Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:962/17.9 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:PERDA DE MANDATO – LEI 4/83
Sumário:I – Do disposto no art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, na redacção da Lei 25/95, de 18/8, infere-se que a procedência da acção para declaração de inibição temporária para o exercício de cargos políticos e equiparados depende de estarem reunidos três requisitos cumulativos:
1) notificação do obrigado para apresentar a declaração de rendimentos, património e cargos sociais em trinta dias;
2) incumprimento dessa obrigação, e
3) culpa [dolo ou culpa grave] nesse incumprimento.
II – Quanto ao requisito do incumprimento culposo bastava ao autor alegar na petição inicial que o réu teve conhecimento efectivo da notificação que lhe foi feita pelo Tribunal Constitucional, que a incumpriu e da falta de justificação para esse incumprimento, dado que a culpa (grave) decorre, de acordo com as regras da experiência, do conhecimento efectivo dessa notificação e do seu posterior incumprimento, sem prejuízo de o réu poder alegar e provar factualidade que ponha em causa a conclusão que o incumprimento foi culposo.
III – Decorrendo da factualidade dada como assente que, durante o último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017, o réu atravessou um período conturbado no qual sofreu, nomeadamente, ansiedade, tristeza e perturbações de sono e de memória, mas também se encontrando apurado que durante o mencionado período o réu continuou a trabalhar e a exercer as suas funções de forma normal, foi citado para a presente acção, constituiu mandatário e, ainda durante esse período, apresentou - fora de prazo - a declaração de rendimentos, património e cargos sociais, tem de se considerar que era possível ao réu ter apresentado a referida declaração no prazo de 30 dias que lhe tinha sido fixado pelo Tribunal Constitucional, não obstante os problemas de saúde que o mesmo sofria nessa altura.
IV – A apresentação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais nas vésperas da instauração da acção para declaração de inibição temporária para o exercício de cargos políticos e equiparados não é motivo impeditivo do sancionamento da conduta, pois a infracção já havia sido cometida e consumada na sua integralidade com a não apresentação atempada da declaração no prazo de 30 dias fixado na notificação do Tribunal Constitucional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO
O Ministério Público intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria a presente acção para declaração de inibição temporária para o exercício de cargos políticos e equiparados contra D..., na qual peticionou que o réu fosse declarado inibido, por período a fixar entre um a cinco anos, para o exercício de cargos políticos ou equiparados que envolvam a entrega de declaração dos rendimentos, património e cargos sociais no Tribunal Constitucional.

Por sentença de 20 de Julho de 2017 foi a presente acção julgada improcedente e, em consequência, absolvido o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença.

Por acórdão deste TCA Sul de 4 de Outubro de 2017 foi anulada a sentença recorrida, a fim de ser ampliada a matéria de facto e, em consequência, ordenada a baixa dos autos ao TAC de Leiria, tendo em vista o seu prosseguimento nessa instância para produção de prova, quanto à factualidade aditada em consequência da referida ampliação, e, após, prolação de nova decisão.

Não se conformando com tal acórdão, o réu dele interpôs recurso de revista para o STA, o qual não foi admitido por acórdão de 8.2.2018.


No TAC de Leiria, e após produção de prova, foi proferida sentença datada de 30 de Junho de 2018 que julgou totalmente procedente a presente acção e, em consequência, aplicou ao réu a sanção de inibição do exercício de cargos que obriguem à entrega da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, pelo período de um ano.

