Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1058/09.2BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO.
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
DESIGNAÇÃO E CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES.
ACTOS SUJEITOS A REGISTO OBRIGATÓRIO.
REGISTO FAZ PRESUMIR (PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM”), A QUALIDADE JURÍDICA DE ADMINISTRADOR OU GERENTE.
RENÚNCIA À GERÊNCIA. NATUREZA E REGIME.
PUBLICIDADE CONFERIDA PELO REGISTO. EFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROS.
FALTA DE PRESSUPOSTOS DE UTILIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO JUDICIAL, BASEADA NAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA (CFR.ARTº.351, DO C.CIVIL), DE EXERCÍCIO DE FACTO DA GERÊNCIA.
Sumário:1. As conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário). Na delimitação objectiva do recurso funciona, em regra, o princípio do dispositivo (cfr.artº.635, nº.2, do C.P.Civil), em consonância com a natureza disponível da maior parte das questões que integram o objecto do processo. Independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, é legítimo restringir o objecto do recurso nas conclusões do mesmo, assim se identificando, concretamente, qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação.
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
4. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
6. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
7. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
8. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
9. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
10. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
11. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
12. A designação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades são actos sujeitos a registo obrigatório (cfr.artºs.3, nº.1, al.m), e 15, nº.1, do Código do Registo Comercial, aprovado pelo dec.lei 403/86, de 3/12).
13. Constando do registo que determinada pessoa tem a qualidade de administrador ou gerente de uma sociedade comercial, não é necessário fazer a prova de que essa pessoa mantém essa qualidade, sendo esta que, se quiser afastar o facto presumido, tem de demonstrar que já não a tem. Mas, o que se presume com base no registo (presunção “juris tantum”) é que a pessoa nele indicada como sendo administrador ou gerente de uma sociedade comercial tem essa qualidade jurídica, mas não que exerceu de facto as funções correspondentes ao seu cargo (cfr.artº.11, do Código do Registo Comercial).
14. A renúncia à gerência deve ser comunicada por escrito à sociedade e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação. A renúncia pode configurar-se como o acto do gerente que, de forma unilateral, resolve o contrato de gerência. A renúncia configura um acto receptício, o qual só pela recepção se torna eficaz para com o destinatário, mais devendo tal comunicação ter a forma escrita (cfr.artº.258, nº.1, do C.S.Comerciais).
15. A publicidade conferida pelo registo tem como consequência a eficácia em relação a terceiros. Essa eficácia divide-se num aspecto positivo (a eficácia em relação a terceiros do que foi publicitado) e num aspecto negativo (eficácia limitada ou nula dos factos sujeitos a registo mas que ainda não foram inscritos). A oponibilidade face a terceiros, nomeadamente, a Fazenda Pública, tudo em virtude do princípio da oponibilidade dos factos sujeitos a registo, somente se verifica a partir do momento em que se os factos em causa se encontram registados (cfr.artº.14, nº.1, do Código do Registo Comercial).
16. A produção de prova do exercício de facto da gerência é independente do registo da renúncia à gerência da sociedade executada originária e por parte dos opoentes. Face à prova realizada nos autos, não era lícito operar-se a presunção judicial, baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelos oponentes/recorridos, contrariamente ao que defende o apelante.
