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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1068/13.5 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA. ORGANISMO SEM FINS LUCRATIVOS. ACTIVIDADE COMERCIAL.
Sumário:A quantificação da matéria coletável por métodos indiretos em relação a uma instituição particular de solidariedade social exige a definição prévia do seu estatuto em face do IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório
A A ……………………….., deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IVA, relativas a todos os períodos mensais do exercício de 2009, e respectivos juros compensatórios, no montante total de 88.333,10 euros, cujo prazo de pagamento ocorreu a 30/04/2013. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 95 e ss. (numeração do SITAF), datada de 29.12.2019, julgou a acção totalmente procedente. Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 149 e ss. (numeração do SITAF).
Inconformada com a decisão, vem a Fazenda Pública apresentar recurso, alegando nos termos seguintes:
« A. Vem o presente Recurso interposto contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 29/12/2019, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação dos actos tributários de liquidação adicional de IVA referentes ao todos os períodos mensais de 2009, por considerar que, no que concerne à verificação dos pressupostos legais para recurso a avaliação indirecta da matéria colectável, o relatório de inspecção não é suficiente, do ponto de vista substancial para manter a correcção efectuada, mais considerando que, no que respeita à quantificação, é manifesto a utilização de um rácio calculado pelas declarações dos sujeitos passivos que prosseguem uma actividade comercial e têm como fim o lucro, que não podem ser aplicadas no caso dos autos.
B. na factualidade julgada provada na douta Sentença, no seu ponto m), em que se transcreve excertos do relatório de inspecção, encontra-se repetida a transcrição do teor da página 38 do relatório de inspecção, sendo que, de seguida, é de imediato transcrito o teor da página 40 do referido relatório, sem que exista qualquer menção a uma intencionalidade para que tal aconteça - denote-se que ao longo de todo este ponto de facto provado são várias as vezes em que o Ilustre Tribunal “a quo” tenha recorrido a reticências, sem que tal tenha acontecido nesta situação.
C. Pelo supra exposto, somos levados a crer que terá ocorrido erro material de escrita ao repetir a transcrição do teor da página 38 do relatório de inspecção e ao não transcrever o teor da sua página 39, requerendo-se, para os devidos efeitos legais, a correcção do mesmo, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 613.º e n.ºs 1 e 2 do art. 614.º, ambos do CPC.
D. Salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que, encontrando-se demonstrados através da prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido julgados provados e que se enunciam de seguida:
a. O sujeito passivo Associação …………………….. (doravante R..........) é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída por escritura pública em 28 de maio de 1990, como associação sem fins lucrativos, sendo que esteve registada como Organização Não Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD), no Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 30/11/1998 até 16/03/2007, estatuto jurídico que, nos termos do art. 12.º da Lei 66/98 de 14/10 lhe conferia, automaticamente, a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública e que nunca mais conseguiu renovar (cfr. ponto 2.3.1 - Natureza jurídica do sujeito passivo, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
b. A R.......... adquiriu imóveis rústicos e urbanos e celebrou contratos de arrendamento, em vários pontos do país, de Norte a Sul de Portugal, com "casas” destinadas à reabilitação em regime de internamento com suporte ocupacional e outros, e com "lojas R..........”, identificadas contabilisticamente pela associação como "centros de produção” destinadas à actividade comercial desenvolvida pelo pessoal já reabilitado, que pode igualmente ser responsável pelas pessoas em regime de internamento (cfr. ponto 2.3.2 - Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
C. Secundariamente, a R.......... exerce uma actividade comercial e de serviços, não prevista nos seus fins estatutários, ligada principalmente à comercialização de mobiliário novo e usado, sendo que o mobiliário novo é adquirido onerosamente e o usado pode ser adquirido a título oneroso ou gratuito. Ao nível dos serviços prestados a terceiros, os Serviços de Inspecção apuraram que os mesmos se prendem com transportes de bens, mudanças, limpezas e pinturas (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
d. De acordo com a contabilidade relativa aos exercícios de 2008 e 2009, as receitas da R.......... compreendem: rendimentos provenientes de donativos em dinheiro e em espécie atribuídos por pessoas singulares e colectivas; rendimentos provenientes da comercialização de bens adquiridos a título oneroso ou gratuito, maioritariamente mobiliário; rendimentos provenientes da prestação de serviços a terceiros (transporte de bens, mudanças, limpezas e pinturas) (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
e. Em 26/06/2012, o sujeito passivo foi notificado pessoalmente, tendo sido questionado para clarificar qual o tipo de donativo (em espécie/tipos de bens ou dinheiro) e qual a percentagem dos donativos em espécie e dos donativos em dinheiro no total dos donativos contabilizados em 2008 (4.309.407,80 €) e 2009 (3.263.384,43 €), bem como para indicar e comprovar quais os donativos que se destinam à imediata e direta realização dos fins estatutários (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
f. O sujeito passivo como resposta ao questionado no ponto de facto anterior, indicou que nas contas 73811 e 73812 se encontram os donativos em espécie (produtos alimentares) e que na conta 73819 os donativos em dinheiro, quantificando o peso dos donativos em dinheiro (73% e 78.3% do total, respetivamente para 2008 e 2009), mais tendo assumido que “…Todos os donativos (espécie e dinheiro) destinam-se à imediata e directa realização dos fins estatutários” (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
g. O averbamento da doação de cada bem em espécie nos livros de registos da R.......... corresponde a um recibo emitido pela R.........., contabilizado sempre na subconta 73819 (destinada, segundo a Impugnante, à contabilização de donativos em dinheiro), sendo que o valor colocado no recibo pode divergir do valor inscrito para o mesmo recibo no livro de doações (crf. ponto 3.2.1 - Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância).
