Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:362/06.6BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:MILITAR;
PENSÃO POR SERVIÇOS EXCEPCIONAIS;
CONCEITOS INDETERMINADOS
Sumário:I. A atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País por feitos de um militar em teatro de guerra depende de a acção desenvolvida merecer as referidas qualificações de excepcionalidade e relevância, conforme decorre do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro.
II. O mero averbamento de um louvor relativo ao cumprimento do serviço militar na ex-Província Ultramarina de Moçambique, bem como o facto de o militar em causa ter sido agraciado com a medalha de Cobre da Classe e Comportamento Exemplar, não satisfazem o referido grau de exigência legal para a concessão da pensão pretendida ao abrigo daquele dispositivo legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório


A...... intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria contra a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério das Finanças e da Administração Pública (actualmente Ministério das Finanças), uma acção administrativa especial tendente à anulação do despacho conjunto destas entidades de indeferimento, na sequência do Parecer nesse sentido do Conselho Consultivo da PGR, do requerimento em que pedia a atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente e absolveu as Entidades Demandadas do pedido.

Inconformado, o A. interpôs dessa decisão recurso jurisdicional, tendo na alegação que apresentou formulado as seguintes conclusões:

1- Foi invocada na petição inicial que a recusa de atribuição da pensão ao A. resulta também de interpretação inconstitucional dos preceitos do Dec Lei 466/99 de 06/11, expressamente identificados, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça.

2 - Tratamento diverso, arbitrariedade na concessão, senão mesmo discricionariedade total na respectiva atribuição são factos integradores dessa causa de pedir, que estão expressamente alegados nos artºs 83º e seguintes da petição inicial.

3 - Verifica-se então a seguinte nulidade processual: O Mmº Juiz "a quo” deveria, antes de proferir sentença, ter convidado o A. a suprir tal deficiência ( a referida em 3 supra) que encontrou - só encontrou - na fase de construção da sentença.

4 - E que não havia encontrado aquando da prolacção do despacho saneador onde se fez consagrar expressamente não haver "nulidade, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

5 - Na data em que foi proferido este despacho vigorava no Direito Administrativo o artº 88º do CPTA (2002).

6 - O qual impunha ao Juiz o suprimento, oficioso ou com convite à parte, das irregularidades que obstam ao conhecimento de questões no processo.

7 - Dever aliás consentâneo com os preceitos do CPC e NCPC aplicáveis (já vigorando este último desde data anterior à da sentença).

8 - E ainda mais necessário face à não arguição de tais questões formais fosse pelas entidades contestantes fosse pelo Ministério Público.

9 - Aliás, o próprio Ministério Público aborda tal questão de inconstitucionalidade, para a desvalorizar, e reconduzir à questão nuclear do parecer 27/85 e consequente alteração interpretativa da lei 404/82 dizendo mesmo "sendo que o que há que apurar é se a situação em causa se encontra dentro do que a lei exige e não compará-las com outras em que a mesma foi incorrectamente interpretada".

10 - Alteração interpretativa que levou a tratamentos absolutamente díspares e desigualitárias entre os casos decididos antes e depois desse parecer.

11- Ora, tendo o Tribunal "a quo" encontrada tais deficiências na petição inicial, ainda que em momento de construção da sentença, era-lhe exigível que notificasse o A,, para aperfeiçoar a petição inicial, de forma a adequá-la ao previsto nos normativos que o próprio Tribunal considerou - sem descriminar - essenciais.

12 - Com o que resultaram violados os artigos 7", 8º nº 1e 88 nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (na redacção anterior a Out de 2015)

13 - Por essa razão verifica-se uma nulidade, consubstanciada na omissão de acto essencial - prolacção de despacho a determinar o suprimento ou correcção do vício logo que este foi encontrado - com diminuição de garantias jurisdicionais do recorrente.

14 - Nulidade que expressamente se vem arguir para todos os efeitos legais e contamina a sentença, por determinar a anulação de todos os actos do processo entretanto praticados por nenhum deles poder ser aproveitado à luz desta "novel" insuficiência.

15 - Caso assim não se entenda verifica-se ainda uma outra nulidade:

16 - A sentença em crise pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade dizendo que os factos invocados são insuficientes para permitir uma decisão sobre essa matéria.

17 - Afirmando a falta de articulação de factos concretos e precisos, a indicação de forma vaga genérica ou abstracta, não individualizada da sua pretensão e falta de indicação especificada dos factos constitutivos desse direito.

18 - A ser assim a sentença é nula porque a impossibilidade de apreciação é, na verdade, uma não pronúncia acerca dessa matéria de inconstítucionalidade.

19 - É que quando se afirma a impossibilidade de apreciação de uma determinada questão concreta, acaba por não se decidir seja pela procedência seja pela improcedência de tal questão que foi expressamente submetida à apreciação do Tribunal, pelo que, relativamente a esta matéria, também a sentença deveria ter decidido, ainda que fosse absolvendo de mérito.

20 - Não o tendo feito gerou-se um "nom liquet" omissão de pronúncia, que o artº 615º nº 1, d) do NCPC sanciona precisamente com a nulidade.

