Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:102/20.7BESNT-S1
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA;
INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO.
Sumário:I.Sendo praticado o ato de adjudicação e celebrado o contrato na pendência da ação de contencioso pré-contratual já instaurada, tendo por objeto a declaração de ilegalidade das peças do procedimento, deviam as Autoras ter promovido a ampliação do objeto da causa, nos termos do artigo 102.º, n.º 4 do CPTA, implicando que todo o litígio fosse apreciado na mesma ação.

II. Não tendo as Autoras requerido a ampliação do objeto da causa e vindo instaurar ação autónoma, deveria a segunda ação de contencioso pré-contratual ter sido apensada à primeira, tal como foi requerido.

III. Sendo declarada a suspensão da instância da ação de contencioso pré-contratual, não existem fundamentos para julgar prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, formulado nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, por se tratar de matéria que reveste natureza urgente e claramente com conteúdo ou finalidade cautelar, cuja utilidade ficaria irremediavelmente afetada, além de a isso não obstar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 275.º, n.º 1 do CPC, ao viabilizar a prática de atos urgentes destinados a evitar dano irreparável.

IV. Além de que está em causa matéria de natureza incidental, que exige o proferimento de uma decisão autónoma em relação à ação de contencioso pré-contratual.

V. Acresce o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, apenas poder ser deduzido na pendência da ação de contencioso pré-contratual que tenha por objeto a impugnação do ato de adjudicação.

VI. A tal não obsta que no âmbito da primeira ação tenha sido deduzido o incidente previsto no artigo 103.º-B do CPTA, vocacionado para as ações em que não se aplique o efeito suspensivo automático (ou o mesmo tenha sido levantado), considerando a diferenciação dos objetos de cada uma das ações.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


A Entidade Demandada, Metropolitano de Lisboa, E.P.E. e as Contrainteressadas, S.................., Lda. e S.................., S.A.U., devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram cada uma por si interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 21/05/2020, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual instaurada pela T.................., SA e pela C.................., Ltd, julgou verificada a existência de causa prejudicial e declarou a suspensão da instância, até que a sentença a proferir no Processo n.º 1422/19.9BESNT tenha transitado em julgado, mais julgando prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, o qual se mantém.


*

A Entidade Demandada, ora Recorrente, apresentou recurso contra a decisão recorrida, tendo nas respetivas alegações, formulado as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

“A. Nos termos da Lei e da Constituição a suspensão da instância não pode conduzir ao resultado a que se chegou no despacho recorrido: a manutenção do efeito suspensivo do ato e do contrato e o não conhecimento do incidente de levantamento de efeito suspensivo até que transite em julgado a decisão no processo considerado prejudicial (processo n.º 1422/19.9BESNT).

B. Tal como alegado na contestação, a suspensão da instância ordenada pelo despacho recorrido deveria determinar a interrupção ou levantamento do efeito suspensivo automático, à luz da aplicação conjugada do disposto nos artigos 103.º-A, 103.º-B do CPTA e 272.º do CPC, pelo que o despacho recorrido deveria ter concluído nesse sentido.

C. Não o tendo feito, o despacho recorrido violou aqueles comandos normativos e não atendeu à circunstância de no processo n.º 1422/19.9BESNT ter sido já requerida a adoção de medidas provisórias de cariz suspensivo pelas ora Recorridas.

D. O artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA circunscreve claramente o âmbito de aplicação das medidas provisórias, isto é, em alternativa ou por oposição ao âmbito de aplicação do efeito suspensivo automático: «Nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior…» (sublinhado nosso).

E. Não podendo coexistir na mesma situação jurídico-processual pedidos de medidas provisórias e o efeito suspensivo automático, com a suspensão da instância deveria necessariamente considerar-se interrompido esse efeito, que opera apenas e quando estiverem a ser tramitadas as ações de contencioso pré-contratual nos termos previstos no artigo 103.º-A, n.º 1, do CPTA.

F. Pelo que, estando a instância suspensa, deveria o despacho recorrido ter entendido que se interrompia esse efeito suspensivo automático - mantendo-se o status quo anterior à propositura desta ação -, já que a tutela dos direitos das Recorridas deveria ser assegurada através das medidas provisórias de cariz suspensivo já requeridas na causa prejudicial no processo n.º 1422/19.9BESNT.

G. Essa consequência resulta, aliás, da opção processual unicamente imputável às Autoras, que começaram por intentar o processo n.º 1422/19.9BENST e o mantiveram mesmo depois de proporem esta segunda ação (podendo antes ter optado por ampliar o objeto do processo n.º 1422/19.9BENST ao ato de adjudicação e ao contrato).

H. Caso assim se não entenda, como por dever de patrocínio se antecipou perante o tribunal a quo, a salvaguarda do efeito suspensivo nunca poderia ter conduzido a uma situação em que a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo ficasse prejudicada - e o ato de adjudicação e o contrato suspensos - até ao trânsito em julgado da decisão no processo 1422/19.9BENST, sob pena de tal conduzir a uma chocante violação de vários princípios e normas constitucionais destinados a assegurar a tutela jurisdicional efetiva e a prossecução do interesse público (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 268, n.º4 e 266.º, n.º1 da Constituição). Tal tornaria inútil a possibilidade de solicitar o levantamento do efeito suspensivo.

I. A manutenção do efeito suspensivo automático neste caso significa que, por mero efeito da estratégia processual adotada pelas Recorridas (que intentaram uma outra ação na pendência de causa prejudicial), estaria vedado à Recorrente o recurso a um incidente processual essencial à salvaguarda do interesse público (o levantamento do efeito suspensivo automático), o que consubstanciaria uma solução perversamente injusta e manifestamente contrária ao propósito da criação desse incidente.

J. Não existe qualquer fundamento legal para não conhecer o incidente – antes impondo a lei a decisão contrária -, tanto mais que não existe qualquer risco de contradição de julgados entre um e outro processo nesta matéria, nada impedindo ou prejudicando que o tribunal a quo conhecesse autonomamente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático.

