Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:240/16.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:NULIDADE SENTENÇA POR FALTA DE EXAME CRÍTICO DOS FACTOS
INEXISTÊNCIA FACTO TRIBUTÁRIO
AVALIAÇÃO DIRECTA VS AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:I - Para que haja nulidade da sentença por falta do exame crítico da prova não basta, uma fundamentação insuficiente ou medíocre, pois, esta patologia pode gerar a aplicabilidade do disposto no artigo 662.º, alínea d) do CPC, é necessário que haja uma omissão total de fundamentação.
II - No relatório da IT aí se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente a correcção efectuada no facto de tais montantes terem sido depositados na conta individual do Recorrente, entendendo dever tributá-los como rendimentos, por falta de prova da sua proveniência.
III - Cabe, então, ao contribuinte alegar e demonstrar os factos relevantes da inexistência de facto tributário ou que a quantificação dos rendimentos em causa efectuada pela AT era errónea.
IV - A lei privilegia a determinação da matéria tributável mediante recurso à avaliação directa (cálculo directo), nos termos dos artigos 81.º, 82.º, 83.º e 84.º da LGT; sendo a avaliação indirecta meramente subsidiária daquela, deve ser adoptada nos casos legalmente tipificados (artigos 85.º e 87.º LGT), e nas situações em que a directa não é possível, ainda que no mesmo exercício.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. S......, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 31/01/2022, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações oficiosas de IRS n.ºs 5005043047, no valor de €343.234,58 e 00001600548, no valor de €46.604,67 e respeitantes ao ano de 2006.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso vem da douta sentença de fls. na parte em que decidiu que as liquidações impugnadas não padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

B) Salvo o devido respeito entende o Recorrente que há na decisão recorrida erro de julgamento de facto e de Direito, quer quanto à matéria de facto dada como não provada, quer no que respeita à violação de normas jurídicas.

C) Considerando que a prova testemunhal tem carácter central no domínio da prova da existência de factos tributários, (cf. José Luis Saldanha Sanches - A quantificação da Obrigação Tributária pag 471 in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 173, Centro de Estudos Fiscais 1995) , da mesma forma terá carácter central quando se trata de provar a inexistência de factos tributários, conforme vem alegado na impugnação.

D) Dos depoimentos das testemunhas D...... depoimento registado em sistema digital áudio (de 00:06:06 a 00:30:29 do temporizador de gravação 00), e J...... registado em sistema digital áudio ( de 00.18.19 a 00.34.22 do temporizador de gravação) , e L...... gerente no M...... , testemunhas cuja seriedade e credibilidade a douta sentença recorrida não questiona afigurando-se evidente a sua razão de ciência resulta que o impugnante ganhava ordenado como gerente da S...... e depois da O...... sendo esses os seus únicos rendimentos em Portugal , nunca auferiu comissões da S...... ou da O......, todo o dinheiro depositado na O...... e na S...... vinha de Angola , o dinheiro transferido destas empresas para a conta particular do impugnante em Portugal era próprio dele , por ser transferido de contas dele impugnante em Angola para a O...... ou S...... e ainda que o impugnante procedia a pagamentos a fornecedores da sua conta pessoal.

E) Todos estes depoimentos conjugados com os factos provados 1 a 6 bem como com os documentos juntos aos autos pelo impugnante com a petição Inicial e com as alegações apresentadas em 01-06-2021 com a referência 005325831 fls. 215 os quais não foram impugnados como de resto bem refere a douta sentença recorrida são, salvo o devido respeito suficientes para se considerarem provados os factos constantes de 1 e 2 dos Factos não Provados.

F) A douta sentença recorrida não revela porque razão é que considera que tais documentos não são idóneos para a referida prova, quando é certo que eles nem sequer foram impugnados, pelo que, nesta parte a douta sentença recorrida carece de fundamentação, o que acarreta a sua nulidade nos termos do artigo 615º nº 1 b) do CPC.

G) Sendo o impugnante o único gerente das empresas O...... e S...... sucursal em Portugal e também o gerente das empresas angolanas que transferiam para a O...... montantes elevados, sempre teria este rendimentos em Angola de valores avultados, pois para além dos depoimentos e documentos dos autos é o que resulta das regras da experiência.

H) Donde, a factualidade subjacente aos nºs 1 e 2 dos factos não provados devia assim ter sido considerada provada, pelo que nesse sentido deve a decisão proferida neste segmento pela 1ª instância ser revogada e substituída por outra com aquele sentido probatório.

I) Não obstante o impugnante assim o tenha alegado, não é relevante para a economia dos presentes autos saber se este em 2006 tinha ou não rendimentos elevados em Angola pois não era o seu rendimento a nível mundial que deveria ser tributado em Portugal.

J) O que é relevante é saber se se apuraram ou não factos tributários que permitam a liquidação de impostos com base em transferências bancárias para a conta particular do impugnante, tendo em conta todo o circuito do dinheiro que salvo melhor opinião resultou provado nos autos.

L) No caso dos autos apenas se apuraram fluxos financeiros que tiveram como destino a conta bancária do recorrente , com origem imediata em conta domiciliada em Portugal – a conta bancária da O...... Lda, mas com real e mediata origem em Angola, como salvo melhor opinião se provou.

M) Em face dos depósitos e transferências de valores de € 1.286. 435,91 em conta bancária domiciliada em Portugal do recorrente no ano de 2006 tendo este declarado o rendimento colectável de € 1296,62 em Portugal, a AT sustentando a conclusão de que o sujeito passivo teria auferido rendimentos em Portugal que não foram declarados e que eram passiveis de tributação, teria de ter recorrido à determinação da matéria colectável por métodos indirectos.

N) Mas, porque esse meio não proporcionaria qualquer recebimento em sede de IVA, de centenas de milhares de euros, como veio a ocorrer com a determinação da matéria colectável através de correcções aritméticas.

O) A AT usou o subterfúgio mentiroso de inscrever oficiosamente o recorrente numa actividade n.e., apenas com base nessas transferências, mas sem qualquer base legal e muito menos factual, presumindo uma inexistente actividade.

P) Pela prova documental bem como a prova testemunhal produzidas, a alegada actividade do impugnante era inexistente, não havendo um único facto que o comprove ou que sequer o indicie, um único depoimento ou declaração de terceiro nos procedimentos de inspecção que conduza à conclusão de que o impugnante recebia comissões da O...... Lda.

Q) Sem uma única factura ou recibo, sem um único depoimento nesse sentido, não invocando absolutamente nada àcerca dos supostos negócios ou transacções que teriam de existir para sustentar e proporcionar tais comissões no ano de 2006 na ordem dos € 1.286. 435,91! , não era licito à AT inscrever o impugnante oficiosamente na actividade de “Outras atividades de serviços pessoais diversas, n.e.”, a que corresponde o CAE 96093, a partir de 01.06.2006 – cf. fls. 116, 118 do Procedimento de Reclamação Graciosa (PRG) e fls. 115 do Processo Administrativo (PA). “, como consta dos factos provados,e tendo a AT feito a inscrição do recorrente como empresário em nome individual, numa qualquer actividade que como reconheceu no Relatório de inspecção, não soube nem teve possibilidade de determinar o que equivale a não assumir uma capacidade contributiva real que possa fundamentar o acto tributário.

R) A douta sentença recorrida validou uma presunção da AT quanto à existência de actividade, o que fez à revelia e contráriamente à prova produzida nos autos e à inexistência de um único facto que indiciasse tal conclusão, ou a existência de factos tributários, susceptíveis de gerar para o impugnante rendimentos da categoria B.

S) O alegado silêncio do impugnante não tem valor declarativo, ( art. 35º do CC) até porque o impugnante não exercia qualquer actividade nem tem a virtualidade de inverter o ónus da prova., e nem é verdadeiro contráriamente ao que afirma a AT pois que este respondeu aos pedidos de esclarecimento assim como o fez a O...... Lda como resulta do processo administrativo.

T) Verifica-se assim, que a AT firmou os pressupostos de facto para a sua actuação em meros indícios e presunções, pelo que, jamais poderia recorrer a avaliação directa para efectuar correcções.

U) O conceito de avaliação indireta está definido no art° 83° n° 1 e n° 2 da LGT. No caso dos autos , e em face do que dispõe o artigo 87º b) da LGT , “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, a AT deveria ter recorrido à avaliação indirecta, o que não fez e deveria ter feito, e, a douta sentença recorrida ao considerar correcta e legitima a avaliação directa, violou os artigos 83º e 87 b) da LGT que não aplicou, pelo que deve ser revogada esta decisão, e anuladas as liquidações em causa por erro nos pressupostos de facto e de direito em que se baseia.