21 - Pelo que deverá ser considerada procedente a apontada nulidade, revogada a sentença em crise e devolvido o processo à 1ª instância para que este aprecie de mérito esta pretensão do Autor.

22 -Em sede já de erro de julgamento sobre vícios administrativos, a decisão em crise funda-se no seguinte raciocínio formal: O parecer do CC da PGR era obrigatório e vinculativo; Esse parecer é desfavorável ao A.; logo a pretensão do Autor tem inevitavelmente que improceder.

23 - Vindo até afirmado que, que a decisão procedimental contrária ao parecer vinculativo estaria afectada de ilegalidade insuprível.

24 - Ora, no entender do recorrente não basta a referência à adesão do recorrido a um parecer vinculativo - como foi feito - para decidir a acção.

25 - Se o parecer foi negativo, se o parecer foi usado como fundamento de indeferimento de pretensão do A., se o parecer em si mesmo, porque não tem efeitos externos quanto a ele é irrecorrível, ou meramente recorrível a titulo facultativo, enquanto "destacável'', como o diz inúmera jurisprudência, se o parecer da PGR constitui o único fundamento do acto em crise,

26 - O direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva ( art.s 20.º e 268 n.º4 da Constituição) nega ao parecer da PGR a insindicabilidade que está subjacente à decisão em crise e impõe ao Tribunal que neste mesmo processo aprecie e valide, ou não valide, esse parecer, incluindo a respectiva fundamentação enquanto (única) fundamentação motivação e justificação para o acto, bem como a conformação legal e constitucional do próprio parecer .

27 - O que o Tribunal não fez, pois não sindicou esse parecer, devendo tê-lo feito.

28 - Pelo que falhou assim a sentença em crise, ao "sacralizar" e dar chancela de insindicabilidade ao parecer em causa com uma singeleza arrepiante mas legalmente inadmissível.

29 - Os requisitos e exigências legais e constitucionais exigíveis para a atribuição da pensão estão preenchidos com os factos dados como provados no próprio parecer do CC da PGR e carreados para a sentença (factos provados 2.1.2 a 2.1.4, 2.1.8), sendo precisamente em sede de AA Especial que se tem de averiguar da legalidade e constitucionalidade do parecer.

30 - Podendo mesmo dizer-se haver, no parecer, contradição insanável entre termos pois o que é actuação altamente meritória e uma valiosa actuação não é normal, só pode ser considerado excepcional, e não pode ser enquadrado no comportamento que seria de exigir a qualquer militar.

31 - Não se percebendo sequer porque omite o parecer que a actuação do A. evitou que houvesse mais mortos ou feridos, bem como a comparação feita por testemunha com outras condutas simultâneas onde "grande parte dos seus camaradas não sabiam o que fazer perdendo a calma e entrando em pânico com a situação vivida".

32 - A matéria de facto dada como provada impunha, perante os normativos legais e constitucionais aplicáveis, uma decisão diferente da proferida, tudo com as inerentes consequências quanto à (afastada na sentença) violação de lei que radica exclusivamente na falta de análise crítica do parecer em causa pela sentença.

33 - Nomeadamente a substituição de um condutor ferido debaixo de fogo inimigo, como ainda com a participação, já ferido, na escolta (sujeita a novos ataques) das viaturas de evacuação de mortos e feridos mas também - o que está omitido no parecer mas consta nos autos, que - a actuação do A. evitou que houvesse mais mortos ou feridos e até que "grande parte dos seus camaradas não sabiam o que fazer perdendo a calma e entrando em pânico com a situação vivida".

34 - O despacho/sentença em crise consubstancia uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, nomeadamente, as dos artº s 120º, 124º e 125º do CPA, 4.º do DL 466/99, 2!!, 3º 7º, 10º 38º (por interpretação extensiva), 51º e 52º do CPTA, e dos princípios da proporcionalidade, igualdade e justiça previstos na CRP nos seus artºs 18º, 13º e 1º .

35 - Acresce ainda ser evidente que ao parecer da PGR podem ser apontados dois vícios essenciais, no que à fundamentação diz respeito.

36 - O parecer de 2014 remete para os pareceres CC PGR 27/85 e 82/96.(pág 8), que são anteriores à Lei n.º 97/96 de 18/07, e os feitos que a PGR então apreciavam eram feitos não militares (fora do teatro de operações/fora do teatro de guerra) estando estes reservados para o STM.

37 - Pelo que não basta dizer, perante duas realidades tão diferentes (em teatro de guerra e fora do teatro de guerra) e como foi feito em 2014, que as considerações precedentes (fora do teatro de operações/fora do teatro de guerra) são "perfeitamente transponíveis " para a situação do A.

38 - Por essa razão, a desactualização do parecer fundamento que suportou o parecer de 14/10/2014 com que o CC da PGR rejeitou a pretensão do A. constituí verdadeira e efectiva falta de fundamentação.

39 - Por outro lado a fundamentação é toda pela negativa, dizendo-se meramente "não se reveste", não excedeu "manifestamente o que seria legítimo esperar", não obstante o louvor e a condecoração" "não resulta a prática de feitos" "não ultrapassaram o que seria legítimo esperar"...

