Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2715/22.3 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS ARTIGO 109º DO CPTA
Sumário:I. O A./recorrido formulou junto do Recorrente pedido de manifestação de interesse em obter autorização de residência ao abrigo do artigo 88º da Lei nº 23/2007, em 10.2.2022, ou seja, já na vigência das medidas excepcionais e temporais adoptadas no âmbito da pandemia por Covid-19, iniciadas com o Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, mormente com o disposto no seu artigo 16º [que entrou em vigor com efeitos iniciais reportados a 9.3.2020] e que ainda se mantêm por força do disposto no Decreto-Lei nº 90/2022, de 30 de Dezembro;

II. Ao abrigo deste regime jurídico excepcional, a permanência do Recorrido em território nacional, desde pelo menos Março de 2020, considera-se regular, pelo que em nada influi no exercício de direitos fundamentais que, enquanto equiparado a cidadão nacional, pode exercer, o facto de o Recorrente por razões que também se explicam por todos os condicionalismos a que a sua actuação esteve sujeita durante a pandemia, não ter decidido ainda o pedido que lhe dirigiu, manifestando interesse em obter autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada;

III. Face ao que não estão verificados os pressupostos de que depende o uso do meio processual de intimação previsto no artigo 109º do CPTA, porquanto, por referência à data em que a acção foi instaurada, não se encontra demonstrada nem a urgência, nem a necessidade em obter uma decisão de mérito para assegurar o exercício dos direitos fundamentais à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família, alegados no pressuposto de que, sem a concessão da pretendida autorização de residência, se encontrava em situação ilegal e, por isso, impedido de exercer os exercer;

