Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09915/16
Secção:09915/16
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:IMPUGNAÇÃO MATÉRIA FACTO
NULIDADE POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFIQUEM A DECISÃO
Sumário:1. A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento da impugnação da matéria de facto, mais vincado no actual art.640º, nº.1 do CPC
2. A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto só ocorre quando a sentença seja totalmente omissa no tocante à fundamentação, não bastando que seja insuficiente, obscura ou mesmo errada visto, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzir num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade.
3. O que está em causa é a culpa do Recorrido pela falta de pagamento da dívida (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT) e não a culpa do oponente pela insuficiência do património da executada originária (art.º. 24.º, nº 1, alínea a), da LGT). Estando em causa a alínea b) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, presume-se a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida revertida, pelo que compete ao Recorrido alegar e provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Publica, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a oposição à execução nº..., instaurada no serviço de finanças de ..., originariamente contra a sociedade C..., SA e revertida contra R..., por dívidas relativas a IVA referente aos anos 2006, 2007 e 2008 e IRC referente a 2006, no valor total de €1.264.617,84, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:

A. A sentença recorrida, julgou procedente a oposição à execução deduzida por R..., afastando a presunção de imputabilidade pelo não pagamento das dívidas tributárias, consagrada na alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT, com o fundamento de não ter aquele praticado atos de gestão relativos à diminuição do património societário.
B. Atribuindo aos outros dois administradores, a realização dos atos de gestão relativos à diminuição do património societário.
C. No entanto, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, primeiramente porque entende que a sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, e por essa razão, não se consegue percepcionar ou apreender quais os motivos que levaram o Tribunal a quo a decidir como decidiu.
D. Desse modo, salvo melhor entendimento, a sentença recorrida padece de vício formal que determinará a sua nulidade, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º e al.)
b) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do CPC, e n.º 2 do artigo 123.º e n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.

E. Sem prescindir, afigura-se-nos existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos probatórios constantes dos autos em consequência de ausência de análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer.
F. Pois, da factualidade dada como provada resulta que o oponente exerceu de facto a administração da executada originária, nomeadamente, nos pontos K, L, M, N e O.
G. E, com maior interesse para a resolução do caso em apreço, podia o Tribunal recorrido ter dado como provado que o Oponente exerceu funções de administrador mesmo aquando do limite do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias em cobrança.
H. Porquanto, resulta dos autos prova suficiente para formar tal convicção, designadamente, a partir da prova testemunhal.
I. Refira-se também que o administrador C... faleceu em 28/08/2009, data muito anterior ao vencimento das dívidas, momento relevante em termos de responsabilização subsidiária pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
J. Com efeito, as datas limite de pagamento das dívidas em causa, ocorreram no caso do IRC referente ao período de 2006 em 17/01/2011, e relativamente ao IVA dos períodos de 2006 a 2008 a 28/02/2011.
K. Nesse sentido e para o efeito de responsabilização subsidiária do Oponente, também o depoimento prestado, em sede de inquirição, pela 1.ª testemunha C..., filha do recorrido, no sentido de ter sido contratada em 2010, pelo seu pai, para assumir funções de TOC, devia ser devidamente valorado.
L. Devia o Tribunal a quo ter dado como provado, que o Oponente desempenhou funções de administração na devedora originária, aquando das datas limite de pagamento ou entrega das dívidas objeto de reversão,
M. Atendendo a que tal facto não foi colocado em crise pelo Oponente ou pelos depoimentos das testemunhas, pela determinante razão de não se poderem considerar suficientemente credíveis.
N. Assim, perante a ausência de factualidade capaz de afastar a presunção de culpa do Oponente, não podia o tribunal a quo, decidir como decidiu.
O. Deste modo, entende a Representação da Fazenda Pública, não ter sido carreada para os autos, prova suscetível de demonstrar que a falta de pagamento da dívida tributária não foi imputável ao Oponente, mas a outro qualquer evento externo.
P. É que no concerne ao pressuposto da culpa, a prova testemunhal pouco ou nada acrescentou, fazendo-se apenas referência à existência de um desfalque por parte do TOC, bem como a meros aspectos circunstanciais como a crise vivida no setor imobiliário.
Q. Circunstancialismos que, sublinhe-se, não serviram de fundamentação ao afastamento da presunção de culpa, dada a abstrata e inconsistente argumentação apresentada, que não permite estabelecer uma relação causal entre o alegado e a falta de pagamento das dívidas revertidas.
R. Baseando a decisão no facto inverosímil de que o oponente não praticou atos de gestão relativos à diminuição do património societário.
S. Donde resulta um incorrecto apuramento de toda a factualidade necessária à boa decisão da causa e, consequentemente, erro na subsunção dos factos à norma aplicável no caso concreto.
T. Pois que, a aposição da assinatura do revertido em cheques e livranças de montante elevado, bem como, a declaração prestada, em sede de inquirição, pela 1.ª testemunha C..., filha do recorrido, no sentido de ter sido contratada em 2010, pelo seu pai, para assumir funções de TOC, não permitem formular tal conclusão.
U. E ainda que se tivesse como certa a ausência do revertido dos destinos da devedora originária, o que não se concede, tal facto de per si, não implica diretamente a falta de imputabilidade pelo não pagamento da dívida tributária.
V. Podia mesmo tal comportamento considerar-se censurável, e pouco consentâneo com a responsabilidade do exercício de funções de administração, uma vez que recaía sobre o Oponente um dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, consagrado no artigo 64.º do CSC, o qual integra os deveres de cuidado e lealdade.
W. Deveres esses que tanto podem ser violados por ação como por omissão.