Inconformado, o réu interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
A. «Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual entendeu dar provimento à ação administrativa, com caráter urgente, para declaração de inibição temporária do aqui Recorrente D... para o exercício de cargos políticos e equiparados, por entender que se encontravam preenchidos os pressupostos cumulativos de que depende a aplicação do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 02 de abril, a saber: (i) existência de notificação pelo Tribunal Constitucional do titular do cargo para apresentar, no prazo de 30 dias, a declaração de rendimentos; (ii) o incumprimento desse dever pelo notificado e (iii) a existência de incumprimento culposo.
B. De notar que a sentença recorrida foi proferida em sentido totalmente inverso à sentença também proferida pelo Tribunal a quo em 20.07.2017, sendo certo que ambas tiverem por base a mesma factualidade decorrente da petição inicial apresentada pelo Recorrido.
C. Efetivamente, a sentença agora proferida, e que vai recorrida, apenas teve em consideração por acréscimo a prova produzida na audiência de julgamento, a qual, como se referiu, tendo sido indicada apenas pelo Recorrente, redundou na fixação de matéria de facto que lhe é totalmente favorável!
D. Posto isto, comece-se por referir que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, considerando que o Tribunal incorreu em excesso de pronúncia.
E. Isto porque o Tribunal a quo entendeu que a questão a decidir nos autos seria a de saber se o incumprimento da obrigação de entrega da declaração de rendimentos se revela ou não como incumprimento culposo face ao contexto pessoal e familiar que o Réu atravessava à data em que foi notificado para proceder à entrega da aludida declaração.
F. Porém, não teve o Tribunal em consideração que o Recorrido não logrou demonstrar o preenchimento do terceiro requisito de que depende a aplicação da sanção de inibição do exercício de funções, considerando que não invocou qualquer facto na sua petição inicial a esse propósito.
G. Ora, como bem resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.10.1996, “(…) ao tribunal incumbe dirimir conflitos reais, não é nem pode ser instrumento de tutela de nenhum dos litigantes (realce nosso).
H. Nesse seguimento, como bem é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.01.2017, “(…) a decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor…Incumbe sim ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada” (realce nosso).
I. Assim, não tendo o Recorrido provado o preenchimento do terceiro requisito–o incumprimento culposo –, tal encontra-se, consequentemente, vedado de ser realizado pelo douto Tribunal a quo.
J. Entende o Recorrente que a decisão padece de nulidade ainda por via de um outro fundamento, em concreto, por contradição entre a matéria de facto provada e o sentido decisório da sentença.
K. Como bem ficou demonstrado e provado nos autos, o Recorrente atravessou um período com alguns problemas de saúde relacionados com o foro psíquico, os quais, diga-se, provocavam episódios de esquecimento em momentos pontuais do quotidiano.
L. Esses momentos ocorreram durante o último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017.
M. Assim, não pode o Tribunal, por uma banda, reconhecer que o Recorrente atravessou períodos de perda de memória na altura em que tinha de efetuar a entrega da referida declaração (quando foi notificado pelo Tribunal Constitucional) e, por outra banda, referir que esse estado de saúde que atravessou não é suficiente para excluir a sua culpa.
N. De igual modo, não se concebe como o Tribunal a quo dá como provado que durante o último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017, o Recorrente atravessou um período conturbado, para o qual contribuíram as intervenções cirúrgicas supra mencionadas, e nas quais sofreu, nomeadamente, ansiedade, tristeza e perturbações de sono e de memória, o que foi corroborado pela declaração médica apresentada e,
O. Ao mesmo tempo, considera que não “(…) se afigura plausível que alguém que continua o normal exercício da sua atividade profissional seja pessoalmente notificado por um agente da GNR para proceder à entrega de uma declaração de rendimentos junto do TC, independentemente das circunstâncias que concretamente viva, e simplesmente se esqueça de tal ocorrência, criando a convicção de que tinha procedido à entrega da mesma declaração.” (realce nosso).
P. Além disso, o Tribunal recorrido dá por assente que o Tribunal Constitucional notificou o Recorrente para entregar a declaração em 30 dias num primeiro momento em 21.10.2016 e, num segundo momento, em 23.02.2017.
Q. Todavia, conclui, sem qualquer fundamento, que o facto gerador da obrigação se produzi em 2013, logo o estado de saúde que o Recorrente se encontrava em finais de 2016 e inícios de 2017 nada tem que ver com esse incumprimento.
R. Seguindo os ensinamentos do Professor LEBRE DE FREITAS, “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença(1)
.
S. Ora, conforme já referido, na sentença recorrida o Tribunal dá como provados factos totalmente favoráveis à tese defendida pelo aqui Recorrente; porém, sem qualquer justificação aparente, decide em sentido diverso dessa factualidade, extraindo consequências não decorrentes dessa mesma factualidade.
T. Nessa medida, dúvidas não restam que a sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto os seus fundamentos estão em oposição com a decisão.
U. Acresce que, o ora Recorrente na sua contestação invocou um argumento subsidiário, isto é, requereu que, caso se entendesse que existia presunção de culpa do agente, fosse julgada inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, 48.º e 50.º da CRP, a norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos por quem intenta a ação.
V. O Tribunal ao apreciar se a doença sofrida pelo Recorrente era suficiente para excluir a culpa significa que, num primeiro momento, teve de considerar que foi devidamente demonstrado pelo Recorrido o preenchimento do 3.º requisito – o incumprimento culposo.
W. O que não se concebe, pois o Recorrido não demonstrou (sequer alegou), como era sua obrigação, o preenchimento do mesmo!
X. Logo, o Tribunal teve necessariamente de presumir o seu preenchimento, o que não se admite, nos termos já devidamente expressos pelo ora Recorrente nos artigos 46.º a 53.º da sua contestação.
Y. Ou seja, ao entender-se que existe presunção de culpa do agente, deverá ser julgada inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, 48.º, 32.º e 50.º da CRP, a norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos.
Z. Nestes termos, tendo o Recorrente invocado a inconstitucionalidade da referida norma – no caso de se entender que existe presunção da culpa do agente – e tendo o Tribunal considerando precisamente que o preenchimento do 3.º requisito pôde ocorrer por presunção, o mesmo tinha necessariamente que ter apreciado o referido argumento subsidiário, o que não o fez.
AA. Desta feita, estamos perante a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por o Tribunal ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
SEM PRESCINDIR,
BB. Entende o Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto.
CC. Resulta da matéria de facto provada, concretamente do ponto 3, que, em 21.10.2016, o Réu rececionou o ofício mencionado em 2., ou seja, o ofício n.º 2461 que lhe foi remetido pelo Tribunal Constitucional em 19.10.2016.
DD. Para sustentar, esse facto, o Tribunal a quo baseou-se na data aposta no aviso de receção constante da certidão junta aos autos pelo Autor.
EE. Em primeiro lugar, como bem reconheceu o Recorrido nos autos (e aliás resulta dos documentos juntos com a sua petição inicial), em 21.10.2016, quem recebeu a notificação foi um terceiro e não o aqui Recorrente.
FF. Portanto, nunca se poderá afirmar que o Recorrente teve pleno conhecimento do teor da notificação nessa data.
GG. Isto porque o mencionado aviso de receção referente a essa notificação foi assinado pela Sra. D.ª E…..
HH. Com efeito, ao contrário do que o Tribunal a quo parece ter entendido, a citação/notificação efetuada em terceira pessoa não é permitida no âmbito do presente processo, não só pela sua natureza sancionatória – que convoca a aplicação das regras previstas no Código do Processo Penal e não no Código do Processo Civil –, como também pelo facto de o próprio Tribunal Constitucional ter entendido notificar o Recorrido pessoalmente em 23.02.2017.
II. Com efeito, se a natureza do processo em questão exige a aplicação de regras de direito substantivo penal, para efeitos de garantias do agente, por maioria de razão, o direito processual penal também deverá ser o subsidiariamente adotado.
JJ. Ora, no que se refere ao modus operandi das notificações em processo penal, dispõe a alínea c) do n.º 7 do artigo 113.º do CPP que caso o destinatário não seja encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto, com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso.
KK. Resulta evidente que em matéria sancionatória o legislador sentiu necessidade de garantir que a pessoa visada tenha conhecimento efetivo que corre contra si um processo que lhe poderá ser desfavorável, com vista a assegurar a sua defesa e a garantir a proteção dos seus direitos fundamentais mais elementares.
LL. Todavia, no caso em apreço as exigências ínsitas no normativo não se encontram respeitadas, visto que a terceira pessoa (Sra. D.ª E…) não habita com o Recorrente, nem por ele foi indicada para efeitos do disposto no mencionado preceito.
MM. Por outro lado, caso o Tribunal Constitucional tivesse entendido que a citação (rectius, a notificação, como de resto resulta do acervo documental junto aos autos pelo Recorrente) efetuada em terceira pessoa respeitava os ditames legais, não se alvitra como poderá ter ordenado a notificação pessoal do Recorrido em data posterior, isto é, em 23.02.2017.
NN. Assim sendo, dúvidas não restam que o facto ínsito no ponto 3 da matéria de facto dada por assente “em 21.10.2016 o Réu rececionou o ofício mencionado em 2. (cf. data aposta no aviso de receção constante da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido” não pode ser dado como provado, devendo, em consequência, ser retirado da matéria de facto dada como assente (alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC). Dando-se cumprimento ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC (“os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”), cumpre referir que tal resultado decorre do aviso de receção constante da certidão junta aos autos pelo aqui Recorrido, da qual resulta que o mesmo não foi recebido e assinado pelo Recorrente mas por terceiro e, portanto, não pode ser tido como efetiva notificação.
PP. Pelo exposto, requer-se a alteração da matéria de facto dada como provada, concretamente do facto vertido no ponto 3, devendo o mesmo ser retirado por não provado.
QQ. Além disso, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito.
RR. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao entender que o terceiro requisito de que depende a aplicação do n.º 1 do artigo 3.º do já referido diploma – o incumprimento culposo –, em manifesta violação do princípio do dispositivo, não obstante não ter sido provado pelo Recorrido deveria dar-se por verificado.
SS. Com efeito, entendeu o Tribunal recorrido que a questão a decidir nos autos é a de saber se o incumprimento da obrigação se revela ou não como um incumprimento culposo face ao contexto pessoal e familiar que o Réu atravessava à data em que foi notificado para proceder à entrega da aludida declaração.
TT. Pois bem, tal configuração não se encontra conforme àqueles que são os mais basilares princípios aplicáveis aos procedimentos sancionatórios, já que, ao contrário do que o Tribunal entende, a questão a decidir nos autos é precisamente saber se o requisito do incumprimento culposo se encontra ou não demonstrado por quem acusa, no caso, o Estado Português e não como vem sustentado se existe alguma causa de exclusão da culpa.
UU. Trata-se, portanto, de uma questão prévia ao raciocínio firmado pelo Tribunal a quo: saber se quem acusa prova (ou, no limite e já abaixo do que se lhe exigiria, sequer alega) o preenchimento do requisito do incumprimento culposo,
VV. E não o contrário: saber se da defesa resulta matéria suscetível de preencher uma causa de exclusão da culpa do agente.
WW. Ora, tendo presente que a prova foi realizada, somente, pelo Recorrente e que o Recorrido não logrou, na contra instância, realizar qualquer questão às testemunhas arroladas pelo Recorrente, será de concluir que também daí não resultou a demonstração do requisito do incumprimento culposo.
XX. Posto isto, resulta evidente que, ao contrário do que resulta da sentença recorrida, caberia ao Recorrido demonstrar o preenchimento dos três requisitos de que depende a aplicação da sanção e, bem assim, que não ficou demonstrado o preenchimento do requisito do incumprimento culposo por parte do Recorrido.
YY. Porém, o Tribunal a quo, em manifesta violação do princípio do dispositivo, entendeu dar por verificado o 3.º requisito de que depende a punição do ora Recorrente, quando a parte a quem competia demonstrar tal requisito – o Recorrido – não o logrou fazer.
ZZ. E, como bem refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.10.1996, “(…) ao tribunal incumbe dirimir conflitos reais, não é nem pode ser instrumento de tutela de nenhum dos litigantes.”
AAA. Aqui chegados, resulta claro que o Tribunal não pode, ainda que ao abrigo do princípio do inquisitório, substituir-se ao ónus das partes de provarem tudo aquilo quanto alegam,
BBB. Não pode o Tribunal substitui-se à parte contrária produzindo a prova que a esta incumbia realizar.
SEM PRESCINDIR,
CCC. Conforme referido no ponto antecedente, cabe a quem acusa demonstrar o preenchimento dos requisitos decorrentes do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, incluindo-se, portanto, o incumprimento culposo.
DDD. Com efeito, em momento algum o Recorrido provou a verificação do pressuposto do incumprimento culposo, não podendo o Recorrente ser sancionado sem ter ocorrido o preenchimento dos requisitos de que depende a aplicação dessa sanção, sob pena da violação dos princípios do in dubio pro reo, da investigação e do inquisitório.
EEE. Ora, a admitir uma corrente jurisprudencial que considere que, em direito sancionatório, existe presunção de preenchimento dos requisitos de que depende a aplicação da sanção, seria inverter todo o paradigma constitucional vigente no que se refere à garantia dos arguidos e acusados.
FFF. Neste sentido, e caso se entenda que existe presunção de culpa do agente, deverá ser julgada inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, 32.º, 48.º e 50.º da CRP, a norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, quando interpretada no sentido de ser dispensada a demonstração do preenchimento do requisito referente ao incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos.
SEM PRESCINDIR,
GGG. O Tribunal a quo refere na sua sentença que “(…) o Réu exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal de Coruche entre 23.10.2009 e 11.10.2013. Da conjugação deste facto com as normas legais que acima se referiram resulta que a declaração de rendimentos que aqui está em causa, e que o Réu acabou por apresentar em junho de 2017 (…), é a referente à cessação das suas funções como Presidente da Câmara, que ocorreu em 11.10.2013. Significa isto que, tendo apresentado a declaração apenas no ano de 2016 quando o facto gerador dessa obrigação de entrega se produziu já no ano de 2013, o Réu se encontra em incumprimento da norma do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 4/83 desde essa data. E aquilo que vem alegado, e que ficou provado nos presentes autos, é apenas o estado de saúde em que o Réu se encontrava em finais de 2016 e inícios de 2017, o que nada tem que ver com o incumprimento que se vinha verificando desde 2013 (…)”.
HHH. Do mencionado preceito é possível retirar dois importantes aspetos:
(i) apenas existe aplicação de sanção após incumprimento da notificação que estabelece o prazo de 30 dias para apresentação da declaração e (ii) é ainda exigido que o titular do cargo tenha incumprido esse prazo de apresentação da declaração de forma culposa (como se viu, com culpa grave/negligência grosseira).
III. Ao contrário do que o Tribunal a quo entende, a conduta omissiva tendente à aplicação da sanção não ocorreu em 2013, mas em 2017 com a notificação do Tribunal Constitucional.
JJJ. Se assim não fosse, o Tribunal a quo não teria fixado os temas da prova conforme fixou e ter-se situado no ano de 2013 e não no ano de 2017:
a. À data de 23.02.2017, o Demandado sofria de problemas do foro psíquico que o impossibilitavam de cumprir a obrigação de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais;
b. Os problemas de saúde a que se referem o ponto anterior motivaram o esquecimento do Demandado de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais no prazo fixado na notificação efetuada em 23.02.2017 e criaram a convicção de que a declaração em causa teria sido remetida.
KKK. Assim sendo, não existe qualquer sanção decorrente de o agente não ter apresentado a declaração em 2013, já que o alegado facto punitivo apenas seria suscetível de se constituir em 2017 aquando a notificação do Tribunal Constitucional para o efeito.
LLL. Com efeito, incorre o Tribunal num erro jurídico conceptual ao considerar irrelevante o estado de saúde do Recorrente em 2017 (para efeitos de causa de exclusão da culpa) entendendo que o incumprimento ocorreu em 2013!
MMM. Pois bem, inexistindo norma punitiva que permita sancionar o Recorrente por não ter entregue a declaração nessa altura (em 2013), não pode em Direito Sancionatório ser aplicada qualquer sanção, sob pena de violação da máxima nulla poena sine lege.
NNN. Além disso, entende o Tribunal recorrido que a definição do conceito de culpa que é considerada para efeitos de preenchimento do requisito do incumprimento culposo abrange não só o dolo, mas também o conceito de negligência.
OOO. Mais uma vez parece que o Tribunal recorrido incorre num erro jurídico conceptual, pois entende que negligência grosseira corresponde ao conceito de simples negligência…
PPP. Porém, como entende o nosso Supremo Tribunal de Justiça “a negligência grosseira corresponde à falta grave e indesculpável, ou seja, à chamada culpa grave que consiste na omissão dos deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente negligente, descuidada e incauta deixaria de observar”.(2)
QQQ. Aproveitando um dos Acórdãos mencionados pelo próprio Tribunal a quo quanto a processos de perda de mandato, o preenchimento do pressuposto do incumprimento culposo “(…) não decorre imediata e automaticamente da falta de apresentação, por iniciativa própria, do mencionado documento, uma vez que a mesma só pode ser declarada depois de se ter provado que o interessado ignorou a notificação que lhe foi feita nesse sentido pelo Tribunal Constitucional. (…) aquela perda só pode ser decretada se o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não a título de negligência ou mera culpa(3)
RRR. Nos presentes autos não resulta demonstrado nenhuma dessas circunstâncias, pelo que dúvidas não podem restar de que o pressuposto do incumprimento culposo não se encontra preenchido.
SSS. Além disso, ainda que assim não fosse, a matéria de facto dada por assente, concretamente os pontos 8 a 12, permitem concluir que o Recorrente não agiu com culpa grave nem ignorou essa notificação, já que apenas não entregou a declaração no prazo que lhe fora estabelecido porque se encontrava a atravessar uma situação de saúde que lhe despoletou perdas de memória,
TTT. Situação de saúde essa que permite concluir que o Recorrente não agiu com intencionalidade, ou seja, que não foi uma omissão voluntária da sua parte.
UUU. Além disso, considerando o Tribunal que o comportamento do Recorrente é censurável a título de negligência e não se valendo a negligência para preenchimento do requisito do incumprimento culposo, também por aqui se poderá concluir que o requisito de que depende a aplicação da sanção não se encontra preenchido.
VVV. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, não é pelo facto de o Recorrente não ter deixado de trabalhar que se pode concluir que o seu estado de saúde não era suscetível de gerar perdas de memória e de por isso estarmos perante uma situação de exclusão da culpa.
WWW. De facto, não pode entender-se que o Recorrente agiu com culpa (nem tão pouco com culpa grave), uma vez que não lhe era possível adotar outra conduta face à sua situação de saúde, a qual ficou devidamente demonstrada e provada nos autos.
XXX. Como bem entende o Supremo Tribunal Administrativo, “violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais”.» (…) Acórdão deste Tribunal de 11/03/99 (rec. 44.576).”
YYY. Além disso, “a perda de mandato se já tiver desaparecido a situação de inelegibilidade e afastada a sua razão de ser, isto é, o perigo de lesão dos princípios de independência e imparcialidade no desempenho dos cargos autárquicos (…) não se destinava a “sancionar qualquer conduta irregular e do que se trata é apenas de evitar uma situação que pode comprometer a isenção e a imparcialidade, impedindo que se mantenha em funções quem é portador de interesses particulares potencialmente conflituantes com os interesses autárquicos (art.º 50.º, n.º 3 da CRP), só tem justificação enquanto a situação de inelegibilidade subsistir.” (Cfr. Acórdão do STA de 23/04/2003 (rec. 671/03).
ZZZ. Ora, tendo o Recorrente já entregue a declaração em causa, não existe qualquer fundamento para sancionar a sua conduta, uma vez que a ratio do mecanismo sancionatório é apenas preventivo, isto é, evitar uma situação que possa comprometer a isenção e imparcialidade do ex-titular de cargo público.
AAAA. Posto isto, dúvidas não restam que o Tribunal a quo também incorre em erro de interpretação do preceito ínsito no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, o qual dispõe que “não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes”.
NESTES TERMOS,
Deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, com as devidas consequências legais.».

