Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:64/17.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; OUTORGANTES; IVA; SUJEIÇÃO.
Sumário:I - O IVA é um imposto geral sobre o consumo que incide sobre uma actividade económica, ou seja, sobre operações que tendo enquadramento nos critérios de incidência objectiva do imposto previstos no artigo 1.º do CIVA, preenchem os pressupostos do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
II - De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, são consideradas prestações de serviços, as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

C.A.R., impugnou judicialmente os actos de liquidação adicional de IVA n.°s 02195418, 02195420, 02195422, 02195424, 02195426, 02195428, 02195430, 02195432, 02195434, 02195436, 02195438, 02195440, relativas aos períodos de 97/03T a 99/12T, bem como as liquidações dos respectivos juros compensatórios, com os n.°s 02195419, 02195421, 02195423, 02195425, 02195427, 02195429, 02195431, 02195433, 02195435, 02195437, 02195439, 02195441, no valor total de 115.388,10 EUR (23.133.237$00), emitidos na sequência de acção inspectiva realizada pela AT.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 30 de Novembro de 2016, julgou procedente a impugnação e anulou os actos de liquidação impugnados.

Em momento anterior à prolação da sentença o Impugnante deduziu recurso do despacho interlocutório que deferiu o pedido de junção do processo administrativo tributário.

Afirma que o pedido de junção foi apresentado fora de prazo, pelo que não deveria ter sido deferido.

Por despacho proferido a fls. 127 foi o recurso admitido com subida a final.


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Inconformada com a sentença, veio a Fazenda Pública interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1o. O Impugnante não pode ser considerado como representante da sociedade F. T., porquanto nunca apresentou qualquer procuração para o efeito, sendo que, conforme vai assente e assumido na douta sentença, o Impugnante assume-se como Segundo Outorgante, como empresário em nome individual, com o NIPC 813...., como residente em território nacional, na R. A., n° 5.., em L.;
2°. Acrescendo que, uma leitura do contrato se mostra bastante clara e esclarecedora, pois o Impugnante “se obriga a prestar à RTP um serviço diário de informação jornalística de índole predominantemente económica com vista à produção e realização de uma série de programas para televisão intitulada genericamente de “RTP/ECONOMIA;
3o. A referência ao Impugnante é directa e inequívoca, não havendo qualquer referência, nesse contrato, à sua qualidade de representante, gestor, delegado ou procurador. 
4o. Não se compreendendo como pode ser considerado como representante se o mesmo não tem título bastante para isso, maxime procuração, nem tampouco assume essa qualidade no contrato;
5o. Na verdade, necessário se tornaria título bastante para actuar como representante, maxime a procuração que “é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. A palavra procuração é também utilizada para designar o próprio documento em que a mesma se contém.”;
6o. Sendo que é “através da procuração que o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último ”;
7°. Ora, o que ressuma do antedito é que sem título não pode nunca ser considerado representante, porquanto, não pode realizar negócios cujos efeitos se irão repercutir na esfera jurídica de terceiros sem qualquer documento ou declaração de vontade que o legitime a tal, sendo que nem sequer há uma posterior ratificação do negócio, por parte da F. T.;
8o. Acresce que, contrariamente ao que vai dito na douta sentença, não se mostra assente, por acordo que os pagamentos tenham sido efectuados em nome do F. T;
9o. Na verdade, questionado vai a correspondência entre os montantes acordados e efectuados, pois os mesmos não coincidem, além de que, a assinatura aposta no verso dos cheques é semelhante à constante da procuração forense passada pelo Impugnante, seguindo-se uma transferência para uma conta bancária, o que indicia claramente ter sido ele o verdadeiro beneficiário das importâncias dos cheques;
10°. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço;
11°. Destarte, a quanto alegado se deixa reiterado, não fez o tribunal de primeira instância uma correcta apreciação dos factos, nem uma adequada e correcta aplicação da lei e do direito a esses factos, com clara repercussão negativa na posição processual e na esfera jurídica da Fazenda Pública;
12°. Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.
TERMOS EM QUE,
Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais.
Todavia,
Em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!»
O Recorrido veio contra-alegar, tendo concluído da seguinte forma:
« I a) A Recorrente R.F.P., somente submete ao senso crítico e hierárquico deste Tribunal a questão da legitimidade passiva do Impugnante nas 24 liquidações em causa, mas não recorreu do sentenciado pagamento (e anterior liquidação) do mesmo 1VA (dos 3 anos) pela R.T.P., o que equivale “ab initio” à improcedência do seu parcial recurso, visto que ocorreu pagamento.

