Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2285/10.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
DUPLICAÇÃO DE FATURAS
Sumário:I. A existência de práticas menos corretas em termos de faturação, designadamente a emissão de faturas em duplicado, não implica que se possa inexoravelmente considerar estarmos perante proveitos.

II. Nestes casos, cabe ao contribuinte demonstrar que tais práticas menos corretas não correspondem a proveitos.

III. Tendo a impugnante logrado provar que determinadas faturas que emitiu visavam substituir faturas emitidas em livros antigos, enquanto aguardava que lhe fossem fornecidos livros novos, a mesma provou a inexistência de proveitos.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.12.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por E., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico atinente ao indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2003.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Afirma a Recorrida, Impugnante, que emitiu as ditas faturas (faturas n.ºs 29851 a 30350, tendo utilizado o “duplicado” das faturas como “originais”, uma vez que o livro de faturas terminaram em maio de 2003, sendo que a tipografia apenas disponibilizou um novo livro em outubro desse ano;

B) São demasiadas as inconsistências que o Tribunal a quo, com o devido respeito, não valorizou convenientemente;

C) Ora, sendo a testemunha quem controlava os livros de faturas, que fazia atendimento ao publico, e sendo a prática requisitar novos livros de faturas com dois a três meses de antecedência, não se mostra verosímil a explicação de que, apenas no dia 30/05/2003, deu conta que os livros de faturas já tinham terminado;

D) Como pode uma sociedade, com estabelecimento aberto ao público, deixar terminar o seu livro de faturação e estar a aguardar durante mais de quatro meses à espera da entrega de novos livros por parte da tipografia;

E) Questionado sobre o lapso de tempo decorrido e por que motivo não solicitara os serviços a outra tipografia, informou que “foram encomendados vários livros com números sequenciais”, cerca de 50 a 100 livros;

F) A testemunha justificou que utilizou um livro de faturas antigo, com a numeração 22701 a 23200, em substituição do livro onde foi verificada a falha de numeração porque, na data em que deveria emitir as faturas, ainda não se encontrava na posse do livro com a numeração sequencial;

G) Sabendo a Recorrida, Impugnante, um expediente ilegal de utilização de faturas antigas e não sequenciais, a que acrescia o facto de não preencherem os requisitos necessários à data, viu-se obrigada a transcrever as faturas que, entretanto utilizou com referência aos livros antigos, para os novos livros de faturas, pois não conseguiram introduzir as primeiras (face à falta de sequência dos números) no sistema de stocks;

H) Não se compreende, nem foi, com o devido respeito, em nosso entendimento, valorado pelo Tribunal a quo que, tratando-se de uma mera transcrição, para efeitos de registo e controlo de stocks, sabendo a Recorrida, Impugnante, que o expediente utilizado não era o correto, e não querendo contabilizar as mesmas, deveria a ter na sua posse todas as vias das aludidas faturas, ou seja, dois originais e uma cópia;

I) Se estava em causa o sistema de gestão de stocks, como justifica algumas faturas não corresponderem totalmente aquelas que pretendia substituir?

J) Não se está a falar aqui de meros lapsos nas faturas, como seja, um erro de referência do produto ou erros de mera escrita, porquanto, nalguns casos não corresponde o produto mencionado, noutros o valor do produto e situações houve que, notificados alguns clientes em nome dos quais se encontravam emitidas tais faturas referiram não ter comprado quaisquer produtos à Recorrida, Impugnante;

K) Da análise comparativa entre as faturas alegadamente transcritas e as faturas substituídas decorre a verificação de evidentes disparidades, seja na descrição do bem, respetivo valor ou nas declarações cruzadas de outros clientes que negam ter comprado aqueles bens;

L) Como pode o Tribunal recorrido ter deixado “en passant” o facto de uma sociedade, com contabilidade organizada e bastando consultar a sua documentação, dizer não ter efetuado qualquer compra à recorrida, impugnante, apenas considerando que, “não logrou provar a AT comprovar a veracidade de tal afirmação”;

M) A fatura emitida com o n.º 22812, a qual faz menção à venda de “1 tv S.ws 2. P. G.” e a retoma de uma tv, em comparação com a fatura “transcrita” e emitida posteriormente, fatura n.º 29962, da qual consta “1 tv S. ws 2. P. G.” e “1 leitor DVD S. 2.” (ponto 19. do probatório);