V) Não é legitimo à AT abrir oficiosamente actividade a um contribuinte com base unicamente em transferências bancárias ( que aliás foram explicadas por escrito diversas vezes ao longo do procedimento administrativo, referindo-se que a O...... era um canal para a transferência de capitais do impugnante para Portugal) e sem qualquer documento (factura ou outro) ou depoimento que comprovassem a existência de actos tributários , para depois de aberta a actividade ser possível fazer correcções técnicas à matéria tributável, pois tal constituiria grave violação dos princípios basilares da justiça tributária e do Estado de Direito, por se “ fazer entrar pela janela o que a lei não permite que entre pela porta”.

X) Por isso que seja ilegal e até Nulo tal acto tributário de inscrição oficiosa do impugnante numa actividade n.e. o que acarreta a invalidade de todos os actos tributários subsequentes, maxime da liquidação oficiosa em causa nos presentes autos e da liquidação de juros correspondente

Z) A AT ao comportar-se da forma descrita, determinando os rendimentos do impugnante de forma ilegal, violou os princípios da legalidade (3.º do CPA), o da igualdade e proporcionalidade (5.º do CPA), da justiça e imparcialidade (6.º do CPA), da Boa-Fé, a que se refere a parte final do n.º 2 do artigo 266.º da CRP e o artigo 6.º-A do CPA, nº 2 do artigo 59º da LGT, e da protecção da confiança .

A.A) Ao aceitar que os actos de liquidação em causa estão correctos por ter partido de correções técnicas da matéria coletável, a douta sentença recorrida violou os artigos 83º n° 1 e n° 2 e 87º b) da LGT que não aplicou.

Termos em que deve dar-se provimento recurso anulando-se as liquidações em causa, com o que se fará JUSTIÇA!»

3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de (i) nulidade por falta de exame crítico da matéria de facto, (ii) erro de julgamento de facto e de (iii) direito por violação dos artigos 83.º, n.ºs 1 e 2 e 87.º, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT).


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. No período de 28.01.1998 a 31.12.2000, o impugnante exerceu a atividade de “Restaurantes, N.E.” – cf. fls. 28 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

2. Desde o ano de 1996 ao ano de 2006, o impugnante foi administrador da sociedade “G...... e Comércio Alimentar, Lda.” NIPC 50……, que exerceu a atividade de “C….., N.E”, tendo cessado a atividade para efeitos de IVA em 31.12.2000 e para efeitos de IRC em 31.12.2006 – cf. fls. 28 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

3. O impugnante exerce funções de gerente, designado por deliberação de 26.11.1997, da sociedade “O......, Lda.” (Zona franca da Madeira), como NIPC 51…., com sede na Avenida Arriaga Marina Club N ….. 105/1 – Funchal, cuja atividade é “A......” – cf. fls. 28 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

4. O impugnante é sócio das sociedades “S......, Lda.”, com sede no Lubito em Angola, “S......, Lda.”, com sede em Benguela, “S.T..... Lda.”, com sede no Lobito, “B......., Lda.”, com sede em Luanda, “C.......Lda.”, com sede em Benguela, e “A......., Lda.”, com sede em Benguela – cf. docs. n.ºs 1 a 6, juntos com a p.i..

5. No ano de 2006 o impugnante adquiriu dois prédios urbanos, um no valor de €150.000,00 e outro no valor de €510.000,00 - cf. fls. 85 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

6. Em 26.03.2007, o impugnante submeteu a declaração modelo 3 referente ao ano de 2006, composta pelos Anexos A e H, tendo sido posteriormente, em 16.07.2007, emitida a liquidação n.º ……80, com rendimento global no valor de €4.630,00 – cf. fls. 85 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

7. Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém efetuaram procedimento inspetivo ao aqui Impugnante decorrente da Ordem de Serviço n.º 01200901374, respeitante ao ano de 2006 – cf. fls. 27 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

8. Na sequência do procedimento inspetivo descrito em 1., foi elaborado em nome do Impugnante “Relatório de Inspeção Tributária”, com o seguinte teor: “(…)

I.2- Descrição sucinta das conclusões da ação inspetiva

Dados os factos descritos neste relatório, efectuaram-se correcções meramente aritméticas conforme adiante indicadas, em sede de IRS referente ao ano de 2006.

I.2.1. EM SEDE DE IRS

RENDIMENTO DA CATEGORIA B



(…)

II.3 – Características do sujeito passivo

II.3.1 - De acordo com os dados recolhidos do cadastro da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), o sujeito passivo S...... não se encontra actualmente colectado por qualquer actividade, tendo exercido a actividade de “Restaurantes, N. E” de 1998-01-28 a 2000-12-31.

Relativamente a relações com terceiros, e ainda de acordo com o cadastro da DGCI, o sujeito passivo S...... foi administrador desde o ano de 1996 ao ano de 2006 da sociedade G...... , Lda., NIPC 503….., que exerceu a actividade de “C…., N. E.”, tendo cessado a actividade para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado em 2000-12-31 e para efeitos de imposto sobre o rendimento em 2006-12-31.

II.3.2 - Exerce as funções de gerente designado por deliberação de 1997-11-26, da Firma O......, Ldª (Zona Franca da Madeira), com o NIPC51….. com sede na Avenida Arriaga Edifício Marina Club N …..- 105/1 - Funchal-9000-000- Funchal, cuja actividade é “A......”

II.3.3 - Da análise à declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo S......, relativa ao ano de 2006, verificamos que foram declarados os rendimentos brutos a seguir discriminados.


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O rendimento global derivado do englobamento dos rendimentos declarados demonstra os seguintes valores



II.3.4 – DEDUÇÕES À COLECTA DECLARADAS E COMPARAÇÃO COM O RENDIMENTO GLOBAL

Na declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo S...... relativa ao ano de 2006, foram apresentadas as seguintes deduções à colecta.




Do rendimento global, considerado com base nos rendimentos declarados pelo sujeito passivo S......, e das deduções à colecta constantes da declaração de IRS apresentada pelo mesmo, são apuradas as seguintes diferenças.



II-3.5. PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO

Aquisições de Imóveis

Dos elementos constantes da base de dados da DGCI, designadamente os elementos declarados por terceiros na Declaração Modelo 11, verificamos que o sujeito passivo S...... adquiriu no ano de 2006 dois imóveis urbanos.

Das escrituras de compra e venda de imóveis podemos constatar que o sujeito passivo S...... adquiriu, no ano de 2006 os imóveis a seguir identificados.


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II.5.2 – Mútuo com Hipoteca

Da análise da escritura de compra e venda celebrada em 2006-05-26 verificamos que o sujeito passivo S...... contraiu, para a aquisição do imóvel, um empréstimo junto do Banco C......., S.A., mediante a constituição de hipoteca do imóvel adquirido, no montante de €150.000,00, valor igual ao preço declarado de aquisição do imóvel.


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II.5.3 – Pedido de esclarecimentos e resposta do sujeito passivo

No âmbito da análise prévia da Acção Inspectiva Especial de Manifestações de Fortuna relativa a aquisições de imóveis no ano de 2006, o sujeito passivo S...... foi notificado, por meio do oficio n.º 7260 de 2009-10-15, e ao abrigo do dever de colaboração previsto no n.º 2 do art. 31º e no nº 4 do art. 59º da Lei Geral Tributária (LGT), para no prazo de 10 dias esclarecer qual a fonte de rendimento que viabilizou as aquisições dos imóveis ocorridas no ano de 2006, juntando a respectiva prova documental.

Na mesma notificação era solicitado que, no mesmo prazo de 10 dias, o sujeito passivo S...... informasse se autorizava a Administração Tributária a aceder a informações e documentos bancários em seu nome, e em caso afirmativo, deveria preencher, assinar e devolver a declaração de autorização que seguia em anexo, juntamente com fotocópia do Bilhete de Identidade, tendo sido também notificado de que se no prazo fixado não fosse recepcionada a declaração, a Direcção de Finanças de Santarém concluiria pela não autorização da consulta.

Na resposta, recepcionada na Direcção de Finanças de Santarém em 2009-10-29, o sujeito passivo S...... diz que os montantes aplicados na aquisição dos imóveis no ano de 2006 tem a sua origem na República Popular de Angola, onde é o principal accionista do Grupo S...... Luanda, não respeitando esses montantes a qualquer rendimento que usufrua no território português.

Mais refere o sujeito passivo S...... que na aquisição do imóvel de Leiria foi também utilizado um empréstimo com hipoteca concedido pelo M.......

Os factos descritos na presente informação, consubstanciados na aquisição de imóveis no ano de 2006 cujo valor de aquisição de montante elevado (660 000,00 €) indiciam a falta de veracidade dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo com referência ao ano de 2006.

O sujeito passivo declarou, na declaração de rendimentos do ano de 2006, como tendo a residência fiscal no continente.