IV. Considerando que, nos termos do disposto nos artigos 110º e 110º-A do CPTA, o despacho liminar que determinou a citação da aqui Recorrente para responder, constitui caso julgado formal no processo, a não verificação dos pressupostos exigidos no artigo 109º idem, determina a improcedência da acção e não a absolvição da instância por inidoneidade do meio processual.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Ministério da Administração Interna [MAI] devidamente identificado como entidade requerida nos autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada por I. A., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 18.10.2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou I. improcedente a excepção dilatória de impropriedade do meio processual; II. procedente e, em consequência, intimou a Entidade requerida a, no prazo de 10 dias, proferir decisão acerca do pedido de autorização de residência apresentado pelo Requerente, ao abrigo do artigo 88º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1.ª - Os processos urgentes devem ser reservados para as situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa (que coincidem com aquelas para as quais não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente), e onde exista necessidade de uma proteção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
2.ª - Conforme resulta da lei e é pacifico na doutrina e jurisprudência dominante, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta, exigindo-se cumulativamente, para o uso desta forma processual - a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP e que não seja suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
3.ª- A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias carateriza-se, assim, nos termos do art.º 109º do CPTA, por dois vetores: a indispensabilidade, na perspetiva de ser necessário a prolação urgente de uma decisão de mérito, e a subsidiariedade, na perspetiva que só pode ser utilizado se não for possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
4.ª- Cumpre, assim, ter em atenção que o meio normal de tutela dos direitos fundamentais consiste no recurso às ações administrativas, com a possibilidade, caso se verifique a necessidade de salvaguarda dos efeitos da ação principal, à tutela cautelar, e, caso a urgência da situação o justifique, ao respetivo decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
5.ª - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só pode ser utilizada, assim, quando for seguro concluir que a propositura de uma ação administrativa cumulada com um pedido de tutela cautelar é incapaz de proporcionar a efetiva tutela do direito, liberdade ou garantia cuja ameaça se invoque.
6.ª - Ora, na Sentença a quo não está demonstrada a imprescindibilidade do recurso ao meio processual escolhido, não sendo provado nos autos, para além da simples alegação, que não seria possível, em tempo útil, o recurso alternativo à ação administrativa, com ou sem intervenção cautelar.
7.ª - Inequivocamente, ajuizou mal o douto Tribunal, ao considerar devidamente demonstrada a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a protecção de um direito, liberdade ou garantia, e ainda assim olvidando o esgrimido supra in arts 44.º e 45.º.
8.ª - A apontada imprescindibilidade não pode dar-se por verificada, pois a situação em presença não reivindica uma urgência tal que seja merecedora de uma tutela que imponha a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito e que o art. 109.º, n.º 1, do CPTA exige.
9.ª - Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental ou de natureza análoga) cuja proteção seja urgente.
10.ª - Neste contexto, não se alcança óbice para que esse Tribunal ad quem não soçobre o malogrado veredito. Pois se assim não ocorrer, a presente sede transformar-se-á doravante, numa espécie de instrumento de aceleração processual e num mecanismo perverso, através do qual os requerentes (autores) interessados, procurarão ultrapassar outros interessados com as mesmas pretensões, suprimindo fases e olvidando requisitos, obrigando a Administração a proferir uma decisão, em clara violação dos princípios nucleares da legalidade e da igualdade de tratamento dos administrados perante a lei.
11.ª - Nos presentes autos está em causa a concessão de autorização de residência ao abrigo do art. 88.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4/7, logo, a pretensão relativamente à qual o recorrido invoca urgência, pode perfeitamente ser decidida provisoriamente através de providência cautelar – caso estejam reunidos os respetivos pressupostos – não se vislumbrando a imprescindibilidade de uma decisão urgente de mérito relativamente à mesma. Pois não resulta dos factos alegados a imprescindibilidade de uma tutela material definitiva imediata, mostrando-se possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado, a utilização de ação administrativa.
12.ª - Pois mesmo considerando os direitos invocados pelo recorrido com sendo direitos de natureza análoga aos direitos a que alude o n.º 5 do art. 20.º da CRP, os mesmos já estarão acutelados no seu n.º 1 (do art. 88.º), pelo que também a subsidiariedade da norma invocada preclude o uso da presente via processual.
13.ª - Acresce, e no que tange ao mérito, que é convicção do recorrente, que o Tribunal a quo não só decidiu ignorando a factualidade concreta, como outrossim, e cumulativamente, efectuou uma incorreta subsunção da mesma no direito, pois de outra forma jamais procederia a pretensão do autor.
14.ª - Veicule-se, que não existe inércia por parte do recorrente, como é afirmado na Sentença a quo, pois a inércia é do recorrido que, e antes de mais, pretendendo trabalhar em Portugal, deveria ter diligenciado no sentido de adquirir os documentos necessários para tal, designadamente o visto adequado, o que não aconteceu.
15.ª - Acresce, por outro lado, que também nenhuma das exigências decorrentes do art. 67.º do CPTA se verifica, porquanto ao recorrente não incumbe destarte o dever de emitir qualquer acto administrativo, tão pouco assiste ao recorrido o direito à sua arguição nos termos em que o faz, e muito menos neste contexto.
16.ª - Com a devida vénia, emerge ostensivo da Sentença sob recurso, que foi invertido o ónus de demonstração, facto que não pode deixar de sublevar, pois ainda que estivéssemos ao abrigo de um processo cautelar, tal não se mostraria viável, in casu.
17.ª - Em suma, o veredito proferido pelo TAC de Lisboa, ao considerar preenchidos os pressupostos da Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, viola frontalmente o art. 109º do CPTA, os arts. 2.º, 53.º, 58.º/1 e 2, al. b), n.º 1, 59.º, 17.º in fine e 18.º todos da CRP.
18.ª - Outrossim num segundo momento, ao condenar o ora recorrente nos termos em que o fez, viola de forma taxativa os princípios da legalidade e da igualdade, face à factualidade que assumiu como provada, pelo que não só a violação do direito adjetivo, mas também do direito substantivo entre os quais, os art. 77.º e 88.º/2, da Lei 23/2007, dos arts. 58.º e 115.º e ss. do CPA), impõem que esse douto Tribunal ad quem se debruce sobre a mesma.».
Requerendo,
«Nestes termos, e nos mais de Direito, devem ser admitidas as presentes Alegações de recurso jurisdicional, e ser declarada nula a Sentença recorrida, pela verificação da exceção dilatória inominada de inadequação do meio processual, ou à cautela, por não se verificarem os requisitos previstos no n.º 1 do art. 109.º do CPTA.
Caso assim não ajuíze esse douto Tribunal ad quem,
Impetra o recorrente, que no que tange ao mérito da presente lide igualmente se considere verificada a violação da lei e dos princípios constitucionais citados, anulando-se a douta sentença recorrida com as legais consequências.».