N) Outra disparidade patente acontece com a fatura n.º 2298 e a sua alegada correspondente, a fatura n.º 30148, que não coincidem em termos de preço (ponto 19. do probatório) e, não menos evidente, a fatura n.º 23028 e a sua alegada correspondente, a fatura n.º 30178 divergem em relação à descrição do bem (ponto 19. do probatório);

O) A testemunha não soube responder o motivo de tais discrepâncias, sendo que apenas justificou a contradição entre as faturas 22812 e a fatura n.º 29962, refugiando-se no facto de ser “um lapso”;

P) Quanto às verificadas discrepâncias, constantes do quadro do ponto 19. do probatório da sentença recorrida, o Tribunal não se pronunciou devidamente, referindo apenas que são “bastantes insignificantes (…)”;

Q) Ao contrário do que o Tribunal a quo deu como assente no ponto 21. do seu probatório, não foram apenas os originais que a Recorrida, Impugnante, que foram destruídos, mas também os duplicados das mesmas;

R) A Recorrida, Impugnante, sempre reconheceu, ao longo dos presentes autos, que o procedimento por si realizado não se encontrava conforme o legalmente estabelecido e, ainda assim, não procurou, por qualquer meio, evitar que, pelo menos a tipografia procedesse à elaboração dos livros de fatura requisitados, em tempo útil e que não tinha consciência, que foi a ignorância que fez atuar daquele modo;

S) Como é consabido, nos termos do art. 6º do CC, a “ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”, logo, tal, ao contrário do que considera o Tribunal a quo uma causa desculpante para o seu comportamento;

T) Nos termos do art. 17º do CIRC, a determinação do lucro tributável “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”;

U) a contabilidade, em obediência ao referido preceito normativo, deve se encontrar “organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo das disposições previstas neste Código.”, devendo, a contabilidade, “refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes” (als. a) e b) do n.º 3 do art. 17º do CIRC);

V) O sistema jurídico-fiscal português vigora o princípio da declaração do apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos declarados pelo sujeito passivo que disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, exceto se se verificarem erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que a contabilidade não reflete a matéria tributável efetiva daquele;

W) Desta presunção de veracidade resulta a vinculação da AT à emissão da liquidação com base na declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados;

X) Apenas quando resultar do controlo efetuado que a matéria coletável, apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos, não corresponde à realidade, é que a AT pode proceder, em alternativa, ao apuramento do respetivo lucro tributável;

Y) No caso dos autos foi detetada a omissão contabilística relativamente às vendas realizadas e suportadas pelas faturas com a numeração de 29851 a 30350;

Z) E, atendendo às contradições e discrepâncias patentes no invocado pela Recorrida, Impugnante e do que resultou da confrontação da testemunha inquirida com os factos em causa, não logrou fazer prova da veracidade da substituição das faturas n.ºs 22701 a 23200, pelas faturas com os n.ºs 29851 a 30350;

AA) Nos termos do art. 74º, n.º 1 da LGT, a AT terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação – factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário - e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, o que a Recorrida, Impugnante, não logrou fazer;

BB) E, não tendo o Tribunal a quo valorado convenientemente, quer a prova documental carreada para os autos, bem como o depoimento, diga-se, inconstante, da testemunha, violou o o regime de repartição do ónus da prova, incorrendo, dessa forma, em erro de julgamento;

CC) Entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto nos artigos 17º do CIRC, art. 74º da LGT e art. 6º do CC, devendo a sentença, ora recorrida, ser revogada e mantendo-se, em consequência, na ordem jurídica a liquidação em causa, na qual se integram os juros compensatórios.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, para tanto, a douta sentença ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação Judicial improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO

A COSTUMADA JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I. Os presentes autos de Recurso têm por objeto a Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.° 2285/10.5BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou integralmente procedente a Impugnação Judicial apresentada e, consequentemente, determinou a anulação do ato de liquidação impugnado;

II. A Autoridade Tributária e Aduaneira, por não se conformar com o teor desta decisão, apresentou Recurso da mesma junto deste Tribunal Central Administrativo Sul;

III. Conforme demonstrado nos presentes autos, quer documentalmente, quer através da prova testemunhal produzida nos autos de Impugnação, a Recorrida não omitiu quaisquer vendas relativamente ao exercício de 2003;