40 - Ora, a fundamentação pela negativa nada esclarece porque nunca chega a concretizar ou a preencher o conteúdo real e efectivo de conceitos legais, não contendo os aspectos, de facto e de direíto, que permitiriam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.

41 - Daí que a sentença em crise nada tenha podido, mesmo com os esclarecimentos das contestações e da pronúncia do Ministério Púbrico, mostrar que esse conteúdo existia na peça procedimental que fundamenta o acto administrativo.

42 - E como ambos os pareceres subjacentes ao parecer de 2004 ( os 27/85 e 113/2004) remetem também eles para tal tipo de considerações genéricas vagas e abstractas, a sentença em crise deveria ter julgado verificado tal vicio ê, nos termos do art. 125/ 4do CPA (então vigente), anulado e/ou declarado nulo.

43 - E, não o tendo feito, deve ser revogada e proferido Acórdão em conformidade.

44 - Nem se diga que a impugnação do acto de indeferimento mostra que houve fundamentação, pois a impugnação é meramente demostrativa de que o A. se apercebeu do sentido da decisão e da necessidade imperiosa de o impugnar, porque desfavorável e porque desencadeou a contagem de prazos para esse efeito, não sendo demonstrativa de que o A. percebeu o raciocínio que sustenta o acto ou as razões que a sustentam o acto administrativo em causa, que a sentença em crise validou.

45 - Verifica-se pelo antes exposto, e ao contrário do decidido em sentença, falta de fundamentação do acto, que o CPA comina com a anulabilidade (artªs 1252 e 135º do CPA aplicável) e constitui, por parte do Tribunal recorrido, errada interpretação e aplicação da normas legais, que importa reparar em Acórdão.


A Presidência do Conselho de Ministros contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido. Concluiu do seguinte modo:

1.ª) A douta sentença não padece de qualquer dos vícios que lhe são doutamente imputados pelo recorrente;

2 .ª) O despacho de aperfeiçoamento, de acordo com o estipulado com o art. 88º do CPTA e art. 590º n.º 4 do CPC (aplicável ex vi art. 1º do CPTA), serve apenas para rectificar falhas menores, estando assim afastadas as situações mais graves em que o vício da petição inicial corresponda a uma verdadeira ineptidão motivada pela ausência de causa de pedir, pela sua ininteligibilidade ou pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido;

3.ª) Isto é, através do despacho de aperfeiçoamento não pode servir para suprir uma ineptidão da petição, mas, apenas, outras irregularidades ou deficiências puramente processuais, que não aspectos substantivos ou materiais, pelo que a omissão do núcleo essencial da "causa petendi" não é suprível pela via do despacho de aperfeiçoamento (cfr. Sumário de Ac. do STJ de 21.11.2006, proferido no Proc. n.º 06A3687);

4.ª) Especificando, e analisando a sua douta p.i. do recorrente, nesta nada mais se faz do que afirmações vagas, genéricas e abstractas quanto à eventual violação os princípios da igualdade, proporcionalidade e da justiça no que respeita ao ato administrativo impugnado, pelo que não se justifica a emissão de qualquer despacho de aperfeiçoamento;

5 .ª) Acresce que não é admissível que o recorrente invoque tal eventual nulidade, atento o princípio da auto-responsabilidade (art. 197º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA), pois esta radica na sua própria omissão, isto é, da "sua menos cuidada actuação processual";

6.ª) Face ao teor do douto Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, datado de 14.10.2004, o ato administrativo impugnado não podia deixar de indeferir a pretensão do recorrente, de acordo com o art. 25º do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro e art. 98º do CPA;

7 .ª) Analisando a impugnação administrativa apresentada pelo recorrente, bem como a judicial, o ato administrativo impugnado não padece de qualquer falta de fundamentação, para efeitos dos arts. 268º n.º 3 da CRP, 124º e 125º do CPA;

8.ª) Pois resulta patente que o recorrente, enquanto destinatário da fundamentação, percepcionou e compreendeu cabalmente (pese embora discordando) o ato administrativo impugnado, que continha a devida "exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão" (mi. 125º do CPA);

9 .ª) Como bem se salienta na douta sentença recorrida; e

10.ª) Em suma, a douta sentença recorrida não padece de qualquer um dos vícios que lhe são doutamente imputados pelo recorrente, tendo o Tribunal, ao invés, procedido a uma correcta interpretação e aplicação das normas aplicáveis, razão pela qual não merece qualquer censura jurídica.