X. No entanto, existindo nos autos elementos que permitem concluir pela administração efetiva por parte do Oponente, têm estes de ser valorados e tidos em atenção, na sua plenitude.

Y. Pelas razões acabadas de explanar, padece a douta sentença de erro de julgamento da matéria de facto, já que errou no juízo sobre os factos considerados provados, com base nos elementos tidos no processo, tendo ainda valorado erradamente a prova produzida.

Z. Pelo que, houve uma errada aplicação do direito, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, uma vez não existirem factos capazes de afastar a presunção de culpa aí consagrada.

AA. Defende assim a Fazenda Pública que, in casu, se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução aqui em questão,

BB. não logrando o Oponente, ter aduzido factualidade e prova capaz de demonstrar a ausência de imputabilidade, na falta de pagamento das dívidas tributárias revertidas,

CC. impondo-se por isso uma decisão judicial que considere o Oponente/recorrido parte legitima na execução.

DD. Para além disso, a decisão recorrida julgou mal os factos apurados, na medida em que, apesar do julgador poder formar livremente a sua convicção com base em qualquer das provas produzidas, a mesma terá que obedecer a critérios racionais, lógicos, objetivos e assentes nas regras da experiência, impondo-se-lhe um espírito critico relativamente à prova produzida, de modo a poder compreender-se o fio condutor do sentido da mesma.

EE. Não sendo compreensível que da discriminação do probatório fique assente a administração de facto do Oponente, servindo para a fundamentar, e se afaste a presunção de culpa do revertido, com base em prova testemunhal, concluindo-se que aquele afinal não praticou atos de gestão relativos à diminuição do património societário.

FF. Julgando-se mal os factos, consequentemente, houve uma errada aplicação do direito.

GG. Do exposto conclui-se que o douto tribunal ad quem deverá determinar a improcedência da oposição pela não demonstração de factualidade capaz de afastar a presunção de culpa do Recorrido, a partir do exame crítico das provas colocadas à apreciação do julgador.

HH. Mais se requer a V.ªs Ex.ªs, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I, nos termos dos n.ºs 2 e 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, atenta a simplicidade da causa e, bem assim, a lisura da sua conduta processual nos presentes autos

Nos termos vindos de expor e nos que Vªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a oposição à execução improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.”