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela confirmação da sentença recorrida.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:
«1. Entre 23.10.2009 e 11.10.2013 o Réu exerceu funções de Presidente da Câmara Municipal de Coruche (cf. atas de instalação da Câmara constantes da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2. Em 19.10.2016 o TC emitiu o ofício n.º 2461 no processo n.º 5753, dirigido ao Réu, com o assunto “Declaração de património, rendimentos e cargos sociais (Lei n.º 4/83, de 2 de abril na redação atual”, e no qual pode ler-se o seguinte (cf. ofício n.º 2461 constante da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“Tenho a honra de notificar V. Ex.ª, para apresentar na 4ª secção do Tribunal Constitucional (…), nos autos de declaração e património e rendimentos dos titulares de cargos políticos acima identificados, no prazo de trinta dias consecutivos, a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, por facto relativo à cessação de funções, em 11 de outubro de 2013, no cargo de Presidente da Câmara Municipal de Coruche, mandato 2009/2013 (…)
Mais fica advertido(a) de que, «em caso de incumprimento culposo» destes deveres de apresentação, incorrerá em «inibição por um período de um a cinco anos para o exercício de cargo que obrigue à referida declaração e que não corresponda ao exercício de funções de magistrado de carreira» e ainda, de que quem fizer declaração falsa» incorre na aludida sanção «e é punido pelo crime de falsas declarações, nos termos da lei», tudo nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do art.º 3º da Lei 4/83, de 2 de abril, na redação vigente.”
3. Em 21.10.2016 o Réu rececionou o ofício mencionado em 2. (cf. data aposta no aviso de receção constante da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 15.02.2017 o TC emitiu ofício no processo n.º 5753, dirigido ao Comandante da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Coruche, com o assunto “Pedido de Notificação” e com o seguinte teor (cf. ofício de 15.02.2017, constante da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“(…) Assim, ao abrigo do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na atual redação, cumpre-me notificar V. Exa. para apresentar na 4.ª secção no Tribunal Constitucional (…), no prazo de 30 dias consecutivos, a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, por facto de cessação de funções, em 11 de outubro de 2013, no cargo de Presidente da Câmara Municipal de Coruche mandato 2009/2013 (…).
Fica V. Exa. advertido de que, nos termos d n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na atual redação, o incumprimento culposo desse dever fá-lo-á incorrer em declaração de perda do mandato, demissão ou destituição judicial, consoante os casos, e em inibição por período de um a cinco anos para o exercício de cargo que obrigue à referida declaração.
Mais se adverte que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na atual redação quem fizer declaração falsa é ainda passível de ser punido pelo crime de falsas declarações, nos termos da lei.
A NOTIFICAR:
D..., portador do documento de identificação Civil n.º 4904…., residente na Estrada da L…., n.º 1…, Bairro da A…..”
5. Em 23.02.2017 o Posto Territorial de Coruche da GNR emitiu “Certidão de Notificação”, referente ao pedido de notificação mencionado em 4., na qual pode ler-se o seguinte (cf. certidão de notificação constante da certidão junta aos autos pelo A., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“Certifico e dou fé, que nesta data procedi à notificação do indivíduo referido na mesma, tendo o notificado ficado bem ciente de todo o seu conteúdo, sendo-lhe entregue no ato um exemplar do mesmo.
(…)
E por ser verdade elaborei a presente certidão que assino bem como o notificado(a).”
6. Em 19.06.2017 o Réu apresentou, através de formulário de entrega eletrónico, a sua declaração de rendimentos, património e cargos sociais dos titulares de cargos políticos e equiparados (cf. doc. n.º 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7. Em 22.06.2017 a presente ação deu entrada neste Tribunal (cf. registo da autuação na primeira folha do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
8. Em dezembro de 2016 o Réu foi submetido a uma intervenção cirúrgica aos rins (conforme depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final de discussão e julgamento).
9. Em fevereiro de 2017 P......, unida de facto com o Réu, foi submetida a uma intervenção cirúrgica ao útero (conforme depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final de discussão e julgamento).
10. Durante o último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017, o Réu atravessou um período conturbado, para o qual contribuíram as intervenções mencionadas em 8. e 9., e no qual sofreu, nomeadamente, ansiedade, tristeza, e perturbações de sono e de memória (conforme depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final de discussão e julgamento).
11. Durante o período mencionado em 10. o Réu continuou a trabalhar e a exercer as suas funções (conforme depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final de discussão e julgamento).
12. Em 30.06.2017 o médico psiquiatra J…. emitiu declaração com o seguinte teor (cf. doc. n.º 2 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“O paciente Dr. D... (…), foi observado e é seguido em consulta de psiquiatria médica, com queixas, nos últimos 7, sete, meses, alterações do sono, com insónia terminal, ansiedade (…), sudorese, diminuição do apetite e alteração da atenção e da memória recente, sintomas compatíveis com depressão reativa.
Nos últimos meses, os sintomas supra referidos, incapacitam o paciente, nas suas rotinas diárias, e totalment(4) incapacitam o paciente no cumprimento das suas obrigações laborais e outras.
O paciente está medicado, e cumpre as tomas prescritas, segundo refere.
Por ser verdade e me ter sido pedido, passo o presente relatório médico que dato e assino.”».