h. Foram solicitados ao sujeito passivo, na notificação pessoal de 26/06/2012, os necessários comprovativos da isenção de imposto referente à facturação emitida pela R.......... em 2009 aos clientes intracomunitários, sendo que, na sua resposta, a Impugnante não apresentou qualquer comprovativo da isenção de IVA (crf. ponto 3.4 - Facturação emitida a clientes intracomunitários - 2009, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância).
E. As informações oficiais prestadas pela inspecção tributária, fundamentadas e baseadas em critérios objectivos, “fazem fé”, pelo que possuem força probatória plena (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do Código Civil).
F. Pelo exposto, os factos constantes do relatório de inspecção e respectivos documentos que o acompanham encontram-se provados nos autos, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.º 5 do art. 607.º do CPC).
G. Por outro lado, mal andou, em nosso entendimento, o Ilustre Tribunal “a quo", ao considerar que “não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa”.
H. Os pontos de facto constantes dos artigos 85.º a 88.º do libelo inicial não foram demonstrados pela Impugnante, ora recorrida, nos autos de primeira instância, não tendo sido apresentado qualquer meio de prova nesse sentido.
I. Pelo supra exposto, impunha-se que o Ilustre Tribunal “a quo” tivesse considerado como factos não provados os seguintes:
c. A R.......... pratica preços em muito inferiores aos das Sociedades que visam o lucro;
d. A margem bruta de venda praticada pela R.......... é de 5%
J. No que concerne á fundamentação de Direito da douta Sentença, em nosso entendimento e com a devida vénia, com a solução alcançada, o Ilustre Tribunal “a quo” olvidou as disposições ínsitas nos artigos 5.º, 6.º, 9.ºe 10.º, todos do RCPITA, bem como o artigo 48.º do CPPT, bem como nos artigos 58.º, 85.º, n.º 1, alínea b) do n.º 1 do art. 87.º, alínea a) do art. 88.º, art. 74.º, n.ºs 1 e.º 3, art. 75.º, n.º 1 a n.º 2 alínea a), art. 76.º n.º 1, todos estes últimos da LGT.
K. À Autoridade Tributária cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiciários, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 74.º da LGT.
L. Ora, dos factos que se encontram demonstrados nos autos de primeira instância, resulta que a presunção legal de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita não se verifica no caso concreto, atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, pelo que, se aplica a regra geral do ónus da prova prevista no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabendo ao contribuinte o ónus da prova da veracidade e de boa-fé das suas declarações e da veracidade e boa-fé dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita.
M. Contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo”, através do relatório de inspecção, a Administração Tributária fundamentou, de facto e de direito, a verificação, no caso concreto, dos pressupostos que determinaram a avaliação indirecta, concretizando de forma expressa, clara, sucinta, congruente e suficiente, os factos que conduziram a que a Administração concluísse no sentido da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC e, consequentemente, da base tributável de IVA (vide alínea b) do n.º 1 do art. 87.º, alínea a) do art. 88.º e n.º 4 do art. 77.º, todos da LGT).