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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer de fls. 454 a 457 dos autos no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pela Recorrente consiste em apreciar se a sentença a quo é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e se errou ao considerar que este é parte ilegítima para a reversão quanto as dividas em causa nos autos.

II.FUNDAMENTAÇÃO
II.1.DaMatériadeFacto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) Em 2011.03.21, no Serviço de Finanças de ..., foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº ..., contra C..., SA, com sede na Rua Dr. A..., nº 22, ... (cf. fls. 1 do PEF junto);
B) Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2011/187432, emitida em 2011.03.21, que atesta que C..., SA, com sede na Rua Dr.
A..., nº 22, ... é devedora de € 33 555,00 dos quais € 29 572,09 de IRC de 2006 e €3 982,91 de juros, com pagamento voluntário até 2011.01.17; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2011.01.18 (cf. fls. 2 do PEF junto);

C) Em 2011.07.21, ao PEF nº ..., foi apensado o PEF nº ..., instaurado contra C..., SA, com sede na Rua Dr. A..., nº 22, ..., para cobrança de dívidas de IVA e juros dos períodos de Janeiro, Junho e Outubro de 2006, Janeiro, Abril, Julho e Outubro de 2007, Março, Abril e Julho de 2008, ficando a dívida exequenda a valer por € 1 264 617,84 (cf. fls. 343 do processo – numeração do suporte físico);
D) A sociedade C..., SA, com sede na Rua Dr. A..., nº 22, ..., dedicava-se à promoção e montagem de projetos imobiliários, compra e venda de prédios rústicos e urbanos, e imóveis destinados à revenda, gestão de condomínios, arrendamento de imóveis, elaboração de projetos, realização de operações de loteamento urbano, compra e venda de materiais de construção, fiscalização de empreitadas, projetos de engenharia e consultadoria, locação de bens móveis afetos à atividade da empresa, e a realização de consultadoria (cf. fls. 357 a 360 – Id.);
E) Por despacho de 2013.05.09, do Chefe de Finanças, foi ordenada preparação do processo para efeitos de reversão da execução contra o Opoente, na qualidade de responsável subsidiário (cf. fls. 443 do PEF); deste despacho transcreve- se:

a. (…);

b. Face às diligências de folhas ---, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da execução contra R... (…), na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada;

c. c. (…);

d. Projeto da Reversão:

e. Insuficiência [do] património da executada para solver dívida. Pelo que nos termos artigo 23º nº 2 e artigo 153º CPPT. Assim [nos] termos do artigo 24/1.b) da LGT, fica V. Exa. identificado como gerente e responsável subsidiário pelo pagamento;

f. Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva:

g. Nº Processo Principal: ...;

h. Total da quantia exequenda: € 1 264 617,84;


F) Em 2013.06.03, no serviço de Finanças de ..., deu entrada requerimento em que o Opoente exerce, por escrito, o direito de participação na modalidade de audição prévia acerca do projeto de reversão (cf. fls. 552 a 555 do PEF);
G) Por despacho do Chefe de Finanças de 2013.09.16, constante de fls. 561 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o Opoente; deste despacho transcreve-se: a. (…)
b. Concordo com o informado, pelo que nos termos do artigo 24/1.b) da LGT, artigos 153/2, 159º e 160º do CPPT, converto em definitivo o projeto de despacho já notificado em sede audição, audição essa que considero não ter apresentado qualquer elemento de prova que possa contrariar esse despacho, ou qualquer outro dado provado documentalmente, pelos motivos já expostos e constantes da informação que antecede, pelo que reverto as dívidas contra os gerentes no valor de € 1 264 617,84 já identificados nos autos:

c. (…);

d. R...;

e. Com os sinais dos autos, com base na fundamentação constante da informação que antecede e naquela já notificada em sede de audição prévia e projeto de despacho de reversão: insuficiência evidente de bens penhoráveis da originária devedora para satisfazer o total da dívida – provada nos autos onde constam as diligências efetuadas para penhora de bens e certificação da gerência nos períodos em que as dívidas foram contraídas ou se encontravam a pagamento, havendo documentos nos autos por eles assinados que constituem provas da gerência de facto e ainda pela própria natureza das liquidações dos impostos em dívida, baseadas na fiscalização efetuada à sua contabilidade, também com cópia nos autos e disponíveis para consulta pela própria no site do Portal das Finanças;

f. (…);