2a) A Recorrente (R.F.P.) aceita integralmente a matéria de facto considerada como provada e não provada, circunscrevendo-se à apreciação da matéria de Direito.

3a) Quem contratou desde o início até ao seu terminas com a R.T.P. a prestação dos serviços inerentes ao programa de televisão cm causa foi a F. T. e não o Impugnante, pelo que, os pagamentos ocorridos ao longo de anos foram para a F.T..

4a) A conclusão ínsita no ponto anterior estriba-se em quanto ficou aqui alegado sob os pontos 3.1 a 3.10, para onde se remete por razões de economia processual.

5a) Deixando-se como referências pontuais:

- o nome do programa ser o F. T.;

- alusões a F.T. no contrato em variados momentos;

- faturas, pagamentos e cheques, todos em nome da F.T.;

- todo o material c informação técnica do serviço prestado é do F.T.;

- a Administração Fiscal no seu relatório da Inspeção qualifica a F.T. como não residente em Portugal e escreve que o IVA daqueles serviços (já) foi pago pela R.T.P;

- a contratante R.T.P, (fls. 62), inequivocamente escreve e reafirma que o seu contrato é com a F.T. e não com o Impugnante.

6a) A alegada falta de válido e eficaz mandato por parte do Impugnante só agora foi trazida (em momento de Recurso) pela R.F.P., mas sem qualquer prova que lhe sirva de suporte e além disso nada foi evidenciado que prove vícios do exercício do mesmo, o que a ocorrer se circunscreve ao relacionamento entre mandante e mandatário, sem eficácia e relevo fiscal (art. 1157; 1161 e 1167, todos do Cód. Civil).

7a) O Impugnante era na época o elemento mais relevante e de confiança técnica e profissional da R.T.P., enquanto jornalista para garantir a qualidade e continuidade do programa.

8a) As assinaturas do Impugnante no verso dos cheques ínsitos no P.A.T., tem o título de Diretor, mas sempre acompanhadas de uma outra assinatura de diferente pessoa, com poderes de gestão e vinculação, na sociedade F.T., colocada sob carimbo desta sociedade.

9a) Da face - frente - dos cheques (fls. 244 a 255 do P.A.T.) fica certo que a única beneficiária do seu “quantum” é a sociedade F.T., o que se coaduna e conjuga com o descritivo dos cheques de fls. 63 (em folha timbrada da R.T.P.).

10a) A R.T.P. liquidou e pagou o I.V.A., devido pela F.T., em relação aos 3 exercícios aqui sob “pleito” em respeito pelo estatuído no n.° 3 do art. 29° do C.I.V.A.:

- a F.T. é residente no estrangeiro, prestou serviços em Portugal e não tem representante em território nacional.

11a) Em face do pagamento (e liquidação) do I.V.A. devido pelas aludidas prestações de serviços a favor da R.T.P. as 24 liquidações exigidas ao Impugnante são ilegais e evidenciam duplicação de colecta (art. 205° do C.P.P.T.), o que por si só conduz à sua ilegalidade e anulação.