Notificado para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso.

Notificada as partes, o Recorrido pronunciou-se sobre o parecer que antecede, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença incorre em erro de julgamento por ter julgado improcedente a excepção da inadequação do meio processual, ou, se assim não se entender, por não se verificarem os requisitos previstos no nº 1 do artigo 109º do CPTA, ou ainda, no que respeita ao mérito da lide, por ignorar a factualidade assente e ter efectuado uma errada subsunção da mesma no direito.

A sentença recorrida “[a]tento o pedido formulado pelo Requerente e conferidos os documentos juntos aos autos pelas partes, são considerados bastantes e com interesse para o conhecimento da questão prévia, os seguintes factos,”:

«A. Em 10.2.2022 o Requerente apresentou junto dos serviços da Entidade Requerida, um documento identificado como “Manifestação de Interesse”, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 88.º, n.º 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, à qual foi atribuído o número 50956766, cfr documento 1 junto com o Requerimento Inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;

B. Com a manifestação de interesse referida em A) o Requerente juntou os documentos necessários à apreciação do seu pedido, cfr documento 1 junto com o Requerimento Inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;

C. Em 3.9.2022 deu entrada neste Tribunal Administrativo de Círculo a presente ação, cfr fls 1 do SITAF.


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Inexistem outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa. em face da prova produzida.

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Motivação da decisão sobre a matéria de facto,

Analisando criticamente a prova produzida cfr artigo 607.º nº 4 CPC, a convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos pelas partes, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Prova documental que não foi impugnada pelas partes e sobre os quais não existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

