Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:357/18.7BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DOCUMENTO EUROPEU ÚNICO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA;
CONVITE PARA SUPRIMENTO DE IRREGULARIDADE DA PROPOSTA;
PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DA GERÊNCIA; PODERES DE REPRESENTAÇÃO E ASSINATURA.
Sumário:I. O objeto social das sociedades comerciais indica as atividades que estas irão desenvolver, sem que tenham capacidade para praticar atos que excedam o mesmo, conforme decorre dos artigos 6.º, n.º 4, 9.º, n.º 1, al. d), e 11.º, n.º 2, do CSC.
II. A falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública com a proposta pode implicar a sua exclusão, nos termos do que conjugadamente dispõem os artigos 57.º, n.os 1 e 6, e 146.º, al. d), do CCP.
III. Tal exclusão não é imediata, cabendo ao júri dirigir convite ao concorrente para suprimento dessa omissão, nos termos do artigo 72.º, n.º 3, do CCP, na medida em que se trata de documento que se limita a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura.
IV. A emissão de procuração para a prática de uma categoria de atos, essencialmente relativos à representação da sociedade no âmbito de procedimentos de contratação pública, cumpre com o disposto no artigo 252.º, n.º 6, do CSC, sem contender com o princípio da pessoalidade da gerência.
V. A obrigação de submeter à plataforma um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante, exigida no artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, apenas tem lugar caso o certificado digital não permita relacionar diretamente o assinante com a sua função e poder de assinatura.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

B……………………….., Lda., instaurou ação administrativa de contencioso pré-contratual, tramitada sob a forma de processo urgente, contra a demandada G………………………., Lda., na qual apresentou os seguintes pedidos:
a) A anulação do ato de adjudicação da proposta da M……………….., Lda.;
b) A condenação da Entidade Demandada à exclusão da proposta apresentada pela adjudicatária M…………………………………, Lda., à exclusão das propostas apresentadas pelas concorrentes N……………………., Lda., e S……………………., Lda., e a classificação da proposta da Autora em primeiro lugar e correspondente adjudicação do contrato administrativo a esta última;
c) Caso o contrato administrativo já tenha sido celebrado, a sua anulação com fundamento em invalidade derivada;
d) No caso de se ter iniciado a execução do contrato, a condenação da Entidade Demandada à adjudicação parcial do contrato à Autora;
e) Caso o contrato já tenha sido integralmente executado, a condenação da Entidade Demandada ao pagamento de uma indemnização destinada a compensar a Autora pelos danos causados pela não celebração do contrato, correspondente ao valor de €390.500,00 e de juros à taxa legal até efectivo e total pagamento.

Alega, em síntese, que a proposta da Contrainteressada N…………………, Lda., padece dos vícios de (i) falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública, (ii) falta de poderes de representação e vinculação de representante da sociedade e (iii) falta de habilitação legal para o exercício da atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário.

Indicou como contrainteressadas M…………………., Lda.; N…………….., Lda.; S…………………, Lda.; S……………., Lda.; S……………., Lda.; A……………, Lda.
Por despacho de 18/01/2019, o TAF do Funchal determinou a apensação a estes autos do processo n.º 358/18.5BEFUN, instaurado por S…………….., Lda., por ser impugnado nas duas ações o mesmo ato da entidade adjudicante GESBA.

Por saneador-sentença de 18/05/2019, o TAF do Funchal julgou procedente a ação do proc. n.º 357/18.7BEFUN e condenou a entidade demandada a adjudicar a proposta apresentada pela autora; mais julgou improcedente a ação do proc. n.º 358/18.5BEFUN e absolveu a entidade demandada e contrainteressados dos pedidos.

Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“(I) O presente recurso tem por objeto a douta sentença, proferida a 18.05.2019, que julgou procedente a ação que correu termos sob o Proc. n.º 357/18.7BEFUN e tem por objeto a impugnação da matéria de facto e de direito.
(II) Está em causa unicamente o segmento da douta sentença que julgou procedente o alegado vício da proposta da contrainteressada N……………….., Lda., decorrente da falta de habilitação para o exercício da atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário e a sua consequente exclusão ao abrigo do disposto na al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP.
(III) A R. considera que em face à prova careada para os autos através do alegado e solicitado nos pontos 47 e 175 da contestação apresentada no proc. n.º 358/18.5BEFUN, o Tribunal a quo julgou de modo incorreto e deficitário a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.
(IV) Com efeito, através da consulta da “Lista de Operadores Económicos Registados i) autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros”, o Tribunal a quo deveria ter julgado provado o seguinte facto:
O concorrente N…………………….., Lda encontra-se registado na “Lista de Operadores Económicos Registados i) autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros”, com o número de registo 10755 publicitada pela Direção Geral de Agricultura e Veterinária.
(V) Lista cuja consulta foi solicitada pela R., tendo sido indicado o respetivo links.
(VI) Lista que é publica, acessível a todos, de conhecimento público e que facilmente poderia e deveria ter sido consultado pelo Tribunal a quo no site da DGAV www.dsgi.pt, no intem “Fitossanidade” – “Inspeção Fitossanitária” – “Madeira de Coníferas e Material de Embalagem” – “Listagem de Empresas (Operadores) Registadas – (ordem alfabética/ordem numérica) ”.
(VII) A indicação da prova através do pedido de consulta online é legal e válida por a informatização dos procedimentos administrativos e publicitação de factos e situações referentes a operadores económicos poder ser confirmado através dos sítios na Internet das entidades administrativas competentes.
(VIII) Em abono da boa decisão da causa e dos princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório, consagrados no art. 411.º do CPC e do n.º 2 do art. 91.º do CPTA, imponha-se ao Tribunal a quo a consulta da mencionada lista.
(IX) Não sendo possível efetuar a consulta, por razões informáticas, deveria, então o Tribunal a quo convidar a R. a proceder a sua junção em suporte físico, ao abrigo do princípio da cooperação (art. 8 do CPTA), da colaboração e do convite ao aperfeiçoamento (n.ºs 2 e 3 do art. 87.º do CPTA), bem como da proporcionalidade das consequências, por estar em causa um facto alegado e um pedido de consulta formulada pela R..
(X) Acresce que, tendo decidido do mérito da causa no despacho saneador, o Exmo. Sr. Dr. Juiz deveria ter determinado a junção de documentos (concebendo que não aceitava a modo de produção da prova através da consulta da Lista de Operadores no site da DGAV), conforme decorre da al. c) do n.º 1 do art. 87.º do CPTA.
(XI) Em virtude do Tribunal a quo ter decidido dispensar a produção de prova e proferir de imediato sentença no saneamento dos autos, impossibilitou que a R. reiterasse a consulta da lista e/ou a sua apresentação em suporte física, caso fosse necessário.
(XII) Razão pela qual, ao abrigo do disposto no art. 651.º do CPC, aplicável subsidiariamente, por força do art. 1.º e do n.º 3 do art. 140.º do CPTA, assiste à R, o direito de juntar a Lista em causa em sede de recurso, por ser manifesto que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1.ª Instancia, ao abrigo do princípio a descoberta da verdade material, com vista à boa decisão da causa.
(XIII) A resposta à questão essencial do presente recurso, ou seja, a questão de saber se a contrainteressada N………………….., Lda., está ou não habilitada a exercer a atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira, depende da análise jurídico do conceito de objeto social e do regime da Classificação das Atividades Económicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro.
(XIV) Para a boa apreciação da matéria de direito importa considerar o facto provado 9. e o facto a aditar na sequência da impugnação da matéria de facto, referente ao registo da contrainteressada como operador económico autorizado a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros.
(XV) O objeto social da contrainteressada N…………….., Lda. contempla a “Importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção, designadamente tanques, sistemas de regas, adubos, pesticidas, substratos, consumíveis, sementes, rações para animais e maquinaria em geral. (…). Construção civil e obras públicas.
(XVI) Ao seu objeto social corresponde o CAE 0161 - Atividades dos serviços relacionados com a agricultura.
(XVII) Por sua vez, a entidade adjudicante tem por objeto: “Gestão, administração e exploração dos meios de produção da Banana na Madeira, a sua subsequente distribuição e comercialização e, em especial, a obrigação de prestar apoio à produção, à sua recolha junto do produtor, à sua classificação, embalamento e preparação para o comércio e distribuição e, ainda, a gestão e comercialização de outros produtos nos sectores de produção que integram o sector primário e agroindustrial da região que contribuam para a sua valorização.”, ou seja, exerce uma atividade relacionada com a agricultura, destinando-se as paletes ao transporte da banana da Madeira por si colhida, manuseada e comercializada (doc. 1 junto com as contestações).
(XVIII) É óbvio que o fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira está comtemplado no objeto social da contrainteressada N……………….., Lda., a titulo principal, ou, no mínimo, a titulo acessório ou complementar, bem como está abrangido pela CAE principal de atividades de serviços relacionados com a agricultura e/ou de comercialização/fornecimento de acessórios para fins agrícolas ou de materiais de construção e/ou de construção civil da especialidade de carpintaria ou de fabrico ou montagem de paletes de madeira e respetivo fornecimento.
(XIX) O objeto social constitui um dos elementos do contrato de sociedade e consiste nas atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer (al. d) d art. 9.º e n.º 2 do art. 11.º do CSC).
(XX) Embora seja pacífico, na doutrina e jurisprudência, que o objeto social tenha que ser determinado, o mesmo já não sucede com o respetivo grau de determinação, situação para a qual não existe solução legal.
(XXI) Conforme defende a doutrina “Nada impede uma sociedade de ter um objeto mais ou menos vasto (por exemplo, “importação, exportação e comercialização de uma grande variedade de mercadorias”), um objeto determinado pelo recurso à caraterização de uma atividade e a diversos aspectos em que exemplificadamente a mesma se pode decompor (…).” (Vide Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedade Comerciais, 6.ª Edição, 2016, Almedina).
(XXII) Por sua vez, Raul Ventura, in Objeto da Sociedade e Actos Ultra Vires, R.O.A, (1980), pag. 330, ensina que “enunciado com precisão o objeto e não sendo mencionado qualquer outro como acessório, podem alguns objetos ser implicitamente considerados acessórios daquele e autorizados pelo pacto”.
(XXIII) Nesta conformidade, é admissível que uma sociedade tenha um objeto social principal, suscetível de ser complementado com outros considerados acessórios, quer explícita, quer implicitamente.
(XXIV) Constitui um erro e uma incorreção pretender reduzir o conceito de objeto social ao conceito de CAE.
(XXV) O regime da CAE foi concebido para fins essencialmente estatísticos, - vide preâmbulos do Decreto-lei n.º 331/2007, de 14 de novembro e do do Regulamento (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, que aprovou a Nomenclatura das Actividades Económicas da Comunidade Europeia, Revisão 2.
(XXVI) A sua ratio nunca foi a de se sobrepor ou reduzir o objeto social das sociedades comercias às CAE.
(XXVII) Em suma: A CAE não substitui, nem pode substituir a função da descrição do objeto da Sociedade fixado pelos sócios no momento da constituição, nos termos do disposto nos artigos 11º n.º 1 e 9º nº 1 al. d) do Código das Sociedades Comerciais, com vista ao exercício de atividades principais e acessórias que não de mera fruição.
(XXVIII) O objeto social pode comtemplar o exercício de atividades secundarias, acessórias e/ou complementares sem correspondência nas CAE ou sem a respetiva indicação.
(XXIX) Atentas as atividades principais da contrainteressada N………………., Lda. de importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção (a que corresponde a CAE principal de atividades de serviços relacionados com a agricultura), bem como de construção civil, impõe-se concluir que o fornecimento/tratamento,/fabrico/montagem de paletes de madeira com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira, está coberto pelo seu objeto social, na medida em que está em causa uma atividade relacionada com a agricultura e com a sua CAE principal, ou, pelo menos, acessória da sua atividade principal, ou uma atividade da especialidade de construção civil, ou seja, a carpintaria/fabrico/montagem de paletes de madeira.
E) Normas jurídicas violadas:
Do exposto decorre que no entendimento da A., a douta sentença violou as seguintes normas jurídicas:
- O art. 8 do CPTA;
- A al. c) do n.º 1, n.ºs 2 e 3 do art. 87.º do CPTA;
- O art. 411.º do CPC e o n.º 2 do art. 91.º do CPTA;
- O n.º 2 do art. 11.º do CSC;
- O Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro;
- A al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP.”