N. No decurso do procedimento inspectivo, foi observado o princípio da descoberta da verdade material, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 6.º do RCPITA, sendo que a falta de cooperação da Impugnante, ora recorrida, no sentido de esclarecer as questões colocadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, aliada à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC, motivaram o recurso à avaliação indirecta no que diz respeito ao apuramento das vendas de bens novos efectuadas no ano de 2009, nos termos ainda do disposto no art. 10.º do RCPITA.
O. Pelo exposto, a Administração Tributária logrou provar, nos termos do disposto no art. 74.º da LGT, os factos constitutivos do seu direito, com base em informações oficiais prestadas pela inspecção tributária, fundamentadas e baseadas em critérios objectivos e que, portanto, “fazem fê”, pelo que possuem força probatória plena (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do Código Civil).
P. Estamos, portanto, perante uma situação de prova legal plena, que só pode ser contrariada por meio de prova em contrário, ou seja, que mostre não ser verdadeiro o facto dela objecto, como se estipula no art. 347.º do Código Civil, o que a Impugnante, ora recorrida, não veio fazer nos presentes autos.
Q. No que concerne ao critério adoptado pela Administração Tributária para a quantificação da matéria colectável, ao entender que, no caso concreto, ocorreu erro na quantificação, o Tribunal “a quo” olvidou que, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 74.º da LGT, in fine, cabe ao sujeito passivo a demonstração de que existe inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados pela Administração Tributária na avaliação indirecta, o que não foi feito no caso concreto
R. Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, a simples circunstância de a Administração Fiscal, no procedimento de apuramento do valor tributável, ter optado pela utilização de determinado critério em vez de outro qualquer não faz com que seja errado o critério efectivamente utilizado.
S. No caso concreto, a Impugnante, ora recorrida, apesar de contestar o critério que serviu á quantificação administrativa da matéria tributável, preocupou-se sobretudo em afirmar que é uma Associação que prossegue fins estatutários e sociais, não provado qual era efetivamente a margem bruta de vendas que praticava em 2009, ou seja, qualquer inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados pela Administração Tributária na avaliação indirecta, não tendo disponibilizando outro ou outros critérios que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se, por isso, incapaz de, justificada e comprovadamente, desonerar-se do ónus da prova previsto no n.º 3 do art. 74.º da LGT, in fine.
T. Sem prescindir, mesmo se alguma dúvida possa existir que a realidade descrita pela Administração Tributária não corresponda ao critério mais fiável e como tal tenha produzido um excesso de quantificação, a eventual dúvida não aproveita à Impugnante, ora recorrida, ao abrigo do disposto no art. 74.º, n.º 3 da LGT e 100.º, nº 3 do CPPT, já que nestes casos de apuramento da matéria tributável por métodos indirectos, expressamente, dispõem tais normas que é ao contribuinte que cabe demonstrar o erro ou o excesso da respectiva quantificação assim operada.
U. Assim sendo, encontra-se demonstrada nos autos de primeira instância a legalidade das correcções efectuadas em sede de IVA, em resultado da presunção de IVA não liquidado nas vendas apuradas de acordo com a avaliação indirecta da matéria colectável, assim como a legalidade dos actos de liquidação adicional sindicados nos autos de primeira instância. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida».

X
A recorrida não apresentou contra-alegações ao recurso interposto.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:
«a) A impugnante foi alvo de acção de inspecção, de âmbito geral (cfr. ponto II, do relatório de inspecção, de fls. 123 do PAT);
b) A 03/02/2012, foi assinado a ordem de serviço n.º OI………………, relativa a inspecção de âmbito geral, à impugnante, relativa ao exercício de 2009 (cfr. documento de fls. 420 do PAT);
c) Na mesma data, foi assinada a ordem de serviço n.º OI……………….., relativa a inspecção de âmbito geral, à impugnante, relativa ao exercício de 2008 (cfr. documento de fls. 420, verso do PAT);
d) A 30/07/2012, foi emitida notificação à impugnante, relativa à prorrogação do prazo da acção inspectiva (cfr. documento de fls. 109, verso, do PAT);
e) A 17/10/2012, foi assinada nota de diligência n.º NDO……………, pelo Presidente da Mesa de Assembleia da impugnante, relativa à conclusão da inspecção da aqui impugnante, de âmbito geral, ao ano 2008 (cfr. documento de fls. 103 do PAT);
f) Na mesma data, foi assinada nota de diligência n.º ND………………., pelo Presidente da Mesa de Assembleia da impugnante, relativa à conclusão da inspecção da aqui impugnante, de âmbito geral, ao ano 2009 (cfr. documento de fls. 103, verso do PAT);
g) A 18/10/2012, foi remetido projecto de relatório da inspecção tributária, à impugnante (cfr. documento de fls. 104 do PAT);
h) A 26/10/2012, foi proferido despacho em que determinou a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por três meses (cfr. documento de fls. 106 do PAT);
i) A 02/11/2012, foi remetido à impugnante, ofício relativo à prorrogação do prazo da acção de inspecção, por três meses (cfr. documento de fls. 105 dias PAT);
j) A impugnante, a 07/11/2012, pronunciou-se sobre o projecto de relatório de inspecção (cfr. fls. 373, verso do PAT);
k) A 15/11/2012, foi deduzido recurso hierárquico contra a prorrogação da acção inspectiva (cfr. documento de fls. 108 do PAT);
l) A 16/11/2012, foi concluído o relatório de inspecção, concluindo-se naquele (cfr. documento de fls. 122 do PAT):
«Texto no orginal»

m) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 122 do PAT):
(...)