H) Em 2013.10.08, o Opoente foi pessoalmente citado para os termos da execução, na qualidade de responsável subsidiário de C..., SA (cf. fls. 345 do processo – numeração do suporte físico);
I) Em 2013.11.06, no Serviço de ..., deu entrada a presente oposição (cf. fls. 5 – Id.);
J) O Opoente era vogal do conselho de administraç ão da sociedade C..., SA, com sede na Rua Dr. A..., nº 22, ..., segundo o pacto social (cf. fls. 357 a 360 – Id.);
K) Em 2006.09.25, o Opoente subscreveu a livrança nº 500873631021271216, do Banco ..., SA, a favor da sociedade C..., SA, no montante de € 1 000 000,00, conjuntamente com M... e C... (cf. artigos 24º a 27º da pi e fls. 156 dos autos – numeração do suporte físico);
L) Em 2007.04.02, o Opoente subscreveu a livrança nº 500873631021271240, do Banco ..., SA, a favor da sociedade C..., SA, no montante de € 540 000,00, conjuntamente com M... e C... (cf. artigos 24º a 27º da pi e fls. 160 dos autos – numeração do suporte físico);
M) Em 2007.09.03, o Opoente subscreveu a livrança nº 500873631021271267, do Banco ..., SA, a favor da sociedade C..., SA, no montante de € 280 000,00, conjuntamente com M... e C... (cf. artigos 24º a 27º da pi e fls. 164 – Id.);
N) Em 2008.12.16, o Opoente subscreveu o cheque nº 4901588924, sobre o Banco ..., SA, a favor da Conservatória do registo Predial de ..., conjuntamente com M... e C... (cf. artigos 21º a 24º da pi e fls. 166 – Id.);
O) Em 2008.12.30, o Opoente subscreveu o cheque nº 301588983, sobre o Banco ..., SA, a favor da Conservatória do registo Predial de ..., conjuntamente com M... e C... (cf. artigos 21º a 24º da pi e fls. 169 – Id.).

b)Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito

IV– Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou- se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram.

1ª Testemunha: C..., diretora financeira, filha do Opoente, trabalha com o Opoente na J..., SA, há 19 anos; a empresa tem sede em Alcabideche; sabe que a sociedade C... tinha sede em ...; o pai só se costumava deslocar a esta sociedade para participar nas assembleias; as sociedades C... – Sociedade de Construções, SA, C..., SA, e C... SGPS, SA, funcionavam como um grupo de empresas, com os mesmos funcionários; em 2010 foi nomeada TOC da C... Sociedade de Construções; tinha sido feita uma auditoria que identificou um desfalque e o pai pediu-lhe para assumir as funções de TOC; o sócio C... quis sair da sociedade e foi feita a auditoria; foi nessa altura que se deu conta do desfalque; o TOC emitia cheques a favor de outra empresa do grupo e posteriormente eram depositados na conta pessoal do TOC; crê que o desfalque terá sido de um milhão de euros; o administrador que estava sempre na empresa era C...; o IVA em causa foi apurado pela inspeção tributária por métodos indiretos.

