Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09667/16
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS. REGIME DE ARGUIÇÃO.
INEXISTÊNCIA DE DECISÃO A DISPENSAR A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS.
CONHECIMENTO IMEDIATO DO PEDIDO PREVISTO NO ARTº.113, Nº.1, DO C.P.P.T., É OBRIGATÓRIO.
MEIO DE PROVA POR TESTEMUNHAS. CONDIÇÕES LEGAIS DA SUA PRODUÇÃO.
ÓNUS DA PROVA DA INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO COMPETE AO SUJEITO PASSIVO (CFR.ARTº.74, Nº.1, DA L.G.T.).
DEMONSTRAÇÃO ATRAVÉS DE QUALQUER MEIO DE PROVA, NOMEADAMENTE TESTEMUNHAL.
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6).
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
4. Tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.
5. A inexistência de decisão a dispensar a inquirição de testemunhas, enquanto meio de prova oferecido na petição de impugnação, cabe na álea de actuação do Tribunal “a quo” ao abrigo do artº.113, nº.1, do C.P.P.T., não devendo considerar-se nulidade insanável, no âmbito do processo tributário, dado não se enquadrar na enumeração constante do artº.98, nº.1, do mesmo diploma. Igualmente não se podendo visualizar como nulidade secundária, nos termos do artº.195, nº.1, do C.P.C., aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.
6. O conhecimento imediato previsto no artº.113, nº.1, do C.P.P.T., é obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no mesmo preceito (“...conhecerá...”). No caso de estar em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido.
7. A prova testemunhal é admitida por regra, somente assim não acontecendo quando o facto em causa estiver provado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena, ou quando o mesmo facto, por disposição da lei ou estipulação das partes somente possa ser provado por documento (cfr.artºs.392 e 393, do C.Civil). No processo judicial tributário, em face da regra da admissibilidade de todos os meios gerais de prova (cfr.artº.115, nº.1, do C.P.P.T.), quando não existir na lei especial exigência sobre determinado tipo de meio de prova (v.g.documental), os interessados podem servir-se de qualquer meio legal de prova previsto no direito probatório material.
8. O impugnante/recorrente pode invocar que o declarado não corresponde à verdade, caso em que deve fazer prova dos factos constitutivos do seu direito nos termos do disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T., mais precisamente a alegada inexistência do facto tributário, a demonstrar através de qualquer meio de prova, nomeadamente testemunhal, visto que a doação, enquanto facto tributário que fundamentou a liquidação não consta de qualquer documento e muito menos com força probatória plena.
9. Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário.
10. Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
C..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.180 a 186 do processo, através da qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, visando liquidação de imposto sobre as sucessões e doações relativa ao ano de 1995 e no montante de Esc. 3.191.356$00/€ 15.918,42.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.233 a 236 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões (após notificação para sintetizar as mesmas):
1-Da petição inicial apresentada pela recorrente constam como meios de provas, quer prova documental quer prova testemunhal;
2-Ora, salvo o respeito que é devido, o artigo 120º do CPPT é claro, quando determina que finda a produção de prova, são os interessados notificados para alegarem por escrito;
3-A produção de prova testemunhal é tida pela recorrente como essencial à sua defesa e meio de prova admitido pelo CPPT;
4-Contudo, tal direito - o da produção de prova testemunhal - foi coarctado pelo Tribunal " a quo";
5-Sem qualquer norma legal, suporte doutrinal ou jurisprudência, o Tribunal "a quo", anulou direitos e garantias de defesa da aqui recorrente;
6-Aliás, o Tribunal "a quo" pura e simplesmente ignorou tal produção de prova, pois que nem despacho foi proferido sobre tal matéria, em clara violação do preceituado no artigo 608º, nº 2 do C. P. Civil, aplicável ex vi art.º 2, alínea e) do CPPT;
7-Ora, impõe o artigo 615º, nº 1, alínea d) do C.P.Civil, aplicável ex vi art.º 2, alínea e) do CPPT, é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar;