«Texto no orginal»

n) A 20/11/2012, foi emitido ofício, dirigido à impugnante, para notificação do relatório de inspecção - “artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária” (cfr. documento de fls. 113 do PAT):
o) A 27/12/2012, a impugnante deduziu pedido de revisão da matéria colectável (cfr. fls. 88 do PAT);
p) A 16/02/2013, foram emitidas liquidações adicionais de IVA, à impugnante, com os números …………., …………, …….., ………., ………, …………., ………………., ……………., ……………, ………….., ………., ………., …………, …………, …………, e …………, relativas ao período 0809, 0810, 0811, 0812, 0901, 0902, 0903, 0904, 0905, 0906, 0907, 0908, 0909, 0910, 0911, 0912 (cfr. documento de fls. 27 e 28 do PAT);
q) A 30/01/2013, foi lavrada acta no procedimento de revisão nos termos do artigo 91.º da LGT (cfr. acta de fls. 71 e ss. do PAT);
r) Pelo perito do sujeito passivo, foi elaborado laudo, onde se lê (cfr. documento de fls. 73 e ss. do PAT):
«Texto no original»

s) Pelo perito da FP, foi lavrado laudo, onde se lê (cfr. documento de fls. 75 dos autos):
«Texto no original»
(…)
«Texto no original»
t) A 30/01/2013, foi emitido despacho “Fixação da matéria tributável”, lendo-se do mesmo, além do mais (cfr. documento de fls. 78 dos autos):
«Texto no original»

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa. Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»
X
u) O sujeito passivo Associação R.......... ……………………….. é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída por escritura pública em 28 de maio de 1990, como associação sem fins lucrativos, sendo que esteve registada como Organização Não Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD), no Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 30/11/1998 até 16/03/2007, estatuto jurídico que, nos termos do art. 12.º da Lei 66/98 de 14/10 lhe conferia, automaticamente, a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública e que não conseguiu renovar (cfr. ponto 2.3.1 - Natureza jurídica do sujeito passivo, do relatório de inspecção junto aos autos).
v) A R.......... adquiriu imóveis rústicos e urbanos e celebrou contratos de arrendamento, em vários pontos do país, de Norte a Sul de Portugal, com "casas” destinadas à reabilitação em regime de internamento com suporte ocupacional e outros, e com "lojas R..........”, identificadas contabilisticamente pela associação como "centros de produção” destinadas à actividade comercial desenvolvida pelo pessoal já reabilitado, que pode igualmente ser responsável pelas pessoas em regime de internamento (cfr. ponto 2.3.2 - Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos).
x) Secundariamente, a R.......... exerce uma actividade comercial e de serviços, não prevista nos seus fins estatutários, ligada principalmente à comercialização de mobiliário novo e usado, sendo que o mobiliário novo é adquirido onerosamente e o usado pode ser adquirido a título oneroso ou gratuito. Ao nível dos serviços prestados a terceiros, os Serviços de Inspecção apuraram que os mesmos se prendem com transportes de bens, mudanças, limpezas e pinturas (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos).
y) De acordo com a contabilidade relativa aos exercícios de 2008 e 2009, as receitas da R.......... compreendem: rendimentos provenientes de donativos em dinheiro e em espécie atribuídos por pessoas singulares e colectivas; rendimentos provenientes da comercialização de bens adquiridos a título oneroso ou gratuito, maioritariamente mobiliário; rendimentos provenientes da prestação de serviços a terceiros (transporte de bens, mudanças, limpezas e pinturas) (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos).