2ª Testemunha: J..., contabilista reformado, foi colaborador da devedora originária; em 2008 o anterior contabilista da sociedade foi suspenso, e foi-lhe então pedida ajuda para colaborar; acompanhou a fiscalização da AT quem apurou o desfalque foi a P..; trabalhava para a sociedade Q... que funcionava, no 2º andar do mesmo edifício da sede da C...; esta funcionava no 1º andar; quem estava lá diariamente era o Sr. C..., raramente via lá o Opoente; além do desfalque de que foi alvo a crise no mercado imobiliário obrigou à baixa dos preços; como havia dívidas ao fisco não se podia fazer escrituras, pois não se conseguia emitir os IMT; as hipotecas aos bancos também eram impeditivas das vendas dos bens; trabalhou com o Sr. C... quando a C... construiu para a M...; o desfalque era feito nas folhas de vencimentos da C... Construções; M... era também administrador da sociedade Q...; M... e o Opoente eram também administradores da sociedade M....

3ª Testemunha: F..., reformado, diretor comercial de uma sociedade que prestava serviços à devedora originária; quem o constituiu procurador para comercialização dos imóveis da sociedade foi M...; tratava dos procedimentos para serem efetuadas as escrituras de compra e venda dos imóveis junto das Câmaras, das Finanças e outras; os preços dos imóveis eram comunicados pelo Eng. C...; quem lhe dava instruções era o TOC, L... e o Enç. C...; o Opoente não estava no edifício onde funcionava a sociedade e estava convencido que era apenas sócio e não administrador; sabe que era administrador da J...; o Opoente nunca lhe deu ordens ou instruções; depois da inspeção a empresa praticamente deixou de ter atividade.


*

Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto:
P) Em 2010, o aqui Recorrente, nomeou a sua filha C..., TOC da executada originária - C... Sociedade de Construções, cf. depoimento da 1ª testemunha.
*
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A Recorrente, nas suas alegações, impugna os factos vertidos na sentença a quo dizendo o seguinte:
Pois, da factualidade dada como provada resulta que o oponente exerceu de facto a administração da executada originária, nomeadamente, nos pontos K, L, M, N e O.
E, com maior interesse para a resolução do caso em apreço, podia o Tribunal recorrido ter dado como provado que o Oponente exerceu funções de administrador mesmo aquando do limite do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias em cobrança.
Porquanto, resulta dos autos prova suficiente para formar tal convicção, designadamente, a partir da prova testemunha

(…)
Nesse sentido e para o efeito de responsabilização subsidiária do Oponente, também o depoimento prestado, em sede de inquirição, pela 1.ª testemunha C..., filha do recorrido, no sentido de ter sido contratada em 2010, pelo seu pai, para assumir funções de TOC, devia ser devidamente valorado.
Devia o Tribunal a quo ter dado como provado, que o Oponente desempenhou funções de administração na devedora originária, aquando das datas limite de pagamento ou entrega das dívidas objeto de reversão,
Atendendo a que tal facto não foi colocado em crise pelo Oponente ou pelos depoimentos das testemunhas, pela determinante razão de não se poderem considerar suficientemente credíveis.
É que no concerne ao pressuposto da culpa, a prova testemunhal pouco ou nada acrescentou, fazendo-se apenas referência à existência de um desfalque por parte do TOC, bem como a meros aspectos circunstanciais como a crise vivida no setor imobiliário.
(…)
Pois que, a aposição da assinatura do revertido em cheques e livranças de montante elevado, bem como, a declaração prestada, em sede de inquirição, pela 1.ª testemunha C..., filha do recorrido, no sentido de ter sido contratada em 2010, pelo seu pai, para assumir funções de TOC, não permitem formular tal conclusão.”
Vejamos:
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123º, nº.2, do CPPT).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual art.640º, nº.1, do CPC que dispõe o seguinte:

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)
Ora, após leitura atenta das alegações e das conclusões de recurso verifica-se que o ónus a que a Recorrente está obrigado não se mostra integralmente cumprido.
A Recorrente tem obrigatoriamente de especificar, nas alegações de recurso os pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Deve fazê-lo enunciando quais os factos concretos constantes da PI que foram ou não dados como provados e que deveriam, em ser entender, ter sido, ora esta parte mostra-se suficientemente cumprida.
No entanto, nos termos do nº 2 a) do citado artigo a Recorrente tem de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sob pena de rejeição do recurso nesta parte, e até se o entender proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Ora, tal não foi feito nem nas alegações, nem nas conclusões. A Recorrente não especifica quais as passagens em concreto do depoimento da testemunha que são relevantes.
Posto isto, resta concluir que não pode este tribunal recursivo reapreciar a matéria de facto vertida na sentença em análise.


