Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06088/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/20/2012
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA.
IMÓVEIS.
Sumário:1.A alínea f) do n.º 1 do art. 87.º LGT nenhuma diferenciação/exclusão faz ou pressupõe entre bens móveis e imóveis ou direitos.

2. E, representou a vontade, do legislador, em aumentar o número das situações de facto legitimantes da efetivação, por parte da administração tributária/at, de avaliação indireta da matéria tributável, no âmbito de uma estratégia pública de ataque, o mais abrangente possível, à fraude e evasão fiscal.

3. A avaliação indireta da matéria tributável pode ser efetuada, a coberto do disposto no art. 87.º n.º 1 al. f) LGT (redação anterior à da L. 94/2009 de 1.9.), relativamente ao ato de aquisição de um imóvel, por valor inferior a € 250.000, desde que, se registe uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património (ou o consumo) evidenciados pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I
PAULO …………………….. e ANA ………………………….., contribuintes n.ºs ………….. e ……………., com os demais sinais constantes dos autos, no âmbito de processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, interpuseram, nos termos do art. 146.º -B CPPT, recurso (judicial) de decisão que determinou o acesso direto, da administração tributária/at, à sua informação bancária.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, foi proferida sentença, julgando totalmente improcedente o recurso, veredicto que aqueles confrontaram em recurso jurisdicional, cuja alegação encerra com estas conclusões: «
1ª A LGT, no seu artigo 89º -A, consagra um regime específico para a tributação das “manifestações de fortuna” que se traduzam na aquisição, entre outros bens, de imóveis de valor igual ou superior a € 250 000,00;
2ª Esta opção legislativa deixa bem claro que, só são manifestações de fortuna, a aquisição dos bens previstos no nº 4 do artigo 89º -A e que só o são, quando atingem os valores expressamente fixados na mesma norma;
3ª Daqui resulta, que a aquisição de imóveis de valor inferior ao fixado, não constituem manifestações de fortuna para efeitos de avaliação indirecta da matéria colectável, independentemente dos rendimentos declarados;
4ª O disposto na alínea f) do artigo 87º da LGT, não se aplica nos casos em que esteja em causa a aquisição de imóveis, uma vez que estes estão sujeitos ao regime específico constante do artigo 89º -A;
5ª Não é razoável admitir que o legislador da LGT consagre uma solução na qual a compra de um imóvel de valor superior a € 250.000,00 constitui uma manifestação de fortuna que determina o pagamento de IRS sobre 20% do valor de aquisição e uma outra em que o valor do imóvel, sendo inferior àquele limite, determina a tributação em IRS pela totalidade daquele valor.
6ª A interpretação que conduzisse ao resultado evidenciado na conclusão anterior, seria irrazoável, iníquo e ofenderia de forma irremediável do princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 4º da LGT.
7ª Considerando ilegal a avaliação indirecta no caso da aquisição de um imóvel pelo valor de € 150 000,00, nos termos da alínea f) do artigo 87º da LGT, ilegal se torna a derrogação do sigilo bancário que serve tal propósito;
8ª Ao contrário do decidido, enferma do vício de violação de lei a decisão do Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que autoriza a derrogação administrativa do sigilo bancário aos aqui recorrentes;
9ª De toda a maneira, foi produzida prova da proveniência dos meios financeiros utilizados na aquisição.
10ª A decisão recorrida viola, entre outros, o art. 9 do CC, os artºs 4º nº 1, 5º nº 2, 8º nº 1 e 87º da LGT, pelo que não se poderá manter na Ordem Jurídica.

Termos em que o presente recurso deverá obter provimento, revogando-se a decisão recorrida e, julgando em substituição declarar-se a ilegalidade da utilização do método indirecto de avaliação e, em consequência, a ilegalidade da decisão da derrogação do sigilo bancário aos aqui recorrentes. »
*
O Recorrido/Rdo (Diretor-Geral da AT/autoridade tributária e aduaneira) formalizou contra-alegações, concluindo: «
A- Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 17/09/2012, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, nos autos supra identificados, que julgou improcedente o recurso interposto contra a decisão que determinou a derrogação do sigilo bancário relativo aos Recorrentes (adiante RR.).