IV. Do Pedido:

Termos em que a final se espera e requer que seja lavrado Acórdão que sentencie a improcedência deste Recurso in totum, mantendo porque certa a sentença da 1ª instância. »


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Nos anos de 1997, 1998 e 1999, o ora Impugnante exerceu a actividade de jornalista, encontrando-se enquadrado, em sede de IVA, no regime normal trimestral (cfr. página 2 dos relatórios de inspecção juntos a fls. 7 a 17, 66 a 76 e 130 a 140 do processo administrativo apenso);

B) Em data anterior a 05.04.1993, a RTP iniciou a emissão regular do programa “RTP/F. T.”, fornecido pela F. T. e coordenado pelo ora Impugnante (cfr. documento de fls. 62 dos autos);

C) No âmbito dos contactos estabelecidos tendo em vista a formalização de um contrato para regulamentação da relação subjacente à emissão do programa mencionado em B), foi dirigida ao Impugnante, pelo Chefe do Departamento de Noticiários e Actualidades da RTP, carta datada de 05.04.1993, da qual consta o seguinte:

Imagem: Original nos autos

D) Em 05.09.1996, foi assinado pelo ora Impugnante, como segundo outorgante, e pelos representantes da R. P., S.A., como primeira outorgante, o denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, do qual consta, nos seus considerandos: “Que o SEGUNDO OUTORGANTE é titular para os territórios de Portugal Continental e Madeira dos direitos para televisão do material informativo fornecido pelo F. T. B. E., LTD.;

Que a RTP e o SEGUNDO OUTORGANTE, acordaram em que este forneça à RTP serviços de informação jornalística de índole económica baseados em informações prestadas por F. T. B. E., LTD.;

(...)

Que o SEGUNDO OUTORGANTE terá a seu cargo a concepção, coordenação e apresentação do referido programa;” (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

E) Consta da cláusula primeira do documento mencionado em D) que “[o] presente contrato tem por objecto a fixação das condições em que o SEGUNDO OUTORGANTE se obriga a prestar à RTP um serviço diário de informação jornalística de índole predominantemente económica com vista à produção e realização de uma série de programas para televisão intitulada genericamente “RTP/F. T.”.” (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

F) Da cláusula quarta do documento mencionado em D) consta que:

“1. Como contrapartida dos serviços, objecto do presente contrato, a RTP obriga-se a pagar ao SEGUNDO OUTORGANTE ou à F. T. C., LTD. mensalmente a quantia ilíquida de Esc.: 1.150.000$00 (um milhão, cento e cinquenta mil escudos).

2. Os pagamentos referidos no número anterior serão efectuados até 45 (quarenta e cinco) dias após a entrega de cada factura pelo SEGUNDO OUTORGANTE OU pela F. T. C., LTD. à RTP.” (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

G) Consta da cláusula quinta do documento mencionado em D) que “(...) os serviços objecto do presente contrato deverão ser prestadas nas instalações da sua Direcção Coordenadora de Programação e Informação, na A. .. O., n.° 1.., em L., sem prejuízo daqueles que pela sua natureza corram no exterior (...).” (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

H) Consta da cláusula sétima do documento mencionado em D) que “(...) os direitos de autor dos textos elaborados pelo segundo outorgante ficam a pertencer à RTP nos termos do disposto no n.° 1 do art° 14° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.” (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

I) Da cláusula nona, ponto 2, do documento mencionado em D) consta que, “na falta de patrocinadores ou de publicidade afectos directamente ao programa, a RTP pagará ao SEGUNDO OUTORGANTE OU à F. T. C., LTD., o montante de £ 300,00 (trezentas libras inglesas), por cada programa produzido (cfr. documento de fls. 84 a 87 verso dos autos e fls. 79 a 86 do processo administrativo apenso);

J) Em 20.11.1996, foi assinado pelo Impugnante, como segundo outorgante, e pelos representantes da R. P., S.A., como primeira outorgante, o documento denominado de “alteração a contrato”, no qual consta, na sua cláusula primeira, que a cláusula nona do denominado “contrato de prestação de serviços” referido em D) passa a ter o seguinte teor:

“1. A RTP pagará ao SEGUNDO OUTORGANTE ou à F. T. C., LTD, o montante de £ 300,00 (trezentas libras inglesas), por cada programa produzido.