Votação:UNAMINIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1058/09.2BESNT
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.175 a 181-verso do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, P……., visando a execução fiscal nº.3433-2001/……. e apensos, a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Cascais, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., I.R.C. e I.R.S., relativas aos anos de 1999 a 2001, no montante total de € 48.782,62.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.190 a 201-verso dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição apresentada por P……, NIF…., à execução fiscal n.º …., contra si revertida enquanto responsável subsidiário da sociedade “I.T.P.B. LDA”, NIPC …., instaurada para cobrança de dívidas fiscais provenientes de IVA, IRC e IRS já devidamente identificadas nos autos com os fundamentes vertidos na respectiva petição inicial, que aqui se dão por plenamente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
2-Por sentença datada de 28-02-2018, ora recorrida, veio a Mm. Juiz do Tribunal a quo,
estribando-se na factualidade descrita na secção III – 3.1, que aqui se dá por inteiramente
reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à Oposição apresentada e, consequentemente, julgar o oponente parte ilegítima, ordenando a extinção da execução fiscal instaurada;
3-Sabemos, contudo, que o regime de responsabilidade dos gerentes ou administradores pelas dívidas de impostos das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade. E, in casu, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da gerência por parte do oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT;
4-Resulta da factualidade dada como provada que “Em 20.09.2000, foi constituída a sociedade por quotas “I…–T.,P., B., Lda.” – cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a fls. 6 e 7 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzida”. Tendo sido igualmente dado como assente que “Foram designados gerentes da sociedade referida em A. os sócios, A……., F….. e o oponente, P…..”;
5-O registo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11.º do Código do Registo Comercial - CRC);
6-Assim, com base nesta comprovada administração de direito, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência, para concluir a gerência de facto;
7-Nessa conformidade, assume maior relevância, ainda, a circunstancia de a sentença ora recorrida ter dado como provado o facto de a sociedade devedora originária se obrigar e vincular perante terceiros com a assinatura conjunta dos dois gerentes supra mencionados e, ainda, assim, decidir que o oponente, ora recorrido, é parte ilegítima na presente execução;
8-Afigura-se-nos algo imperceptível como pode o recorrido afirmar e a sentença proferida confirmar que nunca exerceu a gerência de facto atendendo ao facto de que a sua assinatura, conjuntamente com a de outro socio, tinham a autoridade legal para vincular a devedora originaria no giro comercial;
9-Ou seja, o oponente possui uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade devedora originária, o que significa que a viabilidade funcional desta era concretizada com a intervenção do oponente, o que se subsume, integralmente à noção de administração de facto;
10-O que, desde logo, se revela de superior interesse para a causa, na medida em que é o próprio recorrido a assumir e reconhecer que a sociedade sobrevivia exclusivamente devido ao “trabalho, que sem descanso, o oponente desenvolvia”. Antes do mais se diga que a lei não faz qualquer distinção, para efeitos de responsabilidade subsidiária, entre actos de gestão ou de gerência técnica e actos de natureza administrativa ou financeira;
11-Considera, a Fazenda Pública, salvo melhor opinião, haver também insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou nulidade da sentença por omissão de pronúncia, caso se entenda ser essa a qualificação mais correcta do vício, porque o Tribunal a quo não só não deu como provada, como nem tão pouco se pronunciou sobre estes elementos de prova, o que é de maior relevante para a decisão;
12-Por outro lado, afigura-se pouco crível que tendo o recorrido constituído uma sociedade, nela assumindo a qualidade de sócio, se tenha conformado, segundo o que o próprio alega, em ser “tratado como um mero vendedor…sendo a sua única actividade a venda por catalogo” e até com a “discordância da forma como os restantes sócios tratavam dos assuntos da sociedade”, considerando que as dificuldades da devedora originária já eram patentes;
13-Igualmente pouco crível - até porque nenhuma explicação é dada para o facto - é que o recorrido tenha entrado para sócio, para nada. Não geria, não tinha lucros, apenas trabalhava como “mero vendedor” enfim, a sua entrada para a sociedade é apresentada como um acto totalmente inútil, a nível de órgão societário;
14-Ainda mais, quando não se limita a entrar para sócio, mas a assumir a qualidade de gerente, e ainda a passar a ser necessária a sua assinatura para obrigar a sociedade. Tudo o que é muito pouco compatível com a versão apresentada;
15-E nem a prova testemunhal produzida se afigura susceptível de afastar tal presunção, na medida em que, as testemunhas inquiridas afirmaram que o oponente era visto como um mero vendedor da sociedade, que nunca se apresentou como sócio – o que era efectivamente e nunca contestou – sabemos que nenhum dos outros sócios (alegadamente os gerentes) nunca sequer se apresentaram, e ainda que, para o efeito de vender mercadoria por catálogo era de todo irrelevante a situação na relação societária;