O Ministério das Finanças veio aderir às contra-alegações apresentadas pela Presidência do Conselho de Ministros.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Exma. Procurador-Geral Adjunto não emitiu pronúncia.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se no essencial em saber:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto à matéria de inconstitucionalidade alegada;

- Se o tribunal a quo incorreu em nulidade processual ao não ter proferido despacho de aperfeiçoamento;

- Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao não ter invalidado o acto impugnado, assim condenando as Demandadas à prática do acto devido de atribuição do suplemento por serviços excepcionais e relevantes ao País, a que alude o artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

1. Em 3 de Março de 2003 é subscrito requerimento por A……, dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, ali constando, em especial:


“(texto integral no original; imagem)”

2. A……. tem averbado um louvor relativo ao cumprimento do serviço militar na exPU de Moçambique, nos seus documentos de matrícula; (Facto Provado por documento, 66 e 67 do PA)

3. Em 6 de Novembro de 2003 foi ouvido E......, tenenete RC, em auto de inquirição, tendo afirmado ter desempenhado as funções de Comandante de pelotão da 1.ª Companhia do BCP 32, afirmando ali que “... o requerente foi louvado durante a comissão devido a um ataque em que este se destacou. Numa altura em que a Companhia foi emboscada por outra Companhia comandada por um Capitão Cubano, sofrendo as nossas tropas o maior desaire verificado até então (…) A testemunha refere que presenciou o ataque poi s ia numa viatura em que o condutor ficou ferido, ficando esta desgovernada. O requerente que seguia na caixa dessa mesma viatura, saltou prontamente e sempre a disparar na direcção do IN, fez com que este se pudesse em fuga, vindo posteriormente a tomar o lugar do condutor demonstrando um enorme sangue frio e profissionalismo...”, (Facto Provado por documento, a fls 51a 58 do PA)

4. Em 30 de Janeiro de 2004 foi ouvido o Coronel PQ J…… em auto de inquirição que afirmou, designadamente “... 3. (...) o ex-soldado P…… foi louvado pelo comandante do Batalhão, por minha proposta como comandante da companhia à qual ele pertencia. Foi louvado pelas altas qualidades de militar e de combatente que demonstrou durante a sua comissão de serviço, primeiro em Angola e posteriormente em Moçambique (Nacala). (..) 4 ... O ex- soldado P….. estava sempre pronto para se integrar nas acções de combate em que a companhia tomou parte, demonstrando ser um combatente corajoso (..) Recordo particularmente a sua coragem, determinação e tenacidade, numa acção de combate em que a companhia sofreu uma emboscada e o ex­soldado P......, debaixo de fogo e com um sangue frio notável, substituiu o condutor de uma berliet ... tendo conseguido parar a viatura e em seguida saltando para o terreno colaborou com os seus camaradas na reacção que levou o inimigo a debandar ...'; (Facto Provado por documento, a fls 64 do PA)

5. Em 12 de Novembro de 2004, é subscrito documento timbrado de "Ministério da Defesa Nacional", dirigido a A......, ali constando, designadamente:

(Facto Provado por documento, a fls 9 do PA)

6. Em 25 de Fevereiro de 2005 é subscrito documento timbrado de "Ministério da Defesa Nacional", denominado de "Informação n.º 4022/2005 (Proc. n.º 455/2004/Dejur), ali constando designadamente:

(Facto provado por documento, a fls. 2 a 7 do PA)

7. Em 4 de Janeiro de 2006 é subscrito documento timbrado de "Caixa Geral de Aposentações', dirigido a A......, ali constando, em especial que “... por despacho conjunto n.º 1092/2005, de 2005-11-23 (..) proferido por Suas Excelências o Ministro da Presidência e o Ministro de Estado e das Finanças, foi indeferido o seu pedido de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, com fundamento no parecer desfavorável emitido pela Procuradoria-Geral da República...'; (Facto Provado por documento, a fls. 15e segs dos autos -paginação electrónica)

8. Consta de documento timbrado n.º 113/2004 de 'Procuradoria-Geral da República" a emissão de parecer negativo à concessão da pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país ao autor, com os fundamentos seguintes:


“(texto integral no original; imagem)”

(Facto provado por documento, a fls. 15 e segs dos autos – paginação electrónica)

9. Foi proferido o despacho conjunto n.º 1092/2005, publicado em 26 de Dezembro de 2005, in SÉRIE II do Diário da República (páginas 17950 a 17950), ali constando “... Nos termos do disposto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro, o Ministro da Presidência, no uso da delegação de poderes conferida pelo Primeiro-Ministro, através do despacho n.º 13 624/2005 (2.ª série), publicado no Diário da República, 2.ª série, 11º 117, de 22 de Junho de 2005, e o Ministro de Estado e das Finanças resolvem não atribuir, pelos fundamentos constantes dos pareceres desfavoráveis emitidos pelo conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, a pensão por serviços excepcionais e relevantes formulados pelos seguintes cidadãos...”. (Facto Notório Provado - publicação em Diário da República, II Série).

Não foram fixados factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.

Foi exarada a seguinte motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do processo administrativo apenso, bem como dos documentos juntos pelas partes, cuja força probatória é de apreciação livre pelo Tribunal.



II.2. De direito

O ora Recorrente peticionou a anulação do acto que lhe indeferiu um pedido de concessão de pensão por serviços excepcionais e relevantes ao País, da autoria conjunta do Ministro da Presidência (no uso de delegação de poderes) e do Ministro das Finanças e da Administração Pública, publicado no DR II de 26/12/2005, de acordo com o parecer, nesse sentido, do Conselho Consultivo da PGR.