Da fundamentação de direito e sobre a questão da inidoneidade do meio, consta da sentença recorrida:
«Estabelece o nº1 do artigo 109º “Pressupostos” do CPTA, que “a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”.
Constitui pressuposto para a o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a verificação de,
- urgência da decisão de mérito para assegurar, em tempo útil, o exercício do direito com a natureza de direito, liberdade ou garantia;
- imposição de uma conduta positiva ou negativa da Administração e,
- impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, atento o carácter absolutamente subsidiário deste meio processual.
Sendo que, “O controlo judicial da condição de urgência presente na primeira parte do artigo 109.º do CPTA parte da ideia de que a urgência da actuação do julgador no sentido de alcançar uma decisão de mérito definitiva pressupõe a urgência da necessidade de tutela de um determinado direito, liberdade e garantia (DLG) ou de um direito análogo a DLG’s”, cfr Acórdão do STA, de 18-05-2017,proferido no Processo n.º 0283/17, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, in casu, a alegada falta de decisão/resposta da Entidade Demandada à manifestação de interesse apresentada pelo Requerente com vista a obter autorização de residência temporária, ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 88º da Lei nº 23/2007, de 4/07, põe em causa o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades ou garantias de natureza análoga, direito ao trabalho, direito à segurança social, direito à proteção na saúde, direito à família em virtude da situação irregular em que o Requerente se encontra, e que poderá levar, in fine, à promoção de procedimento de afastamento coercivo ou de expulsão com fundamento ilegal em território português, cfr alinea a) do nº 1 do artigo 134º da Lei nº 23/2007, de 4/07.
Atento o exposto e pela similaridade entre pedidos e causas de pedir, seguimos aqui a jurisprudência proferida no acórdão de 15.2.2018 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2482/17.2BELSB com a qual concordamos, e aqui se adere e aplica, cfr artigo 8º nº 3 do Código Civil e do artigo 94º nº 5 do CPTA, e, de acordo com a qual,
«Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Trata-se de uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar aquela situação concreta.
Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
Ora, no que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, frente ao alegado na PI, terá de considerar-se um pressuposto verificado.
Porque a partir de junho de 2017 o A. deixou de ter um título que lhe permitisse estar legal no nosso território, veio em 05-11-2017 apresentar a presente PI. Na data da apresentação da PI o A. apresenta-se a residir no nosso país ilegalmente, por não ser titular nem de uma autorização de permanência, nem de uma autorização de residência, quando, na sua ótica, tinha direito a esta última autorização e respetivo título.
Por conseguinte, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual.
Enquanto o indicado título de residência não for emitido ao A. e Recorrente, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, ele padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no nosso país.
Parte desses males, para além de alegados, vêm também indiciariamente comprovados com base nos documentos juntos à PI, pois do extrato de remunerações junto aos autos é possível constatar que a partir de junho de 2017 as remunerações aferidas pelo A e Recorrente baixaram consideravelmente.
Portanto, frente ao que vem alegado na PI, consideramos existir uma necessidade imediata do A. e Recorrente deter um título ou uma autorização para poder manter-se a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar nessa qualidade – de estrangeiro com título legal para cá permanecer.
Quanto à legalização da permanência do A. e Recorrente no nosso território, é uma condição sine qua non para que consiga uma integração no mercado de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos que invoca, à segurança, à tranquilidade, à liberdade de circulação ou à saúde.
No caso, o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostram-se também inidóneos, pois a atribuição de uma providência desse tipo implicaria a atribuição efetiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da indicada autorização de permanência ou de residência. Isto é, o uso da tutela cautelar antecipatória equivaleria à atribuição de facto, efetiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal. A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.
Por seu turno, como decorre do acima assinalado, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação do Recorrente.