B- Em causa está a o despacho de 05/06/2012, proferido pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da alínea c) do n° 1 do art. 63°-B da LGT, com a redacção dada pelo art. 2° da Lei n° 94/2009 de 01/09, tendo por fundamento a informação produzida pela inspecção tributária ao abrigo da ordem de serviço OI201200136, tendo por objecto o IRS do ano de 2009.
C- Entendem as RR. que o Tribunal a quo, ao julgar improcedente a decisão proferida contra aquela decisão incorreu em erro de julgamento de direito e de facto.
D- A decisão controvertida de derrogação de sigilo bancário foi proferida na sequência do pedido de autorização efectuado no âmbito da acção inspectiva de natureza interna ao IRS de 2009, conforme ordem de serviço n° OI201200136, de 05/03/2012, da Direcção de Finanças da Guarda, para efeitos de apuramento da situação jurídico-tributária dos RR.,
E- Atenta a verificação dos respectivos pressupostos contidos na alínea c) do n° 1 do art. 63°-B e art. 89°-A n° 3 e 11 da LGT, nomeadamente pelo facto de os RR. terem adquirido um imóvel pelo preço de € 150.000,00 sem recurso ao crédito, tendo-se verificado que a fonte de rendimentos declarados pelos RR nos dez anos que antecederam a aquisição, não permitirem poupanças que justifiquem a aquisição efectuada no ano de 2009.
F- Entendeu a douta sentença que a análise da situação factual deveria ser feita nos termos do art. 63°-B/1 al. c) da LGT, nas situações em que se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do n° 1 do artigo 87° da LGT.
G- Do probatório assente na douta sentença sob recurso, consta expressamente que dos autos não resultou provada a existência de qualquer fonte de rendimento capaz de viabilizar a sustentação do agregado familiar e de fazer face às despesas de aquisição do imóvel em 2009.
H- No entendimento dos RR. o regime especifico para a tributação das “manifestações de fortuna” encontra-se previsto no n° 4 do artigo 89°-A da LGT, referindo que “só são manifestações de fortuna, a aquisição dos bens ali previstos, e que só o são, quando atingem os valores fixados na mesma norma.
I- Sendo, que no caso como o imóvel não atinge o valor aí fixado - € 250.000,00 -não constituem manifestações de fortuna para efeitos de avaliação indirecta da matéria colectável.
J- Na verdade, no caso em apreço, o imóvel foi adquirido pelo valor de € 150.000,00, sendo este valor inferior ao valor previsto na tabela constante do n° 4 do artigo 89°-A da LGT, e consequentemente não enquadrável nos pressupostos da avaliação indirecta constantes da al. d) do artigo 87° da LGT, caindo fora da previsão da tabela inserta no n° 4 do artigo 89°-A.
K- Porém, tal não significa que, relativamente às aquisições de imóveis por valor inferior a € 250.000,00, esteja excluída a possibilidade de determinação do rendimento tributável através de métodos indirectos.
L- O Orçamento de Estado para 2005 (aprovado pela Lei n° 55 -B/2004 DE 30/12) introduziu a al. f) do artigo 87° da LGT, pretendendo, com tal medida, acautelar especificamente as situações de facto - consubstanciadas num acréscimo de património ou de consumos evidenciados, não consentâneos com os rendimentos declarados à AT, em que não estando abrangidas pela previsão constante da al. d) do artigo 87° da LGT - que se reconduzem às situações tipificadas no n° 4 do artigo 89°-A - ainda assim, justificariam que fosse desencadeado procedimento inspectivo, no sentido de averiguar a veracidade das declarações prestadas à AT.
M- Desta forma, o legislador ao embutir, em momento posterior à introdução da al. d) do artigo 87° e do artigo 89°-A da LGT, a al. f) do artigo 87° no elenco das situações fácticas que legitimam a avaliação indirecta do rendimento tributável, quis expressamente acautelar toda e qualquer tentativa de planeamento fiscal, que visasse afastar a aplicabilidade da al. d) do referido artigo 87°.
N- A intenção do legislador terá sido a de assegurar que perante qualquer manifestação de acréscimo patrimonial ou de consumo - que não os previstos na tabela do n° 4 do artigo 89°-A - em que fosse patente a existência de divergência superior a um terço entre rendimento declarado, e tal evidência, haveria lugar à aplicação de métodos indirectos de tributação, e inversão do ónus da prova.