A recorrida B…………………………………., Lda., apresentou contra alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“ 1ª – O tribunal a quo julgou devida e corretamente a matéria de facto respeitante à falta de habilitação da Contrainteressada N………………… para a atividade de fornecimento de paletes de madeira.
2ª – A inscrição da Contrainteressada na “Lista de Operadores Económicos Registados i) autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DA MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros” não tem a mínima relevância ou é decisiva para a decisão sobre a inabilitação da Contrainteressada.
3ª – Ficou manifestamente demonstrado que a Contrainteressada N…………….., Lda. não possui nem objeto social, nem tampouco os códigos CAES para o exercício da atividade a que se propunha aquando da apresentação da proposta.
4ª – Sendo certo que, a referida inabilitação não é sanada pela inscrição da sociedade na DVG, conforme pretende a Recorrente Gesba.
5ª – Para o exercício da atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho nem sequer é necessário o registo na DGV, pois, a referida autorização – especial – apenas é exigida aos fabricantes/operadores que realizam o tratamento de madeira, no entanto, o procedimento não impunha que os concorrentes tivessem que ser fabricantes.
Posto que,
6ª – Não deve ser aditada à matéria de facto dada como provada o facto pretendido pela Recorrente – registo da Contrainteressada N………………. na DGV – e, no limite, acaso venha a mesma a ser aditada, não pode a mesma ser tida como relevante para a boa decisão da causa, na medida em que, o referido registo não substitui a imperiosidade da sociedade deter o objeto e os códigos CAES para o exercício da atividade com que se prende o objeto do contrato.
Da impugnação da matéria de direito
7ª – A douta sentença proferida pelo tribunal a quo não merece também neste âmbito a censura que lhe é dirigida por parte da Recorrente Gesba.
8ª – O objeto social da Contrainteressada N…………….., Lda., não contempla o fornecimento de paletes de madeira de pinho.
9ª – Os códigos CAES indicados pela Contrainteressada N………………. não reconduzem-se, nem sequer por aproximação, às atividades pressupostas para a execução do contrato no âmbito do procedimento em juízo.
10ª – A atividade de comercialização de acessórios agrícolas não contempla nem permite prosseguir a atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho.
11ª – A atividade de fornecimento de paletes de madeira encontra-se enquadrada na Secção C dos CAES (atividades transformadoras) e não na Secção A, relativa à agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, sendo que a comercialização de acessórios agrícolas insere-se na Secção G – Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos.
12ª – Também a atividade de fornecimento de paletes de madeira não pode ser reconduzida a uma especialidade da construção civil, uma vez que, a montagem ou transformação de paletes não integra nenhuma das atividades referida no código CAE indicado pela Contrainteressada (43992), nem poderia ser de outra forma, na medida em que carpintaria e fornecimento de paletes de madeira de pinho para o transporte de banana visam fins e pressupostos absolutamente distintos.
13ª – Em conclusão, nenhuma das atividades definidas pelos sócios da Contrainteressada N…………………….. (e os códigos CAES indicados) integram, pressupõem ou visam a prossecução da atividade de fornecimento de paletes, nem sequer acessoriamente, o que permite afirmar que não está em causa apenas o grau de concretização do objeto da sociedade, mas sim a inexistência de habilitação para a atividade de fornecimento de paletes.
14ª – Nas palavras de Jorge Henrique Pinto Furtado 5 «embora a questão seja controvertida, cremos que deverá exigir-se que o objecto social seja determinado e não apenas determinável (…)»
15ª – Destarte, deve a sentença proferida pelo tribunal a quo ser mantida, na medida em que, ficou manifestamente demonstrado que a Contrainteressada N…………….. não possui nem objeto social, nem códigos CAES necessários para que se possa dedicar à atividade de fornecimento de paletes de madeira.”
A autora B…………………………, Lda., apresentou recurso subordinado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª – É interposto o presente recurso subordinado para o tribunal ad quem, para a eventualidade de ser admitido o recurso interposto pela Recorrida Gesba.
Quanto à reapreciação da matéria de facto
2ª – Resulta da sentença (ponto 10 dos factos provados) «Os documentos apresentados pela concorrente N……………………, Lda. foram assinados por Vasco José da Conceição Silva, na qualidade de procurador da sociedade.» (sublinhados e realces nossos)
3ª – O Documento Europeu Único de Contratação Pública foi assinado pelo Sr. Vasco Silva, com a aposição do carimbo da gerência da Contrainteressada N……………, Lda., razão pela qual, deve ser aditado ao ponto 10 da matéria de facto provada «(…) à exceção do Documento Europeu Único de Contratação Pública, o qual foi assinado pelo Sr. Vasco José da Conceição Silva, arrogando-se à qualidade de gerente da Concorrente N……………………, Lda.».
Quanto à falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública
4ª – A falta de previsão do DEUCP no Programa não viola a lei, porquanto, as peças devem ser lidas de acordo e em conjunto com o Código dos Contratos Públicos, sem prejuízo da aplicabilidade do artigo 51º do referido código.
De qualquer modo,
5ª – A falta de apresentação do DEUCP – nos procedimentos com publicidade internacional – configura a preterição de uma formalidade essencial, insuscetível de ser sanada com recurso ao artigo 72º, n.º 3 do CCP.
6ª – O DEUCP consubstancia um documento de extrema relevância e cuja apresentação é obrigatória nos procedimentos com publicidade no JOUE, substituindo o Anexo I em todos os seus efeitos.
7ª – Se a falta de apresentação do Anexo I gera a exclusão da proposta, por revestir uma formalidade essencial, por maioria de razão, a falta de apresentação do DEUCP – enquanto documento que o substitui e o qual é significativamente mais exigente e mais denso – tem necessariamente que determinar a mesma sanção.
Para além do mais,
8ª – O Documento Europeu Único de Contratação Pública não se resume a atestar informações já existentes à data da apresentação de propostas, como se pode ver, por exemplo, pelas informações exigidas relativas à subcontratação, à forma de apresentação a concurso, o preenchimento de alguns motivos de exclusão, dos critérios de seleção, de alguns aspetos relativos à própria empresa (que nem sequer constam do Anexo I), e as quais não são passíveis de ser conhecidas previamente sem que seja apresentado, claro está, o DEUCP.
9ª – A questão in casu deve ser lida e interpretada à luz da jurisprudência do TJUE, nomeadamente, do acórdão de «Manova A/S» do TJUE sob o processo nº C-336/12, de 10 de Outubro de 2013 «À luz das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o princípio da igualdade de tratamento deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma entidade adjudicante peça a um candidato, após a expiração do prazo previsto para a apresentação de candidaturas a um contrato público, a comunicação de documentos descritos da situação desse candidato, como o balanço publicado, cuja existência antes da expiração do prazo fixado para apresentar as candidaturas é objectivamente averiguável na medida em que os documentos do referido contrato não tenham imposto explicitamente a sua comunicação sob pena de exclusão da candidatura. Tal pedido não deve favorecer ou desfavorecer indevidamente o ou os candidatos a quem o referido pedido foi dirigido.» (sublinhados e realces nossos) Por outro lado,
10ª – Tratam-se de informações que nem sequer constam do Anexo I e, como tal, demonstram à saciedade que o DEUCP é um documento mais denso e complexo e já corroborado pela própria Doutrina 9 «Ora, no primeiro caso, importa considerar que comportando o DEUCP mais informação, será de excluir o concorrente que apresente os Anexos I e V.»
11ª – Na falta de apresentação do DEUCP, o Júri está vinculado a sancionar com a exclusão a proposta que não esteja instruída com o referido documento «10 «A não submissão da proposta constituída, ergo, pelo DEUCP obriga o júri do procedimento a propor a exclusão da proposta, nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea d) do CCP.» (sublinhados e realces nossos)
12ª – Ainda, os Autores Luís M. Alves e José Carlos Coelho 11 «Não se diga que a não apresentação do DEUCP não pode causar a exclusão da proposta, por o legislador português referir expressamente apenas a exigência de apresentação dos documentos indicados no artigo 57º, n.ºs 1 e 2 do CCP – com a cominação do artigo 146.º, n.º 2, alínea d) do CCP:
Primus: o legislador bem sabia que o documento previsto no artigo 57.º, n.º 1, alínea a) do CCP, nos procedimentos com publicidade internacional, é substituído pelo DEUCP, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito (…).
Posto que,
13ª – Atendendo a que o DEUCP, por um lado, substitui o Anexo I em todos os seus efeitos (designadamente, quanto à sanção pela falta de apresentação) e, por outro lado, congrega informação que não é passível de ser conhecida à data do termo do prazo de apresentação de pospostas e, ainda, porque se trata de um documento mais exigente do que o Anexo I, deve ser excluída a proposta apresentada pela Contrainteressada N…………….., Lda., impondo-se a revogação da douta sentença quanto a esta parte, com a consequente substituição por outra que julgue a sua exclusão por falta de apresentação do DEUCP.
Quanto à falta de poderes de representação e vinculação da Contrainteressada N………………………., Lda.
14ª – Ao contrário do decidido na douta sentença, a procuração – nos termos em que foi elaborada e conferida – junta à proposta da Contrainteressada não confere os necessários poderes de vinculação, conforme exigido pelo artigo 57º, n.º 4 do CCP, pois, na referida procuração apenas são conferidos os poderes para representar a sociedade.
15ª – Sobre esta matéria, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no aresto n.º 040/14, de 9 de abril de 2014 «I – A procuração, emitida pelos gerentes de uma sociedade a favor de um sócio dela, que conferiu ao procurador «os poderes necessários para representar a sociedade para efeitos de contratação electrónica» destinava-se a atribuir a esse procurador – titular da assinatura digital de que a sociedade carecia – o «poder de representação e assinatura» a que alude o art. 27º, n.º 3, da Portaria n.º 701-G/2008, de 29/7.
II – Assim, tal procuração cingia-se à função de submeter documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento pré-contratual, não conferindo ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade.