16-Assim, com base nesta comprovada administração de direito, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência, para concluir a gerência de facto. No caso que nos ocupa, e não obstante a negação categórica por parte do recorrido, resulta evidente, do acervo documental, designadamente, da certidão permanente da conservatória do registo predial que a gerência foi exercida pelo próprio;
17-Desta forma, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito, se presume como tendo exercido, de facto, tais funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do oponente possa ter acontecido;
18-Desta forma, com o devido respeito, a douta sentença, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa errada interpretação dos factos em apreço, bem assim, desconsiderando os elementos probatórios carreados para os autos, as regras trazidas pela experiência comum e as demais circunstâncias do caso concreto, designadamente o facto de o recorrido ser gerente designado da devedora originária;
19-O dever de fundamentação dos actos administrativos em matéria tributária é uma disciplina que merece consagração constitucional no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição da razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas…”;
20-Destarte, como tem sido plasmado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente, do STA, a exigência legal e constitucional de fundamentação tem como objectivo, primordialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração Fiscal a agir, possibilitando-lhes, desta forma, uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa;
21-No entanto, não se deve olvidar que “as exigências de fundamentação variam consoante as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de acto, a não participação do interessado no procedimento anterior ao acto ou, no caso da participação, a extensão desta”. Veja-se, a este respeito, o entendimento vertido no acórdão do STA de 30-11-2011, proferido no âmbito do processo n.º 0619/11;
22-Neste sentido, um acto apenas se encontra fundamentado quando um destinatário normalmente diligente ou razoável – uma pessoa normal (bonus pater familias) – colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o acto sindicado, fica em condições de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do acto, isto é, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão e os motivos pelos quais se decidiu em determinado sentido e não noutro divergente;
23-Por outro lado, como se refere no acórdão do STA de 11 de Dezembro de 2007 – recurso n.º 0615/04, citando Alfredo de Sousa e J. Paixão, Código de Processo Tributário anotado, 1998, nota 5 ao artigo 82.º, “o grau de fundamentação exigível deverá estar directamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”;
24-Continuando os mesmos autores, no sentido de que “(…) a jurisprudência tem demonstrado, sobretudo na concretização do conceito legal de “insuficiência” da fundamentação, a consciência de que se move num domínio de conflito e de conciliação entre interesses e valores divergentes e mesmo opostos”;
25-Nestes termos, não se pode concordar, com o devido respeito, quando a douta sentença, ora recorrida, consagra que “…despacho de reversão limita-se a fazer uma referência à referida norma legal, não fazendo qualquer referência concreta aos bens que a devedora originária possuí”;
26-Desde logo porque não descuidamos que a efectivação da responsabilidade subsidiária de acordo com o disposto no artigo 23º, nºs 1 e 2 da LGT, está dependente da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (e dos responsáveis solidários), sem prejuízo do benefício da excussão;
27-Por seu turno, estabelece o artigo 153º, n.º2 do CPPT que “o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”;
28-No caso que nos ocupa, consta dos autos o auto de diligências negativo lavrado no dia 28-10-2008, conforme se lê na informação elaborada nos termos e para os efeitos previsto no artigo 208.º CPPT;
29-Assim, e na esteira de jurisprudência uniforme e reiterada dos Tribunais Superiores, no caso da reversão, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão;
30-Neste sentido, importa trazemos à colação o entendimento vertido no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 16-10-2013, proferido no âmbito do recurso n.º 045/13, segundo o qual “a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT). Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação…”;
31-Destarte, tem vindo a ser sucessivamente consolidada a posição dos Tribunais Superiores relativamente ao modo como essa referência pode ser feita, descortinando-se e dando-se à estampa a título exemplificativo, uma passagem que se julga pertinente, proferida no Acórdão nº 06097/12 de 19-02-2013, proferido pelo TCA Sul: “2. Encontra-se devidamente fundamentado, ainda que em parte por remissão para elementos anteriores, o despacho de reversão que enuncia todos os pressupostos de que depende tal direito, mormente a gerência efectiva ou de facto e a subsunção em uma das alíneas do n.º1 do art.º 24.º da LGT;”;
32-Contrariamente ao que parece entender a sentença recorrida, o que a ratio do artigo 77.º da LGT exige é que do despacho de reversão constem ou se mostrem enunciadas as razões ou os pressupostos com base nas quais foi determinada a reversão;
33-A douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, violou o disposto nos artigos 24.º e 77.º da LGT;
34-Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não resta senão concluir, salvo o devido respeito, que a douta sentença se estribou numa errónea apreciação da matéria de facto relevante para, a nosso ver, a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no artigo 24,º n.º 1, alínea b), e 153.º do CPPT.