O- Na medida em que a inversão do ónus da prova assegura plenamente aos particulares a defesa dos seus interesses, não ficando estes minimamente prejudicados, caso não tenham incorrido em qualquer omissão perante a AT.
P- Além do mais, a norma não faz qualquer distinção entre bens móveis e imóveis ou direitos, pelo que a al. f) daquele normativo legal tem de aplicar-se a todas as situações nele previstas e não enquadráveis na al. d) do mesmo preceito legal.
Q- E não se pode dizer que exista qualquer incompatibilidade entre as duas alíneas no que se refere aos imóveis. Assim, se o valor de aquisição for de montante superior a € 250.000,00, verificados os restantes requisitos, aplica-se a al. d) do art. 87°; se for de valor inferior e verificando-se os demais requisitos da al. f), aplica-se esta alínea.
R- Ora, a decisão recorrida está fundamentada no disposto no artigo 87.°, alínea f) e, portanto na verificação de divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
S- Como já anteriormente se referiu, o imóvel foi adquirido pelo valor de € 150.000,00 no ano de 2009.
T- Por outro lado, nesse mesmo ano, o rendimento global bruto declarado para efeitos de tributação em IRS foi € 19.351,86.
U- Logo, existe a desproporção requerida na alínea f) do artigo 87.° da LGT e, por isso, teria que ser iniciado um procedimento de avaliação indirecta.
V- E só no âmbito do procedimento de avaliação indirecta é que será apurado se essa desproporção corresponde ou não rendimento tributável não declarado, cabendo ao sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte do acréscimo patrimonial evidenciado, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT.
W- Os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87.° para abrir o procedimento de avaliação indirecta são objectivos. Por um lado, é requerida a existência de um acréscimo patrimonial e, pelo outro, o rendimento declarado. Se a divergência não justificada entre um e outro for de, pelo menos, um terço, ter-se-á forçosamente que iniciar um procedimento de avaliação indirecta no âmbito do qual é ao contribuinte que cabe o ónus da prova.
X- O que aqui está em causa é a aplicação de um método de tributação indirecto, isto é, de um método que prescinde da captura rigorosa da realidade e, portanto, da qualificação dos rendimentos de acordo com o respectivo facto gerador - coisa que só é possível quando a tributação é directa - para perseguir indícios de capacidade contributiva que tributa mesmo sem qualificar os rendimentos quanto à fonte.
Y- A razão de ser do procedimento tributário de avaliação indirecta é precisamente a de conferir esses indícios, escrutinar a realidade que eles indiciam para confirmar se existe um não rendimento tributável encoberto atrás deles. É no procedimento que se irá apurar se esses indícios não são consistentes ou se a capacidade contributiva indiciada através deles não existe ou não é tributável. Esta conclusão tira-se facilmente à vista do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A.
Z- O que mais sobressai do disposto no n.º 3 do artigo 89.°-A é que nesta classe de procedimento tributário há uma inversão do ónus da prova. “Cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados”. Portanto, à Administração Tributária cabe a prova dos factos que fazem deflagrar o procedimento de avaliação indirecta, e esses são os tipificados na alínea f) do artigo 87.°. Ao contribuinte cabe toda a prova destinada a ilidir ou enfraquecer o corolário presuntivo que a lei tira desses indícios e que é o de que existe um rendimento tributável não declarado.
AA- Logo, não é à Administração Tributária que é exigível a prova de que o acréscimo patrimonial não se registou no ano em causa ou não se registou todo no ano em causa.
BB- Nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A, tudo isso é ónus dos RR.
CC- Na realidade o n° 3 do artigo 89°-A da LGT dá a possibilidade ao contribuinte de fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados (ou não declarados por não estarem sujeitos) e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente, herança, doação, ou ainda rendimentos que lhe não cumpra declarar, ou por ultimo a utilização do seu capital ou recurso a credito.
DD- Deste modo, alegam os RR. que parte da aquisição do imóvel foi obtida através de doações efectuadas ao longo dos anos por seus pais e através de outras poupanças pessoais.