III) – DESCRIÇAO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

III. 1 - Assim com base no que foi referido nos pontos anteriores, foi elaborada informação no sentido do acesso a informações e documentos bancários nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 63º-B da Lei Geral Tributária, tendo a mesma sido autorizada por despacho do Sr. Director Geral dos Impostos, datado de 16 de Abril de 2010, não tendo o sujeito passivo S......, interposto recurso da decisão sobre a derrogação do sigilo bancário.

III.2 - Após a análise dos elementos solicitados às Instituições bancárias e considerando os de maior relevância e ao abrigo do disposto nos art.ºs 59º e 63º da LGT e art.º 29º do RCPIT, foi efectuado um pedido de informações no âmbito da colaboração com a Administração Tributária, em 6 de Julho de 2010, pelo, ofício nº 5 306, ao Sr. D...... com o NIF 22……, na qualidade de representante fiscal do Sr. S......, para no prazo de 10 dias providenciar no sentido de serem enviados a estes serviços os seguintes elementos ou esclarecimentos, que abaixo se reproduzem.

1. A que título se devem as transferências efectuadas para a conta n.º 50095806559 do M......, cujo titular é S...... as quais abaixo se discriminam.


“(texto integral no original;imagem)"

2. Qual a proveniência dos depósitos normais e crédito efectuados na conta n° 50095806559 do M......, cujo titular é S......, os quais abaixo se discriminam.



III.3 - Em 20 de Julho de 2010, foi recebido nesta Direcção de Finanças, um requerimento em que a mandatária do sujeito passivo Dra. M......., solicitava a prorrogação do prazo concedido por dez dias.

» Através do oficio n.º 6 617 de 27 de Agosto de 2010, foi-lhe deferida a pretensão solicitada (prorrogação por mais 10 dias), tendo a mesma sido notificada à mandatária Dra. M......., nos termos do artº 40º do CPPT, tendo sido informada que nos termos do artº 39º n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a respectiva notificação se presume efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

III.4 - Também em 6 de Julho de 2010, pelo oficio nº 5 307 e ao abrigo do disposto nos ares 59º e 63.º da LGT e artº 29º do RCPIT, foi efectuado um pedido de informações no âmbito da colaboração com a Administração Tributária, á Q......., LD.ª - Zona Franca da Madeira com o NIPC 51….. para no prazo de 10 dias providenciar no sentido de serem enviados a estes serviços os seguintes elementos ou esclarecimentos, que abaixo se reproduzem.

1-A que título é que foram efectuadas as transferências bancárias abaixo identificadas, tendo como beneficiário o Sr. S.......


“(texto integral no original; imagem)”

2- Qual a relação profissional, de mandato de representação ou outra, entre a O......, Ldª e o beneficiário das transferências Sr. S......, que é este que segundo informações já recolhidas, ordena à Instituição Bancária a efectivação de transferências da conta bancária titulada pela O......, LDª, para uma conta bancária titulada pelo Sr. S.......

» Como não houve qualquer resposta ao solicitado e tendo expirado o prazo fixado (22 de Julho de 2010), foi à firma em questão levantado em 9 de Setembro de 2010, o respectivo auto de notícia por infracção ao disposto no artº 59º da LGT, punível nos termos do n.º1 do art.º 1170 do Regime Geral das Infracções Tributárias ( RGIT)

III.5 - Face à ausência de quaisquer informações/esclarecimentos quer por parte do sujeito passivo quer pela empresa que efectuou as transferências bancárias supra identificadas, teremos que proceder à qualificação e enquadramento dos rendimentos colocados à disposição do sujeito passivo, através das transferências bancárias.

a) - Não se referem a rendimentos da categoria A (rendimentos dependentes) uma vez que a entidade pagadora, não os fez constar no anexo J/modelo 10.

b) - Também não nos parece plausível enquadrá-los em rendimentos da categoria E ou F, porque nem a entidade pagadora os declarou como tal e não nos foram fornecidos por aqueles quaisquer tipo de contratos que permitissem tal enquadramento.

c) - Desta forma, os valores postos à disposição do sujeito passivo (depositados nas suas contas bancárias) afiguram-se rendimentos da categoria B - rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do n.º 1 do artº 3º do CIRS)- (Rendimentos da categoria B- 1- Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária ; b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior).

Nestes termos, irá proceder-se à inscrição do sujeito passivo na actividade de “Outras actividades de serviços pessoais diversas, n. e.”, a que corresponde o CAE 96093, a partir de 1 de Janeiro de 2006, face ao desconhecimento da actividade concretamente exercida pelo sujeito passivo, no ano em causa.

III.6 – IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS SINGULARES ANO DE 2006

Com base no que anteriormente foi relatado, vamos proceder ao apuramento do rendimento colectável, da seguinte maneira:

a) – Valores a considerar como comissões

Transferências efectuadas para a conta n.º 50095806559 do M......, cujo titular é S......, pela O......, Ldª, abaixo descritas:


“(texto integral no original; imagem)”

b) - Coeficiente a aplicar nos termos do art.º 31º do CIRS, n. º 2 ………………….65%

Rendimento colectável apurado: 1 286435,91 € x 65% = 836183,34€

IV) – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Não aplicável ao caso em apreciação.

(…)

VIII) – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

» De acordo com a consulta à aplicação informática “Consulta de dívidas fiscais” efectuada no dia 7 de Setembro de 2010, não existem dívidas referentes ao sujeito passivo.

» Vai ser elaborado o boletim de alteração oficiosa para:

• Reportar o início da actividade de “Outras actividades de serviços pessoais diversas, n.e. “CAE 96093, a 1 de Janeiro de 2006.

• Enquadrar o sujeito passivo a partir de 1 de Janeiro de 2006 no regime normal de periodicidade mensal, para os efeitos consignados no Código do Imposto sobre o Valor

Acrescentado.

IX) – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária o sujeito passivo foi notificado na pessoa da sua mandatária, por meio do oficio n.º 7 248 de 22/09/2010, enviado sob registo postal, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção.

O sujeito passivo exerceu o direito de audição por escrito, que deu entrada nesta Direcção de Finanças em 12/10/2010, informando em síntese o seguinte:

1. Para responder de forma minimamente rigorosa aos pedidos de informação solicitadas pelos ofícios n.ºs 5 306 e 6617, tornava-se absolutamente indispensável que o requerente pudesse pessoalmente examinar os documentos das suas contas bancárias em 2006- visto que tais extractos bancários, dada a sua antiguidade não estão disponíveis para consulta on line, sucedendo também que o requerente reside habitualmente em Angola.

2. Que as conclusões do relatório de Inspecção são erróneas, totalmente desconformes com a realidade e sem base factual ou legal que as permita.

3. Que o requerente possui participações sociais em várias sociedades angolanas, sendo sócio maioritário na maioria delas.

4. Que tais sociedades pertencem ao grupo económico angolano S...... Luanda, sendo o requerente o Chairman do Grupo.

5. Que o Grupo económico é constituído por várias sociedades, destacando-se: S...... - Ld.ª, com sede em Lobito; S….., Ld.ª, com sede em Benguela; S.T......., Ld.ª, com sede em Lobito; B......., Ld.ª, com sede em Luanda; C.......Ld.ª, com sede em Benguela; A......., Ld.ª, com sede em Benguela.

6. Que o grupo em questão é coadjuvado em Portugal pela O......, Ld.ª (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, da qual é gerente o requerente.

7. Que a coadjuvação ou colaboração da O...... Ld.ª com as sobreditas sociedades, traduz-se na simplificação das exportações de capitais de Angola para Portugal, para o efeito de realização dos pagamentos das mercadorias, bens de produção e equipamentos que aquelas sociedades compram em Portugal, com destino a Angola, ou seja, a O...... Ld.ª, funciona como canal através do qual são enviados os meios de pagamento das importâncias que aquelas empresas angolanas realizam de Portugal.

8. Que a negociação e conclusão de muitos dos negócios da aquisição de muitos bens e equipamentos que aquelas sociedades comerciais angolanas compram em Portugal, envolvendo quase sempre valores muito elevados são levados a cabo pelo requerente, ou quando se trata de equipamentos de transporte, tractores, etc, Ld.ª, por seu irmão F........

9. Que estas exportações são feitas geralmente de forma direta pelas empresas vendedoras para as sociedades angolanas de que o requerente é gerente.

10. Que o requerente é a “face” dessas sociedades, face às empresas exportadoras.

11. Que em virtude da necessidade do pronto pagamento, os pagamentos nem sempre são realizados pela O......, LDA (evidentemente com dinheiro que para esta sociedade é transferido pelas referidas sociedades angolanas ou pelo próprio requerente), mas sim pelo requerente com os fundos que para esse efeito ele próprio dá ordem de transferência da conta bancária da O...... para a sua conta pessoal.

12. Que pode dizer-se que o requerente age sempre âmbito de mandato consensual gratuito, conferido pelas sociedades que representa enquanto gerente.