8-Mas mais, defende-se que o Tribunal " a quo" violou grosseiramente do disposto nos artigos 108º. nº3, 115º, nº 1 e 118º todos os CPPT, pelo que deverá considerar-se anulado todo o processado apos a contestação da Fazenda Nacional, como se impõe, nos termos do artigo 195º do C.P. Civil e 98º. nº 3 do CPPT;
9-Sem prescindir, sempre se dirá que o Tribunal " a quo" perante a prova que permitiu ser carreada para os autos, toma a decisão com bases em pressupostos errados, pois que crê-se que perante a prova documental dos autos se retira, que o facto jurídico em causa não integra o disposto no artigo 1º do CIMSISSD;
10-O presente processo de impugnação teve origem no despacho de indeferimento de Recurso Hierárquico da Autoridade Tributaria e Aduaneira de fls. dos autos;
11-Ora, resulta da fundamentação da Autoridade Tributaria e Aduaneira, que tendo sido declarado um facto pelo contribuinte, não pode este, a posterior, vir corrigir tal declaração;
12-Parecemos uma posição errada, tanto mais que, conforme se disse, durante os diversos requerimentos, reclamações e recurso apresentados pelo sujeito passivo, pelo mesmo foi dito a razão pela qual, participou uma doação, quando na realidade o negócio jurídico celebrado foi uma cessão de quotas;
13-Ou seja, no âmbito de fiscalização tributaria ao pai do sujeito passivo A... e à sociedade P..., Lda., e atendendo aos elementos contabilísticos e ao não pagamento dos montantes acordados da escritura lavrada em 04 de Fevereiro de 1993, no 1º Cartório Notarial de …, que se juntou sob o documento nº 1 da impugnação e dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, determinou o inspector que se tratava de uma doação, pelo que tal facto deveria ser participado À Autoridade Tributaria, nos termos da respectiva legislação;
14-O negócio jurídico celebrado em escritura lavrada em 04 de Fevereiro de 1993, no 1º Cartório Notarial de …, cessão de quotas, é um negócio oneroso e bilateral, entendendo-se com tal a constituição de obrigações para ambas as partes;
15-Dos elementos probatórios constantes dos presentes autos, o facto tributário que a Autoridade Tributária e Aduaneira quer imputar à impugnante, nunca existiu, cfr. o descrito no artigo 1º do CIMSSID;
16-Uma vez que pretende a Autoridade Tributaria, baseada em errados pressupostos, qualificar um facto jurídico - cessão de quotas-com doação e assim sujeitá-lo a imposto;
17-Não pode subsumir-se uma cessão de quotas na norma em causa;
18-São factos jurídicos distintos - a cessão de quotas e a doação - e como tal sujeitos a tributos distintos;
19-Dos documentos apresentados resulta a celebração do contrato de cessão de quotas e nunca uma doação;
20-Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, Venerados Desembargadores, deve a presente sentença ser revogada, e em consequência:
A-Ser considerado anulado todo o processado apos a contestação da Fazenda Nacional, como se impõe, por violação do disposto nos artigos 108º, nº3, 115º, nº 1 e 118º todos os CPPT, nos termos do artigo 195º do C.P. Civil e 98º, nº 3 do CPPT, aplicável ex vi art.º 2, alínea e) do CPPT. Se assim não se entender,
B-Ser a sentença decretada nula por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do C. P. Civil, aplicável ex vi art.º 2, alínea e) do CPPT. Se assim não se entender,
C-Ser a sentença revogada e substituída por outra, por erro manifesto na apreciação da prova. Repondo desta forma Justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.240 a 247 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.181 a 183 dos autos):
1-Por escritura pública efectuada no 1º Cartório Notarial de …, em 4/02/1993, a impugnante, C..., com o n.i.f. …, adquiriu à empresa “P..., L.da.” uma quota da sociedade “G..., L.da.”, no valor nominal de Esc.12.500.000$00, sendo a mesma outorgada pelos sócios da referida sociedade cedente e em sua representação legal, tendo-se convencionado o pagamento em cinco prestações no valor de Esc.2.500.000$00, cada (cfr.fotocópia da escritura efectuada no 1º C.N. de Lisboa junta a fls.39 a 46 dos presentes autos);
2-Por escritura pública efectuada no 1º Cartório Notarial de …, em 4/02/1993, o sócio M... da sociedade “P..., L.da.”, cedeu em favor do outro sócio e da sociedade “G..., L.da.”, a quota que detinha na 1ª, ficando a 2ª com uma quota no valor nominal de Esc.245.000.000$00 e o outro sócio com uma quota no valor nominal de Esc. 255.000.000$00 (cfr.fotocópia da escritura efectuada no 1º C.N. de Lisboa junta a fls.25 a 38 dos presentes autos);