(...)” (cfr. documento de fls. 149-150 dos autos);

K) As facturas relativas aos pagamentos previstos como contraprestação da prestação de serviços a que se reporta o contrato referido em D) foram emitidas à RTP pela F. T. C., Ltd, com excepção das facturas n.°s 20.. e 20.., de 31.07.1999, n.°s 20.. e 20.., de 30.09.1999, e n.°s 20.. e 20.., de 30.11.1999, as quais foram emitidas pela sociedade F. N. W., Lda (facto não contestado pela Fazenda Pública e que resulta do teor das facturas e documentos contabilísticos da RTP - diários - juntos a fls. 28 a 54, 87 a 116 e 151 a 170 do processo administrativo apenso e que constituem os anexos II e III dos relatórios de inspecção);

L) Os pagamentos previstos como contraprestação da prestação de serviços a que se reporta o contrato referido em D) foram efectuados a favor da F. T. C., Ltd, tendo os cheques sido emitidos à ordem desta sociedade (facto alegado pelo Impugnante, no artigo 14º da petição inicial, não contestado pela Fazenda Pública, e que resulta do teor da relação de pagamentos e dos cheques com cópia junto a fls. 242 a 273 do processo administrativo apenso);

M) Em cumprimento das ordens de serviço n.°s 3523, 3524 e 3525, de 27.06.2000, os Serviços de Inspecção Tributária da então 2.a Direcção de Finanças de Lisboa efectuaram uma acção de inspecção a cada um dos anos de 1997, 1998 e 1999 (cfr. relatórios de inspecção juntos a fls. 7 a 17, 66 a 76 e 130 a 140 do processo administrativo apenso);

N) No seguimento da elaboração de projecto de conclusões de relatório de inspecção, foi remetido ao Impugnante, pelos Serviços de Inspecção Tributária, ofício n.° 9949, datado de 22.05.2001, no qual se comunicava para, querendo, exercer o direito de audição sobre o referido relatório (cfr. documento de fls. 52 dos autos);

O) Em 04.06.2001, o Impugnante apresentou, junto dos Serviços de Inspecção Tributária da então 2.a Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento onde exerceu o direito de audição sobre o projecto de conclusões de relatório de inspecção (cfr. documento de fls. 54 dos autos);

P) No seguimento do facto mencionado na alínea que antecede, foi remetido ao Impugnante, pelos Serviços de Inspecção Tributária, ofício datado de 25.07.2001, no qual se comunicava para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões de relatório de inspecção, informando que “este projecto de conclusões do relatório substitui o enviado pelo n/ oficio n.° 9949 de 22/05/2001” (cfr. documento de fls. 54 dos autos);

Q) Em 03.08.2001, o Impugnante apresentou, junto dos Serviços de Inspecção Tributária da então 2.a Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento no qual exerceu novamente o direito de audição sobre o projecto de conclusões de relatório de inspecção (cfr. documento de fls. 58 dos autos);

R) Em 28.08.2001, foi elaborado relatório de inspecção para cada um dos anos inspeccionados (1997 a 1999), constando, em todos os relatórios, o seguinte:

Imagens: Originais nos autos

(...)” (cfr. relatórios de inspecção juntos a fls. 7 a 17, 66 a 76 e 130 a 140 do processo administrativo apenso);

S) Perante os fundamentos expostos em R) supra, tendo entendido que o Impugnante recebeu da RTP, nos anos de 1997, 1998 e 1999, em execução do “contrato de prestação de serviços” mencionado em D), 184.240,09 EUR