X
O opoente/recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.208 a 219 dos autos), as quais encerra com o sequente quadro Conclusivo:
1-A douta sentença recorrida julgou bem de facto e de direito, não merecendo, por isso, qualquer censura;
2-É especulativo, infundado e contra-legem extrapolar que da simples nomeação para gerente de uma sociedade resulte uma gerência de facto ou efectiva;
3-Também não é sinónimo da prática de uma gerência efectiva e continuada constar do pacto social da devedora originária a sua nomeação para o cargo de gerente;
4-Como também não é sinónimo de uma gerência de facto a actividade desenvolvida pelo oponente de mero vendedor de produtos comercializados pela devedora originária, para cuja actividade não tinha poderes de recebimentos, descontos, bónus, prazos de pagamento, etc. etc.;
5-Não é igualmente sinónimo de uma gerência de facto, o facto ou a possibilidade de o oponente poder obrigar a sociedade devedora conjuntamente com a assinatura de qualquer outro sócio, em qualquer acto ou contrato, só que simplesmente isso nunca aconteceu, nem a F.P. alguma vez o provou ou comprovou;
6-Por fim inexiste qualquer fundamentação de facto ou de direito da reversão accionada conta o oponente, não só quanto à inexistência de bens no património da devedora originária, à data da reversão, mas também pela insuficiente ou inexistente fundamentação do despacho que ordenou a reversão;
7-Razões pelas quais o recurso deve improceder.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.228 a 230 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.176 a 178 dos autos - numeração nossa):
1-Em 20.09.2000, foi constituída a sociedade por quotas “I.. – T., P., B., Lda.” (cfr.certidão da Conservatória do Registo Comercial de C….. junta a fls.6 e 7 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzida);
2-Foram designados gerentes da sociedade referida no nº.1 os sócios, A….., F….. e o oponente, P……. (cfr.certidão da Conservatória do Registo Comercial de C….. junta a fls.6 e 7 do PEF apenso);
3-A forma de obrigar a sociedade era através de assinaturas conjuntas de dois gerentes (cfr.certidão da Conservatória do Registo Comercial de C…. junta a fls.6 e 7 do PEF apenso);
4-O oponente era um visto como mero vendedor da sociedade referida no nº.1, vendendo por catálogo produtos relacionados com t…. e brindes, na zona centro e grande Lisboa (cfr.depoimentos das testemunhas P…., B…. e J…..);
5-Em reunião da assembleia geral da sociedade referida no nº.1, realizada a 29.06.2001, o oponente renunciou à gerência e cedeu a sua quota aos demais sócios, tendo esses actos sido objecto de registo a 26.05.2004 (cfr.acta n.º 3 junta a fls.168 e 169 do PEF apenso, que se dá por reproduzida; ap.23 da certidão junta a fls.61 a 63 do PEF apenso);
6-No inventário do imobilizado da sociedade referida no nº.1, a 30.01.2006, constavam 2 veículos automóveis e diverso equipamento com um valor atribuído de € 54.754,64 (cfr. inventário junto a fls.38 do PEF apenso, que se dá por reproduzido);
7-Corre termos no 2º. Serviço de Finanças de Cascais, em nome da sociedade referida no nº.1, o PEF n.º….-2001/……. e apensos, visando a cobrança coerciva de dívidas de IVA, de 1999 a 2001, IRS, de 2000, e IRC, de 2000, no valor total de € 48.782,62 (cfr. documentos juntos a fls.209 a 211 do PEF apenso);
8-Através do ofício n.º …., de 15.10.2001, o sócio H…….. foi, no âmbito do PEF referido no número antecedente, notificado da penhora do veículo marca Peugeot, Partner, com a matrícula 15-11-MQ (cfr.documentos juntos a fls.82 e 83 do PEF apenso);
9-Na base de dados da Administração Tributária, constava em nome da sociedade referida no nº.1 a viatura da marca Toyota, de 2002, com a matrícula 05-81-TZ (cfr. documento junto a fls.131 do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
10-Através de ofício datado de 24.05.2002, enviado por correio registado, foi remetido à sociedade referida no nº.1, aviso-citação (cfr.documento junto a fls. não numeradas do PA apenso);
11-Em 25.09.2007, no âmbito do PEF referido no nº.7 supra, foi elaborada “Informação” preparatória da reversão, na qual se concluiu, na parte relevante, que:
“Consultado o Sistema da Contribuição Autárquica/Património não foram encontrados quaisquer prédios em nome do Executado.
Consultado o Cadastro do Imposto de Circulação, não foram encontrados bens móveis;
O executado apresentou a última declaração de IRC Mod. 22 em 2002.(…).
O valor da dívida ascende neste momento a 114.308,22 €.
A executada não se encontra cessada para efeitos de IVA (…)”.
(cfr.informação constante de fls.138 do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
12-Em 25.07.2008, o Chefe do 2º. Serviço de Finanças de Cascais emitiu “DESPACHO PARA AUDIÇÃO (REVERSÃO)”, por dívidas provenientes de IVA, coimas fiscais, IRC e IRS, dos anos de 2000 a 2004, no valor total de € 58.912,88, nos seguintes termos:
“Face às diligências de folhas 1/148, determino a preparação do processo para efeitos de reversão das execução(ões) contra P…… (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Pelos factos constantes do n.º 2 art. 153 CPPT, certidões de dívidas e certidão da Conservatória do Registo Comercial (…)”.