IV. Conforme demonstrado nos autos de Impugnação Judicial, quer documentalmente, quer através da produção de prova testemunhal, e agora se reforçou em sede de Recurso, em 30 de maio de 2003, a Recorrida deixou, por lapso, esgotar os seus livros de faturas das séries terminadas no número 29850, encomendando, imediatamente, à gráfica “T. C., Lda.” a emissão de novos livros de faturas, que lhe foram fornecidos apenas em outubro desse ano de 2003 (cfr. pontos 14. e 15. da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida);

V. No período que mediou entre 30/05/2003 e outubro daquele ano, e uma vez que a Recorrida deixou de ter faturas sequenciais às de 29850 socorreu-se de faturas que possuía (de uma série antiga) com «a numeração iniciada em 22701 (cfr. ponto 16. da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida);

VI. Este procedimento foi confirmado através da prova testemunhal realizada em sede de Impugnação Judicial que confirmou que as faturas da série antiga, resultantes de uma série descontinuada, permitiram à Recorrida continuar a emitir faturas pelas vendas efetuadas aos seus clientes e, deste modo, cumprir com todas as suas obrigações fiscais, nomeadamente, declarar todas as suas vendas;

VII. Conforme também demonstrado nos autos, no programa informático da contabilidade foram lançadas e contabilizadas as faturas numeradas pela tal série antiga, isto é, as faturas com à numeração de 22701 a 23200;

VIII. Uma vez que a sua “Gestão de Stock” rejeitou o registo destas últimas faturas por terem uma numeração anterior à terminada em 29850, a Recorrida procedeu relativamente às faturas 22701 a 23200 ao preenchimento de uma nova fatura da série começada em 29851 (que tinham sido recentemente fornecidas pela gráfica), nelas apondo o mesmo nome e morada do cliente e os mesmos elementos (designação e preço) da mercadoria vendida;

IX. O que significa que as faturas com a numeração de 29851 a 30350 são uma mera repetição e óbvia substituição das anteriores faturas n°s 22701 a 23200, facto este que foi cabalmente confirmado através da prova testemunhal produzida nos autos;

X. A Recorrida registou, ainda, as saídas de mercadorias no programa de stocks utilizando a numeração da série nova uma vez que o programa o não aceitava às faturas com a numeração antiga);

XI. Ora, como é evidente e ficou demonstrado nos autos, as faturas emitidas através da série antiga (faturas n°s 22701 a 23200) e as da série nova (29851 a 30350) correspondem, em todos os casos a uma repetição e não a duas vendas distintas como concluíram, sem demonstrar, os Serviços de Inspeção Tributária, ou seja, aquela segunda série de faturas corresponde a uma duplicação de registos e não “a vendas de produtos diferentes";

XII. Ficou, ainda, demonstrado que as divergências existentes nas faturas são insignificantes atendendo ao seu universo (10 faturas) e natureza (pequenos lapsos) num universo de 499 faturas que foram transcritas pela mesma pessoa (cfr. pág.17 da sentença recorrida).

XIII. Aliás, a prova testemunhal permitiu ao Tribunal a quo confirmar que os clientes da Recorrida eram, na sua quase totalidade, pessoas singulares, sem contabilidade organizada, pelo que as alegadas discrepâncias que possam ter existido entre os artigos e valores de venda devem-se exclusivamente ao intervalo temporal entre a venda (ocorrida em 2003) e a data em que foram questionadas sobre estes factos por parte dos Serviços de Inspeção Tributária e, bem assim, ao facto de não lhes ser possível validar em termos adequados essas aquisições;

XIV. Relativamente à empresa L. e às faturas n.°s 22.832 e 29982 a Administração Tributária e Aduaneira, ora Recorrente, limita-se a alegar, sem demonstrar, que esta empresa afirmou nada ter comprado à Recorrida, mas também neste caso não cumpriu com o ónus da prova que sobre esta recaia, não identificando o representante legal que terá feita aquela declaração ou qualquer pessoa que tenha efetuado tal declaração, nem mesmo se aquelas faturas constam da contabilidade da sociedade adquirente, pelo que é evidente que esta correção nunca poderá ser mantido por falta de prova do alegado pela Recorrente;

XV. Ficou, pois, demonstrado nos presentes autos que a Recorrente não logrou apresentar quaisquer fundamentos que permitissem abalar a douta Sentença recorrida quando esta concluiu que as faturas da “série nova” não titulam quaisquer vendas, constituindo, apenas, uma duplicação da “faturas antigas”, pelo que o valor titulado pelas mesmas não pode ser acrescido ao lucro tributável nos moldes em que foi efetuada pela Administração Tributária;