K. Interpretar as normas da lei processual no sentido de que, neste contexto, o efeito suspensivo automático conservar-se-ia na pendência da suspensão da instância (com a inerente impossibilidade de a Recorrente obter o seu levantamento por via jurisdicional), implica inviabilizar a possibilidade de defesa e ponderação do interesse público, com óbvia violação das normas constitucionais que concretizam esse princípio da prossecução do interesse público e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 266.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição).

L. Mais significa uma violação do caráter (necessariamente) urgente (urgentíssimo) deste incidente, ao arrepio do estabelecido na lei.

M. Por fim, e em todo o caso, o despacho recorrido deveria ter obrigatoriamente ponderado se haveria fundadas razões para crer que o processo n.º 1422/19.9BESNT foi intentado unicamente para obter a suspensão ou se a causa do processo n.º 102/20.7BESNT estaria tão adiantada que os prejuízos da suspensão superariam as vantagens (artigo 272.º, n.º 2, do CPC).

N. Entendendo (não se sabe com que fundamento) que, no caso de suspensão da instância, a suspensão do ato e do contrato se mantinha e o incidente de levantamento desse efeito não poderia ser conhecida, a concretização dessa ponderação deveria levar a que não tivesse sido determinada a suspensão da instância, e isto porquanto já tinha decorrido a fase dos articulados no processo n.º 102/20.7BESNT e o incidente de levantamento do efeito suspensivo já se encontrava concluso para decisão, pelo que os prejuízos da suspensão superariam claramente as respetivas vantagens.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que, em virtude da suspensão da instância, reconheça que se deixou de produzir o efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA ou, caso assim não se entenda, sem prejuízo da suspensão da instância, seja apreciado o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, ou ainda, se assim não se entender, não obstante a existência de causa prejudicial, não ser ordenada a suspensão, por o incidente do levantamento do efeito suspensivo estar tão adiantado que os prejuízos da suspensão superam as vantagens.


*

A Contrainteressada, S.................., Lda., inconformada, interpôs também recurso jurisdicional contra a decisão recorrida, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

“1. Por despacho proferido nos presentes autos, determinou o Tribunal a quo que a acção que corre termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o número de processo 1422/19.9BESNT é prejudicial à acção que corre nos presentes autos.

2. Em consequência, determinou o Tribunal a quo a suspensão da instância nos presentes autos.

3. Não apreciando o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático requerido pelo R. Metro de Lisboa, cuja apreciação considerou «ficar prejudicada».

4. E mantendo o efeito suspensivo automático da acção que corre termos nos presentes autos.

5. Sucede, porém, que o Tribunal a quo determinou incorrectamente a suspensão da instância, sendo igualmente incorrecta e ilegal, na forma de omissão de pronúncia e de denegação de justiça, a não decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

6. De facto, o Tribunal a quo decidiu a suspensão da instância sem, porém, proceder a uma análise casuística e fundamentada de tal decisão.

7. Com efeito, nas contestações apresentadas, quer a Ré Metro de Lisboa quer a Contra-Interessada e aqui Recorrente S.................. pugnaram pela litispendência parcial da acção que corre nos presentes autos face à acção n.º 1422/19.9BESNT.

8. Porém, o Tribunal a quo limitou-se a reproduzir as alegações das partes para, depois, dar o salto (i)lógico para a causa prejudicial.

9. Na verdade, ao ser improcedente a acção n.º 1422/19.9BESNT, o Tribunal a quo terá de proferir uma decisão na acção a que se referem os presentes autos.

10. Porém, caso contrário, havendo procedência, ainda que parcial, da acção n.º 1422/19.9BESNT, apenas haverá lugar à inutilidade superveniente da lide nos presentes autos.

11. Pois, ainda que seja parcial a declaração de ilegalidade pretendida pelas Autoras, sempre serão destruídos todos os actos posteriores do procedimento.

12. Acresce que a suspensão da instância permite a prática dos actos que sejam urgentes para evitar dano irreparável (primeira parte do n.º 1 do art.º 275.º do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

13. Ora, o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos visa exactamente a ponderação dos danos que resultem da suspensão do acto impugnado.

14. Tal incidente de levantamento do efeito suspensivo automático foi requerido pela Ré Metro de Lisboa em data anterior à declaração pelo Tribunal a quo da suspensão da instância.

15. Sendo que na data em que o Tribunal a quo suspendeu a instância já dispunha de todos os elementos para proceder à decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

16. Assim, poderia e deveria o Tribunal a quo ter decidido o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

17. Não o fazendo também não é admissível que se considere que estando paralisados todos os efeitos da acção a que se referem os presentes autos, se mantenha um efeito extra-processual que se consubstancia na suspensão dos actos do procedimento pré-contratual.

18. De facto, a manutenção do “status quo”, na terminologia do despacho recorrido, apenas se pode interpretar no sentido de que seja mantida a factualidade previamente existente à presente acção.

19. Pois se o efeito suspensivo apenas existe perante a existência de uma acção judicial e cumpridos os pressupostos do art.º 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, carece de fundamento que sendo todos os efeitos processuais suspensos se mantenham efeitos extra-processuais do mesmo.

20. Ora, a manter-se o despacho recorrido que, repete-se, suspende a acção e não decide pelo levantamento do efeito suspensivo automático, estaremos na ilegal omissão de pronúncia e denegação de justiça.

21. Aliás, a decisão de manutenção do efeito suspensivo automático pelo Tribunal a quo desconsidera o facto de as Autoras terem requerido a adopção de medidas provisórias nos termos do art.º 103.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

22. Assim, o Tribunal a quo confirma que não se poderá pronunciar sobre a validade das normas que regem o procedimento concursal, mas avoca o poder de, de forma exclusiva, decidir sobre a manutenção do efeito suspensivo automático, o qual em caso algum pode ser alterado pelo Tribunal no processo n.º 1422/19.9BESNT.

23. Desta conjugação de decisões do Tribunal a quo resulta, de forma inegável, um desequilíbrio entre a protecção e tutela jurisdicional garantidos às Autoras, por um lado, e as restantes partes, por outro.