(cfr.documento junto a fls.159 do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
13-Notificado para efeitos de audição prévia sobre o projecto de reversão, em 08.08.2008, o oponente veio responder, alegando que tinha renunciado à gerência a 29.06.2001, pelo que não seria responsável por dívidas noutras datas (cfr.documentos juntos a fls.163 a 169 do PEF apenso);
14-Através de ofício datado de 18.09.2008, o oponente foi novamente notificado para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de despacho de reversão de dívidas provenientes de IVA, IRS e IRC, dos anos de 1999, 2000 e 2001, no montante total de € 48.782,62, com os fundamentos descritos no nº.12 supra (cfr.documentos juntos a fls.185 a 189 do PEF apenso);
15-Em 27.10.2008, o Chefe do 2º. Serviço de Finanças de Cascais elaborou, no âmbito do PEF referido no nº.7 supra, “DESPACHO (REVERSÃO)”, nos seguintes termos:
“DESPACHO Face às diligências de folhas 1/ 208, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra P…….. (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Pelos factos constantes do n.º 2 art. 153 CPPT, certidões de dívidas e certidão da Conservatória do Registo Comercial”.
(cfr.documento junto a fls.210 do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
16-Através do ofício n.º …., da mesma data, recebido a 03.11.2008, o oponente foi, no âmbito do PEF referido no nº.7 supra, citado por reversão, constando da respectiva citação o seguinte:
“Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do Art.º 160º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 48.782,62 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a) (…). FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Pelos factos constantes do n.º 2 art. 153 CPPT, certidões de dívidas e certidão da Conservatória do Registo Comercial (…)”.
(cfr.documentos juntos a fls.209 a 212 do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos que importe registar como não provados…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “… A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e ao PEF apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório. A testemunhas inquiridas, P….. e J….., na qualidade de gerentes de loja, e B….., na qualidade de empregado de balcão, revelaram ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foram inquiridos. Responderam de forma clara e com isenção, tendo unanimemente afirmado que o Oponente era visto como um mero vendedor da sociedade, que nunca se apresentou como sócio, nem demonstrou ter autonomia de decisão para negociar preços ou fazer descontos sobre os valores de catálogo. Referiram ainda que se deslocava com frequência aos seus revendedores e à zona centro do país…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, no que ora interessa, julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, concretamente, do exercício da gerência de facto da sociedade executada originária, em consequência do que declarou a ilegitimidade do mesmo no processo de execução fiscal nº. ….001/100…. e apensos.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Mais, na delimitação objectiva do recurso funciona, em regra, o princípio do dispositivo (cfr.artº.635, nº.2, do C.P.Civil), em consonância com a natureza disponível da maior parte das questões que integram o objecto do processo. Ainda, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, é legítimo restringir o objecto do recurso nas conclusões do mesmo, assim se identificando, concretamente, qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela apelação. No caso concreto, conforme se constata do exame do enquadramento jurídico e dispositivo da sentença recorrida (cfr.fls.178 a 181-verso dos autos), o Tribunal “a quo” julgou procedente a presente oposição, no que ora interessa, em virtude da ilegitimidade do opoente, tudo devido a falta de prova do pressuposto da reversão que se consubstancia no exercício da gerência de facto da sociedade executada originária, o qual onera a Fazenda Pública. Apesar disso, a decisão recorrida tece, igualmente, considerações sobre a alegada falta de fundamentação formal do despacho de reversão. Com estes pressupostos, nenhum relevo revestem as conclusões da presente apelação incidentes sobre a fundamentação do despacho de reversão (cfr.conclusões 19 a 32 do recurso), assim se delimitando objectivamente o recurso a examinar, o qual se cingirá, em sede de erros de julgamento de direito, à alegada legitimidade do opoente, enquanto responsável subsidiário e no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2001/100…. e apensos.
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que se verifica uma insuficiência na decisão da matéria de facto provada, no que diz respeito à verdadeira actividade desenvolvida pelo opoente na sociedade executada originária. Que o Tribunal “a quo” não só não deu como provada tal matéria, como tão pouco se pronunciou sobre estes elementos de prova, com grande relevo para a decisão (cfr.conclusão 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida enferma de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (essencialmente relativos à prova documental e testemunhal produzida, segundo defende o apelante), constantes do processo e que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela sentença recorrida.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso.