Na sua petição inicial alegou, em síntese, que: i) em Abril de 1967 foi deslocado para a ex-província ultramarina de Moçambique tendo passado à condição de disponibilidade em 13 de Dezembro de 1968; ii) em 3 de Março de 2003, requereu a atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro, tendo sido agraciado com um louvor durante a prestação de serviço militar, atribuído pelo comandante BCS 32; iii) também foi agraciado com a medalha de cobre da classe de comportamento exemplar; iv) o oficial instrutor do processo pronunciou-se no sentido do indeferimento da sua pretensão, considerando que os factos prestados não são suficientemente excepcionais e relevantes, tendo o seu entendimento obtido a concordância do comandante da região militar do Nane; v) o oficial instrutor do seu pedido referiu que é exigível a qualquer militar em teatro de guerra que, numa emboscada, saía do local onde se encontrava, salte para o volante da viatura militar e a controle, imobilizando-a, que, depois, saía dela para repelir o inimigo; vi) o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República entendeu, por parecer vinculativo, emitido nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro, que só actos de particular valor e excepcionalmente relevantes conferem o direito à pensão pretendida, indicando a PGR o serão indicadores dessa excepcional relevância de funções, tendo eles de estar ligados a interesses protegidos para o país ou para a humanidade [assim como o carácter altruísta e desinteressado dos actos praticados]; vii) o acto impugnado padece de falta de fundamentação, não se percebendo o raciocínio do autor do acto; viii) o acto impugnado também padece de vício de violação de lei, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro, já que os factos relatados no processo administrativo, incluindo os provados por prova testemunhal, confirmados pela atribuição de uma medalha e louvor recebidos, são suficientes para julgar preenchidos os pressupostos daquele normativo legal; ix) num teatro de guerra apenas é exigível que se cumpram ordens superiores, que se conquiste espaço ao inimigo e que se concretizem as operações que lhe são atribuídas; x) interpretar a lei como o Conselho Consultivo fez é desproporcional e desadequado, violando o princípio da igualdade, já que situações idênticas têm tratamento distinto; xi) o acto impugnado também viola o princípio da justiça.

O tribunal a quo veio a concluir que o Autor e ora Recorrente não tinha direito à concessão de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país, pelo que julgou a acção improcedente.

No recurso interposto, o Recorrente começa por suscitar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Alega que a recusa de atribuição da pensão resulta, também, de uma interpretação inconstitucional dos preceitos do Decreto-Lei n.º 466/99 de 6 de Novembro, expressamente identificados, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, sendo que o tribunal a quo não se pronunciou sobre essa matéria.

Pode já adiantar-se que a invocação desta nulidade não colhe minimamente, sendo o próprio Recorrente que afirma, na conclusão 16.ª, que: “[a] sentença em crise pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade dizendo que os factos invocados são insuficientes para permitir uma decisão sobre essa matéria.

Com efeito, afirmou-se na sentença recorrida:

Violação dos princípios da igualdade e da justiça.

Foram vagamente alegados os vícios de violação dos princípios da igualdade e da justiça, porém sem qualquer concretização concreta, sabendo-se que a pretensão do autor tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstractas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo.

O pedido e a pedido e a causa de pedir possuem uma importância fundamental no sistema processual, consubstanciando o primeiro a pretensão processual que demanda uma certa tutela jurisdicional, enquanto a segunda corporiza as razões de facto que justificam o pedido dessa tutela, cuja concessão por banda do julgador está limitada pelo princípio do dispositivo que depende da iniciativa do autor e pelo princípio da substanciação que exige a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito, não bastando portanto uma indicação genérica do direito que se pretende fazer valer.

Ou seja, o tribunal entendeu que não estava sequer evidenciado, por não vir minimamente alegado – ónus cometido ao Autor de acordo com as regras gerais do ónus da prova -, a violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e justiça.

De resto, a nulidade invocada, atinente à omissão de pronúncia, ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decisória por omissão de pronúncia, está directamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (correspondente ao artigo 660.º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. Sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. A doutrina e a jurisprudência distinguem, pois, as “questões” dos “argumentos” ou “razões”, para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC (na jurisprudência, v., por todos, o Acórdão do STA de 21.05.2008, proc. n.º 437/07).

Como referia aquele Professor: “São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (idem, ob. cit.).

Decorre desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.

E é também jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC).

Ora, no caso em apreço a sentença recorrida conheceu das questões em litígio e decidiu-as.

Improcede, portanto, o recurso nesta parte.

Continua o Recorrente, alegando a existência de cometimento pelo tribunal a quo de uma nulidade processual por não ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento tendente à concretização do alegado na p.i.. Mas também aqui sem razão.

O despacho de aperfeiçoamento, de acordo com o estipulado com o art. 88.º do CPTA e art. 590.º, n.º 4, do CPC (na redacção aplicável), não serve para suprir os vícios da petição inicial motivados pela ausência de elementos essenciais da causa de pedir. Isto é, o despacho de aperfeiçoamento não pode servir para suprir aspectos substantivos ou materiais, em alteração do núcleo essencial da causa petendi.