24. O levantamento do efeito suspensivo automático se enquadra, de forma clara e objectiva, no tipo de actos que o Tribunal a quo nos termos do n.º 1 do art.º 275.º do Código de Processo Civil pode validamente praticar.

25. Razão pela qual a decisão do Tribunal a quo nunca poderia ser a de declarar prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, ainda mais quando já estão carreadas para os autos todos os elementos de que depende tal apreciação (pedido de levantamento feito pela Ré Metro de Lisboa e resposta dos mesmos.

26. Ora, tendo o Venerando Tribunal ad quem todos os elementos necessários à decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, deverá o Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul proceder à decisão de tal incidente processual, julgando-o procedente.”.

Pede a procedência do recurso e, em consequência, que seja reconhecido que a suspensão da instância determina a suspensão de quaisquer efeitos automáticos decorrentes da ação e, consequentemente, a não produção do efeito suspensivo automático até decisão transitada em julgado no processo n.º 1422/19.9BESNT, revogando-se a decisão recorrida ou, se assim não se entender, ser revogada a decisão recorrida e ser julgado procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático ou, assim não se entendendo, ser revogada a decisão recorrida e serem os autos remetidos ao Tribunal a quo para decisão do incidente do levantamento do efeito suspensivo automático.


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A Contrainteressada, S.................., S.A.U., inconformada, veio igualmente interpor recurso da decisão recorrida, tendo concluído do seguinte modo:

A. O Tribunal a quo determinou, por despacho proferido nos presentes autos, do qual se recorre, que a ação que corre termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o número de processo 1422/19.9BESNT é causa prejudicial à ação que corre nos presentes autos, pelo que determinou a suspensão da instância.

B. Determinando a suspensão da instância absteve-se de apreciar o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, mantendo, pontanto, esse efeito suspensivo, sem a apreciação legalmente devida.

C. A suspensão da instância foi decretada incorretamente, com fundamento numa relação prejudicial inexistente, visto que nos presentes autos se verifica, sim, uma situação de litispendência, havendo identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, nos termos expostos.

D. A ação que corre termos nos presentes autos não está numa relação de dependência com a ação que corre termos sob o número de processo 1422/19.9BESNT, visto que a decisão da ação não afeta nem altera a decisão a que se referem os presentes autos, mas apenas determina a utilidade da sentença que vier a ser proferida nestes autos.

E. Por um lado, ao ser improcedente a ação principal do processo n.º 1422/19.9BESNT, o Tribunal a quo será chamado a proferir a decisão na ação a que se referem os presentes autos.

F. Por outro lado, ao ser procedente, ainda que parcial, a ação principal do processo n.º 1422/19.9BESNT, haverá lugar à inutilidade superveniente da lide que corre nos presentes autos.

G. A suspensão da instância incorretamente decretada configurou, na verdade, uma denegação de justiça, uma violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva.

H. Permitindo o artigo 275.º, n.º 1, do CPC a prática válida de atos urgentes que visem evitar dano irreparável, o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático pode ser validamente apreciado, pois visa uma ponderação do interesse público e dos interesses privados em presença suscetíveis de lesão pela manutenção do efeito suspensivo.

I. Não só o levantamento do efeito suspensivo foi requerido pelo Réu antes do Tribunal a quo decretar a suspensão da instância, como o Tribunal já dispunha de todos os elementos para a apreciação do incidente antes do decretamento.

J. A manutenção do despacho recorrido consubstancia a manutenção da suspensão da instância e não decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, que, portanto, perpetuará a violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva.

K. Mais, tal decisão de manutenção do efeito suspensivo automático não leva em conta o requerimento pelas AA. de adoção de medidas provisórias no processo 1422/19.9BESNT, nem o facto de o Tribunal no processo 1422/19.9BESNT não ter o poder para levantar o efeito suspensivo automático, o que resulta, novamente, numa violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva e até do princípio da igualdade das partes.

L. A decisão do incidente em nada ficou prejudicada (como refere o Tribunal a quo) com a decisão de suspensão da instância, pois este tem poder para decidir, nos termos do artigo 275.º, n.º 1, do CPC.

M. Ora, tendo o Venerando Tribunal ad quem todos os elementos necessários à decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, deverá o Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul proceder à decisão de tal incidente processual, julgando-o procedente.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e seja revogada a decisão recorrida, seja julgada procedente a exceção de litispendência parcial, com a consequente absolvição do Réu e das Contrainteressadas da instância e ser julgado procedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático ou, caso assim não se entenda, ser revogada a decisão recorrida e remetidos os autos para o Tribunal a quo decidir o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático.


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Notificadas as Autoras, ora Recorridas, as mesmas apresentaram contra-alegações em conjunto quanto aos três recursos, tendo formulado as seguintes conclusões, que ora se reproduzem:

“I. O Recurso vem interposto pelas Recorrentes do douto Despacho de 21.05.2020 que decretou a suspensão da instância por causa prejudicial, a requerimento da Recorrente Metro de Lisboa, tendo mantido o status quo processual, no sentido de manutenção da “suspensão dos procedimentos concursais (adjudicação e actos subsequentes)”, dizendo as presentes contra-alegações respeito aos três recursos interpostos.

II. Os presentes recursos são manifestamente improcedentes, devendo o Despacho recorrido confirmar-se, tal como interpretado pela respetiva aclaração, por não enfermar de quaisquer vícios, erros ou ilegalidades, antes ser a única aplicação conforme com o Direito.

III. Desde logo, alguns dos pedidos no recurso não podem ser atendidos, (i) por não ser possível recorrer de decisões favoráveis (e a suspensão da instancia foi requerida pelo Recorrente Metro de Lisboa), ou (ii) por não ser o momento próprio para decidir exceções, não sendo o despacho recorrido o despacho saneador ainda, devendo ser indeferidos.

IV. Depois, o pedido relativo à apreciação do levantamento do efeito suspensivo redundaria (i) numa violação das regras de processo (dar seguimento a um incidente numa ação suspensa), ou (ii) numa violação das regras de Direito substantivo (CPTA e Diretiva Recursos), (iii) ficando em causa a tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrada, pelo que tem de ser declarado improcedente.