3-Por escritura pública efectuada no 1º Cartório Notarial de …, em 29/03/1996, a impugnante cedeu à sociedade “P..., L.da.” a quota da sociedade “G..., L.da.”, e em pagamento da aquisição que havia efectuado da mesma quota através da escritura referida no nº.1 (cfr .fotocópia da escritura efectuada no 1º C.N. de … junta a fls.18 a 23 dos presentes autos);
4-Em 2/06/1995 a impugnante apresentou-se junto do 1º. Serviço de Finanças de …, tendo declarado que, enquanto donatária e para os efeitos do disposto no artº 60 do C.I.M.S.I.S.S.D., havia recebido de seus pais uma doação, em dinheiro no valor de Esc.12.500.000$00, no pretérito dia 4/2/1993, o qual se destinava a adquirir a quota referida no nº.1, em virtude do que se instaurou o processo de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações com o nº.13153 e se liquidou o imposto devido pela transmissão, no montante de Esc.3.191.356$00/€ 15.918,42 (cfr.termo de declaração junto a fls.34 e 35 e autos de liquidação de I.S.S.D. junto a fls.36 e 37, tudo do processo de reclamação apenso);
5-Em 7/07/1995 a impugnante apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação referido no nº.4, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual alega que aquela aquisição da participação social apenas se destinou a contornar a proibição de aquisição de participações de uma sociedade dominante por parte da sociedade dominada, tendo-se determinado à reclamante que apresentasse os documentos comprovativos dos pagamentos efectuados na aquisição da quota da “P...“ e respectivos extractos bancários, tendo sido invocado que não chegou a efectuar o pagamento de qualquer prestação, tendo cedido a mesma quota à dita sociedade conforme escritura outorgada em 29/03/1996, pelo que se procedeu à realização de uma acção inspectiva à contabilidade da sociedade “P..., L.da.”, no intuito de apurar nos respectivos registos contabilísticos, os movimentos referentes à dívida pela cedência das referidas quotas e da sua anulação em decorrência da sua reaquisição, a qual não foi apresentada, pelo que foi proferida decisão de indeferimento da pretensão deduzida, em 18/05/2005 (cfr.requerimento de fls. 8 e segs, informação e termo de declarações de fls.59 a 61, ofício de fls.73, informação, parecer e despacho de fls.77 a 79, e despacho aposto sobre parecer e informação, constante de fls.93 e 94, tudo do processo de reclamação apenso);
6-Da decisão da reclamação graciosa supra referida, foi deduzido recurso hierárquico, o qual mereceu despacho proferido em 03/11/2011, da Subdirectora Geral da D.S.I.M.T., de indeferimento (cfr.petição de recurso junta a fls.92 e seg. e despacho, parecer e informação juntos a fls.104 a 111 do processo de reclamação apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita …”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve a liquidação objecto do processo (cfr.nº.4 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que o Tribunal "a quo" ignorou o requerimento de produção de prova testemunhal, pois que nem um despacho foi proferido sobre tal matéria. Que impõe o artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, aplicável "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T., que é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (cfr.conclusões 6 e 7 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
"In casu", o requerimento de produção de prova testemunhal não pode visualizar-se como uma "questão" (nos termos supra delineados) que devesse ser apreciada pelo Tribunal "a quo" na decisão da causa, pelo que falece de razão o apelante.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
O recorrente diverge do decidido alegando, em segundo lugar, que na petição inicial indicou como meios de provas, quer prova documental quer prova testemunhal. Que a produção de prova testemunhal é tida pelo recorrente como essencial à sua defesa e meio de prova admitido pelo C.P.P.T. Que o Tribunal "a quo" ignorou tal produção de prova, pois que nem um despacho foi proferido sobre tal matéria. Que o Tribunal "a quo" violou grosseiramente o disposto nos artºs.108, nº.3, 115, nº.1, e 118, todos do C.P.P.T., pelo que deverá considerar-se anulado todo o processado após a contestação da Fazenda Nacional, como se impõe, nos termos dos artºs.195, do C.P.Civil, e 98, nº.3, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 6 e 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar a existência de nulidade processual de que padecem os autos.