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas

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II.2. Do Direito

O que importa agora nesta sede averiguar é se a sentença a quo é nula e se incorreu em erro de julgamento de facto e direito quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrente é parte ilegítima para a execução quanto as dividas de IVA relativas aos anos 2006, 2007 e 2008 e IRC relativas ao ano 2006.

Começa a Recorrente por dizer que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que justifiquem a decisão, nos termos do artigo 615º nº 1 b) do Código do Processo Civil (CPC).

Para tanto argumenta seguinte: “A sentença recorrida, julgou procedente a oposição à execução deduzida por R..., afastando a presunção de imputabilidade pelo não pagamento das dívidas tributárias, consagrada na alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT, com o fundamento de não ter aquele praticado atos de gestão relativos à diminuição do património societário. Atribuindo aos outros dois administradores, a realização dos atos de gestão relativos à diminuição do património societário. No entanto, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, primeiramente porque entende que a sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, e por essa razão, não se consegue percepcionar ou apreender quais os motivos que levaram o Tribunal a quo a decidir como decidiu”

A sentença a quo, apresentou a matéria de facto supra descrita, e decidiu da seguinte forma,

“efetivamente, no despacho de reversão, o Chefe de Finanças invoca que o Opoente, assinou livranças e cheques. Tanto bastou para se inferir que foi gerente efetivo.

Com efeito, para além de todo o mais, estes mesmos são atos de administração.

Por último, invoca o Oponente não ter tido culpa na diminuição do património societário para a satisfação dos créditos tributários. Aqui, em face do depoimento das testemunhas, há que dar razão ao Oponente. Os atos de gestão relativos à diminuição do património societário, não estavam a seu cargo, mas dos dois outros administradores.

Ademais, o Oponente comprovou administrar a tempo inteiro uma outra empresa. Assim, não há base jurídica para lhe imputar a responsabilidade pelo pagamento da dívida fiscal.

Em apreciação da invocada nulidade, e antecipando desde já que a Recorrente não tem razão, importa dizer o seguinte:

Nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 b) do CPC, como é sabido e por varias vezes constante da jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação é motivo de nulidade da sentença – ou seja, a nulidade só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão judicial –, não se verificando este vício se o juiz optou por não reproduzir o conteúdo de determinados documentos ou por não reproduzir o conteúdo de determinados depoimentos, como foi o caso dos autos.

Num recente acórdão deste STA, a saber 0905/14 de 25/06/2014, entre outros, pode ler-se, no respectivo sumário, que

“a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem, com o mínimo de suficiência e de explicitação, os fundamentos de facto e de direito que a justificam, não devendo confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, visto só a esta última se reporta a alínea em questão”

Já em acórdão anterior se tinha afirmado “que, por um lado, a nulidade da sentença por falta de fundamentação está intimamente ligada à necessidade de esclarecimento das partes e, por outro, que esse vício pressupõe que a sentença não indique as razões jurídicas que estiveram na base da decisão (…). E, porque assim, esta nulidade só ocorre quando a sentença seja totalmente omissa no tocante à fundamentação, não bastando que seja insuficiente, obscura ou mesmo errada visto, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzir num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade” - Acórdão do STA de 09.01.13, Proc. n.º 01076/12.

Com efeito, a decisão objecto de análise autonomiza a “III – Fundamentação” onde inclui “a) factos provados”, “b) factos não provados” e “IV – Motivação da decisão de facto” onde se pode ler o seguinte:A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou- se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram.

1ª Testemunha: C... (…) 2ª Testemunha: J...(…) 3ª Testemunha: F...