V. Desde logo, processualmente, como incidente processual que é, o levantamento do efeito suspensivo automático depende da vida da ação principal, pelo que estando suspensa a instância fica impreterivelmente prejudicado o processamento do referido incidente nos próprios autos de contencioso pré-contratual, onde deve ser tramitado.

VI. Assim, estando suspensa a instância – que resulta duma opção processual unicamente imputável à ora Recorrente Metro de Lisboa que o requereu (sibi inputet) – está também suspenso o incidente.

VII. A decretada suspensão da instância, neste momento processual, suspende também o conhecimento do incidente, pelo que o Despacho recorrido e a respetiva aclaração estão corretos: o efeito suspensivo automático produziu-se ope legis, pelo que deve manter-se até ser retomada a instância.

VIII. Como o atual estado dos autos (status quo) é o efeito suspensivo automático do ato de adjudicação e do contrato, manter o status quo tem de significar manter esse efeito suspensivo automático, já que defender o contrário seria deturpar as palavras do Tribunal e violar a Lei nacional e as imposições do Direito Europeu!

IX. Neste momento, a única tutela de que as Recorridas dispõem para fazer valer os seus direitos é aquela concedida pelo efeito suspensivo automático conferido diretamente pela lei, derivado da propositura da presente ação, inexistindo qualquer alegada dupla tutela dos seus direitos.

X. A interpretação preconizada pelo Tribunal é a única com respaldo legal, já que o art. 103.º-A/1 atribui o efeito processual de suspender automaticamente os efeitos do contrato: “As ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação (…) fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.”

XI. Aliás, nos termos do CPTA, as Recorridas tinham o ónus de impugnar os documentos do concurso numa primeira instância durante a pendência do procedimento (até ao ato de adjudicação) e tinham sempre de impugnar autonomamente o seu ato de aplicação - o ato de adjudicação - assim o prescreve o art. 103.º/3 do CPTA.

XII. A corrida à assinatura do contrato - num sábado(!) - protagonizada pela Recorrente Metro de Lisboa, implica que estamos já perante um contrato assinado, pelo que a tutela efetiva das Recorridas se encontra já em perigo, constituindo o efeito suspensivo automático conferido ope legis a única garantia de salvaguarda dos interesses das Recorridas.

XIII. O CPTA não prevê qualquer forma de “interrupção” do efeito suspensivo automático, só podendo ocorrer o seu levantamento nos termos definidos da lei, pelo que a menção das Recorrentes a uma “interrupção do efeito suspensivo automático”, constitui uma verdadeira efabulação da Recorrente Metro de Lisboa, sem base legal.

XIV. Legitimar-se a requerida “interrupção do efeito suspensivo automático”, viola diretamente a aplicação da norma do CPTA que indica que o levantamento depende sempre de decisão judicial, pelo que, o efeito deve manter-se, pelo menos até à sua decisão.

XV. O Despacho recorrido, ao manter o efeito suspensivo automático como o status quo vigente, está simplesmente a reconhecer às Recorridas o direito que lhes assiste por mero efeito da lei, interno e europeu, dado que esse efeito não pode cessar por efeito do decretamento da suspensão da instância.

XVI. As garantias conferidas às Recorridas são concedidas também pelas disposições europeias constantes da Diretiva Recursos (Diretiva 89/655/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, tal como alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007) que impôs a existência de um efeito suspensivo automático quando o recurso incida sobre o ato de adjudicação (arts 2.º/3 e 4 da Diretiva), devendo obrigatoriamente o procedimento permanecer suspenso até que o órgão responsável pelo recurso, em primeira instância, decida sobre a manutenção ou o levantamento do efeito suspensivo (Considerando 12).

XVII. A pretendida interrupção do efeito suspensivo automático requerida pela Recorrente Metro de Lisboa conduziria à inevitável violação dessas disposições.

XVIII. Assim, apenas se pode interpretar a asserção do Tribunal em conformidade com a lei, ou seja, de que se mantém o status quo, no sentido de que se mantém o efeito suspensivo automático da presente ação.

XIX. Qualquer outra solução redundará na situação de plena execução do contrato (podendo o mesmo já estar findo) no momento em que o Tribunal se pronunciar, a final, sobre a questão, o que violará de forma grosseira a Diretiva Recursos e a sua transposição plena no CPTA.

XX. Resulta da Diretiva Recursos, muito claramente, que a vigência do efeito suspensivo automático só pode terminar com uma pronúncia de um órgão jurisdicional sobre a pretensão deduzida.

XXI. Pelo que, nos momentos processuais que antecedem essa pronúncia, o efeito suspensivo automático deve ser mantido continuadamente, sem intervalos.

XXII. O presente caso constitui, precisamente, a situação típica que a Diretiva Recursos pretendeu evitar, dado que a outorga apressada do contrato (sem a suspensão dos seus efeitos) torna praticamente irreversíveis os efeitos da adjudicação.

XXIII. A requerida “interrupção” do efeito suspensivo por mero efeito da decretada suspensão da instância, faria ainda com que os Princípios da Boa Fé, da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança - concretizadores do princípio do Estado de Direito expressamente consagrado no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa - fossem irremediavelmente violados, que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica.

XXIV. O efeito suspensivo automático corre também a favor do Tribunal, permitindo que este possa também dispor do tempo indispensável para apreciar a viabilidade do pedido, antes da celebração do contrato ou, no nosso caso, tendo o contrato já sido celebrado, da concretização de todos os seus efeitos jurídicos no ordenamento jurídico.

XXV. A enviesada interpretação das Recorrentes do douto Despacho recorrido, tenderá a postergar a tutela das Recorrentes e a tornar a utilidade da ação irremediavelmente prejudicada, o que constituiria o fim da garantia de acesso à Justiça, prevista no artigo 268.º da Constituição!

XXVI. Assim, o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva atualmente, está a ser garantido em toda a sua plenitude, o que ficaria comprometido com a revogação do despacho recorrido.