III – Se a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, cujo texto fora redigido como se ela emanasse da gerência daquela sociedade, não foi assinada pelos gerentes, tendo sido o dito procurador quem a assinou electronicamente, há que concluir que a mesma sociedade, ao menos nessa altura, não cumpriu o dever imposto no art. 57º, n.º 4, do CCP – sendo de revogar o aresto do TCA que decidiu em contrário.» (sublinhados e realces nossos)
Acresce que,
16ª – Da procuração não resulta a menção aos poderes para vincular a sociedade na aceitação do conteúdo do caderno de encargos, nem para subscrever o DEUCP e as informações nele constantes, o que, neste último caso, jamais seria possível, considerando que à data da outorga da procuração ainda não era conhecido o formulário do DEUCP, razão pela qual, jamais seria possível àquela data prever a transferência de poderes para subscrever o referido documento.
Sem prescindir,
17ª – A procuração nos termos em que foi outorgada, colide manifestamente com o princípio da pessoalidade, bem como, com a obrigatoriedade de ser conferida «ad hoc», como resulta do Código das Sociedades Comerciais e como é pacífico na Jurisprudência «nas sociedades por quotas, tais representantes são os gerentes; e é errado supor que estes, por procuração, podem abdicar de facto da gerência, transferindo para outrem os poderes de gestão que estatutária e legalmente lhes incumbem – o que se oporia ao princípio da pessoalidade da gerência e ao correspectivo regime da responsabilidade dos gerentes para com a sociedade e os sócios. O que, todavia, não exclui que os gerentes duma sociedade por quotas possam fazer-se substituir, “ad hoc”, por um procurador n a expressão da sua prévia vontade de contratar.»
18ª – A procuração, atento o volume e a extensão dos poderes nela constantes e o hiato temporal que a mesma comporta, evidenciam a demissão dos gerentes das funções para as quais foram designados, pois, ao invés de a procuração atribuir poderes ao procurador para um determinado fim, atribuiu-lhe, verdadeiramente, os poderes para exercer a própria gerência da sociedade em substituição dos gerentes.
Por fim,
19ª – Uma vez que o programa de concurso exigia a apresentação do Anexo I e o mesmo foi assinado – como resulta claro – por procurador munido apenas de poderes de representação, conclui-se também que o Anexo I não foi assinado por quem tem poderes para vincular a sociedade, incumprindo-se o disposto no n.º 4 do artigo 57º do CCP.
20ª – Em conclusão, por força da falta de apresentação do DEUCP, dentro do prazo fixado para a apresentação de propostas e, ainda, por a proposta ter sido assinada por quem não detinha os necessários poderes de vinculação, nos termos do n.º 4 do artigo 57º do CCP, deve a proposta apresentada pela Contrainteressada N………………………, Lda. ser excluída, nos termos das alíneas d) e e) (respetivamente) do n.º 2 do artigo 146º do CCP, determinando-se assim a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que julgue verificadas as aludidas causas de exclusão da proposta da Contrainteressada.”
Quanto ao recurso subordinado, a recorrida GESBA apresentou contra alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“(I) O Tribunal a quo decidiu bem o facto 10 da matéria de facto julgada provada, em face à prova documental careada para os autos, devendo o mesmo manter-se nos seus exatos termos.
(II) Com efeito, atendendo à procuração junta com a proposta da contrainteressada N……………………., Lda, bem como ao DEUCP, junto na sequência do pedido de suprimento efetuado pelo júri, é manifesto que o referido documento foi assinado por Vasco ……………………….., na qualidade de procurador da sociedade.
(III) O Tribunal a quo julgou corretamente a improcedência dos fundamentos invocados pela recorrente para a exclusão da proposta da contrainteressada N………………..., Lda., referentes à falta de apresentação do DEUCP e à alegada falta de poderes de representação e vinculação.
(IV) Na verdade, nos presentes autos não está em causa a falta ou omissão pura e simples do DEUCP mas sim a apresentação do Anexo I-M em vez daquele documento.
(V) O que significa que não está em causa simplesmente a falta de uma documento da proposta mas sim a apresentação de um documento em vez de outro (de conteúdo essencial semelhante), por estar em causa um concurso com publicidade internacional.
(VI) A questão da legalidade e validade do convite ao suprimento efetuado pelo júri para a apresentação do DEUCP aos concorrentes que apresentaram o Anexo I-M, impõe que se atenda ao regime jurídico do suprimento de propostas, previsto no art. 72.º do CCP, o qual constitui uma consagração no Direito Nacional do regime de sanação previsto no n.º 3 do art. 56.º da Diretiva 2014/24/EU sobre contratos públicos.
(VII) A ratio legis do regime do suprimento de propostas visa evitar exclusões desproporcionais e lesivas para os operadores económicos e para o próprio interesse público das entidades adjudicantes subjacente ao direito contratual público que visa adquirir bens e serviços com o menor custo possível para o erário público num ambiente de livre e salutar concorrência.
(VIII) O atual regime do suprimento de propostas resume-se aos seguintes aspetos essenciais:
a) O suprimento de propostas constitui um verdadeiro dever imposto ao júri e não uma opção/faculdade.
b) O suprimento deve ser satisfeito no prazo máximo de 5 dias.
c) Só pode ser objeto de suprimento da proposta a preterição de formalidades não essenciais, o que constitui o recurso a um conceito jurídico geral, indeterminado e abstrato e a um regime de atipicidade de situações suscetíveis de suprimento, incluindo-se, a titulo exemplificativo, naquela categoria de formalidades não essenciais as que respeitem a documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta ou da candidatura.
d) O suprimento não pode afetar a concorrência e a igualdade de tratamento.
IX) A legalidade e validade do convite ao suprimento das proposta aos concorrentes que apresentaram o Anexo I-M em vez do DEUCP pressupõe que “ante omnia” se proceda à caraterização da preterição da formalidade em causa como sendo ou não essencial.
X) A apresentação do Anexo I-M em vez do DEUCP configura, nitidamente, uma irregularidade não essencial passível de suprimento, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 72.º do CCP.
XI) A essencialidade de determinada formalidade deve ser objeto de uma ponderação casuística e circunstancial, sendo fundamental percecionar a sua ratio, os interesses que pretende acautelar e se o seu suprimento colide com a concorrência e igualdade de tratamento dos concorrentes.
XII) Não estão causa documentos referentes a atributos ou que digam respeito a termos ou condições referentes a aspetos da execução do contrato submetido ou não à concorrência.
XIII) A substituição do Anexo I-M pelo DEUCP visa unicamente reduzir encargos administrativos com a obtenção de certificados, conforme decorre dos considerados do Regulamento de Execução (EU) 2016/7 da Comissão de 5 de janeiro de 2016.
XIV) Estão em causa documentos, essencialmente destinados a confirmar factos ou qualidades dos concorrentes anteriores à data da apresentação das propostas, suscetíveis de serem comprovados com a apresentação de qualquer um deles e em sede habilitação.
XV) Está em causa um vício formal ad probationem e não um vício substancial ou ad substantiam.
XVI) O n.º 3 do art. 72.º do CCP, ao invés do n.º 2, não exclui do dever de suprimento das propostas as matérias referentes a atributos, nem as que poderiam conduzir à exclusão das propostas, assim o aponta os elementos literal, teleológico e sistemático da hermenêutica jurídica.
XVII) No caso sub judice não está em causa a falta de documentos referentes a atributos ou de documentos referentes a aspetos da execução do contrato não ou submetidos à concorrência, mas apenas a apresentação de um documento em vez do outro, cujos conteúdos são, no essencial, semelhantes e as diferenças insignificantes, sendo certo que no Anexo I-M, vai-se mais longe no que respeita à declaração de vinculação e de aceitação do concorrentes ao CE.
XVIII) Na verdade, no DEUC pede-se informações sobre a publicitação (n.º do anúncio), o que é irrelevante para o que está em causa, sendo inquestionável que tal informação é pública e do conhecimento da R. e de todos os concorrentes, mediante consulta do DR e do JOUE.
XIX) No DEUCP pede-se informações sobre o procedimento; no Anexo I- M, consta a identificação do procedimento.
XX) No DEUCP pede-se informações sobre o operador económico; no Anexo I-M e noutros documentos das propostas de todos os concorrentes, maxime da certidão permanente do registo comercial, constam as informações essenciais (denominação/NIPC/Sede/objeto, capital social, sócios e gerentes) do concorrente.
XXI) No DEUCP pede-se informações sobre se é possível ao concorrente apresentar documentos para comprovar o pagamento de impostos e contribuições através de bases de dados de consulta gratuita; no Anexo I o concorrente declara não esta em incumprimento e assume o compromisso de comprovar, em sede da apresentação dos documentos de habilitação, a regularidade de todas estas obrigações.
XXII) No DEUCP pede-se informações sobre o representante do operador; no Anexo I-M, consta a identificação do representante do concorrente, bem como noutros documentos (procurações e certidões do registo comercial).
XXIII) No DEUCP pede-se informações sobre o recurso a capacidades de outras entidades; irrelevante para a apreciação e avaliação da proposta.
XXIV) No DEUCP pede-se informações sobre a intenção de subcontratar; é irrelevante, sendo certo que o CCP e o CE preveem regras sobre a subcontratação, que têm relevância em sede de execução do contrato e não na fase da análise das propostas.
XXV) No DEUCP pede-se informações sobre os motivos de exclusão (relacionados com contraordenações penais, pagamento de impostos e contribuições para a segurança social, insolvências e conflitos de interesses e faltas graves em matéria profissional); no Anexo I-M, consta todas estas declarações por remição para o art. 55.º do CCP, bem como pela obrigação de apresentar os documentos de habilitação, quando tal lhe for solicitado, para comprovar as declarações.
XXVI) No DEUCP pede-se informações sobre o preenchimento dos critérios de seleção; no Anexo I-M consta a declaração de cumprimento de todos os critérios de seleção, bem como do cumprimento de todas as obrigações vertidas na CE e de que o concorrente que irá apresentar os documentos de habilitação a que se refere o art. 81.º.