EE- Como tem sido defendido pela jurisprudência dos tribunais superiores “Poderia o legislador ter estabelecido que compete aos contribuintes a prova da forma como adquiriram os meios que lhes permitem determinadas manifestações de fortuna, sob pena de avaliação indirecta do rendimento tributável. Todavia, a lei não foi tão longe, ficando-se pela inversão do ónus da prova da veracidade dos rendimentos declarados no ano em causa, bastando ao contribuinte demonstrar que os meios que lhe permitiram as manifestações de fortuna em causa não estavam sujeitos a declaração nesse ano.” (Acórdão n° 03204/09 de 09/06/2009 do TCASul)
FF- Significa tal asserção que os RR. tendo alegado que pagaram o valor do imóvel, em parte, através de doações efectuadas por seus pais e outras poupanças pessoais, teriam de provar, não só a origem desses valores, como ainda a sua mobilização para o pagamento do imóvel adquirido, sendo que tal não sucedeu.
GG- Em relação às doações que alegam que os seus pais lhes fizeram, os RR. não juntaram, designadamente, qualquer extracto bancário que permitisse aferir, com um mínimo de certeza, que tais doações foram mobilizadas para a aquisição do imóvel em causa.
HH- E as poupanças? Onde foram acumuladas? Quando foram mobilizadas? Como foram aplicadas na aquisição do imóvel? Quanto a isto nada ficou provado.
II- Não podemos deixar de questionar a credibilidade deste meio de prova per si, reforçando a nossa posição no facto de, convenientemente, os montantes em causa foram concretizados todos eles em dinheiro, e todos eles em montantes parcelares.
JJ- O conjunto de normas em que assenta a regulamentação da tributação em sede de manifestações de fortuna e/ou acréscimos de património ou despesa, constam do artigo 87°, n° 1, alíneas d) e f), e do artigo 89°-A, ambos da LGT).
KK- Este mecanismo consiste numa avaliação indirecta de rendimentos que é aplicável a situações que evidenciam uma capacidade contributiva manifestamente inconsistente com os rendimentos declarados.
LL- Porém, elas configuram não mais do que indícios de uma capacidade contributiva a que não foi possível aceder e tributar por via directa (daí o método ser indirecto). Não constituem, em si mesmas, factos tributários ou o próprio objecto da tributação indirecta. Se o fossem, a tributação seria directa.
MM- O que interessa neste mecanismo identificar factos que revelam a disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados para, a partir dai, escrutinar os indícios da existência de rendimentos não declarados aos quais não é possível aceder de forma directa.
NN- Tal questão é por demais evidente quanto às manifestações de fortuna tipificadas no n.° 4 do artigo 89.°-A da LGT, as quais não relevam em si mesmas como factos tributáveis, mas apenas como indícios da existência de outros factos que se desconhecem.
OO- O mesmo se poderá concluir quanto ao artigo 87°, n° 1, alínea f) da LGT cuja aplicação se destina a abranger as situações não tipificadas no artigo 89°-A da LGT, face à impossibilidade de se criar uma lista exaustiva de factos típicos de manifestações de fortuna.
PP- Caso, no termo do procedimento tributário previsto no artigo 89°-A da LGT, persistam por revelar e justificar, nos termos previstos no n.° 3, a fonte ou fontes dos meios de fortuna evidenciados, ocorre a tributação indirecta de uma capacidade contributiva, mesmo sem a identificação do facto ou factos concretos geradores do rendimento.
QQ- É a impossibilidade de acesso directo aos factos geradores da capacidade contributiva revelada pela manifestação de fortuna que leva a lei a tributar indirectamente a capacidade contributiva subjacente à manifestação de fortuna, sempre que os sujeitos passivos não facultem a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que é outra a fonte da manifestação de fortuna (v.g. rendimentos não sujeitos ou isentos).
RR- Pelo exposto, e sendo certo que os RR. não justificaram a totalidade do acréscimo, a AT estava legitimada a realizar a avaliação indirecta, podendo recorrer a informações bancárias dos ora RR. Ao abrigo do disposto no artigo 63º-B/1 al. c) e n° 4 da LGT.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente recurso em virtude de a sentença sob recurso não incorrer em qualquer erro de julgamento. »
*
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.