XXVII. A Recorrente Metro de Lisboa não sustentou devidamente o seu pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, talvez por isso queira agora retirar a consequência pretendida através da suspensão da instância atalhando caminho, num manifesto entorse à lei, tentando obter por via processual o que não obteve pela lei.

XXVIII. Com efeito, a alegação da Ré, para além de ser genérica, fundamentou-se num interesse público económico não atendível dado que se baseia no atraso da execução do contrato – custo que, de acordo com a Diretiva Recursos não é invocável nesta sede (cfr. art. 2.º-D/3 e Considerando 24).

XXIX. Além de tudo o referido, não podemos esquecer que estamos perante ações urgentes, objeto de decisões eficazes e, sobretudo, céleres.

XXX. Ora, decaindo o efeito suspensivo automático por mero efeito do decretamento da suspensão da instância, o incentivo será para as Recorrentes precipitarem a execução do contrato, frustrando, assim a tutela judicial das Recorridas ilegalmente preteridas, pelo que não pode interpretar-se diversamente as normas em causa, nem o douto Despacho recorrido, por tal implicar a violação do Direito Europeu, o que sempre exigiria a intervenção do TJUE para verificar da harmonização do direito europeu em todos os estados membros!

XXXI. O entendimento das Recorrentes é, portanto, flagrantemente incompatível com a teleologia do art. 103.º-A do CPTA e da Diretiva Recursos.

XXXII. Perante o exposto, deve manter-se a interpretação do Despacho recorrido no sentido em que manter o status quo é manter o efeito suspensivo automático, por ser a única interpretação compatível/conforme com o Direito Europeu!”.

Pede que seja negado provimento aos recursos, mantendo-se a decisão recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.


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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelas Recorrentes são, em suma, as seguintes, em relação a cada um dos recursos:

A. Recurso da Entidade Demandada

1. Erro de julgamento de direito quanto a suspensão da instância conduzir à manutenção do efeito suspensivo do ato e do contrato e ao não conhecimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo, por antes dever determinar a interrupção do efeito suspensivo automático, segundo os artigos 103.º-A e 103.º-B do CPTA e 272.º do CPC, mantendo-se o status quo anterior à propositura da ação;

Se assim não se entender,

2. Erro de julgamento quanto à decisão sobre o incidente do levantamento do efeito suspensivo ficar prejudicada – e o ato e o contrato ficarem suspensos – sob pena de violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 268.º, n.º 4 e 266.º, n.º 1, da CRP, tornando inútil este incidente;

3. Erro de julgamento, por não ter sido ponderado se o processo foi unicamente intentado para obter a suspensão e se a presente causa está tão adiantada que os prejuízos da suspensão superam as vantagens, segundo o artigo 272.º, n.º 2 do CPC, devendo ser feita essa ponderação.

B. Recurso da Contrainteressada, S.................., Lda.

1. Erro de julgamento quanto à suspensão da instância e quanto à omissão de pronúncia quanto ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, pois tendo sido invocada nas contestações a litispendência parcial da ação em relação à ação do processo n.º 1422/19.9BESNT, o Tribunal a quo passou a entender existir uma causa prejudicial, sem cuidar de atender que a suspensão da instância permite a prática dos atos que sejam urgentes para evitar dano reparável, segundo o artigo 275.º, n.º 1 do CPC, tendo o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103.º-A do CPTA em vista a ponderação dos danos que resultam da suspensão do ato, devendo o tribunal ter decidido tal incidente.

C. Recurso da Contrainteressada, S.................., S.A.U

1. Erro de julgamento quanto à decisão de não conhecimento do incidente do levantamento do efeito suspensivo automático, por inexistência de relação prejudicial, antes existindo uma situação de litispendência, incorrendo em denegação de justiça e violação do direito de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva, permitindo o artigo 275.º, n.º 1 do CPC a pratica de atos urgentes.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo não procedeu ao julgamento da matéria de facto.

DE DIREITO

Importa entrar na análise dos fundamentos dos três recursos jurisdicionais.

Proceder-se-á à sua análise conjunta, porquanto, embora sob uma argumentação de direito não inteiramente coincidente, todas as Recorrentes pretendem o mesmo efeito jurídico, de revogação da decisão recorrida na parte em que julgou prejudicado o conhecimento e decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, por entenderem que o mesmo não fica afetado pela decisão de suspensão da instância.

Em rigor, não se mostra impugnada por qualquer das Recorrentes a decisão recorrida na parte em que declarou suspensa a instância, por nenhuma vir pedir a sua revogação, com o consequente prosseguimento da presente ação, o que é manifesto na alegação da Entidade Demandada, de que, “não discorda prima facie do sentido da decisão que suspendeu a instância” (artigo 2.º da alegação de recurso), mas também das Contrainteressadas, na alegação de que não se conformam com a decisão quanto à não apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático (ponto I, 5.º parágrafo, da alegação da Contrainteressada, S.................. e pontos 7. e seguintes da alegação da Contrainteressada, S..................).

Assim, extrai-se dos fundamentos dos recursos interpostos que vêm as Recorrentes insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos efeitos extraídos da decisão de suspensão da instância, porque, ao contrário do decidido, entendem que a referida suspensão não acarreta a manutenção do efeito suspensivo automático, como mera consequência da instauração da ação de contencioso pré-contratual, devendo antes conduzir ou ao levantamento do efeito suspensivo ou ao conhecimento e decisão do incidente deduzido.

Tendo presente a presente configuração do objeto dos recursos interpostos, vejamos do invocado erro de julgamento.

Erro de julgamento quanto à decisão de não conhecimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático

Consiste o segmento da decisão proferida pelo Tribunal a quo, ora recorrida, a que decidiu que “Com o Despacho agora proferido, fica prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, mantendo-se o status quo.”.

Na sequência da decisão de suspensão da instância, por existência de causa prejudicial, decorrente da pendência dos autos a que se refere o processo n.º 1422/19.9BESNT, decidiu o Tribunal a quo julgar prejudicado o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático.

Afim de decidir sobre o fundamento dos recursos, importa, antes de mais, atender ao objeto da presente ação de contencioso pré-contratual, assim como ao objeto da anterior ação instaurada, sob o processo n.º 1422/19.9BESNT.

Como resulta do teor da decisão impugnada quanto à configuração de cada uma das ações:

As AA intentaram a acção nº 1422/19.9 BESNT, contra o Metropolitano de Lisboa, as mesmas contra interessadas dos presentes autos e mais três outras, pedindo o seguinte:

(…) Termos em que, face ao exposto, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, determinando-se:

a) a declaração de ilegalidade das seguintes normas do Caderno de Encargos:

i) a cl. 3.ª/1, al. c), subal. i), ii), e iii) do CE;

ii) a cl. 3.ª/6, pontos 4, 5 e 6 do CE;

iii) as cl. 1.1.4, 1.1.5 e 2.1 do Anexo II, Vol I, do CE;

iv) as cl. 1.1.2.2., 1.1.2.3. e 1.1.2.4 do Anexo II, Volume III, do CE; e

v) a cl. 1.9.1 do Anexo II, Volume III, do CE

b) a condenação da R. na correção do CE de forma a torná-lo de acordo com o CCP;

c) a anulação de todos os atos do procedimento praticados desde o convite para apresentação de proposta;

d) a declaração de invalidade dos atos subsequentes eventualmente praticados; e

e) a condenação da R. a dar novo prazo para a apresentação de propostas de acordo com as novas regras do CE revisto;

Sendo certo que a impugnação de normas do Caderno de Encargos a que se refere a acção diz respeito ao concurso designado no artº 1º da p.i., nos termos seguintes:

“A presente ação visa a declaração de ilegalidade de normas do Caderno de Encargos (“CE”) do Concurso Limitado por Prévia Qualificação n.º 098/2018-DLO-ML para Aquisição de Material Circulante e de Sistema de Controlo Automático dos Comboios para a Rede do Metropolitano de Lisboa (“Concurso”), com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas que constam desse documento (cfr. Docs. n.º 1, 2, 3, 4 e 5, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais)”.

Mais pediu a adopção de medidas provisórias, nos termos do artº 103ºB do CPTA (cf. fls. 946 v- e ss. dos presentes autos).

Conforme consulta no sitaf, constata-se que esta acção entrou neste Tribunal a 20/12/2019.


*

Nos presentes autos, as AA interpuseram a presente acção contra o Metropolitano de Lisboa e as Contra Interessadas S.................. e S.................., visando a impugnação do acto de adjudicação conforme o artº 1º da p.i., nos termos seguintes:

“A presente ação de contencioso pré-contratual visa a impugnação do ato de adjudicação às Contrainteressadas S.................., S.A.U. e S.................. Unipessoal, Lda. (“Contrainteressada” ou “S................../S..................”) emitido no âmbito do Concurso Limitado por Prévia Qualificação n.º 098/2018-DLO-ML para Aquisição de Material Circulante e de Sistema de Controlo Automático dos Comboios para a Rede do Metropolitano de Lisboa (“Concurso”), notificado à A. em 24.01.2020, através da sua disponibilização na plataforma eletrónica “Saphety”, utilizada pela Ré, entidade adjudicante (cfr. Docs. n.º 1 e 2 que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais)”.

E pediram o seguinte:

“Termos em que, face ao exposto, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, determinando-se que:

a) Seja declarado nulo ou anulado o ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada S................../S.................. praticado em 24.01.2020, nos termos e pelos fundamentos expostos;

b) Seja anulado um eventual contrato que tenha já sido ilegalmente celebrado na sequência deste procedimento, com os mesmos fundamentos;

e, em qualquer dos casos,

c) Seja a Ré condenada a praticar todos os atos necessários à reposição da legalidade do procedimento pré-contratual em causa, designadamente, excluindo a proposta da Contrainteressada S................../S.................. e adjudicando às AA. o presente procedimento pré- contratual,

Ou, subsidiariamente, conforme pedido em ação autónoma cuja apensação aqui também se requer,

d) a condenação da R. na correção do CE de forma a torná-lo de acordo com o CCP;

e) a anulação de todos os atos do procedimento praticados desde o convite para apresentação de proposta;

f) a declaração de invalidade dos atos subsequentes eventualmente praticados; e

g) a condenação da R. a dar novo prazo para a apresentação de propostas de acordo com as novas regras do CE revisto;

(…)

Mais se requer, que a Ré seja citada com advertência para o disposto no n.º 1 do art. 103.º-A do CPTA, para se abster de dar seguimento ao procedimento ou execução a eventual contrato já celebrado.

Requer-se ainda, a apensação ao processo n.º 1422/19.9BESNT que corre os seus termos neste Tribunal na Unidade Orgânica 3”.

A presente acção entrou neste Tribunal em 1/02/2020.”.

Tal configuração dada na decisão recorrida a ambas as ações não se mostra impugnada em qualquer dos recursos interpostos.

Pelo que, mostra-se incontrovertido que ambas as ações respeitam ao mesmo procedimento pré-contratual (Concurso limitado por prévia qualificação n.º 098/2018-DLO-ML, para aquisição de material circulante e de sistema de controlo automático dos comboios para a rede do Metropolitano de Lisboa), no âmbito do qual, são as mesmas as partes.

A tal não obsta de, na primeira ação, considerando o seu objeto – referente à impugnação das peças do procedimento – terem sido demandadas todas as concorrentes que apresentaram proposta e, na presente ação, em que é impugnado o ato de adjudicação e o contrato que haja sido celebrado, apenas as respetivas partes beneficiárias do ato e outorgantes do respetivo contrato.

Por outro lado, mostra-se relevante de, logo na primeira ação, as Autoras terem formulado nas alíneas c) e d) do pedido, “a anulação de todos os atos do procedimento praticados desde o convite para apresentação de proposta” e “a declaração de invalidade dos atos subsequentes eventualmente praticados”.

O que implica que no caso de procedência do pedido de declaração de ilegalidade das normas impugnadas do Caderno de Encargos, não possa o juiz da primeira ação deixar de conhecer da ilegalidade dos atos consequentes, nos exatos termos peticionados pelas Autoras.

Também se mostra relevante que as mesmas Autoras, na segunda ação instaurada, requereram a sua apensação à primeira ação.

Não constando dos presentes autos – que configuram um recurso autónomo da ação de contencioso pré-contratual, adotando o processo n.º 102/20.7BESNT-S1 –, quaisquer elementos que permitam conhecer se o pedido de apensação foi apreciado e em que sentido, afigura-se, no entanto, manifesto que a requerida apensação não ocorreu.

No entanto, por estar em causa em ambas as causas, a apreciação do mesmo litígio, essa apensação devia ter ocorrido.

Sendo o mesmo o litígio em presença, emergente da atuação imputável à mesma Entidade Demandada, no âmbito do mesmo procedimento pré-contratual, decorrente da instauração de duas ações instauradas pelos mesmos sujeitos, deveriam as Autoras ter requerido a ampliação do objeto da primeira ação, trazendo a juízo a prática dos atos supervenientes, decorrentes da prática do ato de adjudicação e da celebração do contrato, implicando que todo o litígio fosse apreciado na mesma ação, tal como prescreve o disposto no artigo 102.º, n.º 4 do CPTA.

O que foi olvidado não apenas pelas partes, como pelo Tribunal a quo.

Não tendo as Autoras requerido a ampliação do objeto da causa e vindo instaurar ação autónoma, pelo menos, deveria a segunda ação ter sido apensada à primeira, tal como, de resto, foi requerido pelas Autoras.

Por conseguinte, a situação configurada na presente ação é totalmente anómala, em desvio do prescrito na lei processual administrativa.

Assim, desconhecendo-se o estado em que se encontra a primeira ação, a que respeita o processo n.º 1422/19.9BESNT, por tal factualidade não ser alegada nos recursos interpostos, nem nos presentes recursos ter sido requerida a apensação das ações, tal decisão encontra-se subtraída do âmbito do conhecimento do presente tribunal de recurso.

De modo que, atento os fundamentos dos recursos interpostos, apenas resta decidir do acerto da decisão recorrida quanto a julgar prejudicada a decisão sobre o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático com fundamento na suspensão da instância, por existência de causa prejudicial.

Aqui chegados, de imediato se impõe tomar posição de que assiste razão às Recorrentes na parte em que defendem proceder o erro de julgamento de direito quanto à decisão de prejudicialidade da apreciação e decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, deduzido nos termos do artigo 103.º-A do CPTA.

Como decorre do supra enunciado a respeito dos pedidos formulados pelas Autoras nas alíneas c) e d) na ação que corre termos sob o processo n.º 1422/19.9BESNT, nessa ação não só foi pedida a declaração de ilegalidade de normas do caderno de encargos, como a anulação de todos os atos do procedimento praticados desde o convite para a apresentação da proposta e ainda, a declaração de invalidade dos atos subsequentes entretanto praticados.

O que significa que todos os atos praticados no âmbito do procedimento pré-contratual em momento posterior ao envio do convite para apresentação de proposta foram impugnados no âmbito da primeira ação de contencioso pré-contratual, ainda que como atos consequentes.

Assim sendo, quando na segunda ação instaurada as Autoras vêm peticionar o mesmo efeito jurídico, de impugnação do ato de adjudicação às Contrainteressadas e do contrato que eventualmente tenha sido celebrado, vêm solicitar pretensão jurisdicional que anteriormente já fora peticionada em juízo.

Apenas assim não será na parte em que as Autoras venham invocar fundamentos de ilegalidade próprios do ato de adjudicação e do contrato celebrado, por isso, na parte em que consistam em fundamentos novos e não anteriormente alegados na primeira ação, relativa à impugnação das peças do procedimento.

O que determina que, existindo, pelo menos, coincidência parcial quanto aos elementos objetivos e subjetivos da causa, sendo os mesmos os sujeitos, assim como o pedido formulado, se verifica a exceção de litispendência, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4, l) do CPTA, aplicável ex vi artigo 102.º, n.º 1 do CPTA, que impede que o Tribunal da segunda causa, respeitante ao processo 102/20.7BESNT, de que a presente instância de recurso constitui um apenso, decida sobre os termos da causa.

Em consequência, enferma de erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, com base na suspensão da instância, por existência de causa prejudicial, por esta ser inexistente e antes se verificar a exceção de litispendência, pelo menos, parcial.

Não se verificando o pressuposto de direito em que se fundou a decisão recorrida, quanto à existência de uma causa prejudicial que determine a suspensão da instância, enferma de erro de julgamento de direito a decisão recorrida na parte em que julgou prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

Acresce que este incidente foi deduzido previamente à decisão que declarou a suspensão da instância, além de revestir natureza urgente e claramente com conteúdo ou finalidade cautelar, como decorre do disposto do artigo 103.º-A do CPTA, pelo que, decidir pela sua prejudicialidade, seria retirar-lhe qualquer efeito útil.

Sendo declarada a suspensão da instância da ação de contencioso pré-contratual, a qual se mantém, não existem fundamentos para julgar prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, formulado nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, por se tratar de matéria que pela sua natureza urgente e cautelar, determinaria que a sua utilidade ficasse irremediavelmente afetada.

Além disso, a natureza verdadeiramente incidental da matéria em causa, configurada processualmente como um incidente da instância da ação de contencioso pré-contratual, tem como consequência a aplicação do regime dos incidentes da instância, previstos nos artigos 292.º a 295.º do CPC, com a relevância de ter a estrutura de uma causa – Ana Celeste Carvalho, “Aspectos Processuais da ação de contencioso pré-contratual e dos seus incidentes, à luz do CPTA e do CCP revistos”, Revista de Direito Administrativo, n.º 1, janeiro-abril 2018, pp. 43.

Tal acarreta que requerido o levantamento do efeito suspensivo se preveja o contraditório do impugnante, seguido da decisão do juiz, em decisão autónoma em relação à decisão da causa principal, sem prejuízo das regras de alegação e de prova, incluindo, sendo caso disso, a produção dos meios de prova.

Releva ainda o disposto no artigo 275.º, n.º 1 do CPC, ao viabilizar a prática de atos urgentes destinados a evitar dano irreparável no âmbito da causa que se encontre suspensa, como se pode configurar o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103.º-A do CPTA.

Além de que, para além do exposto, nada obstava que o Tribunal a quo tivesse apreciado previamente tal incidente.

Por outro lado, segundo o disposto no artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, sendo este incidente deduzido na pendência da ação de contencioso pré-contratual que tenha por objeto a impugnação do ato de adjudicação, considerando os termos como foram configuradas cada uma das ações, sendo que apenas na segunda ação foi impugnado autonomamente o ato de adjudicação (e não como mero ato consequente, em relação à impugnação das peças do procedimento, como no âmbito da primeira ação), não poderia o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático ter sido deduzido na primeira ação.

O que acarreta que, segundo o objeto de cada uma das ações, apenas na segunda ação de contencioso pré-contratual, podem as Autoras formular a pretensão a que se reporta o disposto no artigo 103.º-A do CPTA, por ser nesta que se mostra impugnado autonomamente o ato de adjudicação.

A tal não obsta que no âmbito da primeira ação tenha sido deduzido o incidente previsto no artigo 103.º-B do CPTA, vocacionado para as ações em que não se aplique o efeito suspensivo automático (ou o mesmo tenha sido levantado), considerando a diferenciação dos objetos de cada uma das ações.

A instauração das duas ações de contencioso pré-contratual pelas Autoras ou, com maior precisão, a formulação das pretensões concretamente deduzidas em cada uma das ações, redundam numa situação de cumulação real de pretensões, em que as Autoras pretendem uma pronúncia jurisdicional quer sobre a legalidade das normas impugnadas, quer sobre o ato de adjudicação praticado e o contrato celebrado.

O que legitima a dedução do incidente previsto no artigo 103.º-A do CPTA e, consequentemente, o seu dever de apreciação por parte do Tribunal a quo, o mesmo não ficando prejudicado pela decisão de suspensão da instância proferida, cujo fundamento não é aquele que foi afirmado pelo Tribunal a quo, mas cuja decisão se mantém, por não ser impugnada.

Assim, não só falham os pressupostos de direito em que o Tribunal a quo assentou a decisão de não apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, por não existir uma causa prejudicial, mas antes uma situação de litispendência, pelo menos, parcial, entre as duas causas, como, ainda que assim não fosse, nenhuns motivos existem que impeçam o conhecimento e decisão sobre a matéria do incidente.

De resto, o Tribunal a quo não invocou quaisquer motivos, limitando-se a expressar a prejudicialidade da apreciação do incidente previsto no artigo 103.º-A do CPTA com fundamento na suspensão da instância, olvidando em absoluto a natureza incidental da matéria em causa, que exige o proferimento de uma decisão autónoma em relação à ação de contencioso pré-contratual.

O que determina que, ao contrário do decidido, o referido incidente de levantamento do efeito suspensivo automático deva ser apreciado e decidido e o seu conhecimento não se encontre prejudicado.

Nos demais, (i) por ausência do julgamento da matéria de facto na decisão recorrida, (ii) por ausência da alegação de elementos de facto nas alegações de recurso e, ainda (iii) por não constar no presente processo, enquanto recurso autónomo, quaisquer articulados das partes (petição inicial, contestações, requerimento de incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, nem qualquer resposta), não dispõe este Tribunal de recurso dos elementos de facto necessários e indispensáveis que o habilitem a conhecer e decidir em substituição do Tribunal a quo.

Por conseguinte, em face de todo o exposto, deve ser ordenada a baixa dos autos, para que o Tribunal recorrido aprecie e decida do incidente formulado nos termos do disposto no artigo 103.º-A do CPTA, anteriormente julgado prejudicado e, sendo ainda possível, promover a apensação do processo ao primeiro que foi instaurado.


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Em suma, será de conceder provimento aos recursos interportos pelas Recorrentes, por provados os seus fundamentos, o que implica a revogação da decisão recorrida e a consequente baixa dos autos para ser proferida decisão sobre o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático e, sendo ainda possível, promover a apensação do processo ao primeiro que foi instaurado.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Sendo praticado o ato de adjudicação e celebrado o contrato na pendência da ação de contencioso pré-contratual já instaurada, tendo por objeto a declaração de ilegalidade das peças do procedimento, deviam as Autoras ter promovido a ampliação do objeto da causa, nos termos do artigo 102.º, n.º 4 do CPTA, implicando que todo o litígio fosse apreciado na mesma ação.

II. Não tendo as Autoras requerido a ampliação do objeto da causa e vindo instaurar ação autónoma, deveria a segunda ação de contencioso pré-contratual ter sido apensada à primeira, tal como foi requerido.

III. Sendo declarada a suspensão da instância da ação de contencioso pré-contratual, não existem fundamentos para julgar prejudicada a apreciação do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, formulado nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, por se tratar de matéria que reveste natureza urgente e claramente com conteúdo ou finalidade cautelar, cuja utilidade ficaria irremediavelmente afetada, além de a isso não obstar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 275.º, n.º 1 do CPC, ao viabilizar a prática de atos urgentes destinados a evitar dano irreparável.

IV. Além de que está em causa matéria de natureza incidental, que exige o proferimento de uma decisão autónoma em relação à ação de contencioso pré-contratual.

V. Acresce o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, apenas poder ser deduzido na pendência da ação de contencioso pré-contratual que tenha por objeto a impugnação do ato de adjudicação.

VI. A tal não obsta que no âmbito da primeira ação tenha sido deduzido o incidente previsto no artigo 103.º-B do CPTA, vocacionado para as ações em que não se aplique o efeito suspensivo automático (ou o mesmo tenha sido levantado), considerando a diferenciação dos objetos de cada uma das ações.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento aos recursos interpostos pelas Recorrentes e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando a baixa dos autos para ser proferida decisão sobre o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático e, sendo ainda possível, promover a apensação do processo ao primeiro que foi instaurado.

Custas pelas Autoras, ora Recorridas.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)