Face ao disposto no art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), procede-se à alteração da factualidade dada como provada em 3) nos seguintes termos:
3. O ofício mencionado em 2. foi remetido para a morada do réu e foi aí recepcionado por C......, em 21.10.2016 [teve-se em conta o aviso de recepção integrante da certidão junta aos autos pelo autor – e que consta de fls. 15, dos autos em suporte de papel -, do qual decorre que o ofício em questão não foi recepcionado, em 21.10.2016, pelo réu, mas por um terceiro, concretamente por C...... (a qual, e ao que tudo indica, será mãe do réu, pois dessa mesma certidão, concretamente da acta de instalação da Câmara Municipal de Coruche relativa ao quadriénio de 2009-2013 - a qual consta de fls. 8, dos autos em suporte de papel -, resulta que o réu é filho de J......e C...... Simão)].
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida datada de 30.6.2018:
- é nula;
- incorreu em erro:
- na fixação da matéria de facto;
- ao ter julgado procedente a presente acção (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à análise de cada uma destas questões.


Nulidade da sentença recorrida

Alega o recorrente que a sentença recorrida é nula:
- por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º 1, al. d), do CPC, pois, não tendo o recorrido invocado - e consequentemente provado - os factos tendentes à demonstração do requisito do incumprimento culposo, não podia o Tribunal conhecer desta matéria;
- por contradição entre a matéria de facto provada e a decisão, nos termos do art. 615º n.º 1, al. c), do CPC, dado que dá como provados factos totalmente favoráveis à tese por si defendida, mas sem justificação aparente decide em sentido diverso dessa factualidade, extraindo consequência não decorrentes dessa factualidade (reconhece que o recorrente atravessou períodos de perda de memória na altura em que tinha que efectuar a entrega da declaração, mas refere que esse estado de saúde não é suficiente para excluir a sua culpa; considera que o estado de saúde em que o recorrente se encontrava em finais de 2016 e inícios de 2017 não era susceptível de excluir a culpa por incumprimento da obrigação de entrega da declaração, já que esse incumprimento se havia iniciado em 2013);
- por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º 1, al. d), do CPC, já que, tendo-se aí entendido que no art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, se consagra uma presunção de culpa, deveria ter sido apreciado o argumento invocado a título subsidiário nos artigos 46º a 53º, da contestação [onde é referido que, caso se entenda que existe presunção de culpa do agente, deverá ser julgado inconstitucional, por violação dos arts. 18º, 48º e 50º, da CRP, o n.º 1 do art. 3º, da Lei 4/83, de 2 de Abril], o que não foi feito.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…);
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

Quanto à nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão, e como ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 49 e 50, “Na alínea c) do n.° 1 do art. 668.°(5), a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
(…)
Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento” (sublinhado nosso).

Esta nulidade verifica-se, portanto, quando existe um erro na estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que era apontado pelos fundamentos.

Ora, no caso sub judice não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois aqueles [dos quais decorre que a procedência da acção depende, de acordo com o disposto no art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, da “não apresentação da declaração (i) no prazo de 30 dias consecutivos; (ii) após a notificação para apresentação; e (iii) na qual se verifique um incumprimento culposo”, requisitos que se encontram preenchidos, sendo adequado para sancionar a conduta do réu a inibição pelo período de um ano] estão em consonância com o decidido [procedência da acção, com a consequente aplicação ao réu da sanção de inibição do exercício de cargos que obriguem à entrega da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, pelo período de um ano], ou seja, a procedência da presente acção está de acordo com os fundamentos indicados, sendo certo que uma eventual errada aplicação do direito aos factos ou uma eventual errada interpretação das regras jurídicas configura erro de julgamento (o alegado nas conclusões K) a Q) traduz-se na imputação de erro de julgamento) e não nulidade da sentença recorrida.

Nestes termos, terá de ser julgada inverificada a nulidade imputada à sentença recorrida prevista na 1ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

Relativamente à nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º, chamada de omissão de pronúncia, relaciona-se directamente com o estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, cit., pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.°(6) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.°.(7)
Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.
Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é(são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, considerações, teses, doutrinas ou raciocínios invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

Ora, da sentença recorrida não consta qualquer afirmação no sentido da existência de uma presunção legal de culpa, razão pela qual ficou prejudicado o conhecimento do alegado, a título subsidiário, nos artigos 46º a 53º, da contestação [inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 3º, da Lei 4/83, de 2 de Abril, caso se considere que no mesmo se consagra uma presunção de culpa do agente].

Assim, igualmente nesta parte tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.

Finalmente e quanto à nulidade prevista na 2ª parte da al. d) do n.º 1 do mencionado art. 615º, chamada de excesso de pronúncia, a mesma relaciona-se directamente com o estatuído no
art. 608º n.º 2, 2ª parte, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

A propósito desta nulidade, esclarece Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição, 2009, pág. 37, que o “excesso de pronúncia, quer dizer, é a hipótese de a causa do julgado não se identificar com a causa de pedir ou o julgado não coincidir com o pedido, ou ainda, o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que estão na exclusiva disponibilidade das partes e que estas não aduziram”.

In casu verifica-se que na petição inicial o recorrido peticionou que o recorrente fosse declarado inibido, por período a fixar entre um a cinco anos, assentando tal pedido no incumprimento culposo da obrigação (decorrente da cessação de funções no cargo de Presidente da Câmara Municipal de Coruche, ocorrida em 11.10.2013) de apresentação no Tribunal Constitucional da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, já que foi pessoalmente notificado para, no prazo de 30 dias, apresentar tal declaração, tendo tal prazo terminado sem que o recorrente tenha entregue a aludida declaração e sem que tenha apresentado qualquer justificação para tal omissão.

Ora, a sentença recorrida limitou-se a apreciar tal pedido, o qual julgou procedente com base nessa causa de pedir alegada pelo recorrido, ou seja, o juiz a quo limitou-se a conhecer da questão que este suscitou, razão pela qual terá de ser julgada inverificada a presente nulidade.

Pelo exposto, tem de improceder a arguição de nulidade da sentença recorrida, pois o alegado a este propósito antes configura erro de julgamento (o que, aliás, é comprovado pelo facto de os diversos erros de julgamento imputados à sentença recorrida – os quais serão infra analisados - se traduzirem, em grande medida, numa repetição dos argumentos invocados para a arguição da sua nulidade).


Erro na fixação da matéria de facto

Invoca o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro na fixação da matéria de facto, pois o facto dado como provado no ponto 3 deverá ser retirado, por não provado.

Quanto a esta questão, a mesma já se encontra corrigida por este tribunal, nos termos supra referidos, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º n.º 1, do CPC de 2013.

Com efeito, aí se considerou que, do aviso de recepção integrante da certidão junta aos autos pelo recorrido (e que consta de fls. 15, dos autos em suporte de papel), decorre que o ofício mencionado em 2. não foi recepcionado pelo réu, mas por um terceiro, concretamente por C......, razão pela qual se eliminou, tal como pretendido pelo recorrente, a seguinte menção constante do facto n.º 3: “o Réu rececionou o ofício mencionado em 2.”.

De todo o modo, e por de eventual interesse para a decisão, determinou-se que do facto n.º 3 passasse a constar a factualidade que decorre desse aviso de recepção (ou seja, que o ofício em causa foi remetido para a morada do réu e foi aí recepcionado por C......).


Erro da decisão recorrida ao ter julgado procedente a presente acção

Alega o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro:
1) dado que violou o princípio do dispositivo;
2) caso se considere que na mesma se alude à existência de uma presunção legal de culpa;
3) visto que violou o art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, e o art. 10º n.º 1, da Lei 27/96, de 1/8:
a) ao considerar irrelevante o estado de saúde do recorrente em 2017 (para efeitos de causa de exclusão da culpa) por entender que o incumprimento ocorreu em 2013 (quando a conduta omissiva ocorreu em 2017, com a notificação do Tribunal Constitucional), inexistindo qualquer sanção decorrente de o agente não ter apresentado a declaração em 2013;
b) ao entender que a negligência grosseira corresponde ao conceito de simples negligência para preenchimento do requisito do incumprimento culposo;
c) ao considerar preenchido o requisito do incumprimento culposo, pois, face à factualidade dada como assente, concretamente nos pontos 8. a 12., tem de concluir-se que o recorrente não agiu com culpa grave, nem ignorou a notificação do Tribunal Constitucional;
d) pois, tendo o recorrente já entregue a declaração em causa, não existe qualquer fundamento para sancionar a sua conduta.

Passando à apreciação de cada uma destas questões.