XXVII) O CCP distingue perfeitamente duas fases distintas, ou seja, a fase da apresentação das propostas e a fase da habilitação dos concorrentes, sendo certo que à luz das normas aplicáveis a apresentação do DEUCP não dispensa os concorrentes de cumprir com a obrigação de apresentação dos documentos de habitação, o que sempre permitiria atingir os fins visados pela norma e concluir, que mesmo existindo algum aspeto que não pudesse ser comprovado por falta de apresentação do DEUCP, tal seria ultrapassado em sede de apresentação dos documentos de habilitação.
XXVIII) Por igualdade ou maioria de razão a possibilidade de suprir irregularidades por preterição de formalidades deve ter, no mínimo, o mesmo alcance que a faculdade de pedir esclarecimentos e só não deveria ser possível efetuar quando estivesse em causa formalidades essenciais relativas a atributos e a fundamentos que determinariam a exclusão das propostas à luz da al. a) do n.º 2 do art. 70.º, com remissão para as al. b) e c) do n.º 2 do art. 57.º do CCP e já não pelos razões relacionados com o Anexo I-M e o DEUCP (al. a) do n.º 2 e n.º 6 do art. 57.º do CCP) que configuram formalidades situadas a um nível inferior (não essenciais), especialmente quando estão em causa formalidades referentes a documentos que se limitam confirmar factos pré existentes à apresentação das propostas e foi apresentado um dos documentos em vez do outros, sem violação da concorrência e da igualdade.
XXIX) A ponderação da essencialidade ou não de determinada formalidade deve ser efetuada à margem da respetiva cominação de exclusão da proposta por a sanação da preterição não depender da previsão legal daquela consequência.
XXX) Entender de outro modo seria esvaziar, reduzir e tornar inócuo o dever de suprimento de propostas de modo ilegal e intolerável, atenta a sua ratio.
XXXI) Por ser incontornável importa mencionar que o suprimento em apreço não violou o princípio da igualdade, que implica, na sua aceção negativa, tratar de modo diferente o que é diferente (como foi o caso, por o convite só se impor efetuar aos concorrentes que não apresentaram o DEUCP mas apresentaram o Anexo I-M) e de tratar o que é igual de modo igual.
XXXII) O suprimento em causa também não atentou contra o princípio da concorrência, no sentido em que deve ser concebido de assegurar a apreciação do maior número de propostas, sem que, através dos aspetos submetidos à concorrência, nenhum dos concorrentes obtenha vantagens e privilégios ilícitos e ilegais (Vide Ac. do TCAN, datado de 29.06.2013, proc. n.º 00592/12.1BEPNF, in www.dgsi.pt; Ac. do STA, de 12.03.2015, proc. 01469/14, in www.dgsi.pt; Ac. do TCAS, de 29.10.2015, proc. 11938/15, in www.dsgsi.pt).
XXXIII) Para efeitos de suprimento das propostas, a concorrência deve ser apreciada em termos substanciais e não formais, ou seja, em função dos atributos e dos termos e condições submetidos à concorrência e não em função das formalidades que respeitem à sua apresentação e dos aspetos não submetidos à concorrência.
XXXIV) Por sua vez, o princípio da legalidade não foi beliscado por estarem preenchidos todos os pressupostos e requisitos legais previstos no n.º 3 do art. 72.º do CCP.
XXXV) Nesta conformidade, o júri ao cumprir com o deve de suprimento da proposta da recorrente prestou tributo ao princípio da concorrência, bem observou um conjunto de princípios fundamentais aplicáveis à contratação pública, designadamente: o princípio da prossecução do interesse público, com proteção dos interesses privados em causa; o principio da boa administração, visto que respeitou-se a eficiência, economicidade e celeridade, sem prejudicar os interesses divergentes; o princípio da proporcionalidade, sendo certo que a exclusão da proposta se revelaria uma medida extremamente desproporcional; o princípio da justiça e da razoabilidade; o princípio da imparcialidade; o princípio da boa-fé e o princípio da colaboração;
XXXVI) Ao invés, a não realização do pedido de suprimento e/ou a exclusão da proposta revelar-se-ia como sendo claramente desproporcional, desrazoável, contrária à boa-fé, colaboração e prossecução do interesse público, por ser efetivamente a proposta com melhor preço e ser manifesto que não ocorreu a violação dos princípios basilares da concorrência e da igualdade.
XXXVII) É importante registar que a jurisprudência, no que respeita à apresentação do Anexo I em vez do Anexo I-M, que prevê obrigações declarativas fiscais que assumem especial relevo para a RAM, sempre considerou estar em causa uma irregularidade não essencial passível de sanação (Vide Ac. do TCAS, de 02.06.2016, in www.dgsi.pt).
XXXVIII) Impõe-se destacar o Ac. do TCAS, de 10.05.2018, Proc. n.º 1061/17.9BELSB, consultável in www.dgsi.pt, no qual foi frontalmente assumido que a não apresentação do DEUCP em substituição do Anexo I “(…) Seria sempre uma irregularidade formal não essencial (cf. artigo 72º/3 do CCP; e PEDRO GONÇALVES, Direito …, 2ª ed. , I, n º 124 , p. 773 ss). – O negrito e sublinhado é nosso.
XXXIX) Mesmo que se alegue que está em causa um acórdão proferido num procedimento iniciado antes das recentes alterações ao CCP, em especial à introdução do n.º 6 do art. 57.º do CCP, não se pode descurar que a apresentação do DEUCP, em substituição do Anexo I nos concursos internacionais, por força da aplicabilidade direta das diretivas e do primado do direito comunitário, já era considerada obrigatória.
Sem prescindir,
XL) Admitindo por cautela que o pedido de suprimento enferma do vício de violação de lei, sempre seria de recorrer à teoria da degradação de formalidades essenciais em formalidades não essenciais e/ou teoria dos atos inoperante, atualmente consagrada no n.º 5 do art. 163.º do CPA, bem como nos artigos 283, n.º 4 e 283.º-A, n.º 2 a 5 e 285.º do n.º 1 do CCP.
XLI) A Aplicação desta teoria, para além de se justificar plenamente no caso em discussão de apresentação do Anexo I-M em vez do DEUCP, não colide com nenhum dos basilares princípios da contratação pública, previstos no n.º 1 do art.º 1.º-A do CCP, nem com nenhuma das suas normas.
XLII) E justifica-se porque está suficientemente alegado e demostrado que o fim visada pela norma procedimental, no que respeita a exigência do Anexo I-M e do DEUCP em sua substituição e/ou em seu complemento, foi sobejamente alcançado com a apresentação de um daqueles documentos e com a apresentação do DEUCP, bem como pela conjugação com os demais documentos constantes da proposta da contrainteressada N…………………, Lda., e, ainda, por ser manifesto que na fase da apresentação dos documentos de habilitação e de eventual subcontratação, em face às normas aplicáveis, o resultado e a finalidade estará seguramente garantido na totalidade sem colocar em crise os princípios da concorrência e da igualdade.
XLIII) Para efeitos de aplicabilidade da teoria da degradação, deverá atender-se ao alegado a respeito do conteúdo essencial de ambos os documentos serem semelhantes no que é relevante e significativo para efeitos de apresentação das propostas.
XLIV) Preterição de uma formalidade essencial insuscetível de degradação ou sanação seria a não apresentação de qualquer um deles, mas nunca a apresentação de um em vez do outro.
XLV) A procuração apresentada pela contrainteressada N……………., Lda. é legal e válida e contém todos os poderes de representação para obrigar e vincular a sociedade em sede de contratação pública, em especial para os efeitos previstos no n.º 4 do art. 57.º do CCP.
XLVI) É um absurdo alegar que poderes de representação para a prática de atos, tal como consta da procuração sub judice, não significa conferir poderes para vincular.
XLVII) A recorrente confunde o regime da representação de gerentes com o regime da representação de sociedades.
XLVIII) Os sócios são soberanos e podem constituir procuradores livremente e sem limitações, ao contrário dos gerentes, conforme decorre dos n.ºs 4 e 5 do art. 252.º, sem prejuízo do n.º 2 do art. 261.º e n.º 6 do art. 252.º do CSC.
XLIX) O princípio da pessoalidade da gerência não impede os sócios de constituírem procuradores, apenas impede que os gerentes, eleitos/designados com base numa deliberação dos sócios, possam, á sua revelia frustrar a relação de confiança, fazendo-se representar ou transmitido os poderes de gerência a terceiros.
L) Decorre da procuração e da certidão permanente que o mandato foi conferido por decisão soberana dos sócios da contrainteressada N………………, Lda, razão pela qual a ratio do princípio da pessoalidade da gerência e da consequente tutela da confiança já não se colocar, nem fazer sentido.
LI) Aliás, impedir os sócios e uma pessoa coletiva de celebrar um mandato e constituir procuradores, para além de ilegal seria inconstitucional, atento ao princípio da liberdade de disposição e autonomia contratual.
LII) Acolhendo está posição, veja-se o Ac. do TCAN, de 11.05.2018, Proc. n.º 00738/13.2BECBR: “III - Da conjugação dos n.º 5 e 6 do artigo 252.º do CSC resulta estar vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo”, podendo, no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.”
LIII) È manifesto que, atendo ao facto provado 11, a procuração confere todos os poderes necessário e suficientes para o procurador representar, vincular e obrigar a contrainteressada no procedimento pré-contratual em causa.
LIV) Conferir poderes para representar a sociedade, praticar determinados atos e assinar os documentos a eles respeitantes é obviamente conferir podres para vincular e obrigar o mandante.
LV) A procuração sub judice confere poderes para assinar todos os documentos da proposta, sendo irrelevante que os mesmos variem, como aliás é natural, de procedimento para procedimento, consoante o que é exigido pelas peças dos procedimentos e pela lei.
LVI) O facto de a procuração ter sido emitida e conferir os poderes, tal como dela constam, antes da exigência expressa da apresentação do DEUCP em substituição do Anexo I-M, é irrelevante e não a invalida, bem como não impede que o procurador possa assinar os documentos que vão sendo exigidos ao longo do tempo, contando que a procuração lhe confira, como é o caso, os poderes para representar, vincular e obrigar a mandante e assinar todos os documentos da proposta.
LVII) A procuração outorgada pelos sócios não tem de ser conferida “ad hoc” podendo ser conferida para representar a sociedade em procedimentos, sem individualizar, desde que contenha os poderes de representação e vinculação para a prática dos atos necessários efetuar.
LVIII) Exigir uma procuração para cada procedimento, para além de ilegal, seria limitativo da vida das sociedades, desproporcional e desrazoável.”
A Exma. Sra. Procuradora-Geral-Adjunta neste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto pela autora B…………………….., Lda., mantendo-se a sentença recorrida, negando provimento aos demais.
*

Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- do erro de julgamento da sentença quanto à procedência do vício da proposta da contrainteressada N……………….., Lda., decorrente da falta de habilitação para o exercício da atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário e a sua consequente exclusão (recurso principal);
- do erro de julgamento da sentença quanto à improcedência do vício da proposta da Contrainteressada N……………., Lda., de falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (recurso subordinado);
- do erro de julgamento da sentença quanto à improcedência do vício da proposta da Contrainteressada N……………….., Lda., de falta de poderes de representação e vinculação de representante da sociedade (recurso subordinado).

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 28/03/2018 foi publicado no Diário da República, II Série, Número 62, o anúncio de procedimento n.º 1862/2018, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e relativo ao Concurso Público para celebração do contrato designado por “Fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário, para o acondicionamento e transporte de caixas contendo Bananas da Madeira.”
2. Em 30/03/2018 o anúncio do procedimento referido em 1. supra foi publicitado no Jornal Oficial da União Europeia.
3. Do programa do procedimento referente ao concurso público referido em 1. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais, que:




4. Em 09/05/2018 o Júri do Procedimento efectuou um convite ao suprimento de irregularidades das propostas nos seguintes termos:

«Imagem no original »


5. Do Relatório Preliminar referente ao Concurso Público referido em 1. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais, que:
«imagem no original»



6. A concorrente B………………………….., Lda., exerceu o direito de audição prévia no âmbito do procedimento de concurso público CP_01_GESBA/2018, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

7. Do Relatório Final referente ao Concurso Público referido em 1. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais, que:
«imagem no original»