13. Que o requerente não exerce qualquer actividade empresarial ou liberal em Portugal, pelo que não obtém quaisquer rendimentos dessa categoria em território nacional, e , desse facto decorre a inexistência de quaisquer pagamentos ao requerente.

14. Que o projecto de decisão em causa, acaba por se traduzir em total desincentivo não só ao investimento em Portugal por parte do requerente a título pessoal, como também às importações que as empresas que este representa.

» Analisando o alegado no exercício do direito de audição, cumpre-me referir que o sujeito passivo não fez prova do motivo das transferências efetuadas pela O...... – Com. Internacional, Ld.ª, para a sua conta.

» Segundo o disposto no n.º 1 do artº 74º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

» É de referir que a transferência de maior montante efectuada em 21 de Dezembro de 2006 conforme extracto bancário 12/2006 (600 000,00 €), e ao contrário do alegado pelo sujeito passivo que refere que as mesmas são para pagamento de aquisição de bens e equipamentos serviu para uma aplicação financeira do sujeito passivo – constituição de depósito a prazo 22156871396 – no montante de 600 000,00 € conforme extrato bancário 12/2006 de 21 de Dezembro de 2006.

Nestes termos, em face do direito de audição exercido pelo sujeito passivo, somos de parecer que as correcções ao rendimento colectável referente ao ano de 2006, propostas no projecto de relatório, sejam mantidas. (…).” – cf. fls. 24 a 40 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

9. Na sequência da ação inspetiva, em 08.11.2010, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2010 5005043047 no valor de €389.839,25 – cf. fls. 48 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

10. Notificado da liquidação adicional de IRS do ano de 2006, o Impugnante deduziu reclamação graciosa a que coube o número de processo 1945201104000463, pedido que veio a ser indeferido por despacho de 28.04.2011, da Chefe de Divisão da Justiça Tributária, proferido no âmbito da delegação de competências do Diretor de Finanças de Santarém – cf. fls. 48 a 66 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos

11. Do despacho identificado em 4., o Impugnante interpôs recurso hierárquico, o qual veio a ser indeferido por intempestividade, por despacho de 31.10.2012, da Subdiretora-Geral, proferido por subdelegação de competências – cf. fls. 67 a 77 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

12. Em 30.05.2013, o Impugnante deduziu impugnação judicial da liquidação adicional de IRS de 2006, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 774/13.9BELRA, invocando a inexistência de facto tributário e a nulidade da mesma, por violação dos direitos fundamentais do sujeito passivo – cf. petição do processo de impugnação judicial n.º 774/13.9BELRA

13. Em 08.11.2013, no âmbito do processo a que se alude em 11., foi proferida decisão a rejeitar liminarmente a impugnação por intempestividade da mesma, decisão que veio a ser confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2014 – cf. sentença proferida no processo n.º 774/13.9BELRA e Acórdão do STA a fls. 82 a 85 dos autos em suporte físico.

14. Em 31.07.2014, o Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IRS de 2006, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, invocando erro imputável aos serviços – cf. requerimento a fls. 1 a 6 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

15. Na sequência do pedido identificado no ponto anterior, em 08.06.2015, pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares foi emitida a informação n.º 1408/15, com o seguinte teor: “(…)

Analisado o pedido apresentado por S......, contribuinte n.º 19…., e consultado o processo e/ou outros elementos de conhecimento oficioso, cumpre informar:

I – DOS FACTOS:

1. Na sequência de procedimento de inspeção interna, de âmbito parcial, em sede de IRS referente ao exercício do ano de 2006, aberto pela Ordem de Serviço n.º OI 200901374, foram efetuadas correções à matéria coletável declarada pelo contribuinte no ano de 2006, remetendo-se na íntegra para os factos e fundamentos constantes do relatório final [fls. 23 a 39], do qual resultou a liquidação n.º 2010.5005043047, de 2010/11/08, no valor (a pagar) de 389.839,25€.

2. Em 2011/03/16 foi instaurado procedimento de reclamação graciosa contra esta liquidação, o qual veio a ser indeferido, tendo a decisão sido notificada à mandatária do contribuinte através de ofício remetido por carta registada com aviso de receção, assinado em 2011/05/17.

3. Em 2011/06/16, por fax remetido às 22:33, foi interposto recurso hierárquico daquela decisão, o qual veio a ser indeferido liminarmente por intempestividade, por despacho de 2012/10/31, desta Direção de Serviços.

4. Por e-mail de 2014/07/31 veio o contribuinte requerer a revisão oficiosa daquela liquidação, por erro imputável aos serviços, cuja petição se considera integralmente reproduzida para os devidos efeitos (fls. 6 a 11), invocando em suma:

(i) não exerceu qualquer atividade por conta própria, empresarial ou liberal no ano de 2006;

(ii) com exceção do ordenado do requerente enquanto gerente da O...... Lda., todos os outros valores transferidos por aquela sociedade (por sua ordem enquanto gerente) para a sua própria conta bancária, não constituem pagamentos, ou rendimentos de qualquer espécie, tratando-se de meros movimentos bancários destinados a transferir para Portugal, dinheiro dele próprio sujeito passivo ou das sociedades angolanas de que é sócio maioritário em Angola, transferências que foram realizadas através da O...... Lda. por ter sede no Funchal, e, em virtude das conhecidas, públicas e notórias restrições à saída de capitais de Angola para o exterior;

(iii) a liquidação em causa, baseada em suposições, está totalmente desajustada da realidade material;

(iv) verifica-se um clamoroso “erro imputável aos serviços”. Com efeito, o fundamento que esteve na base da inspeção tributaria impunha que a AT lançasse mão do artigo 89.º A da LGT (avaliação indirecta). Porém, a Administração Tributá1a não o fez e optou por aplicar métodos indirectos como se fossem (e com o nome de) métodos directos.

II - DA APRECIACÃO DO PEDIDO:

I1.1. - QUESTÕES PRÉVIAS: Capacidade, Legitimidade e Tempestividade

5. O Requerente, devidamente representado por Mandatária (com procuração junta a fls. 13), tem capacidade e legitimidade para a apresentação do pedido de revisão, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 16.º e 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e dos artigos 3.º e 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

6. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT prevê que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada (…) por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

7. Tem vindo a ser defendido consensualmente na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, e aceite pela administração tributária, que, apesar desta norma se referir à iniciativa da AT na revisão do acto tributário, nada obsta a esta seja despoletada a pedido dos sujeitos passivos.

8. Atendendo a que o tributo ainda não se encontra pago, o pedido de revisão por erro imputável aos serviços, apresentado em 2014/07/31 é tempestivo, nos termos do n.º 1 in fine do artigo 78º da LGT.

II.2 - ANÁLISE DO PEDIDO

9. Em suma, alega o contribuinte que não exerceu, no ano de 2006, qualquer atividade por conta própria, empresarial ou liberal e que, com exceção do ordenado enquanto gerente da O...... Lda., todos os outros valores transferidos por aquela sociedade para a sua conta pessoal foram efetuados de forma a contornar as restrições à saída de dinheiro dele próprio ou das sociedades angolanas de que é sócio maioritário de Angola para Portugal.

10. Recorde-se que estas mesmas alegações foram apresentadas pelo contribuinte, quer em sede de exercício do direito de participação no procedimento Inspetivo, quer em sede de procedimento de reclamação graciosa apresentado posteriormente, encontrando-se devidamente fundamentadas as razões de facto e de direito que permitem a qualificação e o enquadramento dos rendimentos obtidos/tributados.

11. Devendo, por isso, chamar-se à colação o que resulta da instrução, análise e decisão dos procedimentos anteriores, destacando:

12.1. Do relatório final do procedimento de inspecão tributária (RIT):

“III) - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES ARITMÉTICAS Á MATÉRIA COLETÁVEL

(…)

“III.5-Face à ausência de quaisquer informações/esclarecimentos quer por parte do sujeito passivo quer pela empresa que efectuou as transferências bancárias supra identificadas, teremos que proceder à qualificação e enquadramento dos rendimentos colocados à disposição do sujeito passivo, através das transferências bancárias.

a)- Não se referem a rendimentos da categoria A ( rendimentos dependentes) uma vez que a entidade pagadora, não os fez constar no anexo J/modelo 10.

b)- Também não nos parece plausível enquadrá-los em rendimentos da categoria E ou F, porque nem a entidade pagadora os declarou como tal e não nos foram fornecidos por aqueles quaisquer tipos de contratos que permitissem tal enquadramento.

c)- Desta forma, os valores postos à disposição do sujeito passivo (depositados nas suas contas bancárias) afiguram-se rendimentos da categoria B - rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do n.º 1 do artº 3º do CIRS ...