XVI. Deverá, pois, nestes termos, concluir-se pela total improcedência das alegações de recurso interpostas, mantendo-se na ordem jurídica a Sentença proferida no Processo de Impugnação Judicial n.° 2285/10.5BELRS, com a consequente determinação de ilegalidade da liquidação de IRC n.° 2006 148656, referente ao IRC de 2003 e, bem assim, a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, assim se repondo a legalidade.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DECISÃO RECORRIDA”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o ato não padece de erro sobre os pressupostos, não tendo a Impugnante logrado provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito à liquidação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante exercia a atividade de comércio a retalho de eletrodomésticos, aparelhos de rádio e televisão, a que correspondia o CAE 52451, encontrando-se enquadrada, em 2003, no Regime Geral de Tributação em sede de IRC – cfr. fls. 74 do procedimento de reclamação graciosa;

2. Na sequência de um pedido de reembolso de IVA, referente a julho e outubro de 2003, a Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva interna, determinada pela ordem de serviço n.º OI200501570, emitida em 02.03.2005, de âmbito parcial, em sede de IVA – cfr. fls. 47 do PAT apenso aos autos;

3. Em 27.02.2006, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), referente à ação inspetiva referida em 2), constando do mesmo, na parte com relevo para os presentes autos, designadamente, o seguinte:

Conclusões do relatório de Inspeção

(…)

3. Da análise dos elementos remetidos pelos contribuintes para cumprimento do D.N. 342/93, de 30/10, e dos esclarecimentos por este prestados, na sequência do nosso ofício n.º 49779 com registo de 16-11-2004, verificámos que:

3.1. Durante os meses de Maio a Setembro de 2003 foi efetuada a contabilização de faturas com numeração não sequencial (faturas número: 22.701 a 23.200).

Em Março e Outubro existe uma falha na numeração da faturação, 29.351 a 29.550 e 29.851 a 30.350, respetivamente.

(…)

3.3 A utilização da numeração 22.701 a 23.200 (numeração antiga) foi justificada por os livros que estavam a ser utilizados (com numeração mais alta) terem sido todos preenchidos, e a gráfica se ter atrasado na entrega da numeração seguinte.

Quando se viram sem livros de faturas, foram forçados a utilizar uns livros antigos com numeração não sequencial. Estes livros ainda existiam em stock devido à mudança de capital social de escudos para euros.

3.4. Relativamente à falha de numeração verificada em setembro, foi-nos explicado que estas faturas correspondem às faturas emitidas entre maio e setembro (n.ºs 22.701 a 23.200), uma vez que, como a numeração não era sequencial, o computador, para controlo do stock, não aceitava a introdução destas faturas (22.701 a 23.200). Por este motivo, a solução encontrada foi repetir as faturas só para efeitos de registo em computador.

3.5 Foi solicitada a visualização destes livros (n.ºs 29.851 a 30.350), para verificarmos a transcrição exata da numeração 22.701 a 23.200 para a numeração 29.851 a 30.350, e constatámos que os originais, não se encontram nos livros.

Questionados sobre o paradeiro destes originais, informaram-nos que tinham sido destruídos e os únicos que se encontravam arquivados noutro local pertenciam ao das faturas emitidas para o exterior (sem incidência de IVA).

3.6. Uma vez que, relativamente àquelas faturas, não se encontram os originais, não foram contabilizadas e estamos perante liquidação de IVA, foram extraídas fotocópias de todas as cópias das faturas de numeração 29.851 a 30.350. Posteriormente foi efetuada uma amostragem destas faturas, com o intuito de fazer um cruzamento de informação e foram emitidas 26 notificações com um pedido de colaboração para os clientes nos enviarem a cópia da fatura original na numeração 22.701 a 23.200. Dos 26 pedidos obtivemos 12 respostas e 3 foram devolvidas pelos correios sem resposta. Das 12 respostas, 6 não são coincidentes (4 diferem no artigo, 1 difere no valor e simplesmente 1 refere que não efetuou qualquer compra à firma E.).

