram efectivamente recepcionadas no domicílio fiscal da Oponente; possibilitando-lhe o exercício pleno dos seus direitos e obrigações perante a administração tributária, designadamente, em caso de discordância com tais actos tributários, a faculdade de dedução de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, o que concretizaria, aqui sim, mediante o seu representante legal.
XXI -  O ordenamento jurídico impõe que o sujeito passivo seja notificado das liquidações de IMI efectuadas fora do prazo normal, o que a administração tributária logrou fazer. Nunca a Oponente deixou de ser sujeito passivo e nunca ficou a mesma incapacitada de receber notificações e citações. Muito menos ficou beliscado o seu direito de impugnação administrativa ou judicial de actos administrativos lesivos.
XXII -  Tanto assim é que as liquidações foram efectivamente recebidas no seu domicílio fiscal e o presente meio processual foi tempestivamente deduzido após a citação, a qual também foi apenas efectuada no domicílio fiscal da Oponente.
XXIII -  Nesta sequência, no contexto dos autos, não é razoável exigir à administração tributária outro tipo de actuação que não aquela que foi seguida no caso em apreço, por a mesma não dispor de quaisquer indícios de ter havido qualquer alteração da situação relativa à capacidade tributária da Oponente.
XXIV -  Desde logo devido ao facto de nunca ter chegado ao conhecimento da administração tributária a situação de interdição relativa à Oponente, uma vez que esta ou o seu representante legal jamais efectuou qualquer tipo de comunicação tendente a demonstrar a situação pessoal incapacitante, sendo, portanto, tal situação pessoal inoponível à administração tributária.
XXV -  Face ao exposto, não resta à Fazenda Pública senão concluir, muito respeitosamente, que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto de recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.


X

Não há registo de contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 127/128), invocou a excepção da incompetência absoluta deste Tribunal em razão da hierarquia.

X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) A Opoente é dona do prédio urbano sito na Rua D. ..., nº 82, ..., inscrito na matriz predial respetiva da União das Freguesias de ... sob o artigo 1317 (cf. fls. 22 do processo em papel).
B) Por carta registada em 2014.05.06, com aviso de receção, devolvida ao remetente, foi enviado a Maria Teresa ... ofício atualização de matriz de IMI, constante de fls. 28 do processo em papel, que aqui se dá como integralmente reproduzido, solicitando a apresentação da declaração modelo 1 de IMI, sob cominação de que não o fazendo no prazo de 30 dias, se promoveria oficiosamente à avaliação nos termos do artigo 37º do CIMI (cf. fls. 28 a 30 do processo em papel e fls. 14 a 16 do PEF).
C) Por carta registada em 2014.05.21, com aviso de receção, devolvida ao remetente, foi enviado a Maria Teresa ... ofício atualização de matriz de IMI, constante de fls. 31 do processo em papel, que aqui se dá como integralmente reproduzido, solicitando a apresentação da declaração modelo 1 de IMI, sob cominação de que não o fazendo no prazo de 30 dias, se promoveria oficiosamente à avaliação nos termos do artigo 37º do CIMI (cf. fls. 28 a 30 do processo em papel e fls. 17 a 19 do PEF).
D) Em 2015.07.12, o prédio identificado na alínea A) foi avaliado e atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de € 685 040,00 (cf. fls. 38 a 40 – Id.).
E) O resultado da avaliação de 2015.07.12, foi comunicado por cartas registada com aviso de receção, endereçadas a Maria Teresa ... devolvidas ao remetente com a menção objeto não reclamado e mudou-se (cf. fls. 41 a 43 do processo em papel e fls. 20 a 25 do PEF).
F) Em 2015.12.05, no Serviço de Finanças de ..., foi autuado o processo de execução fiscal nº ..., contra Maria Teresa de ..., residente na Rua D. ..., nº 82, ... (cf. fls. 1 do PEF).
G) Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2015/489571, emitida em 2015.12.05, que atesta que Maria Teresa de ..., residente na Rua D. ..., nº 82, ..., é devedora de € 2 501,40 de IMI do ano de 2011, relativo ao prédio com o artigo matricial 110504-U-000830, com data limite de pagamento de 2015.11.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2015.12.01 (cf. fls. 2 a 4 do PEF).
b. Certidão de dívida nº 2015/490175, emitida em 2015.12.05, que atesta que Maria Teresa de ..., residente na Rua D. ..., nº 82, ..., é devedora de € 2 357,90 de IMI do ano de 2012, relativo ao prédio com o artigo matricial 110504-U-000830, com data limite de pagamento de 2015.11.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2015.12.01 (cf. fls. 5 a 7 do PEF).
c. Certidão de dívida nº 2015/490840, emitida em 2015.12.05, que atesta que Maria Teresa de ..., residente na Rua D. ..., nº 82, ..., é devedora de € 2 282,90 de IMI do ano de 2013, relativo ao prédio com o artigo matricial 110504-U-000830, com data limite de pagamento de 2015.11.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2015.12.01 (cf. fls. 8 a 10 do PEF).
d. Certidão de dívida nº 2015/608571, emitida em 2015.12.05, que atesta que Maria Teresa de ..., residente na Rua D. ..., nº 82, ..., é devedora de € 2 290,20 de IMI do ano de 2014, relativo ao prédio com o artigo matricial 110504-U-000830, com data limite de pagamento de 2015.11.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2015.12.01 (cf. fls. 11 a 13 do PEF).
H) Em 2016.01.11, a presente oposição deu entrada no Serviço de finanças de ... (cf. fls. 5 do processo em papel);
I) Por sentença de 2012.07.12, retificada em 2012.09.20, proferida no processo nº 9118/10.0TBCSC, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, constante de fls. 11 a 19 do processo em papel, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, Maria Teresa ..., foi declarada interdita, por anomalia psíquica, com efeitos reportados a 1998; desta transcreve-se:
a. (…);
b. Decisão
c. Por tudo o exposto decide-se:
i. Declarar a interdição total e definitiva, por anomalia psíquica desde 1998 de Maria Teresa ...;
ii. Nomear tutor Pedro ... e como pro-tutora Luísa ...;
d. Comunique à respetiva Conservatória do registo Civil (artigo 69º e 78º, ambos do C.R.Civil);
e. (…);
J) Foi nomeado Tutor de Maria Teresa ..., Pedro ... (Id.).»