Nestes termos, irá proceder-se à inscrição do sujeito passivo na actividade de “Outras actividades de serviços pessoais diversas, n.e.”, a que corresponde o CAE 96093, a partir de 1 de Janeiro de 2006, face ao desconhecimento da actividade concretamente exercida pelo sujeito passivo, no ano em causa.

(...)

IX)- DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

» Analisado o alegado no exercício do direito de audição, cumpre-me referir que/o sujeito passivo não fez prova do motivo das transferências efectuadas pela O......, Lda, para a sua conta pessoal ...

» É de referir que a transferência de maior montante efectuada em 21 de Dezembro de 2006 conforme extracto bancário 1212006 (600 000,00€), e ao contrário do alegado pelo sujeito passivo que refere que as mesmas são para pagamento de aquisição de bens e equipamentos, serviu sim para uma aplicação financeira do sujeito passivo - constituição de depósito a prazo 22156871396 - no montante de 600 000,00€ conforme extracto bancário 1212006 de 21 de Dezembro de 2006.”

12.2. Da informação/parecer que faz parte integrante do despacho de indeferimento da reclamação graciosa:

“3. Dos rendimentos obtidos/tributados

... não pode esta DF/DJT deixar de trazer à colação os factos dados como não provados na sentença proferida no processo n.º 2074/09.0BELRA:

“2 - O recorrente exerce a sua actividade de empresário desde largos anos e exclusivamente em Angola;

3 - O recorrente é o presidente do grande grupo empresarial "S.......", e nesta qualidade aufere consideráveis rendimentos mensais;"

E no que se refere à “Motivação” do tribunal:

“(…) a forma adequada de que dispunha o recorrente para demonstrar que aufere rendimentos em Angola que lhe permitem justificar a aquisição do imóvel era através da declaração de rendimentos apresentada em Angola, o que não consta dos autos.

O mesmo se diga em relação às transferências bancárias que o recorrente alega terem sido efectuadas das empresas angolanas para a empresa portuguesa, dinheiro com o qual foi pago o imóvel, assim se explicando o facto de o cheque estar sacado sobre a empresa sita em Portugal

O que releva, para estes autos é que não se apurou dos rendimentos, alegadamente, auferidos pelo recorrente além dos apurados em Portugal.

Na ausência de tal prova. não pôde julgar-se provada a existência de rendimentos avultados pelo recorrente em Angola que justifiquem aquela aquisição.” (sublinhado e negrito nossos)

4. Correcções aritméticas / Métodos indirectos

... o que se discute no RIT não são as manifestações de fortuna, embora esse fosse o impulso para a acção inspetiva, mas os montantes transferidos para a titularidade do sujeito passivo, os quais foram omitidos na declaração modelo 3 de IRS do respectivo ano.

5. Da Caducidade

A notificação das liquidações ora postas em crise (2010 5005043047 e 2010 1600548 de juros compensatórios), ocorreu em 18 de Novembro de 2010 (atento o disposto no artigo 149.º, n.º 3, do Código do IRS) e, foi efectuada pelos registos dos CTT N.º RY 515231313 PT e RY 515260062 PT, respectivamente, vide fls. 72 a 74.

12. Concordando-se inteiramente com as razões de facto e de direito apresentadas, quer no relatório de inspeção tributária, quer na decisão do procedimento de reclamação graciosa, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, remete-se na íntegra para os mesmos nomeadamente nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 77.º da LGT.

13. Tendo o contribuinte apresentado pedido de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços e o desajustamento da liquidação em relação à realidade material, por estar baseada em suposições, cabe tecer algumas considerações adicionais, de forma a afastar qualquer ilegalidade da liquidação imputável à administração tributária que justifique a requerida revisão oficiosa.

Vejamos,

14. Contrariamente ao que alega o contribuinte, os factos apurados no procedimento de inspeção tributária não conduzem à aplicação do artigo 89.o-A da LGT (avaliação indireta).

15. Com efeito, a acção inspetiva foi despoletada pelo facto do contribuinte ter adquirido imóveis no valor total de 660.000,00€, tendo o contribuinte sido notificado para esclarecer a fonte de rendimento que viabilizou as aquisições daqueles imóveis (cfr. II.5.3 do RIT).

16. No entanto, não tendo o contribuinte apresentado prova da fonte de rendimento, o procedimento de inspeção tributária prosseguiu, através do acesso a informações e documentos bancários, devidamente autorizado por Despacho do Sr. Diretor Geral dos Impostos.

17. E foi no seguimento desta diligência que a administração tributária apurou a existência de várias transferências bancárias efetuadas pela O......, Lda. e depósitos normais e crédito efetuados para contas de que é titular o contribuinte.

18. No seguimento do que notificou o contribuinte e a empresa em questão para esclarecerem a que título foram efetuados aqueles movimentos financeiros e qual a relação profissional existente entre a O......, Lda. e o beneficiário

das transferências.

19. Foi então, na ausência de quaisquer informações/esclarecimentos quer por parte do sujeito passivo, quer por parte da empresa que foram efetuadas as correções aritméticas à matéria coletável declarada pelo sujeito passivo, enquadrando-se os rendimentos colocados à disposição do sujeito passivo através daqueles movimentos financeiros como rendimentos empresariais e profissionais, por exclusão nas outras categorias de rendimentos (trabalho dependente, capitais ou prediais).

20. Verifica-se, assim, que contrariamente ao que alega o contribuinte, a administração tributária não procedeu à avaliação indireta da matéria coletável, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, com base nos bens adquiridos pelo sujeito passivo, considerando como rendimento tributável o rendimento padrão respetivo.

21. Como resulta inequivocamente do RIT, foram efetuadas correções aritméticas à matéria colectável, com base em rendimentos omitidos pelo contribuinte na declaração anual Mod.3 IRS, consubstanciados pelos movimentos bancários efetuados pela O......, Lda. para a sua conta pessoal.

22. Demonstra-se, assim, que a administração tributária não deixou de cumprir 0. principio do inquisitório, ínsito no artigo 58.º da LGT, realizando todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, de que são exemplo os diversos pedidos de esclarecimento remetidos quer para o contribuinte, quer para a empresa que efetuou as transferências, quer para as entidades bancárias em causa.

III – PARTICIPACÃO DO CONTRIBUINTE:

23. O artigo 60.º da LGT assegura o direito de participação dos contribuintes na formação de decisões que lhes digam respeito, nomeadamente, através do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições.

24. Contudo, nos termos do n.º 3 daquele normativo, tendo o contribuinte sido ouvido anteriormente em qualquer das fases do procedimento, é dispensada a sua audição, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais não se tenha pronunciado.

25. Neste sentido, pela Circular 13, de 08/07/1999, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, foi sancionado o entendimento que “a audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação, nomeadamente quando (o .. ) a administração tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes; (…) Assim, por exemplo, não haverá direito de audição ... nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações graciosas e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre os factos em discussão, no procedimento objeto do recurso ou reclamação.”

26. Assim, considerando que já foi devidamente assegurado, em sede do anterior procedimento inspetivo e de reclamação graciosa, o direito de audiência sobre os factos em que se baseia a presente decisão, e que não foi alterada a situação de facto, deve ser dispensada a audiência do contribuinte.

Pelos factos e fundamentos expostos, propõe-se o indeferimento do pedido de revisão e a dispensa da audição do contribuinte.

(…).” – cf. fls. 92 a 100 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

16. Em 23.09.2015, na informação transcrita no ponto anterior, foi exarado despacho o seguinte despacho, da Subdiretora-Geral, proferido por subdelegação de competências: “Indefiro o pedido de revisão oficiosa, com os fundamentos invocados” – cf. fls. 92 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

17. Em 30.11.2015, a coberto do ofício n.º 5006, datado de 25.11.2015, a mandatária do impugnante foi notificada da decisão identificada no ponto antecedente – cf. fls. 105 a 107 do processo de revisão do ato tributário junto aos autos.

18. Em 29.02.2016, deu entrada neste Tribunal a presente impugnação – cf. registo a fls. 3 dos autos em suporte físico.


*

Factos não provados

Para além dos supra elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, não se provou:

1. Que os valores transferidos pela O...... para a conta do impugnante eram capitais dele próprio e das suas empresas em Angola.

2. Que aqueles valores se destinavam à compra de diversos bens para serem enviados para Angola.


*

Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal baseou-se no corelacionamento e análise critica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para documentos juntos aos autos pelo impugnante e pela administração tributária, que não foram impugnados e estão identificados em cada um dos factos provados.

A testemunha D......, primo do impugnante, declarou que é escriturário e ainda, funcionário do mesmo, que trabalhou em Angola e aqui em Portugal na sucursal da S....... Referiu que o impugnante nunca auferiu qualquer comissão das empresas S...... e O...... e que o mesmo só foi gerente da O.......

Disse ainda que o dinheiro era enviado de Angola para a O...... para ser utilizado na compra de mercadorias (material de construção, alimentos), as quais seriam enviadas depois para Angola em contentores.

