Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08316/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/12/2012
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:VISTO DE RESIDÊNCIA.
REAGRUPAMENTO FAMILIAR; INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS; CADUCIDADE; URGÊNCIA
Sumário: Após o deferimento do pedido de reagrupamento pelo SEF podem ocorrer duas situações: 1) o MNE emite, com urgência, os vistos de residência, conforme o artigo 44º, ns.º 1, 1º parte, 3 e 4, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04; 2) o MNE ou o posto consular indefere tal pedido conforme o n.º 1, 2º parte, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04 (cf ainda artigos 8º, 9º e 21º a 24º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04). Há aqui sempre dois procedimentos, que exigem decisões autónomas e separadas.

O uso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias após estar caducado o direito de acção do ora Recorrente para accionar um meio de reacção não urgente, faz claudicar o pressuposto de urgência exigido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: C……………….
Recorrido: Ministério dos Negócios Estrangeiros

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção do ora Recorrente.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões:
«(…)».
Em alegações do Recorrido são formuladas as seguintes conclusões: « (…)».
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Os Factos
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
« (….)».
Nos termos do artigo 712º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, acrescentam-se os seguintes factos:
Na alínea D) dos factos assentes acrescenta-se a final: «pelo posto consular» (cf. doc. de fls. 198 dos autos).
E) A PI da presente acção foi enviada por correio para o TAC de Lisboa em 12.08.2011 (cf. doc. de fls. 59).