(…)

8. Neste caso, foi-nos explicado que a emissão destas faturas não se deveu à obrigatoriedade do art.º 35.º do CIVA, mas sim por um motivo operacional (já referido no ponto 3.4 deste relatório), não havendo uma verdadeira transmissão de bens nem troca de valores e documentos. Então, não se compreende o motivo das várias vias de cada fatura não se encontrar no livro, pois, se não serviram para enviar para o cliente, se não houve transmissão de mercadorias, se não houve troca de valores…

9. Perante uma emissão de fatura (independentemente do motivo da sua emissão, que à luz da lei devia contemplar somente o da obrigatoriedade do artigo 35.º do CIVA), só é aceite a sua não contabilização pelas regras do artigo 71.º do CIVA (já referido no ponto 7. deste relatório). Mais uma vez, neste caso, foi-nos explicado que não houve transmissão de mercadorias, nem de fluxos financeiros pelo que as regras do artigo 71.º do mesmo diploma não poderiam ser aplicadas (…)” - cfr. RIT a fls. 95 a 112 do procedimento de reclamação graciosa;

4. Em 25.01.2006 foi emitida a ordem de serviço n.º OI200502552, que deu origem à ação inspetiva interna, de âmbito parcial, em sede de IRC, com referência ao exercício de 2003 – cfr. fls. 48 do PAT apenso aos autos;

5. Em 27.02.2006, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), referente à ação inspetiva referida em 4), resultando do mesmo uma correção à matéria tributável declarada no valor de € 179.472450, que deu origem a um lucro tributável corrigido de € 193.504,41 – cfr. RIT a fls. 72 a 88 do procedimento de reclamação graciosa;

6. Do aludido RIT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, resulta a seguinte fundamentação, na parte com relevo para a decisão:

“ (…)

II – OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA

1. Credencial

Esta ação tem por base a OI200502552 de 09/05/2005.

2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Na análise efetuada para informação do pedido de reembolso de IVA OI200501570, foi verificado que as faturas n.º 29851 a 30.350, no montante de €179.472,45 não foram contabilizadas.

Âmbito: IRC

Incidência temporal: Exercício de 2003.

(…)

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES

MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL

Na análise efetuada para informação do pedido de reembolso de IVA (OI200501570), foi verificado que as faturas n.º 29851 a 30.350, no montante de € 179.472,45, não foram contabilizadas, conforme relação:

(…)

Total das faturas não contabilizadas: € 179.472,45.

Valor a acrescer às vendas € 179.472,45

Apuramento do lucro tributável

(…)

V. Direito de audição

Notificado o sujeito passivo nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária e do RCPIT, para o exercício do direito de audição prévia, oficio n.º 8506 de 01.02.2006, veio o exercê-lo, conforme o “Termo de declarações” de 10 de fevereiro de 2006, argumentando, relativamente às correções efetuadas e constantes do “Projeto de conclusões do Relatório” o seguinte:

1. A utilização de “duplicado” de faturas como “originais” de faturas foi gerada por os “Livros de faturas” terem terminado.

2. Não concorda que a Administração Fiscal corrija o “valor das vendas”, sem considerar que teria de ter sido adquirida mais mercadoria e suportado o respetivo custo.

Sobre este facto cumpre-nos informar o seguinte:

1. De conformidade com o Art.º 17.º do CIRC o lucro tributável é apurado com base na contabilidade do sujeito passivo, nos termos do n.º3 do artigo 17.º do CIRC, a contabilidade deve estar organizada em conformidade com a normalização contabilística; e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.

2. Foi corrigido o valor das vendas porque, conforme referido a Fls. 2 na análise efetuada para informação do pedido de reembolso de IVA OI200501570, foi verificado que as faturas n.º 29851 a 30.350, no montante de € 179.472,45” não foram contabilizadas.

3. De referir que o sujeito passivo, confirma que emitiu as faturas n.º 29851 a 30.350 no montante de € 179.472,45, tendo utilizado o “duplicado” das faturas como “originais” das faturas, por os “Livros de faturas” terem terminado.

4. De conformidade com o n.º1 do Art.º 74.º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Da aplicação desta norma resulta que é ao contribuinte que cabe o ónus da prova de que as faturas n.º 29851 a 30.350, no montante de € 179.472,45”, foram contabilizadas, uma vez que confirmou que as emitiu.

5. No que se refere ao facto de o sujeito passivo não concordar que a Administração Fiscal corrija o “valor das Vendas”, sem considerar que teria de ter sido adquirida mais mercadoria e suportado o respetivo custo, é de referir que a Administração Fiscal não pode presumir custos, pois não tem qualquer base legal para o fazer. Se o sujeito passivo fez aquisições deveria tê-las contabilizado.

Conclusão.

Face ao exposto e dado que o sujeito passivo não apresentou quaisquer custos incorridos e não contabilizados são de manter as correções propostas.

Valor a acrescer às vendas € 179.472,45.