1)
Invoca o recorrente que, não tendo o recorrido invocado - e consequentemente provado - os factos tendentes à demonstração do requisito do incumprimento culposo, não podia o Tribunal dar por preenchido tal requisito, pois não lhe compete substituir-se às partes, assim ocorrendo violação do princípio do dispositivo, mas falece-lhe a razão, como se passa a demonstrar.

De acordo com o estatuído nos arts. 3º n.º 1 e 5º n.º 1, ambos do CPC de 2013, a actividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, pelo que, na sua decisão, tem de circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes, maxime ao pedido formulado pelo autor e aos factos essenciais indicados para o sustentar.

Do disposto no art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, na redacção da Lei 25/95, de 18/8 (“Em caso de não apresentação das declarações previstas nos artigos 1.º e 2.º, a entidade competente para o seu depósito notificará o titular do cargo a que se aplica a presente lei para a apresentar no prazo de 30 dias consecutivos, sob pena de, em caso de incumprimento culposo, (…) incorrer em declaração de perda do mandato, demissão ou destituição judicial, consoante os casos, ou, quando se trate da situação prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º, incorrer em inibição por período de um a cinco anos para o exercício de cargo que obrigue à referida declaração e que não corresponda ao exercício de funções como magistrado de carreira.”), infere-se que a procedência da presente acção depende de estarem reunidos três requisitos cumulativos:
1) notificação do obrigado para apresentar a declaração de rendimentos, património e cargos sociais em trinta dias;
2) incumprimento dessa obrigação, e
3) culpa [dolo ou culpa grave] nesse incumprimento.

Ora, na petição inicial o recorrido alegou factualidade suficiente no que respeita ao requisito do incumprimento culposo.

Com efeito, e como a este propósito se escreveu no Ac. do STA de 20.12.2007, proc. n.º 908/07:
Não há dúvida de que este preceito (8) pretende superar o impasse trazido pela situação de incumprimento: para tanto, e desde logo, a norma cumpre o propósito de instar o notificado a cumprir agora o omitido dever (9) mas, para a hipótese de a inércia do notificado persistir, o preceito ameaça-o com severas consequências, como seja a perda de mandato. Encarada em si mesma, tal notificação parece ter um cariz admonitório; e, na medida em que estabelece um novo e acrescente prazo para o cumprimento da obrigação em falta, ela também se mostra assimilável aos meios conversores da mora em incumprimento definitivo – até porque só um não cumprimento definitivo do dever de declarar os bens e rendimentos constituirá uma causa razoável do efeito sancionatório cominado.
É indiferente colocar o acento tónico da norma na ameaça inclusa na notificação ou num seu mecanismo tendente a transmudar a mora em incumprimento definitivo. É que, em qualquer dos casos, o decurso do prazo estabelecido pelo Tribunal Constitucional sem que o notificado ofereça a declaração inclina, quase objectivamente, para a sanção prevista. Ao dizê-lo, não olvidamos que o art. 3º, n.º 1, da Lei n.º 4/83 só admite o efeito sancionatório «em caso de incumprimento culposo». Mas, das certezas de que o notificado soubera que devia fazer algo num certo tempo e de que o não fez, segue-se normalmente a consideração da sua culpa, afinal revelada pelo conhecimento subjectivo de uma obrigação funcional não cumprida. Não fora assim, o autor da acção declarativa posterior poderia ver-se em sérios apuros para alegar e provar as razões efectivas por que o notificado não cumprira, já que esses não são factos que tal autor deva ordinariamente conhecer. Daí que a expressão «em caso de incumprimento culposo» signifique que o efeito sancionatório previsto na norma exige a culpa; mas esta é logo evidenciada pela mera conjunção da notificação e do incumprimento, recaindo sobre o réu o ónus de demonstrar a sua falta de culpa (…).
Assim, e tal como se julgou no acórdão deste STA de 14/8/2007 (rec. n.º 681/07), as consequências cominadas no art. 3º, n.º 1, da Lei n.º 4/83 dependem da reunião cumulativa de três requisitos – a notificação do obrigado (para apresentar a declaração em trinta dias), o seu incumprimento dessa obrigação e a sua culpa concomitante. O autor das acções previstas no preceito tem o ónus de alegar e de provar os factos relativos à notificação e ao incumprimento (art. 342º do Código Civil). Quanto à culpa, basta-lhe aludir a uma falta de justificação dela, pois a culpa flui naturalmente da presença dos outros requisitossalvo se o notificado disser e convencer que o seu incumprimento não foi culposo.” (sublinhados e sombreados nossos).

Bem como se salientou no Ac. do TCA Sul de 29.3.2012, proc. n.º 8673/12:
Assim, aferindo-se que o ora recorrente foi efetivamente notificado pelo Tribunal Constitucional para proceder à entrega das declarações em falta, o que nem sequer se mostra questionado nos autos, e que, não obstante, mantém essa omissão, não tendo procedido a essa entrega, existe uma base factual necessária e indispensável para que a sua conduta omissiva possa ser e seja efetivamente censurada, pelo menos, a título de culpa grave.
Com efeito, se é certo que a omissão de entrega por parte do ora recorrente da declaração de rendimentos e património e cargos sociais no Tribunal Constitucional no primeiro prazo de 60 dias previsto no artº 1º da Lei aplicável se poderia ter como meramente negligente e onde, hipoteticamente, se poderia configurar, quer uma situação de eventual causa de exclusão da ilicitude ou de erro sobre a ilicitude, quer uma causa de exclusão da culpa, não se vislumbra como pode manter-se essa caracterização do elemento volitivo também como mera negligência quando uma vez notificado formalmente pelo Tribunal Constitucional e sob cominação expressa de incorrer em inibição para o exercício de cargo que obrigue à referida declaração, por período de um a cinco anos, persiste na mesma omissão, não cumprindo tais deveres a que se encontra vinculado no prazo suplementar que a lei lhe concede para repor a legalidade, mantendo e reiterando, por isso, o seu comportamento ilegal, por ilícito e culposo.
Não tem, pois, o recorrente razão quanto ao aduzido no presente recurso, pois não só foram articulados factos, como os mesmos resultam demonstrados, a respeito da sua omissão culposa, quando não apresentou as declarações julgadas necessárias pelo Tribunal Constitucional.” (sublinhados nossos).

E conforme se esclareceu no Ac. do TCA Norte de 10.3.2017, proc. n.º 1944/16.3 BEBRG:
Em segundo lugar tem que se aceitar que o ónus da prova a cargo do Autor (o Ministério Público) seja colocado numa fasquia proporcional à sua dificuldade, sob pena de o funcionamento da norma sancionatória, na prática, ficar sujeito a uma espécie de cláusula cum voluerit em favor dos fiscalizados, o que seria absurdo. Sendo certo que não pode pedir-se ao Ministério Público que demonstre factos psicológicos de terceiro, sendo evidente que lhe é inacessível a motivação íntima do visado para não entregar a declaração.
Visto que o incumprimento se traduz em inércia censurável no cumprimento de um dever, essa censurabilidade (culpa) deverá reputar-se estabelecida pela demonstração de que o visado foi inequivocamente advertido para apresentar a declaração, em conjugação com a não afluência aos autos de factos justificadamente impeditivos do cumprimento daquele dever.” (sublinhado nosso).

Do exposto resulta que quanto ao requisito do incumprimento culposo bastava ao ora recorrido alegar na petição inicial que o recorrente teve conhecimento efectivo da notificação que lhe foi feita pelo Tribunal Constitucional, que a incumpriu e da falta de justificação para esse incumprimento, dado que a culpa (grave) decorre, de acordo com as regras da experiência, do conhecimento efectivo dessa notificação e do seu posterior incumprimento, sem prejuízo de o recorrente poder alegar e provar factualidade que ponha em causa a conclusão que o incumprimento foi culposo.

Ora, no caso sub judice o recorrido cumpriu tal ónus, pois na petição inicial alegou nomeadamente que o recorrente foi pessoalmente notificado para, no prazo de 30 dias, apresentar a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, que tal prazo terminou sem que o recorrente tenha entregue a aludida declaração e que o mesmo não apresentou qualquer justificação para tal omissão.

Conclui-se, assim, que improcede o presente erro de julgamento.

2)
Alega o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro caso se considere que na mesma se alude à existência de uma presunção legal de culpa.

Como foi supra explicitado (aquando da análise da invocada nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia), da sentença recorrida não consta qualquer afirmação no sentido da existência de uma presunção legal de culpa [razão pela qual ficou prejudicado o conhecimento do alegado, a título subsidiário, nos artigos 46º a 53º, da contestação (inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 3º, da Lei 4/83, de 2 de Abril, caso se considere que no mesmo se consagra uma presunção de culpa do agente)], pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional.

3)
Refere ainda o recorrente que a sentença recorrida violou o art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, e o art. 10º n.º 1, da Lei 27/96, de 1/8.