*
Dispensados, em função da natureza urgente do processo, os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se consignado, na sentença: «
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - Dos Factos
Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A. No âmbito do procedimento inspectivo efetuado ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI201200136 (Ações de Controlo de Manifestações de Fortuna), incidente sobre o ano de 2009, respeitante aos sujeitos passivos, Paulo …………….. e Ana ……….., ambos com domicílio na rua Dr. ………….., n° 10,……………, a Administração Tributária verificou que o sujeito passivo Paulo …………….., sócio gerente da empresa José …………… & Filhos, Lda., adquiriu um imóvel urbano inscrito na matriz da freguesia 090742-Sé (………) sob o n° 925, pelo valor declarado de € 150.000,00, aquisição esta efetuada sem recurso ao crédito - cfr. fls. 3 e seguintes do PA junto aos autos.
B. Da análise feita pela AT, à declaração de IRS de 2009 dos sujeitos passivos constam os seguintes rendimentos:
NOME RENDIMENTOS BRUTOS
CAT.A CAT.C CAT.F TOTAL
Paulo …………………. € 9.100,00 € 866,72 € 2.448,84 € 12.415,56
Ana ……………………… € 6.956,30 -- -- € 6.936,30
TOTAL RENDIMENTOS DO AGREGADO FAMILIAR € 19.351,86
C. E, na mesma declaração de IRS, do ano de 2009, apresentada pelos sujeitos passivos de imposto, supra identificados, foram indicadas as deduções à colecta a seguir discriminadas:
DESCRIÇÃO MONTANTE EM €
Despesas de Saúde 83,48
Juros e amortizações de dívidas 9.961,48
Seguros de acidentes pessoais e de vida 839,99
Seguros de risco de saúde 1.769,32
Despesas de Educação 548,05
Total 13.202,32
cfr. fls. 4 e seguintes do PA junto aos autos.

D. A AT verificou a existência de outras despesas devidamente comprovadas e constantes no sistema informático da DGCI, referentes aos sujeitos passivos:
OUTRAS DESPESAS VALOR
Despesas declaradas no IRS € 13.202,32
IMT € 2.025,00
IS € 1.200,00
IMI € 817,46
TOTAL DAS DESPESAS CONHECIDAS € 17.244,78
cfr. fls. 5 e seguintes do PA junto aos autos.

E. A AT aferiu os valores, supostamente, (in)disponível para o sujeito passivo e agregado familiar (4 pessoas):
Rendimentos Brutos Declarados € 19.351,86
Despesas conhecidas do s.p. e seu agregado familiar € 17.244,78
Total disponível por ano €2.107,08
Média por mês € 175,59
Média disponível por dia (30 dias) €5,85
cfr. fls. 5 e seguintes do PA junto aos autos.

F. Em 13/03/2012, a Direção de Finanças da Guarda, emitiu o ofício n.° 30729 dirigido a Paulo …………….. e Ana …………….., o qual referia que no ano de 2009, os mesmos teriam adquirido um imóvel, artigo urbano, na freguesia da Sé, concelho da ………….. (090742), inscrito na matriz sob o número 925, pelo valor de € 150.000,00, aquisição esta sem recurso ao crédito; pagaram pela referida aquisição o valor de € 2.025,00 de IMT e o valor de € 1.200,00 de Imposto de Selo e declararam despesas no IRS, no anexo H, no valor de € 13.202,32. “Tendo em conta que o rendimento global liquido declarado para efeitos de tributação em sede de IRS nesse ano foi de € 11.575,86, encontram-se verificadas as condições previstas na alínea f) do art. 87° da LGT para a realização da avaliação indireta da matéria colectável, pelo que se notifica V.Exª. nos termos do nº 3 do art. 89° -A da LGT, para no prazo de 10 dias, comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efetuada. Tendo em consideração que, nos termos do nº 11 do mesmo artigo “A avaliação indireta no caso da ai. f) do nº 1 do art. 87°, deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias” poderão desde já conceder autorização para o levantamento total do sigilo bancário das contas das quais V. Exª.s são titulares” - cfr. fls. 20 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G. Em 13/04/2012, os AA, vem responder ao Diretor de Finanças da Guarda, o seguinte:
“Os rendimentos declarados correspondem aos auferidos;
O preço pago para a aquisição do imóvel, foi com recurso às poupanças que o casal conseguiu fazer ao longo da sua vida e com produto de doações que lhe foram feitas pelos pais, doações essas manuais e que e que tinham lugar ao longo de vários anos, designadamente, Natal e aniversários;
O pagamento de € 75.000,00, resultou também de doação do mesmo montante feita diretamente pelo pai para esse fim e foi efetivada através de cheque visado com o nº ……………., sacado ao Banco …………, entregue e endossado à ordem da vendedora do referido imóvel, Maria ……………………. e, ainda, da mãe do respondente (...)