z) Em 26/06/2012, o sujeito passivo foi notificado pessoalmente, tendo sido questionado para clarificar qual o tipo de donativo (em espécie/tipos de bens ou dinheiro) e qual a percentagem dos donativos em espécie e dos donativos em dinheiro no total dos donativos contabilizados em 2008 (4.309.407,80 €) e 2009 (3.263.384,43 €), bem como para indicar e comprovar quais os donativos que se destinam à imediata e direta realização dos fins estatutários (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos).
aa) O sujeito passivo como resposta ao questionado no ponto de facto anterior, indicou que nas contas 73811 e 73812 se encontram os donativos em espécie (produtos alimentares) e que na conta 73819 os donativos em dinheiro, quantificando o peso dos donativos em dinheiro (73% e 78.3% do total, respetivamente para 2008 e 2009), mais tendo assumido que “…Todos os donativos (espécie e dinheiro) destinam-se à imediata e directa realização dos fins estatutários” estatutários (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos).
bb) O averbamento da doação de cada bem em espécie nos livros de registos da R.......... corresponde a um recibo emitido pela R.........., contabilizado sempre na subconta 73819 (destinada, segundo a Impugnante, à contabilização de donativos em dinheiro), sendo que o valor colocado no recibo pode divergir do valor inscrito para o mesmo recibo no livro de doações (cfr. ponto 3.2.1 - Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos).
cc) Foram solicitados ao sujeito passivo, na notificação pessoal de 26/06/2012, os comprovativos da isenção de imposto referente à facturação emitida pela R.......... em 2009 aos clientes intracomunitários, sendo que, na sua resposta, a Impugnante não apresentou qualquer comprovativo da isenção de IVA (crf. ponto 3.4 - Facturação emitida a clientes intracomunitários - 2009, do relatório de inspecção junto aos autos).
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A recorrente censura a sentença em crise, no que respeita à matéria de facto assente. Pretende o aditamento de quesitos que identifica na conclusão D).
Estão em causa os quesitos seguintes:
a. O sujeito passivo Associação R.......... ………………….. (doravante R..........) é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída por escritura pública em 28 de maio de 1990, como associação sem fins lucrativos, sendo que esteve registada como Organização Não Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD), no Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 30/11/1998 até 16/03/2007, estatuto jurídico que, nos termos do art. 12.º da Lei 66/98 de 14/10 lhe conferia, automaticamente, a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública e que nunca mais conseguiu renovar (cfr. ponto 2.3.1 - Natureza jurídica do sujeito passivo, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
b. A R.......... adquiriu imóveis rústicos e urbanos e celebrou contratos de arrendamento, em vários pontos do país, de Norte a Sul de Portugal, com "casas” destinadas à reabilitação em regime de internamento com suporte ocupacional e outros, e com "lojas R..........”, identificadas contabilisticamente pela associação como "centros de produção” destinadas à actividade comercial desenvolvida pelo pessoal já reabilitado, que pode igualmente ser responsável pelas pessoas em regime de internamento (cfr. ponto 2.3.2 - Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
C. Secundariamente, a R.......... exerce uma actividade comercial e de serviços, não prevista nos seus fins estatutários, ligada principalmente à comercialização de mobiliário novo e usado, sendo que o mobiliário novo é adquirido onerosamente e o usado pode ser adquirido a título oneroso ou gratuito. Ao nível dos serviços prestados a terceiros, os Serviços de Inspecção apuraram que os mesmos se prendem com transportes de bens, mudanças, limpezas e pinturas (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
d. De acordo com a contabilidade relativa aos exercícios de 2008 e 2009, as receitas da R.......... compreendem: rendimentos provenientes de donativos em dinheiro e em espécie atribuídos por pessoas singulares e colectivas; rendimentos provenientes da comercialização de bens adquiridos a título oneroso ou gratuito, maioritariamente mobiliário; rendimentos provenientes da prestação de serviços a terceiros (transporte de bens, mudanças, limpezas e pinturas) (cfr. ponto 2.3.2 – Estatutos e actividades desenvolvidas, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
e. Em 26/06/2012, o sujeito passivo foi notificado pessoalmente, tendo sido questionado para clarificar qual o tipo de donativo (em espécie/tipos de bens ou dinheiro) e qual a percentagem dos donativos em espécie e dos donativos em dinheiro no total dos donativos contabilizados em 2008 (4.309.407,80 €) e 2009 (3.263.384,43 €), bem como para indicar e comprovar quais os donativos que se destinam à imediata e direta realização dos fins estatutários (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
f. O sujeito passivo como resposta ao questionado no ponto de facto anterior, indicou que nas contas 73811 e 73812 se encontram os donativos em espécie (produtos alimentares) e que na conta 73819 os donativos em dinheiro, quantificando o peso dos donativos em dinheiro (73% e 78.3% do total, respetivamente para 2008 e 2009), mais tendo assumido que “…Todos os donativos (espécie e dinheiro) destinam-se à imediata e directa realização dos fins estatutários” estatutários (crf. ponto 3.2.1 – Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância);
g. O averbamento da doação de cada bem em espécie nos livros de registos da R.......... corresponde a um recibo emitido pela R.........., contabilizado sempre na subconta 73819 (destinada, segundo a Impugnante, à contabilização de donativos em dinheiro em dinheiro), sendo que o valor colocado no recibo pode divergir do valor inscrito para o mesmo recibo no livro de doações (crf. ponto 3.2.1 - Donativos em Espécie, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância).