Para melhor enquadramento dos quatro erros de julgamento que a este propósito são invocados pelo recorrente - e que foram acima descritos sob as alíneas a), b), c) e d) -, passa-se a transcrever a fundamentação jurídica da sentença recorrida na parte relevante:
Através da presente ação administrativa, pretende o A. que seja aplicada ao Réu a sanção de inibição do exercício de cargos políticos pelo período de 1 a 5 anos, prevista no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, pretensão que funda no facto de o Réu, comprovadamente, não ter apresentado junto do Tribunal Constitucional e no prazo devido a sua declaração de património, rendimentos e cargos sociais, tal como legalmente lhe é exigido.
Está delimitado pelas alegações do próprio Réu e pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nos presentes autos em 11.08.2017 que a questão a decidir nos presentes autos é a de saber se o incumprimento da obrigação a que acima se aludiu se revela ou não como um incumprimento culposo face ao contexto pessoal e familiar que o Réu atravessava à data em que foi notificado para proceder à entrega da aludida declaração. (…)
Delineada a questão que aqui se coloca, e fixada a factualidade pertinente para a poder apreciar, cumpre decidir, já que a isso nada obsta.
De acordo com o artigo 1.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, que estabelece o regime de controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos, os titulares de cargos políticos e equiparados têm a obrigação de apresentar no Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias contados desde a data do início do exercício das respetivas funções, uma declaração comprovativa do seu património, rendimento e cargos sociais. E dispõe, por seu turno, o n.º 2 (10) do artigo 2.º deste mesmo diploma legal que uma nova declaração devidamente atualizada deve ser apresentada no prazo de 60 dias contados desde a data da cessação das funções que tiverem determinado a sua apresentação.
Ora, conforme consta do ponto n.º 1. do probatório, o Réu exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal de Coruche entre 23.10.2009 e 11.10.2013. Da conjugação deste facto com as normas legais que acima se referiram resulta que a declaração de rendimentos que aqui está em causa, e que o Réu acabou por apresentar em junho de 2017 (ponto n.º 6.), é a referente à cessação das suas funções como Presidente da Câmara, que ocorreu em 11.10.2013. Significa isto que, tendo apresentado a declaração apenas no ano de 2016 (11) quando o facto gerador dessa obrigação de entrega se produziu já no ano de 2013, o Réu se encontra em incumprimento da norma do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 4/83 desde essa data. E aquilo que vem alegado, e que ficou comprovado nos presentes autos, é apenas o estado de saúde em que o Réu se encontrava em finais de 2016 e inícios de 2017, o que nada tem que ver com o incumprimento que se vinha verificando desde 2013, o que convém neste momento precisar.
Todavia, uma leitura do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83 permite concluir que o legislador apenas considerou de tal modo censurável e por isso justificável da aplicação da sanção de perda de mandato a situação de não apresentação da declaração (i) no prazo de 30 dias consecutivos; (ii) após a notificação para apresentação; e (iii) na qual se verifique um incumprimento culposo (veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 29.11.2007, Proc. n.º 00873/07.6BEBRG, disponível em www.dgsi.pt).
Apesar de acima já ter sido atingida essa conclusão, há que relembrar que não é controvertida, no caso concreto, a verificação dos dois primeiros requisitos referidos. Efetivamente, resulta do probatório e não é contrariado pelo Réu que foi o mesmo notificado para apresentar a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, (…) através de notificação pessoal feita por agente da GNR, após pedido formulado pelo TC ().
Também não reúne controvérsia que, após (…) o(…) mencionado(…) ato(…) de notificação, o Réu não procedeu à entrega da declaração de património, rendimentos e cargos sociais no legalmente previsto prazo de 30 dias consecutivos, uma vez que a notificação feita pelo agente da GNR ocorreu em fevereiro de 2017 e o Réu apenas procedeu à entrega desta declaração em junho do mesmo ano.
Resta então saber e apreciar, como tivemos já oportunidade de referir, se este incumprimento da parte do Réu, que vimos estar comprovado, assume a natureza de um incumprimento culposo tal como o define o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, para o efeito de lhe ser aplicada a sanção de inibição de exercício de cargos políticos e equiparados. Cumpre apreciar, sobretudo, se o estado de saúde em que se encontrava o Réu na altura em que foi notificado para cumprir esta obrigação é uma circunstância que se assume como suficiente para excluir a culpa do Réu, não sendo portanto de lhe aplicar a mencionada sanção por não se verificar um dos elementos que o aludido preceito legal exige para esse efeito.
Como é sabido, a culpa é o elemento subjetivo do ilícito, podendo manifestar-se através do dolo ou da negligência, consoante o agente tenha a intenção de cometer o facto ilícito ou, pelo contrário, esse ilícito se deva a uma falta de cuidado, sendo certo que tem de poder dizer-se que, face às circunstâncias do caso concreto, o agente poderia e deveria ter agido de outro modo.
Não contendo o n.º 1 do artigo 3.º uma definição do conceito de culpa que aqui é considerada relevante para efeitos de aplicação da sanção, tem a jurisprudência entendido que não é exigido pelo legislador que se verifique o dolo do titular do cargo político, sendo para tal suficiente que se verifique uma culpa grave ou mesmo uma negligência grosseira – vejam-se os acórdãos do STA de 22.08.2007, Proc. n.º 0690/07, e de 28.05.2008, Proc. n.º 0299/08, mas também o já mencionado acórdão do TCAN de 29.11.2007, Proc. n.º 00873/07.6BEBRG (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A interpretação que assim tem vindo a ser perfilhada pela jurisprudência é, aliás, aquela que melhor se coaduna com o teor literal da norma do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, uma vez que, como referido, aí se fala apenas de um incumprimento culposo, quando é sabido que a expressão culpa abrange não só o dolo mas também o conceito da negligência.
A este propósito vem também sendo referido pelos tribunais superiores que, comprovando-se a notificação do titular do cargo político para a entrega da declaração, com a referência à cominação da aplicação da sanção, e mantendo-se a omissão na entrega, “é possível censura-lo por incumprimento culposo, uma vez que está estabelecida “a base factual necessária e indispensável para a censura da sua conduta omissiva, pelo menos, a título de culpa grave(cf. acórdão do TCAS de 29.03.2012, Proc. n.º 08673/12, disponível em www.dgsi.pt).
Face às considerações que vêm sendo tecidas, e ao contrário do que vem alegado pelo Réu, o estado de saúde em que se encontrava e o período conturbado que atravessava em finais do ano de 2016 e inícios do ano de 2017 não se afigura suficiente para excluir a sua culpa no incumprimento da entrega da declaração, não se revelando bastante para que o seu comportamento deixe de ser censurável, pelo menos, a título de negligência.
Com efeito, (…) comprovou-se (…) que o Réu não deixou de trabalhar e manteve-se no exercício das funções, cumprindo as suas obrigações profissionais e fazendo, dentro do que lhe era possível face ao período que atravessava, a sua vida normal. E não se afigura plausível que alguém que continua o normal exercício da sua atividade profissional seja pessoalmente notificado por um agente da GNR para proceder à entrega de uma declaração de rendimentos junto do TC, independentemente das circunstâncias que concretamente viva, e simplesmente se esqueça de tal ocorrência, criando a convicção de que tinha procedido à entrega dessa mesma declaração.
Efetivamente, mesmo tendo em conta os contornos da vida pessoal e familiar do Réu, há que considerar que o mesmo foi notificado (…) para proceder à entrega da declaração de rendimentos, sendo certo que (…) foi pessoalmente interpelado por um agente da autoridade que lhe leu o conteúdo da notificação acima referida no ponto n.º 4., não sendo credível que se tenha esquecido desse(…) acontecimento(…).
Assim, ainda que se tenha comprovado que o Réu viveu um período particularmente delicado, não pode concluir-se que essa circunstância seja suficiente e adequada a excluir a sua culpa no cumprimento da obrigação de entrega da declaração, havendo portanto que condenar o Réu na sanção de inibição prevista no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, e que conceder provimento à presente ação.
Não é, contudo, despicienda a análise que vimos fazendo acerca do contexto pessoal e familiar do Réu, não o sendo também o facto de o Réu ter procedido já à entrega da declaração em junho de 2017, uma vez que tais elementos se revelam importantes para determinar a medida da sanção a aplicar e o período que deve durar tal inibição de exercício de cargos políticos.
De facto, ponderados todos estes fatores, afigura-se suficiente para sancionar esta conduta do Réu a inibição pelo período de um ano, que é o período mínimo que é permitido pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83 e que, ponderadas todas as circunstâncias mencionadas, se revela adequado no caso concreto.” (sublinhados e sombreados nossos).

a)
Defende o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro ao considerar irrelevante o seu estado de saúde em 2017 (para efeitos de causa de exclusão da culpa) por entender que o incumprimento tendente à aplicação da sanção ocorreu em 2013 (quando a conduta omissiva relevante ocorreu em 2017, com a notificação do Tribunal Constitucional), inexistindo qualquer sanção decorrente de o agente não ter apresentado a declaração em 2013.

Improcede o presente erro de julgamento, pois, embora na sentença recorrida se mencione que desde 2013 o recorrente se encontra em incumprimento da norma do n.º 1 do art. 2º, da Lei 4/83 [pois desde essa data (2013) encontrava-se obrigado a apresentar a declaração de rendimentos, a qual só entregou em 2017], aí também se afirma que o legislador (cfr. n.º 1 do art. 3º, da Lei 4/83) considerou censurável e por isso susceptível de aplicação da sanção de perda de mandato a situação de não apresentação da declaração no prazo de 30 dias consecutivos, após a notificação para apresentação - notificação que in casu ocorreu em Fevereiro de 2017 -, e na qual se verifique um incumprimento culposo (cfr. transcrição acima efectuada da fundamentação jurídica da sentença recorrida, em especial da parte que se encontra sublinhada). Mais se afirmou na sentença recorrida que o apuramento da verificação da culpa implica a apreciação do estado de saúde em que o recorrente se encontrava na altura em que foi notificado para entregar a declaração de rendimentos (isto é, em 2017).