Como a jurisprudência tem repetidamente afirmado, o despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 88.º do CPTA (na redacção aplicável) destina-se a suprir irregularidades externas ou formais da p.i. ou à correcção de faltas ou insuficiências da matéria de facto que haja sido alegada e não a falta de alegação dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende a procedência ou improcedência do pedido.

Como afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., 2010, p. 583 e p. 588):

Em primeiro lugar, o n.° 1, impõe ao juiz o dever de procurar corrigir oficiosamente as peças processuais que enfermem de deficiências ou irregularidades de carácter formal. De notar que este n.° 1 distingue entre deficiências ou irregularidades do articulado, dicotomia que está igualmente presente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 508 .° do CPC: a irregularidade do articulado pode radicar na falta dos requisitos legais, mormente os previstos, para a petição inicial, no artigo 78.°, n.° 1, ou na falta de documento que imperativamente devia ser junto com a peça processual; a deficiência poderá traduzir-se em insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada [sublinhado e carregado nosso]”

(…)

O despacho de aperfeiçoamento poderá ainda dirigir-se a aspectos substanciais do articulado, corporizando meras deficiências, que poderão respeitar à alegação da matéria de facto ou à formulação do pedido ou da causa de pedir, como sejam aquelas que resultem do incumprimento do disposto nas alíneas g), h) e 1) do n .° 1 do artigo 78 .° (quanto à distinção entre deficiências e irregularidades, cfr. antecedente nota 2) .

Em todo o caso, neste plano, o aperfeiçoamento destina-se unicamente a completar ou esclarecer a peça processual, eliminando certas ambiguidades ou imprecisões de que padeça, ou completando-a com a alegação de circunstâncias complementares, e não poderá ser utilizado para alterar o pedido ou a causa de pedir [sublinhado nosso].”

Ora, tal como vem contra-alegado, certo que compulsada a p.i., nesta nada mais se faz do que afirmações vagas, genéricas e abstractas quanto a uma eventual violação os princípios da igualdade, proporcionalidade e da justiça no que respeita ao ato administrativo impugnado, sem o mínimo de concretização no plano dos factos. Pelo que não se justificava – aliás, as normas adjectivas impedem-no, sob pena de violação do princípio da igualdade de armas e da imparcialidade do tribunal - a emissão de qualquer despacho de aperfeiçoamento, como agora pretendido pelo Recorrente. Nem o imperativo constitucional de tutela jurisdicional efectiva, nem o princípio pro actione, subvertem as regras de processo que impõem às partes, no momento processual oportuno, a alegação de matéria de facto tendente à demonstração da razão jurídica que reclamam.

Ou seja, constitui pressuposto do despacho de aperfeiçoamento dos articulados o suprimento de excepções e a correcção de irregularidades de carácter formal, designadamente a falta de requisitos legais ou a falta de apresentação de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa bem como de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, mas não o suprimento da eventual insuficiência da matéria de facto alegada, designadamente com alteração do pedido ou da causa de pedir. Pelo que, não constituindo pressuposto do despacho de aperfeiçoamento dos articulados o suprimento da insuficiência da matéria de facto alegada, com alteração do pedido ou da causa de pedir com vista à obtenção do ganho de causa, inexiste fundamento para a sua prolação (cfr. neste exacto sentido o ac. do TCAN de 5.08.2008, proc. nº 352/04.3BEMDL).

Com o que improcede o recurso, também, nesta parte.

Vejamos agora se o tribunal a quo errou na avaliação que fez da situação em presença, concretamente sobre se a factualidade provada deveria antes ter levado à procedência da acção e à condenação na prática do acto tido pelo ora Recorrente como devido, este de atribuição de uma pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei nº 466/99, de 4 de Novembro.

A propósito do regime da atribuição da pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por militar em teatro de guerra, o STA tem entendido que a avaliação daqueles predicados tem de assentar na ponderação da acção concretamente desempenhada, pelo que não pode bastar-se com o facto de terem sido atribuídas medalhas ou louvores militares e é essencialmente cometida à Procuradoria-Geral da República no Parecer obrigatório e vinculativo a que se refere o artigo 25.º do mesmo Decreto-Lei n.º 466/99, de 4 de Novembro.

Neste capítulo, sumariou-se no ac. do STA de 1.02.2005, proc. nº 685/04, o seguinte:

I - A atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País por feitos de um militar em teatro de guerra depende de a acção desenvolvida merecer as referidas qualificações de excepcionalidade e relevância, conforme decorre do artigo 4.º n.º 1 e al. a ) do DL 466/99, de 4 Nov.

II - A avaliação daqueles predicados tem de assentar na ponderação da acção concretamente desempenhada, pelo que não pode bastar-se com o facto de terem sido atribuídas medalhas ou louvores militares e é essencialmente cometida à Procuradoria Geral da Republica no Parecer obrigatório e vinculativo a que se refere o artigo 25.º do referido diploma.