Examinemos se o presente processo enferma de tal vício.
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,14/5/2013,proc.6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.).
Voltando ao caso concreto, a inexistência de decisão de dispensar a inquirição de testemunhas cabe na álea de actuação do Tribunal “a quo” ao abrigo do artº.113, nº.1, do C.P.P.T., não devendo considerar-se nulidade insanável, no âmbito do processo tributário, dado não se enquadrar na enumeração constante do artº.98, nº.1, do mesmo diploma. Igualmente não se podendo visualizar como nulidade secundária, nos termos do artº.195, nº.1, do C.P.C., aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13).
É que, nos termos do citado artº.113, do C.P.P.T., se no âmbito do processo de impugnação em causa a questão a apreciar for apenas de direito ou, sendo também de facto, se o processo fornecer todos os elementos necessários para a decisão, será ordenada vista ao Ministério Público, para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas nos autos ou para promover outras no âmbito das suas competências legais, após o que deverá o Tribunal conhecer logo do pedido (cfr.artºs.113, nº.1, e 121, do C.P.P.T.).
O conhecimento imediato previsto neste artigo é obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no nº.1, deste artº.113 (“...conhecerá...”). No caso de estar em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.249 e seg.).
No caso “sub judice”, do exame das alegações produzidas pelo recorrente em 1ª. Instância e ao abrigo do artº.120, do C.P.P.T., deve concluir-se que a inquirição das testemunhas arroladas visava a produção de prova de que a doação nunca ocorrera e, por consequência, o facto tributário (cfr.artº.16 das alegações escritas juntas a fls.161 a 167 dos autos).
Aqui chegados haverá que saber se, na hipótese dos autos, a produção do meio de prova testemunhal será passível de realização visando a eventual demonstração da inexistência do facto tributário (doação) que baseou a liquidação de imposto sobre as sucessões e doações (cfr.nº.4 do probatório).
Como resulta da lei, a prova por testemunhas é admitida por regra, somente assim não acontecendo quando o facto em causa estiver provado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena, ou quando o mesmo facto, por disposição da lei ou estipulação das partes somente possa ser provado por documento (cfr.artºs.392 e 393, do C.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.615 e seg.).
No processo judicial tributário, em face da regra da admissibilidade de todos os meios gerais de prova (cfr.artº.115, nº.1, do C.P.P.T.), quando não existir na lei especial exigência sobre determinado tipo de meio de prova (v.g.documental), os interessados podem servir-se de qualquer meio legal de prova previsto no direito probatório material (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.257).
Revertendo ao caso dos autos, o reconhecimento pelo impugnante/recorrente da verificação de determinados factos que possam ser juridicamente qualificados como “facto tributário” releva para efeitos do ónus da prova e, por conseguinte, assentando a liquidação na declaração do contribuinte constante do “termo de declarações” (cfr.nº.4 do probatório), a A. Fiscal estava legitimada a estruturar a liquidação do imposto sobre as sucessões e doações. Tal não impede que o impugnante/recorrente possa invocar que o declarado não corresponde à verdade, caso em que deve fazer prova dos factos constitutivos do seu direito nos termos do disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T., mais precisamente a alegada inexistência do facto tributário, a demonstrar através de qualquer meio de prova, nomeadamente testemunhal, visto que a doação, enquanto facto tributário que fundamentou a liquidação não consta de qualquer documento e muito menos com força probatória plena. O que se encontra provado através de documento autêntico é a cessão de quotas (cfr.nº.1 do probatório).
Nestes termos, o impugnante/recorrente pode alterar a sua declaração vertida no “termo de declarações” e demonstrar a inexistência do facto tributário (inexistência da doação) através da produção de prova testemunhal, a qual não foi admitida pelo Tribunal "a quo", em violação do regime legal previsto directamente nos artºs.115, 118 e 119, do C.P.P.T.
E recorde-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites mencionados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Outubro de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)