O Direito
Pela sentença recorrida foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção do ora Recorrente.
Alega o Recorrente nas suas conclusões 68º a 87º e 94º que a presente intimação não é extemporânea porque se aplica ao caso o artigo 44º, ns.º1 e 3, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04. Mais diz que a legitimidade instrutória do pedido de reagrupamento familiar é apenas do SEF, exercendo a ora Recorrida ou o posto consular uma função meramente executória, não tendo competências para instruir ou indeferir pedidos de visto de residência, pelo que não pode invocar-se a regra do artigo 109º, n.º1, do CPA, relativa ao indeferimento tácito. Assim, considera o Recorrente violados os artigos 42º, n.º 1, 43º, n.º1, 44º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04, o Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16.10, os artigos 2º, n.º1, alínea j), 66º e 68º n.º1, do Decreto-Lei n.º 84/2007, de 05.11, o artigo 102º da Lei n.º 23/2007, de 04.07, os artigos 12º, 13º, 15º a 18º da Constituição da República Portuguesa, 8º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e os artigos 7º, 15º e 33º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Alega também o Recorrente nas conclusões 88º a 93º, que mesmo que assim não se entendesse, haveria um acto nulo e que a respectiva impugnação não estaria sujeita a prazo.
Desde já se diga que todas as alegações do ora Recorrente claudicam.
Conforme decorre do artigo 44º, n.º 1, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04, in fine, o MNE tem competências para verificar «factos que, se fossem do conhecimento da autoridade competente, teriam obstado ao reconhecimento do direito ao reagrupamento familiar».
Assim, após o deferimento do pedido de reagrupamento pelo SEF podem ocorrer duas situações: 1) o MNE emite, com urgência, os vistos de residência, conforme o artigo 44º, ns.º 1, 1º parte, 3 e 4, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04; 2) o MNE ou o posto consular indefere tal pedido conforme o n.º 1, 2º parte, do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04 (cf ainda artigos 8º, 9º e 21º a 24º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04).
Como se defendeu nos Acs. do STA, n.º 113/11, de 03.05.2011 e n.º 442/11, de 27.07.2011 (in www.dgsi.pt) a relação material ou a «figura menor» respeitante à emissão do visto de residência «existe no interior» da relação material respeitante ao reagrupamento familiar «e desta depende», sendo procedimentos que «interferem um no outro». Desta forma, da posição do STA resulta que há aqui sempre dois procedimentos, que exigem decisões autónomas e separadas: um de deferimento do pedido de reagrupamento familiar pelo SEF e outro de concessão ou de indeferimento do pedido de emissão de vistos (cf ainda o Ac do TCA Sul n.º 7208/11, de 03.03.2011, na mesma base de dados).
Em suma, o MNE e respectivos postos consulares têm, pois, competência para indeferirem os pedidos de emissão de vistos, não havendo aqui um mero acto de execução da anterior decisão do SEF de deferimento do pedido de reagrupamento familiar.
No caso verifica-se que por despacho de 07.12.2005 foi deferido o pedido de reagrupamento familiar formulado pelo ora Recorrente e foram os filhos deste notificados para apresentarem no prazo de 60 dias os respectivos pedidos de visto. Em Janeiro de 2006 M…….. A……… e B……… A…formularam o pedido de visto junto à Secção Consular da Embaixada de Portugal em Islamabad, na República do Paquistão, pedidos que deram entrada na rede informática de vistos em 21.04.2006. Em 21.04.2006 foi proferido parecer de indeferimento pelo posto consular. A PI da presente acção foi enviada por correio para o TAC de Lisboa em 12.08.2011. Não resultou provado nestes autos que a indicada decisão de indeferimento haja sido comunicada ao ora Recorrente.
Ou seja, após o deferimento do pedido de reagrupamento familiar comunicado pelo SEF, o MNE não emitiu os vistos, mas indeferiu a respectiva pretensão. Apesar de não ter ficado provado que tal indeferimento foi comunicado ao interessado, é certo que daquele artigo 44º resultava que teria de haver uma decisão urgente: de concessão do visto ou da sua recusa. Assim, mesmo que a recusa na emissão não tenha sido comunicada ao interessado, a verdade é que a lei fixava um prazo urgente para a tomada da decisão administrativa. Consequentemente, é aqui aplicável o regime resultante da aplicação conjugada dos artigos 109º do CPA e 69º do CPTA, tal como se entendeu a decisão recorrida. A lei indica que o MNE ou o posto consular têm de emitir os vistos ou podem indeferir tais pedidos, com urgência, pressupondo-se de imediato. Não havendo decisão, nada afasta o regime dos artigos 109º do CPA e 69º do CPTA, pressupondo-se um indeferimento tácito. O ora Recorrente apresentou a presente acção só em 12.08.2011, mais de 5 anos depois ter dado entrada rede informática de vistos os pedidos respectivos. O Recorrente deixou passar cerca de 5 anos sem que tivessem sido emitidos os indicados vistos ou sem que lhe tivesse sido notificada a decisão de indeferimento. Durante todo esse tempo nada fez ou impugnou. Deixou passar o prazo para lançar mão da correspondente acção não urgente.
O uso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não pode servir para “contornar” o estipulado no artigo 69º do CPTA. A situação de inércia do ora Recorrente, que após a apresentação do pedido de vistos pelos seus filhos em Janeiro de 2006, nada mais fez e só em 12.08.2011 intenta a presente intimação, implica que deixe de se verificar a situação de urgência que caracteriza o uso deste meio processual. Na data da apresentação da intimação estava já caducado o direito de acção do ora Recorrente, que poderia ter intentado uma acção de condenação à prática do acto devido, no caso, de condenação à concessão dos requeridos vistos, conforme artigo 69º do CPTA. Deixou o Recorrente caducar o seu direito de acção, com relação a uma acção de condenação à prática do acto devido e vem agora intentar a presente intimação, pretendendo “contornar” aquela situação de perda do seu direito de acção. Porém, a presente intimação não serve para esse fito. A situação de urgência há-de ser real, não criada ou imaginada pelo interessado. A caducidade do direito de acção relativamente ao processo não urgente, de tramitação normal, faz vacilar a urgência exigida para o uso desta intimação (cf. neste sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3º edição, 2010, Almedina, Coimbra, pág. 723).
No caso em apreço não está também a conduta omissiva do Recorrido cominada de nulidade como invoca o Recorrente. Apesar de invocar tal vício o Recorrente não concretiza minimamente as razões jurídicas para aquela invocação da nulidade do acto omissivo. Ora, a não concessão dos vistos de residência no âmbito do Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26.04, pode ser sindicada por anulabilidade, decorrente da violação das respectivas normas, não por nulidade, por nenhum preceito legal assim cominar tal conduta (omissiva). Não existe aqui quarquer violação directa dos indicados direitos fundamentais à família ou à paternidade. Igualmente, não existe um acto que careca totalmente de forma legal – ao invés, existe um indeferimento escrito e expresso – nem foi tomado tal indeferimento por órgão sem tais atribuições (tal como antes se referiu).
Por conseguinte, o uso da presente intimação após estar caducado o direito de acção do ora Recorrente accionar um meio de reacção não urgente – no caso, depois de estar caducado o direito de acção do ora Recorrente para fazer valer a sua pretensão através de uma acção de condenação à prática do acto devido, de condenação do Recorrente à emissão dos requeridos vistos de residência – faz claudicar o pressuposto de urgência exigido para usar a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.
Por essa razão, não se pode concordar com a sentença recorrida ao declarar a caducidade do direito de acção do ora Recorrente. A presente intimação não está sujeita a um prazo de caducidade. Mas está sujeita a um pressuposto processual específico relativo à urgência. E esse pressuposto não se verifica quando se constata a caducidade do direito do interessado a reagir contra uma conduta através dos meios contenciosos de tramitação normal. Foi o que ocorreu nos autos em apreço. O ora Recorrente deixou caducar o seu direito de acção para interpor uma acção de condenação à prática do acto administrativo devido. Consequentemente, tomou uma posição contrária a qualquer urgência, deixando perpetuar-se a situação em que se encontrava. Com a sua inércia o Recorrente manifestou a falta da urgência em recorrer a meios contenciosos, designadamente para recorrer a meios urgentes e subsidiários, como é o caso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Qualquer indispensabilidade da “célere emissão de uma decisão de mérito” (cf. artigo 109º, n.º1, do CPTA) ficou a dever-se a um atraso não justificável e imputável ao requerente da intimação, pelo que deixa de se verificar a situação de urgência que dita o uso deste meio processual. Porque não se verifica o pressuposto de urgência, o uso desta intimação foi inadequado e há que julgar improcedente a presente intimação, por não verificação dos pressupostos específicos do artigo 109º, n.º1, do CPTA.
Pelo exposto, acordam em:
a) com base na fundamentação antecedente, negar provimento ao recurso e julgar improcedente a presente intimação, por não se verificar o pressuposto de urgência exigido no artigo 109º, n.º1, do CPTA e em consequência absolve-se o Recorrido da presente instância.
b) condenar o Recorrente nos encargos que deu origem, nos temos dos artigos 4º, ns.º2, alínea c) e 6 do RCJ, por a respectiva pretensão ter ficado vencida.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2012
(Sofia David)
(Carlos Araújo)
(Teresa de Sousa)