(36.936.821$00), 153.483,48 EUR (30.770.675$00) e 183.954,13 EUR (36.879.492$00), respectivamente, e que o mesmo era responsável pela liquidação e entrega do IVA devido por tais recebimentos, os Serviços de Inspecção Tributária apuraram IVA em falta relativo àqueles anos no valor de 31.320,81 EUR (6.279.259$00), 26.092,19 EUR (5.231.014$00) e 31.272,20 EUR (6.269.513$), respectivamente (cfr. relatórios de inspecção juntos a fls. 7 a 17, 66 a 76 e 130 a 140 do processo administrativo apenso);

T) Sobre os relatórios de inspecção mencionados na alínea R) supra, em 29.08.2001, foi proferido parecer da Chefe de Equipa de Inspecção, no qual é manifestada a concordância com as correcções ai propostas (cfr. documentos de fls. 5, 64 e 128 do processo administrativo apenso);

U) Sobre o relatório de inspecção referido em R), e na sequência do parecer mencionado em T) supra, foi proferido, em 30.08.2001, o seguinte despacho:

“Concordo. Proceda-se como se propõe” (cfr. documentos de fls. 5, 64 e 128 do processo administrativo apenso);

V) O Impugnante apresentou, junto dos serviços da Administração Tributária, pedido de revisão das correcções efectuadas, constantes dos relatórios referidos em R), ao abrigo do artigo 91.° da LGT (cfr. documentos de fls. 5, 64 e 128 do processo administrativo apenso);

W) No âmbito do procedimento de revisão mencionado em V), os peritos do sujeito passivo e da Administração Tributária não chegaram a acordo, tendo o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, por despacho de 22.03.2002, mantido os valores de imposto em falta fixados nos relatórios de inspecção mencionados em R) (cfr. documentos de fls. 226 a 234 e 276 a 279 do processo administrativo apenso);

X) Em resultado das correcções mencionadas supra, a Administração Tributária emitiu as liquidações de IVA n.°s 02195418, 02195420, 02195422, 02195424, 02195426, 02195428, 02195430, 02195432, 02195434, 02195436, 02195438, 02195440, relativas aos períodos de 97/03T a 99/12T, no valor total de 88.685,21 EUR, bem como as liquidações dos respectivos juros compensatórios n.°s 02195419, 02195421, 02195423, 02195425, 02195427, 02195429, 02195431, 02195433, 02195435, 02195437, 02195439, 02195441, no valor total de 26.702,89 EUR (cfr. documentos de fls. 24 a 47 dos autos);

Y) Pelas operações tributáveis a que se reporta o IVA apurado nas liquidações de imposto identificadas em X) que antecede, a RTP, antes da emissão dessas liquidações, já havia efectuado a liquidação e entrega desse IVA (facto alegado na petição inicial - artigos 64° e 66 - e não contestado, que foi expressamente reconhecido nos relatórios de inspecção referidos em R) supra - páginas 5 e 7 -, nos quais se faz notar que “a RTP, procedeu (...) à liquidação e entrega do IVA, nos termos do n.° 3, do art.° 29° do ClVA);

Z) Em 24.10.2002, a impugnação deu entrada em tribunal (cfr. fls. 1 dos autos).


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FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.

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Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentada pela Recorrente, resulta que está em causa saber se a sentença padece de erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do direito aos factos.

Como supra vimos, uma vez que o Impugnante deduziu recurso de despacho interlocutório, é por este que iniciaremos a nossa apreciação.

Consideremos as seguintes ocorrências processuais:

a) Em 12/11/2002 foi proferido despacho determinando a notificação da ERFP para, no prazo de 90 dias, contestar e solicitar a produção de prova adicional, nos termos dos artigos 110º nº1 e 3 e 111º do CPPT;

b)Em 08/05/2003 o ERFP deu entrada de requerimento nos autos solicitando a junção do PAT, com a menção de só naquela data lhe ter sido remetido;

c)Em 13/05/2003 foi proferido despacho (fls.104) deferindo a requerida junção do PAT e determinando a notificação do Impugnante da mesma;

d)Em 29/05/2003 o Impugnante deu entrada de requerimento, na sequência da notificação da junção do PAT, solicitando o desentranhamento do PAT, atenta a sua ilegalidade e intempestividade;