No caso em apreço, o A. invoca como direitos a salvaguardar os direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, o princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no art.º 15.º, n.º 1, da CRP e o direito a procurar trabalho, a trabalhar e à estabilidade no trabalho, à saúde e à família ou ao reagrupamento familiar.
As regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência, em termos de legalidade, do A. e Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. art.º 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. art.º s. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), a procurar trabalho, a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. art.º s. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. art.º 64.º da CRP). Frente à situação em apreço, o A. pode ver-se coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação. Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual – como ocorre no caso ora em apreço - terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.»
Termos em que, conclui-se que o meio processual utilizado é o próprio e julga-se improcedente a exceção dilatória de impropriedade do meio processual.».
No relatório da mesma sentença e no que concerne ao que o Recorrido alegou sobre a violação de direitos fundamentais e da necessidade de uso deste meio processual para fazer valer a sua pretensão, extrai-se que:
«- O Requerente deu entrada com o seu pedido para concessão de residência legal ao abrigo do artº 88°-2 da Lei base 23/2007 de 4/7 na sua quinta alteração pela Lei 102/2017 de 28/8 junto ao Requerido em 10.2.2022, tendo entrado legal em território nacional;
- Volvidos mais de SEIS (6) MESES DEPOIS e para cúmulo de todos, em grave violação do artigo 82°-1 da Lei 102/2017 NÃO existe qualquer tipo de decisão o que é de per si gravíssimo e vem lesar seriamente direitos constitucionais básicos, como a segurança no emprego, atendendo que o Autor trabalha há cerca de três anos indocumentado e sob ameaça constante de despedimento e não revê a sua família no Paquistão há mais de três anos também, está pois em causa o valor segurança no emprego, família, cf. artigos 36° e 53' todos da Constituição da República Portuguesa;
- (…)
- O facto de o Requerido não ter, ainda, decidido volvidos mais de SEIS (6) MESES de pendência, da formulação da pretensão do Requerente, vai indiscutivelmente bulir com o exercício de direitos fundamentais por parte do Requerente, cerceando entre outros, o seu direito à vida familiar, a sua liberdade e o direito ao à estabilidade no trabalho, na medida que o[sic] prova do direitos prerrogativas que decorreriam da autorização de residência que pretende e que, note-se, apenas não obteve em virtude da inércia do Requerido.;
- É manifesto que o Autor se mostra privado da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da Equiparação, ou do tratamento nacional previsto no artigo 15°, n°1, da Constituição da República Portuguesa;
- Está em causa o direito à Família previsto na Lei Máxima vulgo Constituição da República Portuguesa nos seus artº. 36° concatenado com o art.15º aplicável aos cidadãos estrangeiros que permaneçam em território nacional por um critério de Igualdade ou Universalidade com os cidadãos nacionais;
- (…)
- Está também em causa o seu direito ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego previstos nos artigos 58° e artigo 53° todos da Constituição da República Portuguesa;
- O Requerente desconta mensalmente desde pelo menos desde setembro de 2020 a favor da Segurança Social e paga impostos em território Português. Não obstante e porque permanece irregular tem inviabilizado o acesso ao sistema nacional de saúde estando desta forma em causa o seu direito à saúde, cf. art.° 64° da Lei Máxima;
- A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é um meio processual que constituí um processo autónomo e que visa dar cumprimento ao artigo 20°, n.° 5 da CRP;
- Parece-nos evidente que, numa matéria fundamental como é a da cidadania e identidade NÃO há lugar para decisões provisórias;
- No caso em apreço, estamos perante um quadro que se reconduz, sem qualquer dificuldade, a um problema de tutela de direitos, liberdades e garantais, que aponta, em primeira linha, para o direito à cidadania e identidade pessoal; cujo exercício depende de uma atuação positiva por parte da Administração;
- Por conseguinte, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual;
- O uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostram-se inidóneos, pois equivaleriam à atribuição de facto, efetiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal.
- A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal;
- (…)”.».