III – O pressuposto da excepcionalidade do feito em teatro de guerra depende de uma apreciação casuística, concreta e de comparação relativa com outras situações da vida que sejam comparáveis, de modo que cumpridas as exigências formais, não se demonstrando erro de apreciação nem desvio dos critérios habitualmente seguidos nesses casos paralelos, nem afastamento do fim legal, nem a violação de outros princípios que externamente limitem a liberdade de conformação do conteúdo do acto, a decisão tomada em despacho conjunto pelo órgão legalmente previsto constitui o que se costuma designar como “justiça administrativa”, mas se reconduz ao preenchimento de conceitos indeterminados, insusceptível de outro controlo pelo Tribunal, isto é, impeditiva de o Tribunal entrar a aplicar aos factos os seus critérios de valoração e apreciação numa área que é reservada ao poder administrativo.

(…).”

E já no ac. de 25.09.2003 do STA, proc. nº 900/03, se afirmava:

I. O direito à pensão por serviços excepcionais e relevantes, prevista no art. 4º do DL nº 466/99, de 6 de Novembro, há-de resultar da prática de actos demonstrativos de que o seu autor se tornou credor do reconhecimento nacional em razão da excepcionalidade e invulgar relevância dos mesmos.

II. Tal pensão não será de conceder a antigo militar condecorado com Cruz de Guerra de 4ª classe, por actos praticados em campanha militar que, ultrapassando o mero cumprimento dos deveres militares, não assumem o carácter de feitos verdadeiramente excepcionais que o tornem credor do reconhecimento nacional”.

De igual modo se afirmou neste TCAS, no ac. 6.06.2007, proc. n.º 7160/03, que:

I – A atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País por feitos de um militar em teatro de guerra depende de a acção desenvolvida merecer as referidas qualificações de excepcionalidade e relevância, conforme decorre do artigo 4º, nº 1, alínea a ) do DL nº 466/99, de 6/11.

II – O pressuposto da excepcionalidade do feito em teatro de guerra depende de uma apreciação casuística, concreta e de comparação relativa com outras situações da vida que sejam comparáveis, de modo que cumpridas as exigências formais, não se demonstrando erro de apreciação nem desvio dos critérios habitualmente seguidos nesses casos paralelos, nem afastamento do fim legal, nem a violação de outros princípios que externamente limitem a liberdade de conformação do conteúdo do acto, a decisão tomada em despacho conjunto pelo órgão legalmente previsto constitui o que se costuma designar como “justiça administrativa”, mas se reconduz ao preenchimento de conceitos indeterminados, insusceptível de outro controlo pelo Tribunal, isto é, impeditiva de o Tribunal entrar a aplicar aos factos os seus critérios de valoração e apreciação numa área que é reservada ao poder administrativo.

Neste último acórdão escreveu-se, ao que aqui releva:

O artigo 4º, nº 1 do DL nº 466/99, de 6/11, pressupõe sempre como resulta da parte inicial do corpo do artigo que o requerente da pensão praticou serviços excepcionais relevantes para o país, fosse no teatro de guerra, ou por actos de abnegação e coragem cívica, ou de altos e assinalados serviços à Humanidade ou à Pátria, ou seja, qualquer dos três diferentes tipos de actos previstos naquela alínea a) tem de ser qualificado pela sua excepcionalidade e relevância para o País.

Quanto à subsunção dos actos descritos na matéria de facto como preenchendo ou não este requisito de excepcionalidade, o despacho conjunto recorrido baseou-se no facto amplamente reconhecido de que muitos portugueses praticaram actos de coragem, abnegação e superação perante o risco durante a longa guerra colonial, sendo por via disso credores de gratidão e recompensa, mas aqueles que o recorrente praticou, inserindo-se neste contexto, não atingem o plano de excepcionalidade exigido para a concessão da pensão.

Como se reconheceu no Acórdão do STA, de 1-2-2005, proferido no âmbito do Processo nº 685/2004, “trata-se de um juízo que não pode ser censurado por erro, uma vez que não se demonstra que esta excepcionalidade foi atingida, por se tratar de um grau ou medida que depende essencialmente da comparação com situações do mesmo tipo de modo a distinguir entre elas as que sobressaem com evidência do cumprimento do dever com revelação de boas qualidades, no caso essencialmente boas qualidades militares, sem olvidar que a norma não se destina a enquadrar o bom nem o muito bom, mas o “excepcional” isto é o que vai muito além deste último termo.

Trata-se em grande medida de uma justiça relativa que terá de separar as diversas gradações qualitativas que se enunciaram. Trata-se do que verdadeiramente se costuma designar por justiça administrativa, que se caracteriza pela concessão a órgãos da Administração do poder de decidir com base em valorações ou avaliações em que existe uma indeterminação muito ampla dos parâmetros a utilizar, senão mesmo uma margem de subjectividade ineliminável, cujo controle jurisdicional se efectua, para além de aspectos formais vinculados, essencialmente pela vinculação ao fim legal e quanto ao conteúdo da decisão pela utilização de critérios uniformes em relação aos diversos casos concretos, tanto quanto seja possível encontrar essa uniformidade ou vislumbrar a sua quebra ou incoerência.

De modo que o que se pode dizer aqui é que tal como refere o Parecer que serve de base à decisão é que não tem sido aceite como critério a pura e simples consideração da atribuição de medalhas ou louvores, sendo essencialmente a avaliação dos factos que tem caracterizado a concessão ou denegação destas pensões.