e)Em 04/06/2003 foi proferido despacho (fls.110) indeferindo o requerido desentranhamento, atento o disposto no artigo 110º nº5 do CPPT e ao princípio do inquisitório que vigora no âmbito do processo tributário (artigo 13º do CPPT);

f)Em 09/06/2003 o Impugnante deu entrada de requerimento, na sequência da notificação do despacho referido na alínea antecedente, solicitando a aclaração do mesmo, ao abrigo do preceituado no artigo 670º do CPC;

g)Em 12/06/2003 foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Requerimento de fls. 112 a 114: no que se refere ao despacho exarado a fls. 104, o seu fundamento legal encontra-se nos artigos 13º e 110º, nº5, do CPPT.

Já no que se refere aos fundamentos do despacho exarado a fls. 110, os seus fundamentos constam do mesmo, para onde se remete.

Notifique.”

h)Em 30/06/2003 o Impugnante deu entrada de recurso jurisdicional dos despachos de fls. 104 e 110.

i) Em 01/07/2003 foi proferido despacho de admissão de recurso de despacho interlocutório, a subir nos próprios autos com o recurso do despacho ou sentença que ponha termo ao processo.


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O Impugnante, aqui Recorrente, apresentou as seguintes conclusões, com as alegações recursivas:

1)O Representante da Fazenda Pública foi notificado nos termos e para os efeitos do consagrado sob o nº1 do art. 110º do CPPT (ou seja, para Contestar), no dia 15 de Novembro do ano de 2002, como melhor se alcança de fls. 80.

2)Nunca o RFP contestou o inicialmente articulado, o que poderia fazer até ao dia 15 de Fevereiro de 2003.

3)Alicerçando-se numa afirmação falsa – ínsita a fls.103 – pois tal nunca ocorreu, (“O RFP vem na sequência de contestação elaborada ao abrigo do nº1 do art.110º do CPPT …”), o RFP requereu a junção aos autos do processo Administrativo, no dia 8 de Maio do ano de 2003 – fls. 103.

4)Pelo Despacho de fls.104 o Sr. Juiz “a quo” limitou-se a tomar uma decisão, escrevendo: Deferido; nada mais dali constando quanto à fundamentação factual e legal.

5) O Senhor Juiz do Tribunal “a quo” Nunca de modo próprio usou o estatuído sob o nº5 do art. 110º do CPPT, para solicitar ao competente serviço periférico o envio do processo administrativo.

6) A informação ínsita de fls. 282 e 317 do Processo Administrativo foi lavrada com a data do dia 17 de Abril do ano de 2003, ou seja, mais de 60 (sessenta) dias para além do prazo limite para se formular a contestação (conforme já escrito na conclusão 2ª).

7) A decisão proferida de Deferimento da junção (fls.104) é ilegal por carecer de fundamentação, e ilegal por não ser formulada, conforme ao nº5 do art. 110º do CPPT.

8) O pedido do RFP, feito ao órgão periférico local, para envio do processo administrativo ficou precludido porque formulado para além do prazo – art. 110º nº3 do CPPT.

9) A remessa pelo órgão periférico local do processo em Abril, ou Maio de 2003, violou o disposto no nº1 do artº 111º do CPPT, daí a sua ilegalidade.

Nesta se incluindo a informação de fls. 282 a 317.”

Assegurado o contraditório, a FP não contra-alegou.

Cumpre decidir.

Está em causa a legalidade dos despachos proferidos pelo Juiz “a quo” que determinaram a junção do processo administrativo e aclararam a respectiva fundamentação.

Não se conforma o Impugnante com o deferimento da junção do PAT em virtude de não ter sido apresentada contestação pela FP, pelo que considera a junção intempestiva.

Vejamos.

Como resulta da factualidade processual que destacámos o ERFP requereu a junção do PAT em 08/05/2003, com a menção de só naquela data lhe ter sido remetido.