O recorrente alega, igualmente e em síntese, que em face da comprovada administração de direito do opoente, face à sociedade executada originária, cabe ao julgador utilizar a prova por presunções judiciais ao seu alcance, baseada nas regras da experiência, para concluir pela gerência de facto do mesmo opoente. Que do acervo documental, designadamente, da certidão permanente da conservatória do registo comercial, resulta que a gerência de facto foi exercida pelo opoente. Que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação dos factos e do direito no caso concreto, designadamente, o facto de o recorrido ser gerente designado da devedora originária (cfr.conclusões 1 a 10 e 12 a 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Em primeiro lugar, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 1999 a 2001) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.14 a 16 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L.G.Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição em consequência da Fazenda Pública, ora recorrente, não ter efectuado a prova da gerência de facto do opoente no âmbito da sociedade executada originária, assim não se verificando os pressupostos da reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T.
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova dos pressupostos da reversão previstos no citado artº.24, nº.1, da L.G.T.
Examinando a matéria de facto provada, é óbvia a conclusão da falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte do opoente e ora recorrido, enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário (cfr.nºs.1 a 5 do probatório).
Apesar disso, defende o apelante que o Tribunal “a quo”, em face da comprovada gerência de direito do opoente, face à sociedade executada originária, utilizando a prova por presunções judiciais ao seu alcance, baseada nas regras da experiência, deveria concluir pela gerência de facto do mesmo opoente.
Ora, tal produção de prova é independente do registo da nomeação como gerente de direito/renúncia à gerência da sociedade executada originária e por parte do opoente.
A designação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades são actos sujeitos a registo obrigatório (cfr.artºs.3, nº.1, al.m), e 15, nº.1, do Código do Registo Comercial, aprovado pelo dec.lei 403/86, de 3/12).
Assim, constando do registo que determinada pessoa tem a qualidade de administrador ou gerente de uma sociedade comercial, não é necessário fazer a prova de que essa pessoa mantém essa qualidade, sendo esta que, se quiser afastar o facto presumido, tem de demonstrar que já não a tem. Mas, o que se presume com base no registo (presunção “juris tantum”) é que a pessoa nele indicada como sendo administrador ou gerente de uma sociedade comercial tem essa qualidade jurídica, mas não que exerceu de facto as funções correspondentes ao seu cargo (cfr.artº.11, do Código do Registo Comercial; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/06/2017, proc.828/11.6BELRA; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2017, proc.1836/09.2BELRS; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.457; J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1993, pág.321 e seg.).
Especificamente a renúncia do gerente deve ser comunicada por escrito à sociedade e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação. A renúncia pode configurar-se como o acto do gerente que, de forma unilateral, resolve o contrato de gerência. A renúncia configura um acto receptício, o qual só pela recepção se torna eficaz para com o destinatário, mais devendo tal comunicação ter a forma escrita (cfr.artº.258, nº.1, do C.S.Comerciais; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/06/2017, proc.828/11.6BELRA; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 26/10/2017, proc.1836/09.2BELRS; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.122 e seg.).
Recorde-se, a publicidade conferida pelo registo tem como consequência a eficácia em relação a terceiros. Essa eficácia divide-se num aspecto positivo (a eficácia em relação a terceiros do que foi publicitado) e num aspecto negativo (eficácia limitada ou nula dos factos sujeitos a registo mas que ainda não foram inscritos). A oponibilidade face a terceiros, nomeadamente, a Fazenda Pública, tudo em virtude do princípio da oponibilidade dos factos sujeitos a registo, somente se verifica a partir do momento em que os factos em causa se encontram registados (cfr.artº.14, nº.1, do Código do Registo Comercial; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/06/2017, proc.828/11.6BELRA; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 26/10/2017, proc.1836/09.2BELRS; J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1993, pág.324 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, apesar da falta de oponibilidade face à Fazenda Pública da alegada renúncia à gerência do opoente, certo é que o recorrente nenhuma prova produziu do exercício de facto da gerência da sociedade executada originária, por parte do opoente e ora recorrido, enquanto pressuposto da reversão.
Por último, sempre se dirá que, face à prova realizada nos autos, não era lícito operar-se a presunção judicial, baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido, contrariamente ao que defende o apelante.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, Paulo Manuel Penedo Lopes, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., devido a falta de prova dos pressupostos da reversão face ao mesmo regime e no âmbito do processo de execução fiscal nº…..-2001/100…. e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida, na parcela objecto do recurso.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Setembro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)