(…)

- cfr. RIT de fls. 72 a 88 do procedimento de reclamação graciosa;

7. Sobre o relatório, parcialmente transcrito, recaiu parecer do Chefe de Equipa e despacho concordante da Chefe de Divisão, de 20.03.2006 – cfr. RIT a fls. 72 do PAT apenso aos autos;

8. Na sequência das correções referidas no ponto 5., foi emitida, em 07.06.2006, a liquidação adicional de IRC n.º n.º 2006 8310032455, no valor de € 61.221,15 e a liquidação adicional de juros compensatórios, no montante de € 4.227,54, perfazendo a quantia de €65.448,69 – cfr. fls. 23 do PAT apenso aos autos;

9. Por ofício emitido em 07.06.2006, a Impugnante foi notificada, por via postal registada, das liquidações adicionais referidas no ponto que antecede – cfr. fls. 52 do PAT apenso aos autos e artigo 2.º da petição inicial;

10. Em 05.08.2006, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3301200601049798, para cobrança coerciva das dívidas referentes às liquidações referidas em 8), tendo o mesmo sido extinto por pagamento voluntário em 29.06.2007 – cfr. fls. 54 do PAT apenso aos autos;

11. Em 13.11.2006 a Impugnante apresentou Reclamação Graciosa, tendo a mesma sido indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa de 03.07.2009 – cfr. fls. 2 a 12 e 213 do procedimento de reclamação graciosa;

12. Em 06.08.2009 a Impugnante apresentou Recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo o mesmo sido indeferido por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa de 15.06.2010 – cfr. fls. 2 a 22 e 43 a 50 do procedimento de recurso hierárquico;

13. Em 29.09.2010, foi apresentada, neste tribunal, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos;

Também se provou que:

14. Em maio de 2003, a Impugnante não dispunha de livros de faturas sequenciais à fatura n.º 29850 – cfr. fls. 117 do procedimento de reclamação graciosa e prova testemunhal;

15. Em data que se desconhece, a Impugnante encomendou à “T. C. Lda.” a emissão de livros de faturas – cfr. fls. 117 do procedimento de reclamação graciosa e prova testemunhal;

16. No período que mediou entre maio de 2003 e setembro de 2003, a Impugnante emitiu as faturas com os números 22.701 a 23.200 – cfr. RIT a fls. 16 a 53 do procedimento de reclamação graciosa e prova testemunhal;

17. Em outubro de 2003, a “T. C.” forneceu à Impugnante 100 blocos de faturas (c/ 3x50), com a numeração 29.851 a 34.850 – cfr. fls. 117 do procedimento de reclamação graciosa;

18. Após entrega das faturas referidas no ponto que antecede, a Impugnante emitiu as faturas com os números 29.851 a 30.350, na sua maioria, com os mesmos elementos das faturas n.ºs 22.701 a 23.200, designadamente, nome e morada do cliente, data, designação e preço – cfr. RIT de fls. 72 a 88 do procedimento de reclamação graciosa e prova testemunhal;

19. Da lista de faturas emitidas pela Impugnante, no período de maio a setembro de 2003, foram, pela AT, detetadas divergências nas seguintes faturas:


Imagens : Originais nos autos


- cfr. fls. 123 a 132, 142 e 187 do procedimento de reclamação graciosa;

20. A Impugnante emitiu, em nome da “empresa L.”, as seguintes faturas:


Imagem: original nos autos

- cfr. fls. 145 e 166 do procedimento de reclamação graciosa;

21. Alguns originais das faturas emitidas, da “série nova”, foram destruídas pela Impugnante – prova testemunhal”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não resulta provado nos autos que alguns originais de faturas, da “série nova”, tenham sido retiradas do respetivo livro, antes do preenchimento das cópias”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo tributário, bem como na posição assumida pelas partes.

No que respeita aos factos descritos nos pontos 14., 15., 16., 18. e 21., a convicção do Tribunal alicerçou-se no depoimento da testemunha K. B., sócio da Impugnante, que depôs de forma credível e espontânea, afirmando que as faturas nºs 29.851 a 30.350 são uma repetição e substituição das faturas n.ºs 22.701 a 23.200, tendo a Impugnante adotado tal procedimento por se terem esgotado os livros de faturas, em maio de 2003.

A testemunha afirmou ainda que procedeu à transcrição dos elementos constantes das faturas, da série antiga, para as faturas da série nova, logo que a tipografia procedeu à entrega dos livros encomendados, tendo destruído alguns originais destas, por considerar que bastava guardar as cópias para ser possível identificar que houve uma transcrição.