O pedido de junção do PAT foi alvo de despacho judicial de deferimento, devidamente notificado ao Impugnante.

Posteriormente, na sequência de pedido de desentranhamento do PAT deduzido pelo Reclamante, foi proferido despacho, a fls. 110, indeferindo o solicitado atento o disposto no nº5 do artigo 110º do CPPT e o princípio do inquisitório que vigora no âmbito do processo tributário, nos termos do preceituado no artigo 13º do CPPT.

Solicitada a aclaração dos despachos pelo Impugnante, foi proferido despacho (fls. 117) nos termos transcritos no ponto g) das ocorrências processuais por nós individualizadas.

Adiante-se que não tem razão o ora Recorrente.

Como, de resto, bem esclareceu o Juiz a quo nos diversos despachos proferidos em torno da junção do PAT.

É que, independentemente do prazo para deduzir contestação, a FP tem sempre a obrigação de juntar aos autos o PAT, e essa junção não está dependente do prazo de contestação, como resulta dos nºs 3 e 5 do artigo 110º do CPPT, na redacção aplicável.

Acresce que, ainda que a FP o não faça, a verdade é que o CPPT estatui, no nº5 do artigo 110º, que pode o juiz, a todo o tempo, ordenar ao serviço periférico local a remessa do processo administrativo tributário, mesmo na falta de contestação do representante da Fazenda Pública.

Isto dito, não faz sentido, como pretende o ora Recorrente, insistir na tese da intempestividade da junção do PAT, pois que, sempre poderia o juiz a quo, a todo o tempo, determinar a sua junção.

Assim sendo, também por razões de economia processual, seria redundante não admitir a junção, como pretende o Recorrente, já que, nos termos da referida norma, sempre poderia o juiz determinar a sua junção posteriormente.

Afirma, por outro lado, o Recorrente que o despacho recorrido carece de fundamentação.

Não é verdade.

Como se deu nota, foi proferido despacho, na sequência de pedido de aclaração do despacho que deferiu a junção do PAT, no qual se identificam as normas que respaldam o deferimento em causa, sendo que a fundamentação aí constante é suficiente para que se conheçam as razões e normas jurídicas em que se baseou a decisão ora recorrida.

Carece, pois, de razão o Recorrente, pelo que será de negar provimento ao recurso de despacho interlocutório.


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Debrucemo-nos, agora, sobre o recurso interposto pela FP da sentença proferida pelo TT de Lisboa.

A sentença recorrida considerou procedente a impugnação judicial e anulou as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes aos anos de 1997 a 1999.

Dissente a Fazenda Pública do decidido por entender que não está demonstrado nos autos que o Recorrido tenha assinado o contrato de prestação de serviços que deu origem à tributação em sede de IVA na qualidade de representante, gestor, delegado ou procurador da sociedade F. T., Ltd, mas antes em seu nome próprio.

Refere a Recorrente que o Recorrido não pode ser considerado como representante da sociedade F. T., porquanto nunca apresentou qualquer procuração para o efeito, sendo que, conforme ficou assente e assumido na sentença recorrida, o Recorrido assume-se como Segundo Outorgante, e empresário em nome individual.

E que, contrariamente ao decidido, não se mostra assente, por acordo, que os pagamentos tenham sido efectuados em nome da F. T., questionando a correspondência entre os montantes acordados e efectuados, já que os montantes não coincidem, além do que a assinatura aposta no verso dos cheques é semelhante à constante da procuração forense passada pelo Recorrido, seguindo-se uma transferência para uma conta bancária, o que indicia, no entendimento da Recorrente, claramente, ter sido o Recorrido o verdadeiro beneficiário das importâncias dos cheques.

Comecemos por apreciar a questão da qualidade em que o Recorrido outorgou o contrato de prestação de serviços celebrado com a RTP, cujos pagamentos deram origem à liquidação adicional de IVA em causa nos presentes autos.