Ora, no caso do acórdão impugnado, não se podendo afirmar que não há motivação alguma ou que, mesmo havendo-a, ela é de tal modo insuficiente que deva ter-se por inexistente. Pelo contrário, a fundamentação de facto nele contida é suficiente para elucidar as partes sobre o sentido da decisão, sendo explícitas e perfeitamente inteligíveis as razões que a motivam. Prova bastante disso, no que à Recorrente diz respeito, é a argumentação por si utilizada para sustentar o erro de julgamento que também imputa ao acórdão recorrido.

Além do mais, vem feito expressamente o resumo de que foi dito por cada testemunha, e conforme se pode ler no decidido supra transcrito, Aqui, em face do depoimento das testemunhas, há que dar razão ao Oponente.”

Face ao exposto, improcede a nulidade invocada.

Vejamos agora o invocado erro no julgamento, considerando, antes de mais, de que se mostra assente que o Recorrente exerceu a gerência da sociedade executada originária, uma vez que tal foi decidido pela 1ª instancia e não foi posto em causa no presente recurso.

Relativamente à legitimidade do Recorrente para a reversão a sentença decida pela prova do afastamento da culpa do Recorrido na insuficiência do património societário por entender que o depoimento das testemunhas foram relevantes para o afastamento da culpa.

No entanto não nos parece que assim seja, senão vejamos.

A dívida exequenda foi revertida contra o Recorrido com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, aplicável se o facto constitutivo e a cobrança se verificarem no período de exercício do cargo, e portanto, cabe-lhe provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável, pois presume-se a sua culpa.

Sobre o regime previsto na alínea a) e b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, vide o Acórdão do STA de 15/10/2014, proc. n.º 0167/13 “ (…) o que está em causa é a culpa do Recorrido pela falta de pagamento da dívida (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT) e não a culpa do oponente pela insuficiência do património da executada originária (art.º. 24.º, nº 1, alínea a), da LGT). Estando em causa a alínea b) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, presume-se a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida revertida, pelo que compete ao Recorrido alegar e provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável.” (sublinhados nossos).

Ora, o que é preciso ter presente é que a prova que cumpria fazer é a de a falta de pagamento da dívida revertida não é culpa do Recorrido.

Com efeito, está dado como assente que o Recorrido, nos anos das dividas aqui em causa 2006, 2007 e 2008, praticou actos de gerência que comprometeram o destino da sociedade perante terceiros, (factos das alíneas J) a O). Também consta dos depoimentos de testemunha que participava nas assembleias o que o colocavam a par do que se passava na empresa. Decidiu em 2010, alegamente após um desfalque, mudar de TOC. Relativamente a esse desfalque (ou desfalques) não está apurado qual o ano (depreende-se que terá sido em 2010, depois dos anos das dividas), qual o valor exacto, nem se existiu por parte da gerência participação criminal relativa ao mesmo.

Também relativamente ao que vem dito pela 2ª testemunha a crise no mercado imobiliário obrigou à baixa dos preços; como havia dívidas ao fisco não se podia fazer escrituras, pois não se conseguia emitir os IMT; as hipotecas aos bancos também eram impeditivas das vendas dos bens; nada vem demonstrado por parte do Recorrido no sentido de ter tomado medidas, atitudes e decisões para superar as dificuldades que a sociedade alegamente sentia. Tendo optado por se manter ausente nessas decisões.

Por tudo que vem dito, conclui-se que não está demonstrado que o Recorrido tenha afastado a sua culpa pela falta de pagamento das dívidas, uma vez que a prova é produzida é manifestamente insuficiente para dar como verificado o pressuposto legal que conduz à ilegitimidade do Oponente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Assim sendo, e sem mais considerações por desnecessárias, conclui-se que a decisão recorrida enferma do erro de julgamento invocado, procedendo, de igual modo, este fundamento do recurso.


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III.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a oposição.

Custas pelo Recorrido.
Lisboa, 09 de Março de 2017.

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(Barbara Tavares Teles)


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(Pereira Gameiro)

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(Anabela Russo)