Dito por outras palavras, na sentença recorrida não consta qualquer afirmação no sentido de que o incumprimento tendente à aplicação da sanção de perda de mandato ocorreu em 2013, bem pelo contrário, pois aí se afirma que tal incumprimento ocorreu em 2017 e que o apuramento do requisito da culpa implica a apreciação do estado de saúde em que o recorrente se encontrava nessa altura.

b)
Invoca também o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro ao entender que a negligência grosseira corresponde ao conceito de simples negligência para preenchimento do requisito do incumprimento culposo.

Improcede o presente erro de julgamento, pois na sentença recorrida não se encontra plasmado tal entendimento, antes aí se tendo afirmado que a negligência grosseira corresponde a culpa grave (cfr. transcrição acima efectuada da fundamentação jurídica da sentença recorrida, em especial da parte que se encontra sombreada).

c)
Invoca igualmente o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro ao considerar preenchido o requisito do incumprimento culposo, dado que, face à factualidade dada como assente, concretamente nos pontos 8. a 12., tem de concluir-se que o recorrente não agiu com culpa grave, nem ignorou a notificação do Tribunal Constitucional, pois não lhe era possível adoptar outra conduta face à sua situação de saúde.

Vejamos.

Da factualidade dada como assente decorre que, durante o último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017, o recorrente atravessou um período conturbado - para o qual contribuíram a intervenção aos rins a que foi submetido em Dezembro de 2016 e a intervenção ao útero a que foi submetida Patrícia Moreira, unida de facto com o recorrente - no qual sofreu, nomeadamente, ansiedade, tristeza e perturbações de sono e de memória.

De todo o modo, também se encontra apurado que durante o mencionado período (último trimestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017) o recorrente continuou a trabalhar e a exercer as suas funções - de forma normal, nomeadamente junto da Câmara Municipal de Coruche e do grupo desportivo do município (cfr. fundamentação da matéria de facto consignada na sentença recorrida, em especial último parágrafo de fls. 7, dessa decisão) -, foi citado para a presente acção (cfr. fls. 61, dos autos em suporte de papel, da qual decorre que o recorrente foi citado para a presente acção em 27.6.2017), constituiu mandatário (cfr. fls. 49, dos autos em suporte de papel, da qual decorre que o recorrente constituiu mandatário em 30.6.2018) e, ainda durante esse período - concretamente em 19.6.2017 (ou seja, fora de prazo) -, apresentou a declaração de rendimentos, património e cargos sociais.

Acresce que a notificação ao recorrente para apresentação da referida declaração, no prazo de 30 dias (consecutivos, a contar de 23.2.2017), foi feita na sua própria pessoa, por um guarda da GNR, o que não se terá consubstanciado num facto rotineiro.

Assim, tem de se considerar que era possível ao recorrente ter apresentado a referida declaração no prazo de 30 dias que lhe tinha sido fixado pelo Tribunal Constitucional, não obstante os problemas de saúde que o mesmo sofria nessa altura, ou seja, a sentença recorrida não incorreu em erro ao concluir no sentido do preenchimento do requisito relativo ao incumprimento culposo.

Com efeito, e como se escreveu no Ac. do TCA Norte de 13.8.2007, proc. n.º 413/07.7 BECBR:
E concretamente quanto ao alegado estado de “grave depressão psíquica” não se vislumbra também que o mesmo se haja como demonstrado ou provado de forma a fazer operar a previsão do citado art. 10.º(12)
A argumentação e a alegação vertida pela R. na sua contestação apenas parcialmente se logrou provar, resultando da motivação da decisão de facto quanto à caracterização do estado de saúde da mesma, não posta em causa em sede da presente impugnação jurisdicional, que “… atenta a utilização da expressão “grave depressão psíquica “ no artigo 7.º do seu articulado, considerou-se relevante o apuramento da eventual existência de alguma causa que, atenta a gravidade, pudesse justificar a falta de entrega atempada da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, nomeadamente uma situação de tal modo grave e debilitante que impossibilitasse a demandada do cumprimento da obrigação de entrega em causa e excluísse a sua culpa (…).
Porém, do depoimento da testemunha inquirida (o seu médico de família e técnico de saúde que a diagnosticou, medicou, e que a acompanhou e acompanha no tratamento da doença) resultou o seguinte:
- À demandada foi diagnosticada a referida depressão psíquica em Agosto de 2006, data a partir da qual passou a ser medicada;
- A doença em causa manifesta-se com choro, tristeza, esquecimento e dificuldade de dormir;
- O estado depressivo em causa não a impedia, por exemplo, de sair de casa e exercer a sua actividade profissional de docente, nem a demandada esteve de baixa prolongada;
- A doença tem porém períodos de agudização, que impediram a demandada de exercer a sua actividade profissional de docente por vários períodos que a testemunha não precisou, e que motivaram a passagem de alguns atestados médicos justificativos dessa impossibilidade, com duração de 3 a 4 dias de cada vez;
- Neste momento mantém-se o estado depressivo da demandada, sendo que os períodos de agudização são agora menos frequentes;
- No entanto, ainda recentemente teve um episódio que justificou outra passagem de atestado médico.
Assim, na resposta dada artigo único da base instrutória, atendeu-se ao facto de a doença em causa não ter impossibilitado de forma irremediável e permanente o chamado “funcionamento de dia-a-dia” da demandada, causando tal letargia que a impedisse de qualquer actividade, ou lhe retirasse a capacidade volitiva, não se considerando assim a depressão em causa “grave””.
Ora presente esta realidade factual e sua motivação não contestada temos como não demonstrada a ausência de elemento volitivo na vertente dolosa e muito menos na vertente negligente por parte da R., aqui recorrente, sendo que também não está apurada realidade que integre a previsão do art. 10.º da Lei n.º 27/96 quer tendo em atenção o alegado quadro de saúde da R., quer ainda considerando o facto de a mesma, entretanto na pendência e após ser citada para os termos da presente acção, haver apresentado no TC a declaração de rendimentos e património/cargos sociais omitida.
É certo que a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do Direito Disciplinar e do Direito Penal (vide art. 10.º da citada Lei) e que tal como já se entendeu “… dada a gravidade da sanção de perda de mandato que a lei comina para determinados comportamentos, importa não só determinar se esses comportamentos estão objectivamente tipificados na lei, mas ainda se se verifica o elemento subjectivo que justifique um juízo de censura proporcional à medida sancionatória que só será de aplicar quando, ponderados os factores objectivos e subjectivos relevantes, se conclua pela indignidade do requerido para a permanência no exercício das suas funções”.
Contudo, tal posição e entendimento em nada saem beliscados com a decisão judicial posta em crise no presente recurso.
Na verdade, não se descortina qualquer erro de julgamento quando na sentença se concluiu pelo não preenchimento na situação fáctica apurada de qualquer realidade que integrasse a previsão do art. 10.º da Lei n.º 27/96 e se discorreu/fundamentou nos termos seguintes: “… a demandada (…) aponta como causas que no seu entendimento devem conduzir à não aplicação da respectiva sanção o facto dessa conduta não se poder imputar a qualquer intenção dolosa de se furtar ao cumprimento da obrigação, mas tão só “mero esquecimento”, ou negligência, devido a uma vida profissional ocupada e preenchida (que frequenta um curso de especialização desde 2006 e, ao mesmo tempo, é docente da Escola Secundária de Mira com horário completo), acrescentando que esteve doente (sofreu de “grave depressão psíquica” e teve de ser medicada), referindo ainda que tem exercido vários cargos públicos com rigor e isenção, que não retirou qualquer vantagem patrimonial da conduta omissiva em análise, sendo certo que ao seu cargo não correspondem funções executivas, e, finalmente, informa que, após a citação para a presente acção, já procedeu à entrega da declaração em falta.
Ora, (…), para os efeitos constantes da norma contida no nº 1 do artigo 10.º da Lei n.º 27/96 …, apenas relevam motivos justificativos (que excluem a ilicitude do facto), ou causas de exclusão da culpa.
E, (…), o facto de ter exercido vários cargos públicos com rigor e isenção, o facto de não ter retirado qualquer vantagem patrimonial do incumprimento, o facto de estar a frequentar um curso de especialização desde 2006, o facto de ser ao mesmo tempo docente da Escola Secundária de Mira com horário completo, e o facto de, não obstante o cargo ocupado, não exercer funções executivas não constituem motivos de exclusão da ilicitude (não vêm legalmente elencados ou previstos como motivos que tornam lícita a conduta), sendo certo que também não excluem a culpa (a consciencialização da ilicitude do facto e capacidade de agir de acordo com essa representação) …”.
Já no que tange à situação de alegada e não demonstrada “grave depressão psíquica” concluiu-se e bem na decisão que “… tendo apenas presente o período subsequente à notificação do Tribunal Constitucional, da prova produzida não resultou que a demandada estivesse de tal modo doente que não pudesse proceder de acordo com as estipulações legais violadas.
…, não esteve acamada, senão por breves períodos de 3 ou 4 dias, e continuou a exercer a sua profissão de docente. A sintomatologia não exclui a capacidade volitiva do doente. A isto acresce que se apurou que, neste momento, ainda estava doente, mas tal facto não a impediu de, agora, após a citação para a presente acção, ter procedido à entrega da declaração de património, rendimentos e cargos sociais”.
Não releva, pois, a situação apurada no quadro da previsão do invocado art. 10.º.” (sublinhados nossos).