X

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.»

X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
K) A sentença referida em I) e J), foi registada na Conservatória do Registo Civil de Lisboa em 07.11.2012 – fls. 157/159.

X

2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 82/89, que julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal intentada por Maria Teresa ..., contra o processo de execução fiscal n.º ... instaurado por dívidas de IMI dos anos de 2012 a 2014.

2.2.2. Para julgar procedente a oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«O artigo 16º da Lei Geral Tributária (LGT), com a epígrafe Capacidade Tributária, no nº 3 diz: os direitos e deveres dos incapazes (…) são exercidos (…) pelos seus representantes, designados de acordo com a lei civil.
E, são incapazes para o exercício de direitos tributários os interditos.
No caso, a Opoente está impossibilitada, por anomalia psíquica, de receber notificações e citações e tem representante legal nomeado pelo Tribunal.
Mas, mesmo considerando a hipótese académica de a Contribuinte não ter representante legal, sempre a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha de proceder à designação de curador especial ou provisório no procedimento tributário, para receber a notificação (artigo 7/2 CPPT).
Verifica-se, pois, tal como alega, que as liquidações em causa não foram validamente notificadas à Opoente.
E, não tendo a Oponente sido validamente notificada anteriormente, abrir- se- ia prazo para impugnar a dívida. // (…) // Com efeito, nestes casos, estar-se-á perante uma omissão de um ato imposto por lei, necessário para assegurar a eficácia do ato (artigos 36/1 CPPT e 77/6 da LGT), que também constitui fundamento, mas enquadrável na alínea i) do nº 1 deste artigo 204º».

2.2.3. A recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento. Alega, em síntese, que as liquidações de IMI que ora se cobram foram efectivamente recepcionadas no domicílio fiscal da Oponente; possibilitando-lhe o exercício pleno dos seus direitos e obrigações perante a administração tributária, designadamente, em caso de discordância com tais actos tributários, a faculdade de dedução de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.