8. A concorrente B………………………….., Lda., procedeu à impugnação administrativa do Relatório Final, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. A concorrente N…………………., Lda. tem como objecto social e dispõe dos seguintes Códigos CAE (principal e secundários):
Importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção, designadamente tanques, sistemas de rega, adubos, pesticidas, substratos, consumíveis, sementes, rações para animais e maquinaria em geral.
Compra, venda, aluguer e exploração de terrenos e instalações dedicadas a agricultura, pecuária, floricultura, fruticultura, apicultura e agro-turismo.
Compra e venda de produtos agrícolas transformados ou por transformar. Transformação de produtos hortícolas, frutícolas e plantas ornamentais.
Aluguer de equipamentos e maquinaria para o desenvolvimento da actividade agrícola em geral. Comércio de bebidas e produtos alimentares em geral.
Construção civil e obras públicas.
CAE Principal 01610
CAE Secundário 46610
CAE Secundário 43992
CAE Secundário 46750”
10. Os documentos apresentados pela concorrente N…………….., Lda. foram assinados por Vasco ………………………., na qualidade de procurador da sociedade.
11. Em 15/01/2015, por procuração que aqui se dá por integralmente reproduzida, passada por Vasco ………………………….. e Gabriel ………………….., na qualidade de sócios da sociedade N……………………, Lda., foram conferidos a Vasco…………….., entre o mais, os seguintes poderes:
12. O certificado de assinatura digital qualificada pelo Cartão de Cidadão n.º ………… …… pertencente a José ………………………… encontra-se revogado desde 06/11/2017.”
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações dos recursos, cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento da sentença quanto à procedência do vício da proposta da contrainteressada N……………………, Lda., decorrente da falta de habilitação para o exercício da atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário e a sua consequente exclusão (recurso principal);
- ocorre erro de julgamento da sentença quanto à improcedência do vício da proposta da Contrainteressada N……………….., Lda., de falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (recurso subordinado);
- ocorre erro de julgamento da sentença quanto à improcedência do vício da proposta da Contrainteressada N…………………., Lda., de falta de poderes de representação e vinculação de representante da sociedade (recurso subordinado).

a) da falta de habilitação para o exercício da atividade

Sustenta a aqui recorrente que o Tribunal a quo devia ter dado como provado que o concorrente N………………….., Lda., encontra-se registado na “Lista de Operadores Económicos Registados autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros”, com o número de registo 10755 publicitada pela Direção Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV).
Tal facto consta de lista pública, acessível no site da DGAV.
O que de facto se verifica, nada sendo de objetar a este aditamento à matéria de facto dada como assente, como se pode constatar no sítio eletrónico:
http://www.dgv.min-agricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?generico=5002824&cboui=5002824
Sem prejuízo da relevância deste registo, radicou em circunstância distinta o motivo da procedência do vício em questão, na decisão sob recurso.
O contrato em questão respeita ao “fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário, para o acondicionamento e transporte de caixas contendo Bananas da Madeira.”
Conforme consta do ponto 9 do probatório, a concorrente N…………………, Lda., tem como objeto social:
- a importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção, designadamente tanques, sistemas de rega, adubos, pesticidas, substratos, consumíveis, sementes, rações para animais e maquinaria em geral;
- a compra, venda, aluguer e exploração de terrenos e instalações dedicadas a agricultura, pecuária, floricultura, fruticultura, apicultura e agroturismo;
- a compra e venda de produtos agrícolas transformados ou por transformar. Transformação de produtos hortícolas, frutícolas e plantas ornamentais;
- o aluguer de equipamentos e maquinaria para o desenvolvimento da atividade agrícola em geral;
- o comércio de bebidas e produtos alimentares em geral;
- a construção civil e obras públicas.
O Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, procedeu “à revisão da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, harmonizada com as classificações de atividades da União Europeia e das Nações Unidas”, estabelecendo o conjunto das atividades económicas que podem ser prosseguidas por agentes económicos.
A atribuição do Código da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) decorre do objeto social da sociedade, que no caso se revela assaz amplo, levando à atribuição de um CAE principal e três códigos CAE secundários, o máximo permitido, nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 1, al. g), da Portaria n.º 4/2009, de 2 de janeiro:
CAE Principal 0161 Atividades dos serviços relacionados com a agricultura
CAE Secundário 4661 Comércio por grosso de máquinas e equipamentos agrícolas
CAE Secundário 43992 Outras atividades especializadas de construção diversas, N.E.
CAE Secundário 46750 Comércio por grosso de produtos químicos.
O objeto social das sociedades comerciais indica as atividades que estas irão desenvolver, sem que tenham capacidade para praticar atos que excedam o mesmo, cf. artigos 9.º, n.º 1, al. d), 11.º, n.º 2, e 6.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais.
Ora, a produção de bananas reconduz-se evidentemente a uma atividade agrícola, resultante do cultivo da terra.
Donde, ao contrário do que se observou na decisão recorrida, o objeto social da empresa, com a amplitude revelada, permite abranger o fornecimento de paletes de madeira para o acondicionamento de bananas, objeto do contrato em questão.
Com efeito, ali se menciona a comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas, o que não pode deixar de englobar o dito objeto, em consonância com o registo da atividade, obtido junto da Direção Geral de Agricultura e Veterinária.
Tal como o CAE principal de atividades dos serviços relacionados com a agricultura e o CAE secundário de comércio de equipamentos agrícolas igualmente o abrangem, sem olvidar que, tendo os CAE a sua relevância, não obnubilam o que consta do objeto da sociedade.
Porque assim é, não se vislumbra que aqui ocorra a causa de exclusão da proposta invocada na sentença, cf. artigo 70.º, n.º 2, al. f), do Código dos Contratos Públicos.
Procede, pois, o recurso principal.

b) da falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública

Quanto à falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública, vem invocado que configura a preterição de uma formalidade essencial, insuscetível de ser sanada com recurso ao artigo 72.º, n.º 3, do CCP.
Na decisão sob recurso concluiu-se que a falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública com a proposta constituía uma irregularidade sanável, atendendo a que o referido documento comprova factos ou qualidades já existentes e susceptíveis de demonstração à data de apresentação da proposta, pelo que não se verifica legalmente uma causa de exclusão das propostas dos concorrentes que a posteriori [em cumprimento do convite] procederam à respetiva junção do documento.
E com acerto.
A obrigação de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública com a proposta foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que procedeu à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos (CCP), transpondo as Diretivas n.os 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014
Em concreto, releva para o caso que o artigo 57.º, n.º 6, passou a prever que “[n]os procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é apresentado, em substituição da declaração do anexo i do presente Código, o Documento Europeu Único de Contratação Pública.”
E o artigo 168.º passou a prever o seguinte:
“1 - A candidatura é constituída pelos documentos destinados à qualificação dos candidatos e pela declaração conforme o modelo constante no anexo v ao presente Código, do qual faz parte integrante, a qual é substituída pelo Documento Europeu Único de Contratação Pública nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia.
2 - A declaração do anexo v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública referidos no número anterior devem ser assinados pelo candidato ou por representante que tenha poderes para o obrigar.
3 - Quando a candidatura seja apresentada por um agrupamento candidato, a declaração do anexo v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública referidos no n.º 1 devem ser assinados pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos ao respetivo documento os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, deve ser assinada por todos os seus membros ou respetivos representantes.”
As alterações em causa são aplicáveis aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor, dia 01/01/2018, cf. artigos 12.º e 13.º do referido D-L.
Pelo que, tendo o presente concurso sido lançado em 28/03/2018, é aqui de aplicar a obrigação de apresentação do DEUCP.
Cumpre então saber qual a consequência da omissão desta obrigação, agora prevista no artigo 57.º, n.º 6.
O artigo 146.º, n.º 2, do CCP, prevê a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 57.º - al. d), e que não cumpram o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º - al. e), não fazendo qualquer referência ao n.º 6 do artigo 57.º.
Veja-se, contudo, que o DEUCP é exigido nos procedimentos anunciados no JOUE em substituição da declaração do anexo i do Código, que consta do n.º 1 do artigo 57.º.
Como tal, afigura-se aplicável a citada al. d) do artigo 146.º, à omissão de apresentação do DEUCP, assim implicando a exclusão da respetiva proposta.
Tal normativo tem de ser conjugado com o que atualmente dispõe o artigo 72.º, n.º 3, do CCP (redação do já citado D-L n.º 111-B/2017): “O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.”
Ora, conforme recentemente entendeu o STA, em acórdão de 11/09/2019 (proc. n.º 0829/18.3BEAVR, disponível em www.dgsi.pt), a falta de apresentação do DEUCP não é motivo de imediata exclusão, por ser de aplicar o regime de convite ao suprimento de preterição de formalidades não essenciais ali previsto, na medida em que se trata de documento que se limita a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura (neste sentido, e aí citado, cf. Gonçalo Guerra Tavares, Comentário ao CCP, 2019, pág. 321; e o acórdão deste TCAS de 10/05/2018, proc. n.º 1061/17.9BELSB).
Foi o que sucedeu no caso vertente.
E sufragando tal entendimento, é de concluir que soçobra a argumentação avançada pela recorrente, sendo de manter o decidido em primeira instância.