Mais referiu que o dinheiro transferido para a conta do impugnante através da O...... era dinheiro oriundo de Angola e também dinheiro particular do impugnante, e que o dinheiro utilizado na compra dos imóveis veio de Angola, pertencente ao impugnante e de alguns empréstimos bancários.

Referiu que as empresas que o impugnante tem em Angola são de comércio geral, construção civil e obras públicas, pertencentes ao grupo S......., e que durante vários anos adquiriram diverso material/mercadorias em Portugal para depois ser enviado para Angola.

Questionado sobre o depósito a prazo no valor de 800 mil dólares efetuado no Banco Millennium, referiu que não se recorda.

A testemunha L......., gerente no M......, afirmou que conhece o impugnante como cliente do banco, tendo confirmado a existência de transferências bancárias para a conta pessoal do impugnante e para as contas das empresas.

Finalmente, a testemunha J......., declarou que era contabilista das empresas S....... e O......, referindo ainda que fazia a declaração de IRS do impugnante quando o mesmo vinha a Portugal.

Referiu que o impugnante não tinha uma atividade especifica em Portugal; era tão só gerente da S...... e mais tarde da O......, as quais faziam compras em Portugal dos mais diversos artigos, desde máquinas a produtos alimentares para depois as enviarem para Angola. Assim a atividade do impugnante era no fundo fazer as compras em Portugal e depois a empresa, a S...... inicialmente e a O...... depois, exportavam para a Angola. Mais referiu que as compras efetuadas em Portugal eram feitas pelo Impugnante ou pelo seu irmão Francisco, era no fundo a atividade concreta dele em Portugal. O impugnante comprava tudo, veículos, materiais de construção, alimentos, para depois exportarem/enviarem para Angola.

Disse, ainda, que para os pagamentos dessas compras eram efetuadas transferências de Angola para a S...... e a O...... em Portugal que depois serviriam para pagar diretamente a pronto às pessoas. Afirmou que o dinheiro vinha por intermédio da O......, que posteriormente era transferido para a conta particular do impugnante para serem efetuados os pagamentos das compras.

Afirmou que o impugnante não recebia qualquer comissão dessas empresas e que só recebia o seu vencimento como gerente.

Questionado sobre os imóveis comprados em Portugal pelo impugnante, disse, do que tem conhecimento, que o impugnante efetuou o pagamento dos mesmos com dinheiro enviado pelo mesmo de Angola, através da O......, mas também com o recurso a empréstimos bancários.

Mais referiu que o impugnante tinha filhos a estudar em Portugal e que o dinheiro para custear as despesas dos mesmos era enviado por intermédio da empresa O...... e da S.......

Não obstante as testemunhas terem dito que o dinheiro transferido para a conta do impugnante através da empresa O...... era dinheiro oriundo de Angola e do próprio impugnante, os seus depoimentos não foram, porém, suficientes para este Tribunal dar como provado que as referidas transferências da O...... para a conta particular do impugnante eram capital dele próprio e das empresas em Angola.

Não olvidamos que as testemunhas referiram que o dinheiro transferido pela O...... para as contas do impugnante era do próprio impugnante e das empresas de Angola. Todavia, para além destas declarações, não existem quaisquer outros elementos probatórios que as corroborem, sendo que os documentos juntos pelo impugnante a fls. 222 do SITAF não são idóneos a demonstrar tal facto. Por outro lado, não foi junto aos autos qualquer documento que atestasse, sequer, os rendimentos auferidos pelo impugnante, nomeadamente em Angola, que lhe permitissem fazer as transferências nos montantes aqui em causa.

Na verdade, a forma adequada de que dispunha o impugnante para demonstrar que aufere rendimentos avultados em Angola era através da declaração de rendimentos apresentada em Angola, o que não consta dos autos. O mesmo se diga em relação às transferências bancárias que o impugnante alega terem sido efetuadas das empresas angolanas para a empresa portuguesa.

O que releva para estes autos é que não se apurou dos rendimentos, alegadamente, auferidos pelo impugnante além dos apurados em Portugal.

Na ausência de tal prova, não pode julgar-se provada que os valores transferidos pela O...... para a conta do impugnante eram capitais dele próprio e das suas empresas em Angola.»


*

2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE EXAME CRÍTICO DA MATÉRIA DE FACTO

Na conclusão F) da alegação de recurso o Recorrente invoca a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, referindo que a sentença recorrida não revela porque razão é que considera que tais documentos não são idóneos para a prova.

A Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria apreciou a nulidade, tendo concluído que não foi cometida a referida nulidade, porquanto o Tribunal valorou e apreciou os elementos de prova juntos aos autos, atento o princípio da livre apreciação da prova, nos termos enunciados na “motivação”.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

No processo judicial tributário os vícios susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário estão previstos no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.

Nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Por sua vez, o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, comina com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.

A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123.º, n.º 2 do CPP.

O n.º 2 do artigo 123.º do CPPT impõe ainda ao juiz que fundamente as suas decisões no que concerne a dar determinado facto como provado ou não provado.

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação. A insuficiência da motivação é espécie diferente, que afecta o valor da sentença sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.

A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.

Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.

Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.

Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.

Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária.» (in CPPT anotado e comentado, Vol. II, 2011, Áreas Editora, págs. 321 e 322).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, «A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção». (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pág.348).

Assim, no exame critico da prova o julgador procede à análise ponderada de todos os meios de prova realizados, da sua credibilidade, estabelece as ligações possíveis destes meios entre si, submete-os à luz dos princípios lógicos e das regras da experiência para poder formar, e expressar, a sua convicção.

O Tribunal recorrido sob o título “Dos Factos” deu como provado, com interesse para a decisão os factos que enumerou nos pontos 1. a 18. indicando relativamente a cada um deles os documentos e o depoimento das testemunhas em que se baseou para dar como provados tais factos.

Quanto à discriminação dos factos não provados deu como não provados dois factos.

Os factos mostram-se suficientemente discriminados e especificados.

Analisando a motivação da decisão de facto é possível ver que a Mma. Juíza a quo esclareceu as circunstâncias e os processos lógicos ou resultantes das regras da experiência comum que levaram a fixar os factos provados e os factos não provados, resultantes da prova documental e testemunhal produzida nos autos, conforme se pode ver na transcrição supra da motivação da decisão de facto, designadamente, os documentos que considerava idóneos para prova dos factos dados como não provados.

Para que haja nulidade da sentença por falta do exame crítico da prova não basta, uma fundamentação insuficiente ou medíocre, pois, esta patologia pode gerar a aplicabilidade do disposto no artigo 662.º, alínea d) do CPC, é necessário que haja uma omissão total de fundamentação.

O que manifestamente não acontece no caso autos.

Termos em que improcede, nesta parte, o recurso.


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2.2. ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

O Recorrente questiona a decisão da matéria de facto na sentença por, segundo alega, ter dado como não provada a factualidade indicada nos pontos 1. e 2. dos factos não provados, porquanto tal factualidade resultou provada nos autos (cfr. ponto E) das conclusões da alegação de recurso).

Indicou os depoimentos das testemunhas D......, J...... e L......, identificando as passagens da gravação e transcrevendo até na motivação do recurso as passagens da gravação tidas por relevantes e que, na sua perspectiva, justificam a pretendida alteração dos pontos de facto impugnados.

Indicou ainda como fundamento da sua impugnação os documentos juntos aos autos com a petição inicial e com as alegações apresentadas em 01/06/2021 (fls. 215).

Sustentou, assim, que os factos dados como não provados sob os pontos 1 e 2 deveriam ser levados ao rol dos factos provados.

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. º do CPC, determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

O legislador rejeitou a possibilidade de repetição de julgamentos bem como de recursos genéricos sobre a matéria de facto impondo ao recorrente não só que indique os concretos pontos da matéria de facto em divergência bem como os concretos meios probatórios que constam do processo que permitam o julgamento pretendido.

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram minimamente cumpridos.

Porém, conclusão distinta é a de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos provados, através do seu aditamento.

O Recorrente pretende que sejam dados como provados e aditados aos factos provados os factos constantes dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, por considerar que resultam dos depoimentos das testemunhas e documentos que identifica juntos aos autos.

A sentença recorrida deu como não provado:

1. Que os valores transferidos pela O...... para a conta do impugnante eram capitais dele próprio e das suas empresas em Angola.

2. Que aqueles valores se destinavam à compra de diversos bens para serem enviados para Angola.

A Mma. Juiz a quo motivou a decisão da matéria de facto da seguinte forma:

A convicção do Tribunal baseou-se no corelacionamento e análise critica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para documentos juntos aos autos pelo impugnante e pela administração tributária, que não foram impugnados e estão identificados em cada um dos factos provados. (…)

Não obstante as testemunhas terem dito que o dinheiro transferido para a conta do impugnante através da empresa O...... era dinheiro oriundo de Angola e do próprio impugnante, os seus depoimentos não foram, porém, suficientes para este Tribunal dar como provado que as referidas transferências da O...... para a conta particular do impugnante eram capital dele próprio e das empresas em Angola.