O facto não provado resulta de não terem sido concretamente identificadas, pela AT, as faturas em causa, não sendo possível sustentar o que por si foi alegado, designadamente, que algumas faturas da “série nova” foram retiradas do respetivo livro, antes de serem preenchidas”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Ao longo das suas alegações, a Recorrente vai-se insurgindo contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, fazendo menção a alguns meios de prova, inclusivamente à prova testemunhal produzida, e invocando inconsistências não valoradas.

Não obstante, não se pode considerar que tenha sido efetivamente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Com efeito, atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(2)


Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, não são indicados nem que pontos de facto foram incorretamente julgados nem, necessariamente, que elementos probatórios sustentam esse entendimento. É apenas feita uma alusão a meios de prova produzidos, mas desprovida da necessária e exigível concretização.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, na medida em que não resultou provada a veracidade da substituição das faturas n.ºs 22701 a 23200 pelas faturas com os n.ºs 29851 a 30350, sendo que o ónus da prova em causa cabia à Impugnante. Logo, o ato não padece de erro sobre os pressupostos, não tendo a Impugnante logrado provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito à liquidação.

Está em causa nos presentes autos a correção no valor de 179.472,45 Eur., efetuada pela administração tributária (AT), em sede de ação inspetiva, por ter sido considerado que a Recorrida omitiu a contabilização das vendas a que respeitam as faturas com os números compreendidos entre 29.851 e 30.350.

O Tribunal a quo considerou procedente a pretensão da Impugnante, por ter entendido que tais faturas não representaram efetivas vendas, mas antes transcrição de faturas de uma série antiga.

Vejamos então.

Como já referido, não foi cabalmente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, motivo pelo qual a análise do alegado será feita considerando o decidido a esse respeito pelo Tribunal a quo.

Atento o disposto no então art.º 17.º, n.º 1, do CIRC, “[o] lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Consagra-se, pois, no CIRC, um conceito de rendimento-acréscimo.
Como referido por Saldanha Sanches,(3) segundo esta conceção, “… ao lado do rendimento periódico que promana de uma fonte, devemos considerar também os resultados das valorizações sofridas por qualquer elemento do património do sujeito passivo, considerado como um todo”.

Prossegue o mesmo autor: “[o] princípio do acréscimo patrimonial (…) tem a sua recepção quase integral no Código do IRC. // (…) Poder-se-ia dizer, com alguma simplificação, que o lucro tributável é igual à diferença, positiva ou negativa, entre os valores do seu património em dois momentos temporais. (…) // É da natureza funcional do balanço que resulta que qualquer variação patrimonial que seja realizada deve, em princípio, reflectir-se no aumento ou diminuição do lucro tributável. Uma variação patrimonial positiva corresponde a um crescimento do património e uma (…) negativa corresponde a uma sua diminuição. (…) [O] IRC usa o conceito de variação patrimonial positiva ou negativa no sentido restrito de acréscimo ou decréscimo do património na conta de ganhos e perdas”.

Sobre os proveitos de uma sociedade, para efeitos de IRC, há que atentar no art.º 20.º do CIRC, que, na redação então em vigor, dispunha, designadamente que:

“1 - Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de:

a) Vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens…”.

In casu, e isso não é controvertido, a AT detetou que houve uma série de faturas emitidas que não foram contabilizadas, o que, prima facie, refletiria uma irregularidade e justificou a atuação da administração.

Tal não significa, porém, que não assistisse à Recorrida o direito de demonstrar que, não obstante a irregularidade detetada, a realidade dos factos não correspondia à obtenção de proveitos.

Num primeiro momento, a Impugnante, com vista a demonstrar o alegado, no sentido de que as faturas não contabilizadas não correspondiam, na verdade, a proveitos, invocou que se tratou de repetição de faturas anteriormente emitidas (estas emitidas em livros de faturas antigos de que dispunha).

A este propósito, resultou provado que, por referência a maio de 2003, a Impugnante não dispunha de livros de faturas sequenciais à fatura n.º 29850, tendo emitido, entre maio de 2003 e setembro de 2003, as faturas com os n.ºs 22.701 a 23.200 (cfr. factos 14. e 16).