Considera que não se verificam os requisitos atinentes à abertura de procedimento com recurso a avaliação indireta” - cfr. fls. 23 e seguintes do PA junto aos autos.
H. Em 18/04/2012, o A. é notificado através do Oficio n° 30997, dando conhecimento à AT que foram invocados elementos que carecem de confirmação junto de instituições bancárias. Assim, sob pena de os mesmos não poderem ser tidos em conta na nossa análise, notifica-se V. Exª.s, para em 5 dias, autorizarem o levantamento total do sigilo bancário das contas das quais são titulares - cfr. fls. 39 e seguintes do PA junto aos autos.
I. Em 21/05/2012, é realizada informação fundamentada para levantamento do sigilo bancário, aos ora AA., a qual veio a ser confirmada pelo Diretor de Finanças da .………. em 25/05/2012 e, posteriormente, enviada para a entidade competente de decisão, o Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, da qual sobressaem as seguintes conclusões:
“Face aos valores declarados pelos s.p. ao longo dos últimos 10 anos que antecederam a aquisição, verifica-se que abatendo aos rendimentos brutos as contribuições para a segurança social e as despesas declaradas em sede de IRS, os s.p ficaram com um rendimento disponível próximo do valor do salário mínimo nacional, sendo em vários anos abaixo desse valor. Tendo em conta que nas despesas já declaradas em sede de IRS, não constam as despesas elementares necessárias à subsistência, os rendimentos declarados não permitem poupanças que justifiquem a aquisição efetuada no ano de 2009 (...) mesmo considerando que metade do valor foi pago pelo seu pai) (...)
Em 1997, o sujeito passivo Paulo ………………., conclui a construção de uma casa de dois pisos e área de implantação de € 240,00 m2, na freguesia do ……….., concelho da …………, inscrita na matriz sob o artigo 293 (os sujeitos passivos entregam declaração de IRS desde o ano de 1995, não tendo nesse ano nem no seguinte declarado quaisquer rendimentos e, em 1997 um rendimento bruto de € 3.959,46) e em Março de 2003 adquiriu por € 75.000,00, sem recurso ao crédito, dois prédios urbanos e um rústico na freguesia do ………, ……………. Tendo em conta o já exposto, nos pontos anteriores também estas aquisições teriam de ser efetuadas com recurso a poupanças mencionadas pelo sujeito passivo;
Os rendimentos dos pais do sujeito passivo Paulo ……… (...) também não são concordantes com o montante das doações que seriam necessárias ás várias aquisições mencionadas (...) pelo que não ficou comprovado pelo sujeito passivo a fonte dos rendimentos que permitiram o acréscimo do património ocorrido em 2009” - cfr. fls. 44 e seguintes do PA junto aos autos.
J. Em 06/06/2012, o Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, emite despacho autorizando os funcionários da Inspeção Tributária a acederem, diretamente, a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias em que sejam titulares os sujeitos passivos, Paulo ………………. e Ana …………….. - cfr. fls. 46 e seguintes do PA junto aos autos;
K. Em 12/06/12, os ora AA. são notificados da decisão do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - cfr. fls. 55 e 56 do PA junto aos autos;
L. Em 19/06/2012, o Banco de Portugal recebe o Ofício n° 31261 da Direção de Finanças da Guarda, para a derrogação do sigilo bancário dos s.p. - cfr. fls. 53 e 54 do PA junto aos autos.