Não olvidamos que as testemunhas referiram que o dinheiro transferido pela O...... para as contas do impugnante era do próprio impugnante e das empresas de Angola. Todavia, para além destas declarações, não existem quaisquer outros elementos probatórios que as corroborem, sendo que os documentos juntos pelo impugnante a fls. 222 do SITAF não são idóneos a demonstrar tal facto. Por outro lado, não foi junto aos autos qualquer documento que atestasse, sequer, os rendimentos auferidos pelo impugnante, nomeadamente em Angola, que lhe permitissem fazer as transferências nos montantes aqui em causa.

Na verdade, a forma adequada de que dispunha o impugnante para demonstrar que aufere rendimentos avultados em Angola era através da declaração de rendimentos apresentada em Angola, o que não consta dos autos. O mesmo se diga em relação às transferências bancárias que o impugnante alega terem sido efetuadas das empresas angolanas para a empresa portuguesa.

O que releva para estes autos é que não se apurou dos rendimentos, alegadamente, auferidos pelo impugnante além dos apurados em Portugal.

Na ausência de tal prova, não pode julgar-se provada que os valores transferidos pela O...... para a conta do impugnante eram capitais dele próprio e das suas empresas em Angola.

Daqui resulta, desde já, que o Tribunal a quo ponderou toda a prova produzida sobre os factos em causa, incluindo àquela que o Recorrente elegeu para fundar o seu oposto juízo, valorizando a prova testemunhal mais conforme com as regras de experiência e demais prova documental.

Procedemos à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético dos depoimentos das testemunhas inquiridas, e da prova documental.

Vejamos, então, cada um dos factos pretendidos aditar à matéria de facto assente.

O Recorrente não individualiza cada um dos factos, nem a respectiva prova, antes os trata em conjunto.

No que respeita aos pontos 1. e 2 dados como não provados na decisão da matéria de facto, o Recorrente alicerça-se, no que respeita a estes factos, no depoimento das testemunhas D......, J.......e L...... conjugados com os factos provados 1 a 6, bem como os documentos juntos com a petição inicial, dos quais destaca apenas os documentos 8, 12 e 13, que consubstanciam ordens de transferências do impugnante para a O...... e de duas suas empresas para a O......, com reflexo nos extractos de conta que se juntarem (doc. 9 e 10), conjugados com os extractos da conta bancária da O...... Lda beneficiária dessas transferências, qu eé do documento 2 junto com as alegações apresentadas em 01-06-2021 (…), como refere na alegação.

Acompanhamos a decisão da 1.ª instância quanto à valoração do depoimentos das testemunhas.

Os depoimentos prestados não têm a consistência probatória exigível e não são, por isso, susceptíveis, só por si, para que se possam dar como provados, com um mínimo de certeza e de segurança, os factos referidos pelo Recorrente de que os valores transferidos pela O...... para a conta do Impugnante eram capitais dele próprio e das suas empresas em Angola e que aqueles valores se destinavam à compra de diversos bens para serem enviados para Angola.

Importava esclarecer documentalmente a fonte dos rendimentos e o motivo das transferências, atento todos os elementos de prova recolhidos pela Administração Tributária em sede de inspecção tributária, o que não seria difícil, uma vez que os depósitos tinham origem em sociedades de que o Recorrente era sócio-gerente (cfr. pontos 3 e 4 do probatório).

Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), era a sociedade O......, Lda. que ordenava à instituição bancária as transferências bancárias para a conta bancária titulada pelo ora Recorrente, a qual, embora instada pela AT, não prestou qualquer informação/esclarecimento sobre, designadamente, a que título é que foram efectuadas as transferências bancárias de que foi beneficiário o Recorrente e identificadas pela AT na sequência do acesso a informações e documentos bancários nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 63.º-B da LGT (cfr. ponto 8 do probatório).

Quanto aos documentos juntos aos autos tratam-se de cópias de ordens de transferência bancária (doc. 8, 12, 13 da p.i.) e de extractos bancários (docs. 9 e 10 da p.i. e doc. n.º 2 das alegações apresentadas nos termos do artigo 120.º do CPPT), que apenas provam os factos constantes dos mesmos, e, por isso, como se diz na sentença sob recurso, não são idóneos a demonstrar os factos constantes dos pontos 1 e 2 dos factos não provados.

Assim, os depoimentos das testemunhas, desacompanhados de elementos documentais dos rendimentos auferidos pelo Impugnante, designadamente em Angola, que lhe permitiam fazer as aludidas transferências, e da fonte de rendimentos relativa a valores transferidos das sociedades Angolanas para a sociedade portuguesa para à compra de diversos bens, não são de molde a dar como provado tais factos.

Em suma, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida e da prova documental (prova livremente apreciada pelo Tribunal), não podemos dar razão ao Recorrente.

Termos em que não deve ser deferido o pedido em apreço de aditamento da matéria assente.

Face ao exposto improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto.


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Estabilizada a matéria de facto avancemos para a apreciação das questões relativas ao erro de julgamento de direito.

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2.3. DE DIREITO

O Recorrente discorda da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria alegando que a liquidação é ilegal por inexistência de facto tributário, por a AT apenas ter apurado fluxos financeiros que tiveram como destino a conta do Recorrente, e que em face dos depósitos e transferências de valores de € 1.286.435,91 em conta domiciliada em Portugal do recorrente, no ano de 2006, a AT ao sustentar que o sujeito passivo teria auferido rendimentos em Portugal que não foram declarados teria de ter recorrido à determinação da matéria colectável por métodos indirectos (conclusões J) a AA) da alegação de recurso).

Vejamos.

Está em causa a liquidação oficiosa de IRS, do ano de 2006, no valor de € 389.839,25, emitida na sequência de uma acção de inspecção ao Impugnante, tendo a AT recorrido à avaliação directa para efectuar correcções à matéria colectável declarada pelo contribuinte com base nos valores monetários objecto de transferência bancária pela sociedade O...... para a conta bancária do ora Recorrente, que considerou como rendimentos empresariais e profissionais auferidos pelo Impugnante da sociedade O......, Lda. (cfr. ponto 8 do probatório).

Tendo sido deduzida impugnação judicial contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi considerado que a Administração Tributária firmou os pressupostos de facto suficientes para a sua actuação o que legitimou a correcção efectuada e a consequente liquidação adicional de IRS.

A sentença recorrida para julgar improcedente este fundamento de impugnação, estruturou o seguinte discurso fundamentador:

No ano de 2006 o impugnante adquiriu dois prédios urbanos, um no valor de €150.000,00 e outro no valor de €510.000,00.

A ação inspetiva realizada ao impugnante surgiu, assim, na sequência de o impugnante no ano de 2006 ter adquirido imóveis pelo valor de 600.000,00, em contraposição com os valores declarados para efeitos de IRS no valor de €4.630,80, relativos a trabalho dependente, cuja entidade patronal é a “O......, Lda.” – Zona Franca da Madeira.

Na referida ação de fiscalização verificou-se que a sociedade “O......, Lda.” efetuou várias transferências bancárias para a conta n.º 50095806559 do M......, cujo titular é o impugnante, no valor total de €1.286.435,91. Notificado o impugnante e a referida sociedade para esclarecerem a que título se deviam as transferências efetuadas para a conta pessoal do impugnante, bem como qual a relação profissional, de mandato de representação ou outra, entre a “O......, Lda.”, não tendo sido, porém, apresentada qualquer informação/esclarecimento tanto por parte do impugnante como da referida empresa.

Perante a factualidade supra descrita, a Autoridade Tributária concluiu que os valores transferidos para a conta do impugnante correspondiam a rendimentos da categoria B – rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, o qual dispõe que: “1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;

b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior; (Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).”

Tendo ainda procedido à inscrição do impugnante na atividade de “Outras atividades de serviços pessoais, diversos, n.e.” a que corresponde o CAE 96093 e procedido ao apuramento do rendimento coletável no valor de €836.183,34 (€1.286.435,91 x 65%), por aplicação do coeficiente previsto no artigo 31.º, n.º 2 do Código do IRS, por tal valor ((€1.286.435,91) corresponde a comissões, valor este proposto como lucro tributável desta atividade e omisso à declaração de rendimentos. Daí que tais montantes tinham de ser tributados na esfera do impugnante como rendimento de categoria B, como considerou a Autoridade Tributária.