Vejamos.

A oponente/recorrida foi declarada interdita por sentença de 12.07.2012, proferida pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais. Foi nomeado tutor Pedro ...[1]. A sentença foi registada na Conservatória do Registo Civil de Lisboa em 07.11.2012[2].

«Os direitos e os deveres dos incapazes e das entidades sem personalidade jurídica são exercidos, respectivamente, pelos seus representantes, designados de acordo com a lei civil, e pelas pessoas que administrem os respectivos interesses»[3].

«Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar as suas pessoas e bens»[4].

«A sentença que decreta a interdição definitiva (…) está sujeita a registo civil obrigatório (artigo 147.º do CC). É a partir do momento do registo que o regime da interdição funciona plenamente. Enquanto a sentença não constar do registo, a interdição, embora produzindo os seus efeitos, não pode ser invocada contra um terceiro de boa fé (artigos 147.º e 1920-C, do CC)»[5].

A incapacidade dos interditos é suprida através da tutela (artigo 143.º do CC). A tutela é um instituto de representação legal destinado a suprir a incapacidade de exercício. «Quando a tutela não recair nos pais, aplicam-se-lhe em tudo o que não seja regulado de uma maneira especial pelos arts. 139.º a 151.º, as regras respeitantes à tutela destinada a suprir o poder paternal, bem como as regras respeitantes aos outros meios previstos ara este fim (arts.º 1921.º a 1972.º do CC), feitas as necessárias adaptações (artigo 139.º última parte)»[6].

Por fim, recorde-se que «[o]s actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato»[7].

A recepção da notificação dos actos tributários em causa nos autos corresponde a um acto próprio do sujeito passivo do imposto, o qual implica para o mesmo o conjunto de obrigações formais, como seja a comunicação do domicílio fiscal (artigo 19.º/2, da LGT). A referida notificação é também condição do exercício dos direitos do contribuinte de impugnação administrativa e contenciosa. Nesta medida, a notificação das liquidações em causa é condição de exigibilidade da dívida, originando a sua falta fundamento de extinção da execução (artigo 204.º/1/i), do CPPT).

A tese da recorrente consiste em que, não obstante a interdição da recorrida, as notificações da avaliação do vpt e das liquidações de IMI em causa foram remetidas para o domicílio da contribuinte, pelo que atingiram a sua esfera de influência.

Dada a situação de interdição da contribuinte/oponente, a eficácia das notificações em causa depende de as mesmas serem dirigidas à pessoa do tutor, representante legal da executada. O que não sucedeu no caso em exame. A inoponibilidade das referidas notificações decorre da existência de sentença inscrita no registo civil, contendo a interdição da contribuinte/oponente e a nomeação do tutor (artigo 1920.º-C do Código Civil).

A oponente está sujeita a uma restrição da capacidade do exercício, pelo que a recepção das notificações dos actos tributários em liça deve ser assegurada na pessoa do seu tutor, nomeado pelo tribunal.

A recorrente não pode alegar desconhecimento da situação de incapacidade da executada, dado que a sentença de interdição foi registada em 2012 e as notificações datam de 2014 e 2015. Cabia aos serviços da recorrente diligenciarem no sentido de apurar a situação jurídica da recorrida, junto da Conservatória do Registo Civil, de forma a efectuarem a notificação do sujeito passivo, através do seu representante legal, o tutor, Pedro ..., nomeado pelo tribunal. O que não foi feito.

De onde resulta que não se pode dar como verificada a notificação dos actos tributários em apreço. O que torna inexigíveis as dívidas que estão na base da presente execução fiscal (artigo 204.º/1/i), do CPPT).

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma do erro que lhe é apontado, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunta – Cristina Flora)



 (2º. Adjunta – Ana Pinhol)


[1]       Alíneas I) e J), do probatório.
[2]       Alínea K), do probatório.
[3]       Artigo 16.º, n.ºs 2 e 3, da LGT.
[4]       Artigo 138º/1, do CC.
[5]       Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do Código Civil Português; Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p.337.
[6]       Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do Código Civil Português, cit., p.340.
[7]       Artigo 16.º/1, da LGT.