II.2 - FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. »
***
Neste apelo, como única questão decidenda, identificamos a tarefa de avaliar se a sentença recorrida padece de errado julgamento, ao concluir que a situação julganda, aquisição, em 2009, de um imóvel, pelo valor declarado de € 150.000,00, quando os contribuintes manifestaram, no mesmo ano, o total de rendimentos (brutos) / IRS, do agregado familiar, de € 19.351,86, é subsumível na previsão do art. 87.º n.º 1 al. f) LGT (1), permissiva de avaliação indireta, aquando da existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (2), com a consequente possibilidade de acesso, sem consentimento, por parte da administração tributária/at, a informações ou documentos bancários, nos termos do art. 63.º -B n.º 1 al. c) LGT (3). Na tese dos Recorrentes/Rtes, fundamentalmente, a identificada alínea f) não se aplica nos casos de aquisição de imóveis, dado estes estarem sujeitos ao regime específico constante do art. 89.º -A LGT, pelo que, a sua compra por valor inferior a € 250.000 não constitui manifestação de fortuna, para efeitos de determinação indireta da matéria tributável.
Salvaguardado o devido respeito, este pronunciamento apresenta-se-nos sem substrato plausível, mediante a consideração do cenário legal pertinente.
Efetivamente, desde logo, como se aponta na sentença, a visada alínea f) do n.º 1 do art. 87.º LGT nenhuma diferenciação/exclusão faz ou pressupõe entre bens móveis e imóveis ou direitos, para além de que, tendo sido aditada quando já se encontrava, entre outras, prevista a alínea d), objetivamente, representou a vontade, do legislador, em aumentar o número das situações de facto legitimantes da efetivação, por parte da at, de avaliação indireta da matéria tributável, no âmbito de uma estratégia pública de ataque, o mais abrangente possível, à fraude e evasão fiscal.
Em todo caso, ainda que, num primeiro momento, se tenham sentido dúvidas e inerentes dificuldades para compatibilizar, na prática, a aplicação do disposto nas alíneas d) e f) do art. 87.º LGT, com o aditamento a este do atual, aqui aplicável, n.º 2 (4), foi assumido o claro propósito de dar prevalência ao regime acompanhante da segunda, sobretudo, para efeitos do que se deve considerar como rendimento tributável, opção que, além do mais, evidencia a vontade legislativa de afastar procedimentos e pronúncias defensoras da existência de regime específico, para algum tipo de bens. Doutro modo, ao admitir, no novel segmento normativo, a possibilidade de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f), o legislador estatuiu o funcionamento da alínea f) mesmo quando estão envolvidos os bens ou realidades relevantes para efeitos da constatação de “manifestações de fortuna”, bem como, logicamente, que esta seja atuante nos casos em que os mesmos bens ou realidades não se mostram acolitados de certos e determinados valores monetários.
Sumulando, no que para a situação julganda interessa, a avaliação indireta da matéria tributável pode ser efetuada, a coberto do disposto no art. 87.º n.º 1 al. f) LGT, relativamente ao ato de aquisição de um imóvel, por valor inferior a € 250.000, desde que, como sucede se registe uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património (ou o consumo) evidenciados pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação.
Uma menção derradeira para, posto o conteúdo da conclusão 9ª, convocar e relembrar o seguinte tramo da sentença: «
Reportando-nos à justificação oferecida pelos recorrentes que cerca de € 75.000,00 resultaram de uma doação do pai (cheque visado), não conseguiram os recorrentes fazer prova da relação do beneficiário do cheque com o negócio da aquisição do imóvel. (…), sempre ficaria por esclarecer a fonte de rendimentos dos recorrentes que possibilitou a angariação dos restantes € 75.000,00 uma vez que os recorrentes não solicitaram qualquer empréstimo bancário. »
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III
Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento a este recurso jurisdicional.
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Custas pelos recorrentes.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 20 de novembro de 2012
Aníbal Ferraz
Jorge Cortês
Eugénio Sequeira
(1) Redação da L. 55 -B/2004 de 30.12. (OE para 2005) e L. 64 -A/2008 de 31.12. (OE para 2009).
(2) «Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.» - redação da L. 94/2009 de 1.9.
(3) L. 94/2009 de 1.9.
(4) «No caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do número anterior, a avaliação indirecta deve ser efectuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º -A.» - L. 64 -A/2008 de 31.12. (OE para 2009).