Da matéria de facto provada decorre que a Autoridade Tributária, em sede de inspeção, firmou os pressupostos de facto suficientes para a sua atuação o que legitimou a correção efetuada e a consequente liquidação adicional de IRS, por considerar que os montantes recebidos constituíam rendimentos empresariais e profissionais (comissões) auferidas pelo impugnante da sociedade “O......, Lda.”, perante a ausência de quaisquer informações/esclarecimentos quer por parte do ora impugnante, quer pela empresa que efetuou as transferências bancárias aqui em causa.

Sendo assim, passou a caber ao contribuinte provar que a qualificação dos rendimentos em causa efetuada pela Autoridade Tributária era errónea.

Na verdade, apesar do impugnante afirmar genericamente que os montantes transferidos e depositados nas suas contas provinham de contas próprias e das empresas de Angola para serem utilizados em investimentos e na compra de bens diversos em Portugal, não fez qualquer prova da verificação de factos ou circunstâncias que afastassem a legitimidade e adequação das conclusões da inspeção tributária, porquanto essa prova não foi feita, nos termos concretamente explicitados na fundamentação da decisão de facto supra, para o teor da qual se remete.

O assim decidido não nos merece censura.

O acto tributário tem sempre na sua base uma situação concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.

De acordo com a teoria do rendimento-acréscimo, que abrange todos os rendimentos patrimoniais obtidos pelo sujeito passivo, quaisquer rendimentos patrimoniais deverão ser passíveis de tributação (cfr. artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS).

Como refere a doutrina, no plano jurídico-tributário, o rendimento sujeito a IRS é o valor global obtido em cada período anual, por uma pessoa física ou singular (cfr. Vítor Faveiro, in “O Estatuto do Contribuinte”, Coimbra Editora, 2002, pág. 160).

Nas palavras de Rui Duarte Morais «O IRS tem subjacente uma concepção ampla de rendimento, procurando, ainda que só tendencialmente, fazer coincidir rendimento tributável e rendimento-acréscimo.» (in Sobre o IRS, Almedina, 2.ª edição, pág. 37).

O contribuinte não põe em causa os depósitos bancários na sua conta, alegando que nos autos apenas se apuraram fluxos financeiros que tiveram como destino a conta do Recorrente.

No relatório da IT aí se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente a correcção efectuada no facto de tais montantes terem sido depositados na conta individual do Recorrente, entendendo dever tributá-los como rendimentos, por falta de prova da sua proveniência (cfr. pontos 8 e 15 do probatório).

Cabe, então, ao contribuinte alegar e demonstrar os factos relevantes da inexistência de facto tributário ou que a quantificação dos rendimentos em causa efectuada pela AT era errónea.

Efectivamente, o Impugnante estava onerado com a prova da justificação das quantias transferidas para a sua conta bancária (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

Acontece que a Recorrente não demonstrou em sede de impugnação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa o por si alegado na petição inicial, isto é, a inexistência do facto tributário.

Portanto, não tendo o recorrente cumprindo com o seu ónus da prova, não procede a invocação de erro de julgamento da matéria de facto e, consequentemente, tem que se considerar que não demonstrou a inexistência de factos tributários.

Alega o Recorrente que a AT firmou os pressupostos de facto para a sua actuação em meros indícios e presunções, pelo que jamais poderia recorrer a avaliação directa para efectuar as correcções.

A questão a conhecer seguidamente é a de saber se a sentença errou ao considerar legitima a avaliação directa.

Passando à análise da situação dos autos em concreto, e atendo-nos à fundamentação corporizada no relatório de inspecção, temos de concluir, desde já, ser a mesma suficiente para a Administração proceder às correcções pelo método de quantificação directa, no ano de 2006, não se mostrando verificado os pressupostos para a avaliação indirecta.

Os serviços de inspecção tributária recolheram os elementos solicitados às Instituições Bancárias, através dos quais foi possível verificar várias transferências bancárias em montantes avultados para contas tituladas pelo ora Recorrente.

Assim, tais correcções resultam de elementos bancários extraídos de contas bancárias tituladas pelo Recorrente, que foram comparados com o montante declarado pelo contribuinte, pelo que ao contrário do afirmado pelo Recorrente, não assentam em critérios e pressupostos subjectivos, nem em indicadores ou presunções de rendimentos.

Sobre esta matéria escreveu-se na sentença:

Na concreta situação dos autos, a Autoridade Tributária, constatando que foram efetuadas várias transferências, no ano de 2006, no montante de €1.286.435,91, para a conta do impugnante, pela sociedade O......, e não tendo o impugnante prestado qualquer justificação acerca de tais depósitos e transferências considerou que nos referido anos foram omitidos aqueles valores a título de rendimentos. Assim, a Autoridade Tributária, para proceder à correção da declaração do contribuinte não partiu de elementos presumidos ou de indícios, partiu da análise das contas do próprio contribuinte. Ou seja, as correções feitas pela Autoridade Tributária teriam de ser sempre correções técnicas e não correções por via dos métodos indiretos, porque face aos elementos de facto recolhidos pela Autoridade Tributária, a mesma não estava impedida de, de forma direta, proceder às correções que levou a efeito. Tais correções não tinham que se basear em presunções ou indícios, porquanto não se estava a partir de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte face aos elementos recolhidos nas contas pessoais do mesmo.

Assim sendo, não estava sequer a Autoridade Tributária autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções à declaração do impugnante, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes do impugnante para poder efetuar tais correções, que de resto consistiram em contabilizar os valores depositados e transferidos para a conta do impugnante pela O...... na declaração do impugnante e omitidos pelo mesmo, dando assim origem a um aumento do valor do imposto a pagar. Não se verifica, assim, a ilegalidade recurso ilegal a métodos diretos que o impugnante aponta à liquidação impugnada, pelo que, igualmente improcede nesta parte procede a presente impugnação.

Perante o exposto, não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, devendo por isso manter-se o ato de liquidação adicional ora impugnado.

Secundamos o entendimento vertido na sentença sob recurso.

A lei privilegia a determinação da matéria tributável mediante recurso à avaliação directa (cálculo directo), nos termos dos artigos 81.º, 82.º, 83.º e 84.º da LGT; sendo a avaliação indirecta meramente subsidiária daquela, deve ser adoptada nos casos legalmente tipificados (artigos 85.º e 87.º LGT), e nas situações em que a directa não é possível, ainda que no mesmo exercício.

Nas palavras de Saldanha Sanches, há que ter sempre presente que a avaliação indiciária, «Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem que se conservar como a última ratio fisci, pois um uso indevido e banalizado conduz necessariamente a uma denegação das garantias que devem acompanhar a sua utilização.» (“A quantificação da obrigação tributária, Deveres de Cooperação Autoavaliação e Avaliação Administrativa” in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 173, págs. 396 a 397).

Nos presentes autos, não se demonstrou a impossibilidade de comprovação e quantificação directa exigida pela lei, pelo contrário, ficou demonstrado que os Serviços de Inspecção Tributária possuíam elementos que permitiram a determinação da matéria tributável por avaliação directa.

A omissão, erros ou inexactidões na contabilidade e nas declarações do contribuinte não é bastante para sustentar o recurso a métodos indirectos. Para tal seria necessário que se extraísse da fundamentação o outro requisito legitimador: a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.

O Recorrente invoca ainda a violação dos princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e imparcialidade, da Boa-fé e da protecção e confiança, porém, limita-se a enunciar tais violações sem o mínimo de suporte factual ou argumentativo, pelo que também em face do supra exposto, tais violações resultam indemonstradas.

Concluindo, a AT logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação e, por outra banda, o Recorrente não logrou demonstrar a tese que defende.

Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação do Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


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2.4. Dispensa pagamento do remanescente da taxa de justiça

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efectivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 389.839,25, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I. Para que haja nulidade da sentença por falta do exame crítico da prova não basta, uma fundamentação insuficiente ou medíocre, pois, esta patologia pode gerar a aplicabilidade do disposto no artigo 662.º, alínea d) do CPC, é necessário que haja uma omissão total de fundamentação.

II. No relatório da IT aí se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente a correcção efectuada no facto de tais montantes terem sido depositados na conta individual do Recorrente, entendendo dever tributá-los como rendimentos, por falta de prova da sua proveniência.

III. Cabe, então, ao contribuinte alegar e demonstrar os factos relevantes da inexistência de facto tributário ou que a quantificação dos rendimentos em causa efectuada pela AT era errónea.

IV. A lei privilegia a determinação da matéria tributável mediante recurso à avaliação directa (cálculo directo), nos termos dos artigos 81.º, 82.º, 83.º e 84.º da LGT; sendo a avaliação indirecta meramente subsidiária daquela, deve ser adoptada nos casos legalmente tipificados (artigos 85.º e 87.º LGT), e nas situações em que a directa não é possível, ainda que no mesmo exercício.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as Juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao processo id. fls. 115 do processo electrónico na plataforma informática SITAF.

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Lisboa, 20 de Abril de 2023.


Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)