c) da falta de poderes de representação e vinculação de representante da sociedade

Inicia aqui a recorrente o seu argumentário sustentando que deve constar do ponto 10 do probatório:
‘Os documentos apresentados pela concorrente N…………….., Lda. foram assinados por Vasco………………………, na qualidade de procurador da sociedade, à exceção do Documento Europeu Único de Contratação Pública, o qual foi assinado pelo Sr. Vasco ………………….., arrogando-se à qualidade de gerente da Concorrente N………….., Lda.’
Porquanto o Documento Europeu Único de Contratação Pública foi assinado por Vasco ……………………., com a aposição do carimbo da gerência da Contrainteressada N………………………, Lda.
O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
O facto enunciado assenta na interpretação da recorrente quanto ao conteúdo do documento, o que ela dele retira.
Contudo, a respetiva análise não pode implicar a alteração do decidido nesse ponto, na medida em que a mera aposição do carimbo da referida empresa no Documento Europeu Único de Contratação Pública não desmente que tal documento se encontre assinado por Vasco ………………………., na qualidade de procurador da sociedade.
O que resulta do cotejo deste documento com a procuração igualmente junta aos autos.
Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto.

Avançando.
Invoca nesta sede a recorrente:
- a proposta da N………………………., Lda., não confere os necessários poderes de vinculação, conforme exigido pelo artigo 57.º, n.º 4 do CCP, pois na referida procuração apenas são conferidos os poderes para representar a sociedade.
- da procuração não resulta a menção aos poderes para vincular a sociedade na aceitação do conteúdo do caderno de encargos, nem para subscrever o DEUCP;
- a procuração colide com o princípio da pessoalidade, pois atribui poderes ao procurador para exercer a própria gerência da sociedade em substituição dos gerentes;
- o Anexo I não foi assinado por quem tem poderes para vincular a sociedade.
A questão é simples, apesar de vir complexificada.
Conforme consta do ponto 11 do probatório, no dia 15/01/2015 foi emitida procuração por Vasco………………….. e Gabriel………………………, na qualidade de sócios da sociedade N……………….., Lda., conferindo a Vasco …………………………, entre o mais, poderes para concorrer a procedimentos públicos para fornecimento de bens e serviços, e aí representar a sociedade e praticar todos os atos, designadamente os necessários para a formalização da proposta, bem como para assinar todos os documentos da proposta, podendo, para o efeito, apresentar e assinar a proposta e todos os documentos que a acompanham.
Exige o artigo 57.º, n.º 4, do CCP, que os documentos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.
Exigência esta que, pelas razões supra explanadas, é igualmente de aplicar ao documento referido no n.º 6 do referido artigo, o DEUCP.
É ainda de relevar para a presente questão que “[n]os casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante” - artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública.
Vem sustentado que a procuração em causa ofende o princípio da pessoalidade da gerência, conforme vem vertido no artigo 252.º do CSC.
Aí se prevê, sob a epígrafe ‘composição da gerência’, o seguinte:
“1 - A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.
2 - Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
3 - A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.
4 - A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota.
5 - Os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 261.º
6 - O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados atos ou categorias de atos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.”
A ratio legis deste preceito, que consagra o princípio da pessoalidade da gerência, “visa salvaguardar um núcleo intangível de poderes que não podem ser delegados, sob pena de se perder tal pessoalidade que passaria, de modo completo e incontrolável para mandatários ou procuradores que, dispondo de poderes amplos, controlariam a gestão e representação da sociedade, à margem dos gerentes. Existe uma relação de confiança na designação do (s) gerente (s) tendo em conta as suas qualidades e competência para o exercício do cargo, que é a um de tempo de representação e administração, pelo que, se os gerentes através de procuração com latíssimos poderes de administração da vida da sociedade, outorgam procuração a um terceiro poderes compreendidos na gestão, representação e administração da sociedade, objectivamente demitem-se do comando dos destinos do ente societário, abdicando das funções de gerência, cometendo-as integralmente a outrem, ficando, assim, sem qualquer controle dos destinos e gestão, alienando a sua responsabilidade ante os sócios que os incumbiram da gerência” (acórdão do STJ de 24/11/2009, proc. n.º 16/08.9TBZOAZ.S1, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ora, a análise da referida procuração revela que a mesma foi emitida para a prática de categoria de atos relativos essencialmente à representação da sociedade no âmbito de procedimentos de contratação pública, cumprindo com o disposto no citado n.º 6 do artigo 252.º do CSC, o que, de per si, seguramente não esgota o objeto social da sociedade em questão.
Não ocorre, pois, a violação do sobredito princípio.
Todavia, a procuração em questão tem a amplitude suficiente para permitir a representação da sociedade em procedimentos de contratação pública, sem individualização do concurso em questão, e independentemente da alteração dos documentos que ali tenham de ser apresentados, em função de subsequentes alterações legislativas, como no caso ocorreu com o DEUCP.
Finalmente, quanto à possibilidade do certificado digital não poder relacionar o assinante com a sua função, cf. o citado artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, não se verifica no presente caso.
Com efeito, a entidade interessada só tem de submeter à plataforma um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante caso o certificado digital não possa relacionar diretamente o assinante com a sua função e poder de assinatura (cf. os acórdãos deste TCAS de 03/11/2016, proc. n.º 13703/16, e de 10/10/2019, proc. n.º 395/18.0BEFUN, disponíveis em http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, o teor da procuração permite relacionar o representante da sociedade com a sua função e poder de assinatura, pelo que não estamos perante uma situação de exclusão da proposta em causa.
Improcede, pois, o invocado vício.

Em suma, o recurso subordinado improcede e o recurso principal procede, sendo de revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a exclusão da proposta apresentada pela concorrente N…………………, Lda., e consequentemente na condenação da entidade demandada a adjudicar a proposta apresentada pela autora B…………………., Lda., no procedimento CP_01GESBA/2018.
E, desta forma, julgar improcedente a presente ação.
*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- negar provimento ao recurso subordinado;
- conceder provimento ao recurso principal e revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a exclusão da proposta apresentada pela concorrente N…………………., Lda., e consequentemente na condenação da entidade demandada a adjudicar a proposta apresentada pela autora B……………………….., Lda., no procedimento CP_01GESBA/2018;
- julgar improcedente a presente ação.

Custas em ambas as instâncias a cargo da autora “B………………………, Lda.”.

Lisboa, 18 de dezembro de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Cristina dos Santos)


(Sofia David)