Ainda que de contornos similares ao caso analisado e decidido por este Tribunal no referido acórdão de 15.2.2018, proc. nº 2482/17.2BELSB, a situação do Recorrido difere nos exactos termos em que configura a sua situação (i)legal no território português, na prova junta, nas normas legais e regulamentares aplicáveis e na decisão contida na sentença objecto de recurso [de intimação, enquanto naquele foi de rejeição liminar].
Assim, de forma genérica o Recorrido alega que a não decisão do seu pedido de autorização de residência, formulado ao abrigo do artigo 88º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, implica a violação dos direitos fundamentais à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família, previstos nos artigos 26º, 53º e 58º, 64º, 36º, 67º e 68º, ex vi artigo 15º, todos da CRP.
Contudo, apenas logrou provar, atenta a prova documental que produziu nos autos, o que consta da factualidade considerada assente, a saber, que: em 10.2.2022 formulou o pedido de “manifestação de interesse” nos termos e para os efeitos da referida norma legal, ao qual foi atribuído o nº 50956766; tendo junto os documentos necessários à apreciação do mesmo; e em 3.9.2022 instaurou a presente acção de intimação.
Do teor dos documentos juntos aos autos pelo Recorrido [que foram dados por integralmente reproduzidos na decisão da matéria de facto da sentença recorrida], resulta que o referido pedido de manifestação de interesse em obter autorização de residência foi instruído com “passaporte ou outro documento de viagem válido” e documentos comprovativos de: “entrada regular em território português”, “meios de subsistência”, “registo criminal no país de origem”, “que dispõe de alojamento”, “inscrição e situação regularizada na Segurança Social”, “inscrição na Administração Fiscal”, “Contrato de Trabalho” e “promessa de Contrato de Trabalho” – cujo conteúdo não está visível e que ainda não foi objecto de apreciação pelo Recorrente. Juntou ainda: Contrato de Trabalho celebrado com a empresa F. – I. E. M. C. C., Lda. com efeitos iniciais reportados a 1.9.2020; recibos de vencimento emitidos por esta empresa, relativos aos meses de Março, Abril e Julho de 2022; e Extracto de remunerações, da Segurança Social, em seu nome desde Setembro de 2020 a Dezembro de 2021 [reveladores, conforme alegado pelo Recorrido, de que tem emprego estável em Portugal – v. artigo 28º da petição inicial].
Nada mais do genericamente alegado pelo Recorrido foi considerado provado pelo tribunal a quo com base na prova documental produzida ou enquanto facto/s notório/s.
Ora, para além das alterações que a Lei nº 23/2007 e, em especial, o referido artigo 88º, sofreram desde que o autor no proc. nº 2482/17.2BELSB formulou o seu pedido de autorização de residência [em 2016], introduzidas, designadamente, pelas Leis nºs 59/2017, de 31 de Junho, 102/2017, de 28 de Agosto, 28/2019, de 29 de Março e 18/2022, de 25 de Agosto, no contexto da pandemia da doença Covid-19, foram publicados vários diplomas legais e despachos ministeriais com vista a regulamentá-los, começando pelo Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, considerando, entre as mesmas, a eventual impossibilidade dos cidadãos em renovar ou obter documentos relevantes para o exercício de direitos, decorrente do encerramento de instalações, importa prever a obrigatoriedade de aceitação pelas autoridades públicas da exibição de documentos, cujo prazo de validade expire durante o período de vigência do presente decreto-lei, e determinando para o efeito no artigo 16º, com a epígrafeAtendibilidade de documentos expirados”, o seguinte:
«1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as autoridades públicas aceitam, para todos os efeitos legais, a exibição de documentos suscetíveis de renovação cujo prazo de validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores.
2 - O cartão do cidadão, certidões e certificados emitidos pelos serviços de registos e da identificação civil, carta de condução, bem como os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade termine a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2020.».
O Despacho nº 3863-B/2020, de 27 de Março, veio, na sequência da declaração do estado de emergência em todo o território nacional, pelo período de 15 dias, iniciado às 0:00 horas do dia 19 de Março de 2020 e cessando às 23:59 horas do dia 2 de Abril de 2020, sem prejuízo de eventuais prorrogações, determinar que a gestão dos atendimentos e agendamentos seja feita de forma a garantir inequivocamente os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF, no âmbito do COVID 19, e que, à data da declaração do Estado de Emergência Nacional, os mesmos se encontram em situação de permanência regular em Território Nacional, considerando o disposto no artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020, e determinando o seguinte:
«1 - No caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, Lei n.º 26/2018, de 5 de julho, Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, Lei n.º 63/2015, de 30 de junho, Lei n.º 56/2015, de 23 de junho, Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto (regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) ou (…), considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no SEF, à data de 18 de março, aquando da declaração do Estado de Emergência Nacional.
2 - Os documentos que atestam a situação dos cidadãos referidos no número anterior são os seguintes:
a) Nos pedidos formulados ao abrigo dos artigos 88.º, 89.º e 90.º-A do regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional através de documento de manifestação de interesse ou pedido emitido pelas plataformas de registo em uso no SEF;
b) Noutras situações de processos pendentes no SEF, (…).
3 - Os documentos referidos no número anterior do presente despacho são considerados válidos perante todos os serviços públicos, designadamente para obtenção do número de utente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a outros direitos de assistência à saúde, acesso às prestações sociais de apoio, celebração de contratos de arrendamento, celebração de contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais.
4 – (…)
(…)
17 – (…)».
O Despacho nº 5793-A/2020, de 26 de Maio, veio implementar um procedimento simplificado de instrução dos pedidos de concessão de autorização de residência, explicitando que o mesmo não afecta a manutenção dos direitos conferidos pelo Despacho nº 3863-B/2020, de 27 de Março, durante todo o período de apreciação e tramitação dos respectivos processos.
O Decreto-Lei nº 87-A/2020, de 15 de Outubro, veio alterar as medidas excepcionais e temporárias relativas à pandemia da doença Covid-19, mormente a redacção do artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020, nos seguintes termos:

«Artigo 16.º
[...]
1 - [...].
2 - O cartão de cidadão, certidões e certificados emitidos pelos serviços de registos e da identificação civil, carta de condução, documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, bem como as licenças e autorizações cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores são aceites, nos mesmos termos, até 31 de março de 2021.
3 - Os documentos referidos nos números anteriores continuam a ser aceites nos mesmos termos após 31 de março de 2021, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação.
4 – O cartão de beneficiário familiar de ADSE (…).
5 - […].
6 - […].»
O Despacho nº 10944/2020, de 8 de Novembro, veio, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 92-A/2020, de 2 de Novembro, que declarou a situação de calamidade em todo o território nacional continental, até às 23:59 h do dia 19 de Novembro de 2020, sem prejuízo de eventuais prorrogações, alargar o âmbito do Despacho nº 3863-B/2020 de forma a continuar a garantir os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF e que os mesmos se encontram em situação de permanência regular em território nacional, tendo em consideração que os nºs 2 e 3 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 87-A/2020, prevêem expressamente que os «documentos neles referidos continuam a ser aceites nos mesmos termos até 31 de março de 2021» e, após esta data, «desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação».
O Decreto-Lei nº 22-A/2021, de 17 de Março, veio prorrogar prazos e estabelece medidas excepcionais e temporárias no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando o referido artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020:
«Artigo 16.º
[...]
1 - [...]
2 - O cartão de cidadão, certidões e certificados emitidos pelos serviços de registos e da identificação civil, documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, bem como as licenças e autorizações, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 31 de dezembro de 2021.
3 - Os documentos referidos nos números anteriores continuam a ser aceites nos mesmos termos após 31 de dezembro de 2021, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação.
4 – O cartão do beneficiário familiar da ADSE (…).
5 – […]
6 – […]
7 – A validade das cartas de condução (…).».
O Despacho nº 4473-A/2021, de 30 de Abril, veio determinar o alargamento do âmbito dos Despachos n.ºs 3863-B/2020 e 10944/2020, considerando que importa garantir os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF e que os mesmos se encontram em situação de permanência regular em território nacional e, ainda alargar o âmbito dos processos pendentes no SEF abrangidos pelos efeitos do referido despacho, desde a data da declaração do estado de emergência até ao dia 30 de Abril de 2021, atendendo que os nºs 2 e 3 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 22-A/2021, prevêem expressamente que os «documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, bem como as licenças e autorizações, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 31 de dezembro de 2021» e, após esta data, «desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação».
O Decreto-Lei nº 119-A/2021, de 22 de Dezembro, veio alterar as medidas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, prorrogando até 31 de Março de 2022 a admissibilidade dos documentos e vistos relativos à permanência em território nacional cuja validade tenha expirado a partir da data de entrada em vigor do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na sua redacção actual, ou nos 15 dias imediatamente anteriores, alterando o respectivo artigo 16º em conformidade.
O Despacho nº 12870-C/2021, de 31 de Dezembro, veio, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 157/2021, de 27 de Novembro, declarou a situação de calamidade em todo o território nacional continental até 20 de Março de 2022, determinar o alargamento do âmbito dos Despachos nºs 3863-B/2020, 10944/2020 e 4473-A/2021, por persistem constrangimentos ligados aos mencionados atendimentos e, consequentemente, a necessidade de salvaguardar os direitos dos cidadãos estrangeiros cujos processos junto do SEF não foi ainda possível concluir e por importar continuar a assegurar os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF e que os mesmos se encontram em situação de permanência regular em território nacional, através da manutenção dos efeitos dos referidos despachos, durante todo o período de apreciação e tramitação dos respectivos processos, tendo em consideração que os nºs 2 e 3 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na sua redacção actual, conjugados com os nºs 8 e 9 do mesmo artigo, idem, e com o respectivo nº 1 do artigo 18º que determina a sua produção de efeitos a 1 de Janeiro de 2022, prevêem que os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor daquele decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 31 de Março de 2022 e, após esta data, «desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação».
O Decreto-Lei nº 23-A/2022, de 18 de Fevereiro, veio alterar as medidas aplicáveis no âmbito da pandemia da doença COVID-19, prorrogando até 30 de Junho de 2022 a admissibilidade dos documentos e vistos relativos à permanência em território nacional cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na sua redacção actual, ou nos 15 dias imediatamente anteriores, alterando o respectivo artigo 16º em conformidade.