E, por outro lado, este Tribunal constata que apresentam algumas semelhanças os casos objecto de Parecer negativo da PGR e decididos por Acórdãos proferidos nos Processos nºs 44.138, de 9-6-99, 44.307, de 18-11-99, e 900/03, de 25-9-2003, onde os critérios utilizados têm matriz essencialmente idêntica à que foi usada na apreciação do caso do autor.

No caso em apreço, o Parecer do Conselho Consultivo da PGR justificou a razão pela qual entendeu não ser a situação enquadrável no dispositivo legal convocado, já que refere que a situação em causa, embora meritória, não é excepcional e relevante no sentido de ser concedida a pensão ao A. e ora Recorrente. É que não é necessário afirmar quando é que a actuação é excepcional e relevante, bastando, para o caso em apreço, colocá-lo ou não nesse patamar. E o dito parecer refere que entende que a actuação em causa “se situa ao nível do comportamento que seria de exigir a qualquer militar em teatro de guerra, num condicionalismo semelhante, pese embora também considere a existência neste como noutros casos, durante a guerra colonial, de "exemplos de coragem abnegação e de superação perante o risco", demonstrativas de "qualidade humanas e militares de muitas pessoas que integravam as nossas Forças Armadas, as quais, são por isso, credoras de gratidão e recompensa", mas sem que tais actos sejam demonstrativos que o A. ultrapassou o cumprimento dos seus deveres por "forma a que os serviços prestados devam ser considerados excepcionais e relevantes", citando ainda outros pareceres do mesmo Conselho.

Olhando agora com detalhe para o caso concreto, temos que o Recorrente assentou o seu pedido na circunstância de enquanto militar paraquedista em Angola e depois em Moçambique, prestando serviço nessas então províncias ultramarinas, se ter destacado dos seus restantes camaradas de armas, tendo salvo vidas humanas nas operações em que participou, realçando, a esse propósito, uma concreta operação militar realizada em 19.07.1967, na Serra do Mapé, em Moçambique. E por tais factos foi louvado pelo Comandante da Companhia do mesmo Batalhão.

Não está pois em questão que o A. e ora Recorrente foi considerado um militar disciplinado, aprumado, correcto e um óptimo combatente, tendo naquela operação militar mostrado um elevado espírito de sacrifício e tenacidade. Isto é expressamente reconhecido pelos Recorridos. Mas tais predicados não bastam para preencher a previsão normativa ínsita no referido art. 4.º, nº 1, al. a) do Decreto-lei nº 466/99, de 6 de Novembro.

A questão está em saber se a conduta por si assumida em teatro de guerra é suficientemente excepcional e relevante para o habilitarem à atribuição da requerida pensão. E a resposta, perante o que vem evidenciado nos autos, é negativa.

Na verdade, de acordo com o regime legal de referência, só os factos que excedessem manifestamente o que seria legítimo esperar no contexto de uma operação militar como aquelas em que interveio o ora Recorrente, poderiam justificar o preenchimento dos requisitos antes assinalados, demonstrativos de que o seu autor ultrapassou o cumprimento dos deveres que lhe incumbiam por tal forma que os serviços prestados devam ser considerados excepcionais e relevantes (veja-se, a este propósito, o já citado ac. do STA de 25.09.2003, proc. nº 900/03). Sendo que o mero averbamento de um louvor relativo ao cumprimento do serviço militar na ex-Província Ultramarina de Moçambique (cfr. o provado em 2 supra), não satisfaz o referido grau de exigência legal, o mesmo sucedendo com o facto de ter sido agraciado com a medalha de Cobre da Classe e Comportamento Exemplar (cfr. o que resulta do provado em 8. supra). Em suma, não ficou demonstrada a exigida excepcionalidade, nem a invulgar relevância que constituem os pressupostos de atribuição da pensão em causa.

Por fim, e sem perder de vista os poderes de cognição dos tribunais administrativos e o controlo jurídico – sindicabilidade contenciosa - do preenchimento de conceitos indeterminados pela Administração, não se detecta erro grosseiro ou manifesto que tenha sido cometido pela Administração na avaliação que fez da situação concreta do requerente da pensão (e que seria susceptível de assumir efeito invalidante do acto impugnado, por erro sobre os pressupostos de facto).

Pelo que vem de ser dito, de igual modo nesta parte, o recurso não merece provimento, improcedendo integralmente.



III. Conclusões

Sumariando, nos termos do disposto no art. 663.º, nº 7, do CPC:

I. A atribuição de pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País por feitos de um militar em teatro de guerra depende de a acção desenvolvida merecer as referidas qualificações de excepcionalidade e relevância, conforme decorre do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro.

II. O mero averbamento de um louvor relativo ao cumprimento do serviço militar na ex-Província Ultramarina de Moçambique, bem como o facto de o militar em causa ter sido agraciado com a medalha de Cobre da Classe e Comportamento Exemplar, não satisfazem o referido grau de exigência legal para a concessão da pensão pretendida ao abrigo daquele dispositivo legal.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020




Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa