Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:116/22.2 BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:06/29/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
HÓQUEI EM PATINS.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
INDEFERIMENTO LIMINAR.
Sumário:I) É excluída da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto e, portanto, também do âmbito da competência deste TCA Sul, por ser exclusiva das federações desportivas, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (cfr. art. 4º n.º 6, da Lei do TAD).

II) Não pode ser conhecido pelo TCA a alegada errada exibição de um cartão vermelho pelo árbitro do jogo, circunstância que esteve na origem da sanção de suspensão aplicada ao Requerente.

III) Não se verificando o preenchimento do pressuposto do fumus boni juris, tem a providência que ser indeferida.

Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão
(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

O Sport Lisboa e Benfica, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 28.06.2022, contra a FEDERAÇÃO DE PATINAGEM DE PORTUGAL (também, FPP) uma acção de impugnação de acto administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, pedindo que seja “julgado procedente o presente pedido de suspensão da aplicação imediata da sanção e decretada a peticionada suspensão da decisão em causa”, relativamente à decisão proferida em reunião do Conselho Disciplinar da Requerida de 27.06.2022, contra o seu jogador de hóquei em patins, --------------------------, que lhe aplicou uma medida disciplinar “de dois jogos oficiais de suspensão”, por referência ao artigo 125º, conjugado com os artigos 36º 2.22, nº42 1, 42 2.2.1, 42 2.2. e 42 2.2.3, todos do Regulamento de Justiça e Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal, decisão conclusiva de processo disciplinar sumário.

Juntou 4 documentos com o r.i., procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Para fundamentar a sua pretensão, alega o Requerente, designadamente, que:


“(…) 1º

No decurso do jogo disputado com o …………… no ……….., no dia ……., e na sequência de uma disputa de bola com o jogador da equipa adversária, ………., o nosso jogador ………… foi admoestado com o cartão azul - o mesmo tendo sucedido ao outro jogador.

2.°

Após a amostragem do citado cartão azul o …………….. dirigiu-se para o seu banco de suplentes, a fim de cumprir a suspensão consequente da amostragem do citado cartão, tendo saído do recinto de jogo

3.º

Nesse momento o mesmo árbitro que o tinha sancionado com o citado cartão azul dirigiu-se na sua direcção, em grande corrida, e exibiu-lhe o cartão vermelho, sendo certo que o jogador já se encontrava fora do recinto de jogo, na zona do banco de suplentes da sua equipa - tudo conforme o comprovam as imagens dos vídeos que se juntam, extraída da transmissão oficial televisiva do jogo em causa.

4.°

Terá afirmado o árbitro no seu relatório, conforme se conclui pelo enquadramento regulamentar constante da decisão do Conselho de Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal, que o jogador terá usado expressões ou gestos grosseiros ou impróprios e/ou incorrectos.

5.°

Conforme se comprova pelas imagens juntas e que poderão ser confirmadas pela visualização integral do jogo, se assim for entendido por esse Tribunal, e que também se comprovará pela prova testemunhal que se fará, o jogador não proferiu quaisquer expressões grosseiras ou impróprias ou fez quaisquer gestos grosseiros, impróprios ou incorrectos.

6.°

São, deste modo, totalmente falsas as imputações que lhe são feitas no relatório do árbitro.

Aliás,


7.°

Conforme o comprovam as imagens televisivas o árbitro, somente quando o …………… estava já fora do recinto de jogo, é que “desatou a correr” na sua direcção para lhe exibir o referido cartão vermelho,

8.°

Quando é certo que o jogador nada fez ou disse enquanto saía e evidentemente nada terá dito junto do árbitro, pois, se tal tivesse sucedido, este ter-lhe-ia mostrado, de imediato, o cartão vermelho e não o deixava sair do recinto de jogo para ir a correr atrás dele, a fim de o exibir.

9.°

A sanção aplicada ao jogador ………….. — cartão vermelho — não tem qualquer justificação disciplinar, apenas baseada na suposição do árbitro em questão de ter ouvido ou visto gestos ou expressões grosseiros, impróprios ou incorrectos. [sublinhado nosso]

10.°

E não pode deixar de se afirmar que nunca o árbitro poderia ter ouvido quaisquer expressões daquele tipo, tal o barulho e os protestos do público, maioritariamente ou exclusivamente afecto ao Benfica, perante a exibição do cartão azul ao seu jogador na sequência de uma jogada com um jogador adversário (além de que não foram proferidas).

11.°

E o mesmo pode dizer-se dos gestos tal a confusão subsequente à marcação da falta e à exibição dos cartões azuis aos jogadores das duas equipas, com jogadores de ambas a rodearem os árbitros e com o ………….. a afastar-se (além de que não fez os tais referidos gestos, repete-se).

(…)


15º

O …………., não obstante a sua surpresa por lhe ter sido exibido o cartão azul, afastou-se do árbitro e dirigiu-se ordeiramente para o banco de suplentes da sua equipa, tendo saído mesmo do recinto de jogo.

16.°

O ……………. foi punido com o cartão vermelho quando já se encontrava fora do recinto do jogo, no banco de suplentes. [sublinhado nosso]

17.°

Essa punição foi totalmente incorrecta, conforme se expôs supra e as imagens o comprovam, para além da prova testemunhal que se propõe fazer. [idem]


18.°

A sanção de dois jogos de suspensão (ou de um que fosse) é manifestamente injusta e disciplinarmente incorrecta, sendo de impossível reparação, uma vez que o Campeonato Nacional em causa terminará na próxima 4.ª feira, dia 29/06/2022, com a disputa do 5° e derradeiros de apuramento do campeão da época de 2021/2022, conforme se comprova pelo documento anexo - email da FPP relativo à transmissão televisiva do jogo em causa.

19°

A ausência neste jogo de um jogador com a qualidade técnica e craveira internacional do …………… limita significativamente a equipa do ……………….., limitando, irremediavelmente, também as possibilidades de conquista do campeonato.

(…)


21.°

Por outro lado, o prejuízo causado, não só ao Clube, mas também à modalidade pela ausência de um jogador com a referida qualidade técnica, é incomensuravelmente maior do que o cumprimento dos jogos de castigo, sendo certo, ainda que o jogador tem um percurso disciplinar exemplar, conforme decorre do seu próprio cadastro disciplinar.

22.°

O cumprimento do castigo gerará lesão grave e de impossível reparação, quer para o Benfica, quer, como se sublinhou, para a própria modalidade.

(…).”

Mais sustenta a nulidade da acusação, por ausência de pronúncia sobre a defesa apresentada.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 28.06.2022, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

No presente caso, verifica-se ser expectável a impossibilidade de constituição do colégio arbitral. Entre a instauração da providência cautelar no TAD em 27.08.2022 e o jogo em que o Requerente pretende que o jogador participe - 29.08.2022, às 20:00 horas – medeia um curtíssimo espaço temporal, no decurso do qual não se mostrará possível, ou pelo menos isso vem no caso afirmado, a constituição do colégio arbitral junto do TAD.

Assim, entende-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul; ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD).



IV. Da instância, competência e valor da causa

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Vejamos se existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Sustenta o Requerente, como se viu, que lhe foi aplicada uma sanção disciplinar de dois jogos oficiais de suspensão, na sequência de uma errada exibição de um cartão vermelho pelo árbitro do jogo.

Tanto assim é que vem impugnar para todos os devidos e legais efeitos, por não corresponder à verdade, a decisão do Conselho Disciplinar da Requerida de 27.06.2022, que afirma peremptoriamente, quando aprecia o Relatório do Jogo – …….., entre as equipas do ………… e o …….. /…. – Play Off do Campeonato Nacional da 1ª Divisão, Época 2021/2022, disputado no passado dia 25 do corrente mês, que o jogador ………………… “ uso[u] de expressões e gesto grosseiro, impróprio [tendo sido punido com] vermelho direto ()”. Como resulta da causa de pedir que sustenta o pedido formulado, é o acerto e/ou adequação da exibição do cartão vermelho que está em causa e constitui a génese da sanção posteriormente aplicada, tal como evidenciámos nos sublinhados supra.

Ora, certo é que é excluída da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto e, portanto, também do âmbito da competência deste TCA Sul, por ser exclusiva das federações desportivas, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (cfr. art. 4º n.º 6, da Lei do TAD).

Foi isso mesmo que se decidiu no acórdão deste TCA Sul de 18.11.2021, proc. n.º 108/21.9BCLSB, que aqui se reproduz na sua parte relevante e cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável:

“(…)

Como se lê no acórdão em crise “Temos assim, no âmbito desta arbitragem necessária, e no que respeita aos recursos das deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas, erigido um sistema de delimitação recíproca de competências necessárias e exclusivas entre o TAD e os conselhos de justiça (ou equivalentes) das federações desportivas, que assim pode enunciar-se:

a) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para o TAD, se não estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; e, naturalmente, como se viu já, sem prejuízo da impugnação administrativa necessária que efetivamente se imponha a montante do recurso para o TAD;

b) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para os conselhos de justiça (ou equivalentes), se estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; (…)”

Em conformidade, dispõe o artigo 287.º do RDLPFP, sob a epígrafe “Formas de recurso”, que: “ 1 – As decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, são impugnáveis apenas por via de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto.

2 – Sem embargo do disposto no número anterior do presente artigo, as decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, respeitantes a matérias estritamente desportivas são apenas impugnáveis por via de recurso para o Conselho de Justiça. (…)”

Da mesma forma, dispõe o n.º 1 do artigo 44.º do regime jurídico das federações desportivas, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23.06, que “Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”

Assim, o TAD é incompetente para conhecer do recurso de decisões que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, sendo as mesmas recorríveis para o órgão de justiça das respectivas federações desportivas.

Donde, o presente litígio centra-se na interpretação a dar ao disposto no nº 6 do artigo 4º da Lei do TAD e em saber se o caso em apreço se subsume ou não na sua previsão.

O que são, pois, “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”?

Para dar resposta a esta pergunta, mostra-se útil chamar à colação os diplomas que anteriormente regularam esta temática.

A antiga Lei de Bases do Sistema Desportivo – a Lei n.º 1/90, de 13.01 -, dispõe no nº 2 do artigo 25º que “As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar não são impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.”

Aquela lei foi revogada pela Lei de Bases do Desporto – a Lei nº 30/2004 de 20.07- que, no seu artigo 47º, epigrafado “Questões estritamente desportivas”, preceitua que “Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.” (nº 1). E esclarece que são questões estritamente desportivas “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.” (nº 2); sendo que nestas não “estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.”

Por sua vez, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – a Lei n.º 5/2007, de 16.01 -, estabelece, no seu artigo 18º (revogado pela alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 74/2013, de 06.09), o seguinte:

“(…)

2 – Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

3 – São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas competições.

4 – Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.

5 – Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.

A expressão “questões estritamente desportivas” que mais não é do que um conceito indeterminado, está amplamente tratada na jurisprudência e na doutrina.

António Bernardino Peixoto Madureira e Luís César Rodrigues Teixeira consideram como questões estritamente desportivas “as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, ou seja, aquelas questões que tenham surgido durante a prática de uma competição e que, portanto, estejam relacionadas com o seu desenvolvimento, quer no seu aspecto técnico quer no aspecto disciplinar. Questões de facto, serão, por exemplo, aquelas que têm a ver com o apuramento de que se determinado jogador rasteirou ou não outro, se determinada bola ultrapassou ou não a linha da baliza, se determinado jogador agrediu ou não outro, etc. Questões em relação às quais o árbitro é soberano (…). Questões de direito são as que contendem com a aplicação das leis do jogo aos factos apurados. São questões relacionadas com os chamados erros de arbitragem …”. - in Futebol - Guia Jurídico, Almedina, 2001, fls. 1602.

Os nossos Tribunais foram já, em diversas situações e à luz da legislação acima referida, chamados a pronunciar-se sobre o que se deve entender por “questões estritamente desportivas”.

Decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que:

- “Não constituem decisões sobre questões estritamente desportivas os actos de órgãos de uma federação desportiva, a que foi atribuído o estatuto de utilidade pública, pelos quais foi decidido o cancelamento de licença desportiva atribuída a determinado desportista, por alegada falta de requisitos para tal atribuição e determinada a respectiva suspensão preventiva, por incumprimento da ordem de entrega daquela licença e participação em competição sem autorização da autoridade desportiva nacional.” - em acórdão de 07.06.2006, proferido no âmbito do processo nº 262/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt, assim como os demais arestos infra citados;

- “Não é uma questão estritamente desportiva a deliberação que, nos termos do art. 38º, 1, d) do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, reordenou a classificação final de um campeonato de futebol, na sequência da desclassificação de um outro clube, designadamente no que respeita à questão de saber se tal preceito viola ou não o 30º, n.º 4 da Constituição e 65º do Código Penal, isto é, se tal preceito viola o princípio, segundo o qual só pode haver pena se houver ilicitude e culpa.” - acórdão de 10.09.2008 (proc. nº 120/08);

- “não eram estritamente desportivas as questões relacionadas com a sanção disciplinar de um praticante por atitudes incorrectas ou injuriosas assumidas nos serviços de atendimento da respectiva federação ou com o acerto de se condicionar, ao depósito de certa caução, a admissibilidade do recurso que ele deduziu da decisão sancionatória para uma outra instância da justiça desportiva.” - acórdão de 15.10.2009 (proc. 527/09);

- “É questão estritamente desportiva a questão de saber se um jogador de "golf" violou as disposições sobre a comunicação do seu "handicap" nas competições em que participou, e donde resultou a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão de seis meses.” - acórdão de 21.09.2010 (proc. nº 0295/10).

O Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que:

- “II - O acto de cancelamento de uma licença desportiva e o acto de suspensão preventiva de um desportista, são materialmente administrativos, praticados ao abrigo de normas de direito público administrativo, pelo que a apreciação da respectiva validade cabe no âmbito da jurisdição administrativa. III - Só as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, envolvendo questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, ou seja, as questões estritamente desportivas - desde que não integradas na previsão do n.º 3 do art.º 47º da Lei de Bases do Desporto -, estão sujeitas ao controlo privativo das instâncias competentes na ordem desportiva.” - acórdão de 26.01.2006 (proc. nº 1270/05);

- “Compete aos tribunais administrativos, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1, 2, 3 e 4, do artigo 18º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16.01) a apreciação do pedido de suspensão da eficácia do acto, praticado pelo Conselho de Jurisdição da Federação Portuguesa de Rugby, que puniu disciplinarmente um treinador daquela modalidade desportiva por uma agressão a um árbitro, no decorrer de um jogo.” - acórdão de 16.10.2008 (proc. nº 4293/08);

- “II - São apenas as decisões federativas que correspondem à actuação no âmbito desportivo ou seja, as decisões sobre questões desportivas relativas às “leis do jogo”, incluindo a punição das infracções ao que nestas se estabelece que são inimpugnáveis, dado que, em rigor, elas não aplicam regras jurídicas mas regras técnicas. III - Estando em causa uma sanção disciplinar que puniu um comportamento ofensivo do recorrente na delegação Norte da FPAK não se está perante uma infracção às “leis do jogo” nem, consequentemente, perante uma questão estritamente desportiva.” - acórdão de 22.01.2009 (proc. nº 4036/08);

- “A desclassificação de um par por infracção da etiqueta do jogo, é uma questão estritamente desportiva. Tem a ver com as regras próprias desse jogo, não tem a ver com decisões materialmente administrativas.” - acórdão de 03.11.2011 (proc. nº 534/07);

- “VII. Estando em causa apurar se o recurso aos tribunais administrativos como forma de impugnar o ato de recusa de inscrição de jogador profissional de futebol por parte de órgão desportivo constitui uma infração, sancionada com a descida de divisão do clube, exige que se conheça das condições de acesso à justiça e aos tribunais para a composição dos diferendos de natureza desportiva, assim como os limites da reserva de jurisdição das instâncias jurisdicionais desportivas, importando o seu enquadramento à luz da noção de questão estritamente desportiva.

VIII. A Lei de Bases do Desporto prevê, por um lado, a regra geral de impugnabilidade, nos termos gerais de direito, dos atos administrativos praticados pelos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes públicos (artigo 46.º), mas, por outro, uma exceção à regra da impugnabilidade, por não serem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (n.º 1 do artigo 47.º).

IX. Na delimitação do enquadramento normativo aplicável ao litígio importa atender ao direito de fonte legal, mas também ao direito privativo das instâncias desportivas, enquanto conjunto de normas emanadas e aplicáveis no universo das organizações desportivas.

X. Atenta a multiplicidade de fontes de direito aplicável, de fonte legal, mas também regulamentar desportiva, e considerando a concessão de poderes públicos às federações desportivas através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, é de recusar a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na sua natureza jurídica de associação privada.

XI. Quando no exercício dos poderes públicos, a atuação dos órgãos federativos traduz-se na prática de atos administrativos ou na aprovação de regulamentos administrativos, cuja impugnação está atribuída constitucionalmente à jurisdição administrativa, cabendo a competência material aos tribunais administrativos, segundo o n.º 3 do artigo 212.º e o n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, e os artigos 1.º e 4.º do ETAF.

XII. O facto que está na origem da aplicação da sanção disciplinar desportiva, traduzido na apresentação pelo clube de um processo cautelar junto dos tribunais administrativos, contra o ato de recusa de inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube, é um ato que se situa antes ou a montante da competição, tendo como consequência ou por efeito a impossibilidade do jogador participar na competição desportiva.

XIII. Não se pode falar em atuação que decorra ou imane da qualidade de jogador ou sequer da sua participação em competição desportiva, pois foi vedado o acesso do jogador à própria participação na competição, não sendo possível subsumir a atuação do clube desportivo em recorrer aos tribunais, à violação das regras do jogo ou próprias da competição desportiva.

XIV. Não existindo infração à ética desportiva, decorrente de atos de dopagem, violência ou corrupção, nem estando em causa uma questão técnica ou que possa ser considerada uma decorrência da participação na competição, não está integrada no conceito de questão estritamente desportiva.

XV. Para efeitos de determinação do conceito de questão estritamente desportiva não releva a aplicação de qualquer regulamento desportivo, mas apenas os regulamentos relativos à organização das provas e da competição.

XVI. Deve considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar, delas se excluindo as ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, como no caso da afetação de direitos indisponíveis ou de direitos, liberdades e garantias.

XVII. Excluído o enquadramento da situação factual no conceito de questão estritamente desportiva, está afastada a reserva da jurisdição desportiva, vigorando a regra geral de recurso às instâncias jurisdicionais estaduais, fora das instâncias desportivas, para dirimir o litígio gerado pelo ato de recusa de inscrição de um jogador de futebol profissional, pois salvo no tocante às questões configuradas como estritamente desportivas, não decorre da lei ou dos regulamentos desportivos um monopólio da auto-justiça ou da justiça privada desportiva.

XVIII. O ordenamento jurídico consagra um sistema de justiça desportiva híbrido ou mitigado, que tanto prevê a jurisdição das instâncias próprias desportivas, como admite o recurso aos tribunais estaduais, consoante a natureza do litígio. – em acórdão de 06.12.2017, no âmbito do proc. nº 2141/06;

- “Os tribunais administrativos são competentes para conhecer de pedido de impugnação da decisão da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo homologatória da classificação final da Liga Meo Açores/Campeonato de Futebol dos Açores, época 2013/2014, no qual é atribuído ao ora Recorrente o 4.º lugar, motivada na interpretação feita das disposições do Regulamento Técnico do Campeonato de Futebol dos Açores para a época 2013/2014, concretamente das normas contidas nos seus pontos 50.02, 50.04 e 50.05 respeitantes à modulação do campeonato em duas fases, consequente graduação e regras de desempate.” - acórdão de 24.05.2018 (proc. nº 192/14).

Também o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre questões semelhantes, nos seguintes termos:

- no acórdão n.º 730/95, II Série do DR de 6-2-1996, entendeu-se ser de natureza pública e admitindo recurso para os tribunais administrativos a questão da inconstitucionalidade de um preceito do regulamento disciplinar de uma federação desportiva sobre violência ou distúrbios praticados em recinto desportivo;

- no acórdão 473/98, II Série do DR de 23-11-98, negou provimento ao recurso de um acórdão do Conselho de Arbitragem (que mandara depositar preparo para despesas) com o fundamento de não se terem esgotado os meios de recurso nos termos gerais de direito, pois de tal decisão cabia recurso para os tribunais.

Atentos estes ensinamentos, retornemos ao caso em apreço, tendo presente que, apesar de a Lei do TAD usar expressão formalmente distinta, ela tem o mesmo alcance, com a pretensão de o seu significado ser mais cristalino.

O Demandante, ora Recorrido, impugnou uma sanção de suspensão automática por um jogo, aplicada em virtude da exibição de um cartão amarelo, que constituía o quinto na mesma época desportiva (2).

Em causa está o artigo 164º do RDLPFP, epigrafado “cartões amarelos e vermelhos” e que, no nº 7 estabelece que “O jogador que, na mesma época desportiva e em jogos diferentes, acumular uma série de cartões amarelos é punido com a sanção de suspensão por um jogo e, acessoriamente, com a sanção de multa de valor correspondente a 1,5 UC assim que atingir o quinto, o nono, o 12.º e o 14.º cartões amarelos dessa época desportiva.” (3).

O artigo 165º do RDLPFP, que estabelece o regime especial das sanções por acumulação de cartões amarelos, preceitua que:

1. As sanções de multa e de suspensão decorrentes da aplicação do disposto no artigo anterior serão aplicadas automaticamente, e sem dependência de qualquer formalidade, mediante o preenchimento dos pressupostos aí previstos, sem prejuízo de subsequente deliberação confirmativa da Secção Disciplinar.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, o árbitro deverá, no final do jogo, dar sempre conhecimento dos jogadores advertidos e expulsos aos delegados dos respetivos clubes, que rubricarão a ficha técnica.

3. As sanções referidas no n.º 1 não podem ser modificadas por efeito de aplicação de circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem a aplicação dessas sanções pode servir para o preenchimento de circunstância agravante ou do conceito de reincidência para efeitos de determinação das sanções aplicáveis em virtude da prática de outras infrações disciplinares.

4. A suspensão decorrente da acumulação de cartões amarelos, nos termos previstos no artigo anterior, é cumprida exclusivamente nos jogos das competições I Liga e II Liga, na época desportiva em curso.

5. Os cartões amarelos exibidos em jogos da Taça de Portugal, Supertaça e Taça da Liga não são contabilizados para o efeito a que se alude no número anterior.

Reagiu o Demandante contra a aplicação da sanção, arguindo, entre o mais, a inexistência de qualquer infracção disciplinar. Afirma que não cometeu qualquer facto passível de ser sancionado com a amostragem de cartão amarelo e, por conseguinte, “não se verifica um dos elementos objetivos do tipo disciplinar imputado, o que determina necessariamente, a impossibilidade de qualquer agente desportivo ser sancionado nos termos da concreta noma que se tiver por não preenchida” (4).

O TAD julgou-se competente para conhecer do litígio fazendo corresponder o thema decidendum não à correcção ou não da exibição do cartão amarelo - que afirmou não haver dúvidas de que emerge exclusiva, directa e imediatamente da aplicação das normas técnicas e disciplinares respeitantes à prática da própria competição desportiva – mas à questão de saber da relevância, enquanto dado de facto assente, das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão de mérito, que é uma questão de direito, sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP (5).

Não podemos acompanhar o entendimento do TAD, antes aderindo àquela que foi a posição exarada no voto de vencido.

O que vem invocado pelo Demandante, ora Recorrido, é que o comportamento alegadamente subjacente à exibição do cartão amarelo não ocorreu e que, nessa medida, não pode manter-se a sanção aplicada de forma automática, em decorrência de cinco cartões amarelos (6).

E para sustentar a sua alegação (de que tal comportamento não ocorreu), o Demandante apela à analise das imagens do lance em questão (7) (…).

Assim, na situação sub judice, o litigio submetido ao TAD reside em saber se, no jogo de futebol em causa, a conduta do jogador – o ora Recorrido – era, à luz das leis do jogo aplicáveis, merecedora de cartão amarelo (8).

O que o TAD apelida de thema decidendum é, quanto a nós, apenas um argumento, uma razão para que, em sede de processo disciplinar, se conclua pela inadequação do cartão amarelo com vista ao não preenchimento da previsão do artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP.

Ao consagrar o disposto no art. 4º, nº 6 da Lei do TAD, o legislador quis excluir da jurisdição deste Tribunal não (só) a decisão técnica/disciplinar do árbitro durante o tempo do jogo, porquanto esta é-lhe naturalmente alheia, mas (também) as questões que daí possam emergir, como seja no plano disciplinar.

No caso, é inegável que o núcleo fáctico essencial da situação jurídica que o Demandante pretende fazer valer em tribunal assenta num juízo técnico produzido pelo árbitro do jogo colocando-se, assim, à apreciação do TAD matéria directamente ligada às “regras do jogo”.

A sanção automática em causa – suspensão e multa referente à acumulação de cinco cartões amarelos na competição, na mesma época desportiva – encontra-se directamente ligada às questões técnicas (“leis”) do jogo e da competição (9).

Por “leis de jogo” tem vindo a entender a nossa jurisprudência que se trata do “ conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.” – cfr., entre outros, acórdãos do STA de 07.06.2006 (proc. nº 262/06), de 10.09.2008 (proc. nº 120/08) e de 21.09.2010 ( proc. nº 0295/10); acórdão do TCA Sul de 13.10.2011 (proc. nº 6925/10); e acórdão do TCAN de 09.11.2018 (proc. nº 248/18), disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

Tal como o voto de vencido junto ao acórdão recorrido, socorremo-nos aqui das palavras de Pedro Gonçalves:

“As “leis do jogo” (10), visando identificar e regulamentar a prática do jogo e desconhecendo qualquer eficácia no ordenamento jurídico, não incorporam regras jurídicas, mas regras técnicas. A situação não se apresenta diferente no caso das regras (disciplinares) que sancionam o desrespeito das “leis do jogo”, resultante da prática de infracções (faltas) no “decurso do jogo”: também aqui está envolvida a apreciação de factos ou condutas segundo critérios técnicos e não jurídicos. Num sentido rigoroso, a regulação do jogo não é de direito público, nem de direito privado, posto que não se trata de uma regulação jurídica.” - in, “A soberania limitada das federações desportivas”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 59, pág. 59.

Para o mesmo Autor, “(…) seria inconsequente pedir a um Tribunal do Estado tribunal administrativo ou outro, que decide questões de direito e procede à aplicação de normas jurídicas, uma pronúncia sobre os termos de aplicação de normas técnicas ou sobre se um certo jogador cometeu, no decurso do jogo, a falta x ou y ou nenhuma das duas. Há, nesta matéria, um imperativo natural de contenção da ingerência da justiça estadual.”

Como se diz no voto vencido “por maior recorte que se faça do thema decidendum trazido à ponderação deste Colégio Tribunal, as declarações do árbitro do jogo quanto à amostragem de determinado cartão amarelo, e ao erro incorrido sobre esse facto, passarão, inevitavelmente, pelo crivo (apreciação e juízo decisório) deste Tribunal, não obstante tal matéria respeitar, inequivocamente, às “regras do jogo” e se encontrar, por essa via, excluída do âmbito de jurisdição do TAD, conforme assinalado anteriormente.”

Está em causa uma ocorrência, durante o período de jogo regulamentar, “dentro das 4 linhas”, e presenciada pela equipa de arbitragem que entendeu exibir um cartão amarelo (11); no caso, o quinto, na mesma competição desportiva.

Ainda que o TAD tenha procurado direccionar ou circunscrever o litígio, centrando-o na relevância das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP, consideramos que o verdadeiro cerne do litígio reside em aferir do acerto ou não da decisão de exibir o cartão amarelo – concretamente por ter o arguido agarrado um adversário, anulando um ataque prometedor (12).

O arguido/Demandante/Recorrido não pede formalmente a anulação do cartão amarelo exibido durante o jogo. Todavia, pretende-o efectivamente, não quanto aos efeitos a produzir no jogo (já decorrido) mas na competição e em sede disciplinar. A invalidação que formalmente peticiona – da sanção automática – assenta na alegada incorrecção dessa exibição, concretamente no juízo sobre a ocorrência de um “ataque prometedor” (13).

Ora, se o fundamento, a razão de ser da invalidade da sanção é a inadequação da exibição do cartão amarelo – por não estar em causa um “ataque prometedor” (14) -, sempre será de analisar se o árbitro errou ou não na sua análise. Ou, o mesmo será dizer, sempre se imporá um juízo sobre as regras do jogo e/ou as regras da competição.

Estamos, pois, perante questão emergente da aplicação de normas técnicas e disciplinares directamente respeitante à prática da própria competição desportiva, na qual o TAD não tem jurisdição, por ser exclusiva das federações desportivas.

Nestes termos, dando razão à Recorrente, concluímos pela ausência de jurisdição do TAD para apreciar e decidir a questão do cometimento da infracção prevista e punida pelo artigo 164º, nº 7 do RD LPFP.”

Também o STA se pronunciou recentemente sobre esta matéria, em caso análogo, no acórdão de 10.02.2022, proc. n.º 40/21.6BCLSB, concluindo que: “é infração estritamente desportiva aquela que é cometida no decurso de uma competição, envolvendo questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras técnicas de organização das respectivas provas, e sendo questões estritamente desportivas estão fora da competência da jurisdição do TAD, pois nada têm a ver com decisões materialmente desportivas”.

O acórdão em referência, apresenta seguinte discurso fundamentador que aqui se reproduz, na parte relevante:

“(…)

A Lei nº 74/2013 de 06.09 criou o Tribunal Arbitral de Desporto (TAD) - com competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto – e aprovou a respectiva lei, entretanto alterada pela Lei nº 33/2014 de 16.06.

O artigo 4º da Lei do TAD regula a arbitragem necessária e os artigos 6º e 7º a arbitragem voluntária.

O artº 4º, na redacção dada pela Lei nº 33/2014 de 16.06, estabelece que:

«1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.

2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.

3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:

a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;

b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.

4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.

5 – (…)

6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva».

Por seu turno, dispõe o artigo 287.º do RDLPFP, sob a epígrafe “Formas de recurso”, que:

«1 – As decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, são impugnáveis apenas por via de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto.

2 – Sem embargo do disposto no número anterior do presente artigo, as decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, respeitantes a matérias estritamente desportivas são apenas impugnáveis por via de recurso para o Conselho de Justiça. (…)».

E o nº 1 do artº 44º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 93/2014, de 23.06, dispõe:

«Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva».

Resulta com clareza do exposto que o TAD não tem competência para conhecer do recurso de decisões que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, pois as mesmas apenas são recorríveis para o órgão de justiça das respectivas federações desportivas.

E, assim sendo, o nó górdio da presente revista prende-se com a interpretação a dar ao nº 6 do artº 4º da Lei do TAD, ou seja, apurar se o caso concreto se subsume ou não na sua previsão, ou seja, se estamos ou não perante questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da competição desportiva, também denominadas pela jurisprudência e doutrina, como questões estritamente desportivas.

E a este propósito, a Lei de Bases do Sistema Desportivo – Lei nº 1/90, de 13.01 -, dispunha no nº 2, do artigo 25º: “As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar não são impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.”

A referida Lei foi revogada pela Lei de Bases do Desporto – a Lei nº 30/2004 de 20.07- que, no seu artº 47º, sob a epígrafe “Questões estritamente desportivas”, prevê o seguinte:

«Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas” (nº 1).

E define-se que são questões estritamente desportivas “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas” (nº 2); sendo que nestas não “estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.”

Importa ainda ter presente a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – Lei nº 5/2007, de 16.01 -, que previa no artº 18º (revogado pela alínea b) do artigo 4º da Lei nº 74/2013, de 06.09), o seguinte:

“(…)

2 – Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

3 – São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas competições.

4 – Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.

5 – Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas»

Assim sendo, as questões estritamente desportivas terão de ser aquelas que tenham por fundamento e origem normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

Logo, por leis do jogo também se terá de entender o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.

Também na doutrina, e como bem se deixou consignado no Acórdão recorrido, veja-se ANTÓNIO PEIXOTO MADUREIRA e LUÍS CÉSAR TEIXEIRA, Futebol, Guia Jurídico, fls. 1602, que consideram como questões estritamente desportivas “as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, ou seja, aquelas questões que tenham surgido durante a prática de uma competição e que, portanto, estejam relacionadas com o seu desenvolvimento, quer no seu aspecto técnico quer no aspecto disciplinar. Questões de facto, serão, por exemplo, aquelas que têm a ver com o apuramento de que se determinado jogador rasteirou ou não outro, se determinada bola ultrapassou ou não a linha da baliza, se determinado jogador agrediu ou não outro, etc. Questões em relação às quais o árbitro é soberano (…). Questões de direito são as que contendem com a aplicação das leis do jogo aos factos apurados. São questões relacionadas com os chamados erros de arbitragem

Ou seja, é infração estritamente desportiva aquela que é cometida no decurso de uma competição, envolvendo questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras técnicas de organização das respectivas provas, e sendo questões estritamente desportivas estão fora da competência da jurisdição do TAD, pois nada têm a ver com decisões materialmente desportivas.

E de nada adianta tentar delimitar a competência, nos presentes autos, fazendo apelo à violação de um direito constitucionalmente consagrado, como é o direito à audiência prévia, antes de ser proferida a decisão final porque, na realidade, a montante desta decisão, ou seja, na sua origem, se encontram questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, ou seja das questões que surgem no decurso da prova ou durante a competição, dado que estas estão relacionadas com o respectivo desenvolvimento/desenrolar do jogo, como melhor veremos infra.

Na verdade, o ora recorrente impugnou a sanção de suspensão automática por um jogo, aplicada em virtude da exibição de um cartão amarelo, que constituía o quinto na mesma época desportiva, situação que se mostra estatuída no artº 164º do RDLPFP sob a epígrafe “cartões amarelos e vermelhos”, designadamente no seu nº 7, que prevê:

«O jogador que, na mesma época desportiva e em jogos diferentes, acumular uma série de cartões amarelos é punido com a sanção de suspensão por um jogo e, acessoriamente, com a sanção de multa de valor correspondente a 1,5 UC assim que atingir o quinto, o nono, o 12.º e o 14.º cartões amarelos dessa época desportiva»

Por sua vez, o artº 165º do RDLPFP, estabelece o regime especial das sanções por acumulação de cartões amarelos, e prevê o seguinte:

«1. As sanções de multa e de suspensão decorrentes da aplicação do disposto no artigo anterior serão aplicadas automaticamente, e sem dependência de qualquer formalidade, mediante o preenchimento dos pressupostos aí previstos, sem prejuízo de subsequente deliberação confirmativa da Secção Disciplinar.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, o árbitro deverá, no final do jogo, dar sempre conhecimento dos jogadores advertidos e expulsos aos delegados dos respetivos clubes, que rubricarão a ficha técnica.

3. As sanções referidas no nº 1 não podem ser modificadas por efeito de aplicação de circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem a aplicação dessas sanções pode servir para o preenchimento de circunstância agravante ou do conceito de reincidência para efeitos de determinação das sanções aplicáveis em virtude da prática de outras infrações disciplinares.

4. A suspensão decorrente da acumulação de cartões amarelos, nos termos previstos no artigo anterior, é cumprida exclusivamente nos jogos das competições I Liga e II Liga, na época desportiva em curso.

5. Os cartões amarelos exibidos em jogos da Taça de Portugal, Supertaça e Taça da Liga não são contabilizados para o efeito a que se alude no número anterior».

O TAD julgou-se competente para conhecer do litígio suscitado pelo ora recorrente restringindo o objecto do mesmo não à correcção ou não da exibição do cartão amarelo - que afirmou não haver dúvidas de que emerge exclusiva, directa e imediatamente da aplicação das normas técnicas e disciplinares respeitantes à prática da própria competição desportiva – mas unicamente à questão de saber da relevância, enquanto dado de facto assente, das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão de mérito, que é uma questão de direito, sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164º, nº 7 do RDLPFP.

A este propósito, consignou-se no Acórdão recorrido proferido pelo TCA Sul:

«Não podemos acompanhar o entendimento do TAD, antes aderindo àquela que foi a posição exarada no voto de vencido.

O que vem invocado pelo Demandante, ora Recorrido, é que o comportamento alegadamente subjacente à exibição do cartão amarelo não ocorreu e que, nessa medida, não pode manter-se a sanção aplicada de forma automática, em decorrência de cinco cartões amarelos.

E para sustentar a sua alegação (de que tal comportamento não ocorreu), o Demandante apela à análise das imagens do lance em questão, o que reforça com a afirmação de que a equipa de arbitragem acaba por reconhecer que (em campo) não fez uma correcta análise do lance.

Assim, na situação sub judice, o litigio submetido ao TAD reside em saber se, no jogo de futebol em causa, a conduta do jogador – o ora Recorrido – era, à luz das leis do jogo aplicáveis, merecedora de cartão amarelo.

O que o TAD apelida de thema decidendum é, quanto a nós, apenas um argumento, uma razão para que, em sede de processo disciplinar, se conclua pela inadequação do cartão amarelo com vista ao não preenchimento da previsão do artigo 164.º, n.º 7, do RDLPFP.

Ao consagrar o disposto no art. 4º, nº 6 da Lei do TAD, o legislador quis excluir da jurisdição deste Tribunal não (só) a decisão técnica/disciplinar do árbitro durante o tempo do jogo, porquanto esta é-lhe naturalmente alheia, mas (também) as questões que daí possam emergir, como seja no plano disciplinar.

No caso, é inegável que o núcleo fáctico essencial da situação jurídica que o Demandante pretende fazer valer em tribunal assenta num juízo técnico produzido pelo árbitro do jogo colocando-se, assim, à apreciação do TAD matéria directamente ligada às “regras do jogo”.

A sanção automática em causa – suspensão e multa referente à acumulação de cinco cartões amarelos na competição, na mesma época desportiva – encontra-se directamente ligada às questões técnicas (“leis”) do jogo e da competição.

Por “leis de jogo” tem vindo a entender a nossa jurisprudência que se trata do “ conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.” – cfr., entre outros, acórdãos do STA de 07.06.2006 (proc. nº 262/06), de 10.09.2008 (proc. nº 120/08) e de 21.09.2010 ( proc. nº 0295/10); acórdão do TCA Sul de 13.10.2011 (proc. nº 6925/10); e acórdão do TCAN de 09.11.2018 (proc. nº 248/18), disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

Tal como o voto de vencido junto ao acórdão recorrido, socorremo-nos aqui das palavras de Pedro Gonçalves:

“As “leis do jogo”, visando identificar e regulamentar a prática do jogo e desconhecendo qualquer eficácia no ordenamento jurídico, não incorporam regras jurídicas, mas regras técnicas. A situação não se apresenta diferente no caso das regras (disciplinares) que sancionam o desrespeito das “leis do jogo”, resultante da prática de infracções (faltas) no “decurso do jogo”: também aqui está envolvida a apreciação de factos ou condutas segundo critérios técnicos e não jurídicos. Num sentido rigoroso, a regulação do jogo não é de direito público, nem de direito privado, posto que não se trata de uma regulação jurídica.” - in, “A soberania limitada das federações desportivas”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 59, pág. 59.

Para o mesmo Autor, “(…) seria inconsequente pedir a um Tribunal do Estado, Tribunal administrativo ou outro, que decide questões de direito e procede à aplicação de normas jurídicas, uma pronúncia sobre os termos de aplicação de normas técnicas ou sobre se um certo jogador cometeu, no decurso do jogo, a falta x ou y ou nenhuma das duas. Há, nesta matéria, um imperativo natural de contenção da ingerência da justiça estadual.”

Como se diz no voto vencido “por maior recorte que se faça do thema decidendum trazido à ponderação deste Colégio Tribunal, as declarações do árbitro do jogo quanto à amostragem de determinado cartão amarelo, e ao erro incorrido sobre esse facto, passarão, inevitavelmente, pelo crivo (apreciação e juízo decisório) deste Tribunal, não obstante tal matéria respeitar, inequivocamente, às “regras do jogo” e se encontrar, por essa via, excluída do âmbito de jurisdição do TAD, conforme assinalado anteriormente.”

Está em causa uma ocorrência, durante o período de jogo regulamentar, “dentro das 4 linhas”, e presenciada pela equipa de arbitragem que entendeu exibir um cartão amarelo; no caso, o quinto, na mesma competição desportiva.

Ainda que o TAD tenha procurado direccionar ou circunscrever o litígio, centrando-o na relevância das afirmações do árbitro reconhecendo, formalmente e em sede de sancionamento disciplinar, que, após visionar as imagens da jogada em causa, a exibição de tal cartão amarelo “não foi adequada”, para aferição da questão sobre se pode considerar-se verificada, in casu, a infração prevista e punida no artigo 164º, nº 7, do RDLPFP, consideramos que o verdadeiro cerne do litígio reside em aferir do acerto ou não da decisão de exibir o cartão amarelo – concretamente por ter o arguido agarrado um adversário, anulando um ataque prometedor.

O arguido/Demandante/Recorrido não pede formalmente a anulação do cartão amarelo exibido durante o jogo. Todavia, pretende-o efectivamente, não quanto aos efeitos a produzir no jogo (já decorrido) mas na competição e em sede disciplinar. A invalidação que formalmente peticiona – da sanção automática – assenta na alegada incorrecção dessa exibição, concretamente no juízo sobre a ocorrência de um “ataque prometedor”.

Ora, se o fundamento, a razão de ser da invalidade da sanção é a inadequação da exibição do cartão amarelo – por não estar em causa um “ataque prometedor” -, sempre será de analisar se o árbitro errou ou não na sua análise. Ou, o mesmo será dizer, sempre se imporá um juízo sobre as regras do jogo e/ou as regras da competição.

Estamos, pois, perante questão emergente da aplicação de normas técnicas e disciplinares directamente respeitante à prática da própria competição desportiva, na qual o TAD não tem jurisdição, por ser exclusiva das federações desportivas.

Nestes termos, dando razão à Recorrente, concluímos pela ausência de jurisdição do TAD para apreciar e decidir a questão do cometimento da infracção prevista e punida pelo artigo 164º, nº 7 do RD LPFP».

E esta decisão é para manter uma vez que, como bem se refere no acórdão recorrido, que nos dispensamos de repetir, o que está subjacente e em primeiro plano de análise, é efectivamente apurar se o cartão amarelo mostrado ao jogador/ora recorrente, respeita a uma infracção p. e p. no artº 164º, nº 7 do RDLPFP, sendo que decorrem de forma automática por acumulação de cartões os efeitos daí decorrentes; ou seja, está em causa um juízo efectuado pelo árbitro sobre as regras técnicas do jogo que decorreu dentro das quatro linhas e respeitantes à referida competição desportiva.

E assim sendo, como também elucida o voto de vencido vertido no acórdão do TAD, tal conduta/infracção encontra-se, por isso, excluída do âmbito da jurisdição do TAD.

E não colhe a alegação do ora recorrente no sentido de que nesta acção apenas está em causa a invalidade da decisão disciplinar sancionatória por preterição do seu direito de audiência prévia, enquanto direito fundamental [que na sua tese não terá sido cumprido] uma vez que, não foi ouvido antes da prolação das sanções aplicadas, porque por um lado, a sanção foi aplicada de forma automática, por acumulação de cartões, e por outro lado e mais revelante, mesmo que tal preterição tenha ocorrido, o conhecimento da mesma está a jusante da questão técnica/desportiva, e decorre de matéria, que já se considerou que o TAD não tinha competência para decidir.

E deste modo, inexistem igualmente quaisquer das inconstitucionalidades apontadas pelo recorrente, bem como a violação do disposto no artº 6º da CEDH, pois os direitos que alega, em nada foram violados.

O que se determina é tão só a incompetência do TAD para conhecer da questão em apreço, cujo conhecimento está atribuído à respectiva federação.

Esta linha fundamentadora e respectivas conclusões são inteiramente aplicáveis ao caso concreto.

Assim, aderindo aos fundamentos da jurisprudência citada, aqui inteiramente aplicável, terá que julgar-se improcedente a providência requerida, uma vez que esta se insere ainda no domínio das designadas leis do jogo. O que, estando subtraído ao âmbito de competência do TAD, não pode ser conhecido pelo TCA Sul.

E foi exactamente isso que se decidiu, em caso análogo, na decisão sumária por nós proferida em 20.05.2022, no processo n.º 95/22.6BCLSB (em que se discutia a aplicação a um jogador de futebol de uma sanção disciplinar de três jogos de suspensão e de multa no valor de EUR 510,00, na sequência de uma alegada errada exibição de um cartão vermelho pelo árbitro do jogo).

Aqui não cabe discutir se a “sanção aplicada ao jogador ……………. — cartão vermelho — não tem qualquer justificação disciplinar, apenas baseada na suposição do árbitro em questão de ter ouvido ou visto gestos ou expressões grosseiros, impróprios ou incorrectos”.

A incompetência consubstancia uma exceção dilatória no processo principal e aqui já detectável, o que se traduz numa ausência de preenchimento do fumus boni juris, um dos pressupostos de verificação cumulativa para o decretamento das medidas cautelares. Pelo que, nada mais cumpre apreciar.



Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, nºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


III. Decisão

Pelo exposto, indefere-se liminarmente a presente providência cautelar e absolve-se a Requerida, Federação de Patinagem de Portugal, do pedido, mantendo-se integralmente a decisão suspendenda.

Custas a cargo do Requerente, Sport Lisboa e Benfica.

Notifique pelo meio mais expedito; comunique ao TAD.

Lisboa, 29 de Junho de 2022

Pedro Marchão Marques
Juiz presidente