h. Foram solicitados ao sujeito passivo, na notificação pessoal de 26/06/2012, os necessários comprovativos da isenção de imposto referente à facturação emitida pela R.......... em 2009 aos clientes intracomunitários, sendo que, na sua resposta, a Impugnante não apresentou qualquer comprovativo da isenção de IVA (crf. ponto 3.4 - Facturação emitida a clientes intracomunitários - 2009, do relatório de inspecção junto aos autos de primeira instância).
Compulsados os autos, e atendendo à pertinência dos quesitos em referência, impõe-se o aditamento ao probatório dos mesmos, os quais são incorporados no local próprio, ainda que expurgados de elementos conclusivos.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
X
No que respeita à matéria de facto não provada, a recorrente pretende o aditamento dos quesitos indicados na conclusão I). Concretamente, considera matéria de facto não provada a seguinte: «i) A R.......... pratica preços em muito inferiores aos das Sociedades que visam o lucro»; // ii) «A margem bruta de venda praticada pela R.......... é de 5%».
Compulsados os autos, verifica-se que a instrução relativa aos elementos em causa não foi ainda realizada; pelo que, em face disso, não pode o requerido ser deferido. Termos em que se julga improcedente a presentes imputação.
X
2.2. Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto assente, dado que não foram considerados provados os factos enunciados na conclusão D) [conclusões A) a D)] (apreciado supra).
ii) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto não provada [conclusões E) a I)] (apreciado supra).
iii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto a recorrente comprovou a ocorrência dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável [conclusões J) a P)].
iv) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto a recorrida não logrou demonstrar o excesso na quantificação da matéria colcetável [conclusões Q) a U)].
O pedido de rectificação da sentença, por erro material de escrita, foi deferido, por despacho proferido pelo tribunal recorrido, em 13.05.2021, pelo que o conhecimento da presente questão se encontra precludido.
2.2.2. A sentença sob escrutínio julgou procedente a impugnação, por entender que não estão demonstrados no caso os pressupostos do recurso à quantificação da matéria colectável, por métodos indirectos, bem assim como por considerar inadequado o critério adoptado para a referida quantificação.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente afirma que «através do relatório de inspecção, a Administração Tributária fundamentou, de facto e de direito, a verificação, no caso concreto, dos pressupostos que determinaram a avaliação indirecta, concretizando de forma expressa, clara, sucinta, congruente e suficiente, os factos que conduziram a que a Administração concluísse no sentido da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC e, consequentemente, da base tributável de IVA».
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«[P]erante a verificação de que ocorreu uma omissão no valor dos incrementos patrimoniais, de doações de mobiliário, a AT corrigiu a matéria colectável no valor daquela omissão, pelo que é possível verificar que esta omissão não impossibilitou a AT de proceder à avaliação directa, tal como na realidade acabou por fazer, quanto a esta correcção, sem, por este motivo, demonstrar que estava em causa o alcançar da real matéria colectável, em face da omissão descrita. // E se assim é quanto à questão da omissão que plasmou no ponto 2 do ponto IV. “Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, o mesmo se diga quanto ao ponto 3 do mesmo ponto IV., relativo ao valor do custo considerado no apuramento da matéria colectável e que a AT considera que diverge do constante no balancete».