O Decreto-Lei nº 42-A/2022, de 30 de Junho, veio alterar as medidas aplicáveis no âmbito da pandemia da doença COVID-19, prorrogando até 31 de Dezembro de 2022 a admissibilidade dos documentos e vistos relativos à permanência em território nacional cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do Decreto-Lei nº 10-A/2020, na sua redacção actual, ou nos 15 dias imediatamente anteriores, alterando o respectivo artigo 16º em conformidade.
Por fim, o Decreto-Lei nº 90/2022, de 30 de Dezembro, veio prorrogar a validade de diversos documentos e, adicionalmente, considerou oportuno assegurar a continuidade do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 10-A/2020, na sua redacção actual, no que respeita à atendibilidade de documentos expirados relativos à permanência em território nacional, medida que decorre do facto de a pandemia por COVID-19 ter tido um impacto significativo no atendimento ao público, que resultou num aumento de pendências em matéria de concessão e renovação de autorizações de residência, impondo-se assegurar a vigência deste regime até ao final de 2023, de modo a acautelar a transição de competências em matéria administrativa, no âmbito da reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, aprovada pela Lei nº 73/2021, de 12 de Novembro, na sua redacção actual, alterando o artigo 16º daquele diploma nos seguintes termos:
«Artigo 16.º
[...]
1 - [...].
2 - [...].
3 - [...].
4 - [...].
5 - [...].
6 - [...].
7 - [...].
8 - Os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 31 de dezembro de 2023.
9 - Os documentos referidos no número anterior continuam a ser aceites, nos mesmos termos, após 31 de dezembro de 2023, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação.
10 – (…).»
Do alegado e provado nos autos não resulta quando é que o Recorrido entrou no território nacional e, no seu entender, terá ficado em situação irregular, mas sabe-se que celebrou contrato de trabalho em Setembro de 2020 e formulou pedido de manifestação de interesse em obter autorização de residência ao abrigo do artigo 88º da Lei nº 23/2007, em 10.2.2022, ou seja, já na vigência das medidas excepcionais e temporais adoptadas no âmbito da pandemia por Covid-19, iniciadas com o Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, mormente com o disposto no seu artigo 16º [que entrou em vigor com efeitos iniciais reportados a 9.3.2020] e que ainda se mantêm por força do disposto no Decreto-Lei nº 90/2022.
Donde, o/s documento/s com que, conforme alega, entrou legalmente em Portugal, apesar de, entretanto, expirados, continuaram a ser aceites pelas autoridades nacionais, e por ter processo pendente no SEF podia e pode usar o respectivo comprovativo de entrega para, perante todos os serviços públicos, obter, para além dos que já dispõe, designadamente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a outros direitos de assistência à saúde, a prestações sociais de apoio, celebração de contratos de arrendamento, celebração de contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais, até 31.12.2023 e após essa data, fazendo prova da pendência do referido processo no SEF e até ao termo deste.
A saber, ao abrigo deste regime jurídico excepcional, a permanência do Recorrido em território nacional, desde pelo menos Março de 2020, considera-se regular, pelo que em nada influi no exercício de direitos fundamentais que, enquanto equiparado a cidadão nacional, pode exercer, o facto de o Recorrente por razões que também se explicam por todos os condicionalismos a que a sua actuação esteve sujeita durante a pandemia, não ter decidido ainda o pedido que lhe dirigiu, manifestando interesse em obter autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada.
O significa que não estão verificados os pressupostos de que depende o uso do meio processual de intimação previsto no artigo 109º do CPTA, porquanto, por referência à data em que a acção foi instaurada, não se encontra demonstrada nem a urgência, nem a necessidade em obter uma decisão de mérito para assegurar o exercício dos direitos fundamentais à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família, alegados no pressuposto de que, sem a concessão da pretendida autorização de residência, se encontrava em situação ilegal e, por isso, impedido de exercer os exercer, sendo desnecessário averiguar se seria suficiente o decretamento provisório de providência cautelar para o efeito.
Atendendo à actual redacção dos artigos 110º e 110º-A do CPTA, o despacho liminar que determinou a citação da aqui Recorrente para responder, constitui caso julgado formal no processo, significando que o que foi decidido - no caso, prosseguir com os autos como acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - não pode em momento posterior ser decidido diversamente, no sentido da substituição da p.i. ou da convolação da acção em processo cautelar ou de absolver da instância a entidade requerida por inidoneidade do meio processual.
Entendimento que é defendido por Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2018, p. 903, “Esse despacho [o despacho liminar] constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E, nesse sentido, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir a decisão de mérito”.
Serve a explicação para concluir que assiste razão ao Recorrente, não se verificando os pressupostos previstos no artigo 109º do CPTA, o que torna desnecessária a apreciação dos demais fundamentos do recurso.
Devendo proceder o recurso, não poderá a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica e a acção deve ser julgada improcedente.

Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar a acção de intimação improcedente.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Maio de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)