Ficou ainda provado que, em outubro de 2003, foram fornecidos à Impugnante blocos de faturas com a numeração 29.851 a 34.850 (cfr. facto 17), tendo a Impugnante emitido as faturas com os números 29.851 a 30.350, na sua maioria, com os mesmos elementos das faturas n.ºs 22.701 a 23.200, designadamente, nome e morada do cliente, data, designação e preço (cfr. facto 18).

Deste contexto fático consegue-se concluir que as faturas, que estão na origem da correção em causa, não passam de transposições das faturas antigas, não correspondendo efetivamente a novas vendas e não podendo, por isso, ser consideradas proveitos.

Não se põe em causa, independentemente da motivação subjacente a este procedimento adotado, que o mesmo não é o mais adequado. Nem se põe em causa que a Impugnante devia ter atuado de forma a não ficar sem livros de faturas. Nesta parte, concordamos com a Recorrente.

No entanto, e nisso nos distanciamos do entendimento da FP, esse procedimento incorreto adotado não pode ter como contraponto, face à prova produzida, que se considere que tais faturas refletem proveitos distintos dos evidenciados pelas faturas mencionadas em 16., caso contrário estaríamos a duplicar, na verdade, a situação real e a atentar, assim, contra o princípio da tributação pelo rendimento real.

Resta, no entanto, aferir se o que mencionamos abrange todas as faturas emitidas ou apenas uma parte das mesmas.

No caso estamos perante a emissão de 500 faturas.

Num primeiro momento, a AT levou a cabo a ação inspetiva em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), para a qual remete o relatório de ação inspetiva (RIT) mencionado em 6.

Naquela ação inspetiva relativa a IVA e perante o alegado pela Impugnante nessa sede, (ou seja, a alegação de que tal emissão correspondeu apenas a uma retificação de faturas – confirmando-se que, de facto, as faturas inicialmente emitidas eram antigas, como se conclui pelo facto de o capital social ali constante ainda estar em escudos e não em euros, o que, aliás, a AT nunca pôs em causa), a AT, de um lado, refere que os originais das faturas não estavam nos livros [pouco se compreendendo o alegado na conclusão Q), dado que nunca a própria AT faz qualquer menção à inexistência de duplicados em sede de ação inspetiva] – sendo que, do que resulta do RIT, parte dos originais vieram a ser exibidos. Nessa sequência, a AT limitou-se a fazer contactos com alguns dos clientes (26), tendo obtido 6 respostas não coincidentes (ou seja, o correspondente a cerca de 1% das faturas). Essa não coincidência respeitava a uma ou outra diferença no descritivo e num único caso a uma diferença de valor, concretamente de 5 euros, para menos (ou seja, a fatura retificativa é 5 euros inferior à inicialmente emitida) [cfr. facto 19]. Houve ainda um caso em que o cliente terá referido nada ter comprado à Impugnante.

Ora, estas discrepâncias detetadas não podem ser consideradas relevantes e por várias ordens de razão.

Quanto às 4 faturas nas quais havia divergência no produto, verifica-se, de um lado, que o valor é exatamente o mesmo e que essas divergências não são significativas. Ademais, a AT nada aferiu em termos de análise das existências que permitisse concluir em sentido diverso, apesar de tal ter sido suscitado pela Impugnante em sede de exercício de audição prévia. A este respeito, a AT limitou-se a afirmar que “[s]e o sujeito passivo fez aquisições deveria tê-las contabilizado”, quando o que foi suscitado em sede de audição prévia foi que o controlo de existências permitiria corroborar o alegado pela Impugnante.

No tocante à fatura na qual a divergência de valor foi de 5 euros, para além de se tratar de um valor ínfimo, sublinhamos que a fatura não contabilizada continha um valor inferior à fatura contabilizada. Ou seja, os proveitos declarados pela Impugnante foram pelo valor mais elevado.

Assim, ao contrário do referido pela Recorrente, considera-se que se trata de meros lapsos.

Finalmente, e quanto ao cliente que terá afirmado nada ter comprado à Recorrida, limitamo-nos a citar a sentença recorrida: “Quanto ao cliente que afirmou não ter efetuado compras à Impugnante, no período em causa, não logrou a AT comprovar a veracidade de tal afirmação, atenta a emissão, pela Impugnante, das faturas n.º 22.832 e 29.982”.

Como tal, face à prova produzida pela Impugnante e em respeito às exigências processuais em termos de ónus da prova considera-se que aquela demonstrou que tais faturas não corresponderam a verdadeiros proveitos.

Como tal, improcede o alegado pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de novembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)












1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
3) Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 221 e 378 a 380.