Conclui-se, assim, que a sentença recorrida não violou o art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, ou o art. 10º n.º 1, da Lei 27/96, de 1/8.

Nestes termos, tem também nesta parte de improceder o presente recurso jurisdicional.

d)
Refere ainda o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro, pois, tendo já entregue a declaração em causa, não existe qualquer fundamento para sancionar a sua conduta, mas sem razão, dado que a apresentação da referida declaração nas vésperas da instauração da presente acção não é motivo impeditivo do sancionamento da conduta, pois a infracção já havia sido cometida e consumada na sua integralidade com a não apresentação atempada da declaração no prazo de 30 dias fixado na notificação do Tribunal Constitucional.

Efectivamente, e como se escreveu no Ac. do STA de 25.9.2007, proc. n.º 693/07:
Não obstante, por ter considerado decisiva a circunstância de o ora recorrido, em Fevereiro de 2007, ter remetido ao Tribunal Constitucional a declaração de património, rendimentos e cargos sociais, concluiu que não se mantinha a situação de incumprimento que constitui fundamento da declaração de perda de mandato, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 3.º da Lei 4/83 de 2 de Abril, na redacção da Lei 25/95.
Com efeito, pondera-se na decisão judicial recorrida que, “atenta a gravidade da medida prevista na aludida norma, não é possível defender-se que seja suficiente o desrespeito do prazo de 30 dias aí fixado para que seja declarada a perda de mandato (ainda que se trate de um prazo suplementar a acrescer ao prazo de 60 dias previsto no art.º 1.º)”.
Antes, da leitura conjugada dos arts 1.º e 3.º, n.º 1 da Lei 4/83, de 2 de Abril, na já referida redacção, resultaria que é pressuposto da perda de mandato a verificação de um incumprimento definitivo da obrigação de apresentação da declaração em causa, como decorreria da expressão “Em caso de não apresentação das declarações previstas nos arts 1.º e 2.º” (Sublinhado do texto da sentença), constante da parte inicial do referido artigo 3.º, n.º 1.
E acrescenta-se:
Não se verifica tal incumprimento quando, como no caso sub judice, dentro do prazo da contestação de acção para a declaração de perda de mandato, o titular do cargo político faz prova da entrega da mencionada declaração junto do Tribunal Constitucional, ainda que tenha ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido no art.º 3.º, n.º 1.
O atraso no cumprimento da obrigação de apresentação de tal declaração junto do Tribunal Constitucional, para lá dos 30 dias fixados na norma em questão, constituindo uma conduta censurável (designadamente quando, como no caso dos autos, não seja apresentado qualquer motivo justificativo atendível) não constitui, todavia, violação grave dos deveres do cargo, em termos tais que torne imperioso o afastamento do titular faltoso.
Esta decisão não pode manter-se, como bem defende o Recorrente M.º Público.
Efectivamente:
Dispõe o art.º 1.º da Lei 4/83, de 2 de Abril, na redacção da Lei 25/95, de 18 de Agosto:
(…)
E, o art.º 3.º, n.º 1, da mesma Lei estatui:
(…)
Da leitura dos transcritos preceitos, resulta, com clareza, que a interpretação legal sufragada pela sentença recorrida não tem apoio no texto dos mesmos, e vai ao arrepio do seu espírito (ratio).
Na verdade, ao fixar-se, no art.º 1.º, um prazo de sessenta dias contados da data do início do exercício das funções do titular de cargo político, para a apresentação da declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais, a lei está, inequivocamente, a estabelecer uma obrigação, para ser cumprida no prazo que aí se estipula.
Não sendo cumprida a obrigação no aludido prazo, a lei, (art.º 3.º, n.º 1) previu ainda uma nova chamada de atenção, pelo Tribunal Constitucional, para a necessidade do seu adimplemento, com a cominação de não sendo apresentada culposamente no prazo de 30 dias a contar da notificação, incorrer nas sanções aí previstas, designadamente, no que ao presente caso importa, perda de mandato.
O incumprimento culposo refere-se à não apresentação atempada da declaração, bem como da respectiva renovação, como também refere o M.º Público nas suas alegações, e não, como a sentença recorrida interpretou, apenas a situações em que os destinatários da norma nunca apresentem a declaração em falta. Esta última interpretação não explica o estabelecimento de prazos para o cumprimento da obrigação, e não leva em conta que o objectivo da lei é permitir, com a periodicidade de que a mesma dá nota (anualmente), o controlo público da riqueza dos titulares dos cargos políticos, e, dessa forma, evitar os casos de corrupção e preservar o prestígio da classe política.
Só razões que justificassem o aludido incumprimento, retirando-lhe censurabilidade, ou seja, que excluíssem culpa, poderiam obstar à aplicação da sanção prevista na lei.
(…)
Resta acrescentar que, tal como se decidiu em recente acórdão deste STA, em situação análoga (ac. de 22.8.2007, p. 690/07), o comportamento que o recorrido assumiu deve ser qualificado como gravemente culposo, “uma vez que persistiu no erro apesar de lhe ser dito que essa persistência determinaria a perda do seu mandato”, culpa essa que não é diminuída pelo facto de, posteriormente (cerca de três meses após ter expirado o prazo de 30 dias contado da notificação do Presidente do Tribunal Constitucional), ter apresentado o documento em falta).” (sombreados nossos).

Bem como se salientou no Ac. do TCA Norte de 13.8.2007, proc. n.º 413/07.7 BECBR:
E, por fim, quanto à relevância do facto de a R. haver apresentado entretanto, após citação para os termos da acção “sub judice”, a declaração de rendimentos e património/cargos sociais legalmente imposta no TC também não nos merece reparo a conclusão decisória quando sustenta que “…, também neste ponto falece a defesa apresentada. …, apesar da finalidade subjacente à exigência legal de entrega da citada declaração de património, rendimentos e cargos sociais estar cumprida, a lei é peremptória: culmina com a sanção de perda de mandato na falta de cumprimento atempado da obrigação da respectiva entrega. Afinal, trata-se de direito sancionatório, e o restabelecimento da legalidade não apaga a ilicitude do facto e a censura que a conduta omissiva merece”.
(…)
(…) a situação apurada não pode relevar já que a infracção havia sido cometida e consumada na sua integralidade com a não apresentação atempada nos prazos legalmente concedidos ou previstos para o efeito, não se estando, pois, já perante qualquer “desistência” relevante (infracção havia-se consolidado ou consumado) (…)” (sublinhados nossos).

E conforme se sumariou no Ac. do TCA Norte de 10.3.2017, proc. n.º 1944/16.3 BEBRG:
2. A culpa não é descaracterizada pelo mero facto de posteriormente à expiração do prazo de 30 dias contado da notificação pelo Tribunal Constitucional, ter apresentado a declaração em falta. Na verdade não se trata de prazo facultativo, mas sim elemento essencial de um instituto que visa reforçar a transparência e o escrutínio aos titulares de responsabilidades públicas, em cargos políticos ou públicos, sendo certo que para salvaguarda desses valores é imperioso que as ditas declarações sejam feitas o mais próximo possível do início e do final dos mandatos, não se afigurando curial serem os próprios fiscalizados a escolherem a ocasião propícia para serem submetidos a fiscalização”.
*
Do exposto resulta que cabe determinar a alteração do facto n.º 3), dado como provado na decisão recorrida, e no demais negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão de procedência constante da sentença recorrida.
*
Tendo o recorrente ficado vencido, deverá suportar as custas do presente recurso jurisdicional (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Determinar a alteração do facto n.º 3), dado como provado na decisão recorrida, e no demais negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão de procedência constante da sentença recorrida.
II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 18 de Outubro de 2018



(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)




(Maria Helena Canelas – 1ª adjunta)



(Carlos Araújo – 2º adjunto)


(1)Cfr. Prof. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, página 670.
(2) Cfr. Acórdão do STJ, de 13.12.2007, processo n.º 07S3655, disponível em www.dgsi.pt.
(3) Cfr. Acórdão do TCA Norte, de 29.05.2008, processo n.º 00190/07.1BEMDL, disponível em www.dgsi.pt.
(4) Por lapso refere-se “totalmente”, pois, compulsado o Doc. n.º 2, junto com a contestação, verifica-se que no mesmo se consignou “pontualmente” (e não totalmente).
(5)Que corresponde actualmente à 1ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013
(6)Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(7) Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013
(8) Isto é, o art. 3º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4, na redacção da Lei 25/95, de 18/8.
(9)In casu do dever previsto no art. 2º n.º 1, da Lei 4/83, de 2/4 (“1 - Nova declaração, actualizada, é apresentada no prazo de 60 dias a contar da cessação das funções que tiverem determinado a apresentação da precedente, bem como de recondução ou reeleição do titular.”), ou seja, o ora recorrente, no prazo de 60 dias a contar da cessação de funções de Presidente da Câmara Municipal de Coruche (o que ocorreu em 11.10.2013), deveria ter apresentado no Tribunal Constitucional a correspondente declaração actualizada de património, rendimentos e cargos sociais.
(10) Por lapso refere-se n.º 2 quando se pretendia dizer n.º 1.
(11) Por lapso refere-se 2016 quando se pretendia dizer 2017 (cfr. n.º 6., do probatório).
(12)Da Lei 27/96, de 1/8, em cujo n.º 1 se estatui o seguinte: “Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes”.