A sentença recorrida entendeu o seguinte:

“(…) No caso em apreciação, sendo certo que o Impugnante outorgou o contrato de prestação de serviços, obrigando-se a efectuar as prestações de serviços que constituem as operações tributáveis que determinaram a emissão pela Administração Tributária das liquidações sindicadas nos autos, não é menos verdade que decorrem dos autos e do processo administrativo apenso um conjunto de factos e circunstâncias que permitem concluir que o mesmo outorgou aquele contrato, em representação, por conta de uma outra entidade.(…)

A sentença recorrida considerou relevante, e determinante, a circunstância de as facturas terem sido emitidas pela F. T., Ldt e não pelo Recorrido, pelo que entendeu não ser o mesmo sujeito passivo de IVA por conta da prestação de serviços em causa.

Da matéria de facto assente, nomeadamente, do teor da alínea d) do probatório, consta que, no âmbito do contrato de prestação de serviços em causa, figuram como outorgantes a RTP, na qualidade de primeiro, e o Recorrido, como segundo.

Não há referência alguma, no que se refere à qualidade de outorgante, da entidade F. T., Ltd, com sede em Gibraltar.

É certo que no clausulado do contrato, por diversas vezes (vide cláusulas 4ª e 9ª, referidas nas alíneas f) e i) do probatório), vem referida aquela sociedade, como receptora do pagamento da contrapartida da prestação do serviço, em alternativa ao Recorrido.

Não se percebe, porém, a que título surge, já que não é outorgante no contrato, nem se demonstrou e provou que o Recorrido fosse seu representante ou procurador, como, aliás, afirma a Recorrente.

A sentença recorrida alicerçou a sua decisão, em larga medida, no facto de as facturas terem sido emitidas pela F. T., Ltd e na circunstância de a RTP ter liquidado IVA relativamente às mesmas.

Não é despiciendo, antes curial, referir que, no âmbito da mesma acção inspectiva e relativamente ao mesmo contrato de prestação de serviços, foram efectuadas correcções em sede de IRS ao Recorrido, tendo este deduzido impugnação judicial das liquidações decorrentes.

Ora, no âmbito da impugnação judicial que correu termos com o nº 650/02.0BTLRS, em que estava em causa a liquidação de IRS relativa ao ano de 1998, do ora Recorrido, foi proferido Acórdão por este TCAS, em 08/07/2021, assinado pela ora Relatora na qualidade de 2ª Adjunta, no qual se negou provimento ao recurso interposto pelo aqui Recorrido e se manteve a sentença recorrida que tinha considerado improcedente a impugnação judicial, e manteve as liquidações impugnadas, por considerar o Impugnante como o efectivo prestador de serviços.

Ou seja, concluiu-se que obteve rendimentos decorrentes daquele contrato de prestação de serviços e que os mesmos deviam ser tributados em sede de IRS, na esfera jurídica do aqui Recorrido.

Concordamos com aquele juízo.

É que, de facto, não há dúvidas que outorgante naquele contrato foi o Recorrido e não a sociedade FT, Ltd.

Ora, se o Recorrido recebeu rendimentos, no âmbito daquele contrato de prestação de serviços, tributáveis em sede de IRS, também será sujeito passivo em sede de IVA, pois que, como supra se viu, o contrato foi outorgado em seu nome pessoal e não em representação de qualquer outra entidade.

Não releva, para este efeito, o facto de a RTP ter eventualmente liquidado IVA sobre os montantes pagos, já que, a ser assim, o fez indevidamente.

Ou seja, tal não constitui motivo para a não tributação do Recorrido, podendo, eventualmente, se for caso disso, vir a RTP a ser reembolsada dos montantes pagos indevidamente, o que não cabe, nesta sede, averiguar.

Assim sendo, e considerando o decidido no referido Acórdão, resta-nos considerar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, assim se julgando improcedente a impugnação judicial.


V - Decisão

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da 1ª Sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)