Apreciação. Constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «[C]abe à Administração Fiscal (…) o ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade, que, por conseguinte, levam ao preenchimento dos pressupostos de aplicação de correcções técnicas (avaliação directa) ou de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável (…). // Num segundo momento, comprovados os vícios da documentação ou da declaração de rendimentos (…), deve ser demonstrado através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos directos» (1).
ii) O que seja «[i]mpossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» resulta, designadamente, dos vícios formais ou materiais assacáveis à declaração de rendimentos e escrita do contribuinte. «[S]ó é legítima a aplicação de métodos indirectos nas situações em que os vícios formais ou materiais «(…) inviabilizem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável» (2).
Nos presentes autos, estão em causa as liquidações adicionais de IVA de 2009.
Do relatório inspectivo (RIT) resultam as omissões e imprecisões da contabilidade seguintes (ponto IV – “Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”): 1. Omissões de compras de mercadorias em 2008 e 2009 (Aquisições intracomunitárias Bens + Importações em 2008; importações em 2009), referente a omissões de compras no exercício em causa; 2. Não contabilização das transmissões de bens obtidos a título gratuito – referente à não contabilização dos bens doados, do seu volume, valor e afectação; 3. Valor dos Custos Específicos relacionados com a actividade tributável e dos custos comuns utilizados para o apuramento da matéria colectável divergente dos valores constantes no balancete de centro de custos do exercício de 2008 – referente a divergência entre o valor dos custos específicos relacionados com a actividade tributável e dos custos comuns utlizado para o apuramento da matéria colectável e os valores constantes do balancete do centro de custos do exercício (V. ponto IV do RIT).
Mais se consigna no Relatório inspectivo o seguinte:
«Ainda sobre o apuramento do resultado líquido da atividade comercial efetuado pelo sujeito passivo importa transcrever duas questões colocadas ao mesmo na notificação pessoal efetuada em 26/06/2012 (cfr. anexo 2):
“...21. Atendendo ao valor das Vendas de Mercadorias (71113- 468.653,48 €) e das Prestações de Serviços (72113- 49.914.98 €) contabilizadas em 2008, deverá justificar quais as fontes de financiamento utilizadas para o pagamento dos custos incorridos com a atividade comercial...”;
"...22. Atendendo ao valor das Vendas de Mercadorias (71113- 801.045,89 €, 711219 - 45.079,72 € e 711319- 35.595,20 €) e das Prestações de Serviços (72113- 113.328,46 €) contabilizadas em 2009, deverá justificar quais as fontes de financiamento utilizadas para o pagamento dos custos incorridos com a atividade comercial....” Como resposta apresentada pelo contribuinte em 31/07/2012, foi indicada como resposta padrão o seguinte, nos pontos 21 e 22 da carta (cfr. anexo 3):
'.. Para além do apoio social às comunidades, os donativos em dinheiro também servem para fazer funcionar toda a actívidade da associação, no que respeita à recuperação e integração social dos indivíduos».
Dos elementos colhidos pelo Relatório Inspectivo, em referência, resulta a omissão de custos e a omissão de proveitos por parte da contabilidade da recorrida. Ou seja, existem fluxos económicos e financeiros indiscriminados entre a actividade comercial e actividade social da impugnante, os quais não se mostram espelhados na contabilidade. Tais fluxos correspondem, quer a compras, quer à venda de bens e serviços por parte da impugnante. Tais omissões de proveitos, omissões de custos e imprecisões nos registos contabilísticos retiram credibilidade à contabilidade da contribuinte, impossibilitando o apuramento directo da respectiva matéria colectável, seja no que respeita aos custos, seja no que respeita aos proveitos. Ou seja, não existe uma base credível e segura de, com base na contabilidade da contribuinte, apurar o rendimento colectável do contribuinte. O que acarreta a justificação do juízo administrativo de impossibilidade de avaliação directa da matéria colectável.
Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente o presente fundamento da impugnação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente alega que a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto «[n]o caso concreto, a Impugnante, ora recorrida, apesar de contestar o critério que serviu á quantificação administrativa da matéria tributável, preocupou-se sobretudo em afirmar que é uma Associação que prossegue fins estatutários e sociais, não provando qual era efetivamente a margem bruta de vendas que praticava em 2009, ou seja, qualquer inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados pela Administração Tributária na avaliação indirecta, não tendo disponibilizando outro ou outros critérios que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa».
Escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…) neste ponto considera o Tribunal que a AT se centrou numa deriva apenas centrada na tributação, impossível de manter, em face da natureza do sujeito passivo, que apesar de ter uma actividade comercial, continua a ser uma associação, sem finalidade lucrativa, daí que decorra da natureza das coisas, que não exista necessariamente uma margem rigorosa para a venda dos bens. // Por este motivo, não se pode manter decisão em que a AT concluiu pela avaliação indirecta, e lançou mão daquele rácio de MBVM sem nada referir quanto à natureza da aqui impugnante e à forma como essa natureza influencia a aplicabilidade daquela margem, ou, a uma versão corrigida».
Apreciação. Constitui jurisprudência fiscal assente a de que:
i) «O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam» (3).
ii) «(…) ainda que a AT esteja legitimada a recorrer aos métodos indirectos para a fixação da matéria tributável, na respectiva decisão tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado» (4).
O método seguido pela AT (constante dos pontos 5.2.1., 5.2.2. e 5.4. do RIT) teve em conta o critério da margem bruta de vendas de mercadorias referente à média nacional, com base no rácio apurado a partir das declarações dos contribuintes com o mesmo CAE da contribuinte (comércio a retalho de mobiliário e artigos de iluminação).
Sem embargo, a análise do eventual excesso na quantificação da matéria colectável em apreço depende da questão de saber se a impugnante se integra (ou não) na norma de isenção de tributação em IVA constante do artigo 9.º do CIVA (“Isenções nas operações internas”), conjugada com o disposto no artigo 10.º do CIVA (“Conceito de organismos sem finalidade lucrativa”). No caso, estão em causa prestações de serviços e venda de bens efectuados por entidade aparentemente sem fins lucrativos, mas a que o Estado português não reconhece o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública (alínea u), do probatório). Concretamente, estão em causa os normativos seguintes: artigo 9.º/7 (5), do CIVA e artigo 9.º/20 (6), do CIVA, conjugados com o artigo 10.º (7) do CIVA. Normas que devem ser interpretadas à luz do normativo europeu vigente sobre a matéria, em particular, o disposto nos artigos 132.º e 133.º da Directiva IVA (8), bem assim como da jurisprudência do TJUE gizada acerca da interpretação dos mesmos (9). Recorde-se que o artigo 10.º do CIVA constitui a transposição para o direito interno do artigo 133.º da Directiva IVA, disposição que determina que: «Os Estados–Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.o1 do artigo 132.º a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições: a) Os organismos em causa não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afectados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas; // b) Esses organismos devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não tenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração; // c) Esses organismos devem praticar preços homologados pelas autoridades públicas ou que não excedam tais preços ou, no que diz respeito às actividades não susceptíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para actividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao IVA; d) As isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA».
Compulsado o teor da petição inicial de impugnação, verifica-se que são alegados factos que, a serem comprovados, podem permitir preencher os pressupostos em apreço. A recorrida ofereceu-se para realizar a demonstração dos mesmos (v., designadamente, artigo 72.º da p.i.).
A sentença recorrida, ao considerar demonstrado o vício do excesso de quantificação da matéria colectável, sem aquilatar do preenchimento in casu dos pressupostos elencados, incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser substituída por decisão que conheça do presente fundamento da impugnação, depois de realizada a instrução necessária com vista à caracterização do contexto do exercício da actividade económica e social da impugnante e à sua integração no regime fiscal adequado do CIVA (artigo 662.º/2/c), do CPC).
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do presente objecto do recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.3, julgando improcedente a impugnação, nesta parte, e determinar a anulação da sentença, na parte referida em 2.2.4., ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda às necessárias diligências instrutórias e à prolacção de nova sentença.
Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.

Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)


(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(1) Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 P. 07637/14.
(2) Acórdão do TCAS, de 10.07.2014, P. 07149/13.
(3) Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12.
(4) Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14.
(5) «Estão isentas do imposto as prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efectuadas no exercício da sua actividade habitual por (…) outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes»
(6) «Estão isentas do imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas por entidades cujas actividades habituais se encontram isentas nos termos dos n.os 2), 6), 7), 8), 9), 10), 12), 13), 14) e 19) deste artigo, aquando de manifestações ocasionais destinadas à angariação de fundos em seu proveito exclusivo, desde que esta isenção não provoque distorções de concorrência;»
(7) «Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente: // a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração; // b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior; // c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto; // d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto».
(8) Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32006L0112&from=PT
(9) Uma síntese da mesma consta de Rui Laires, “O Iva nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social”, Cadernos IDEFF, n.º 14, Almedina, 2012, pp. 302/341.