Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05454/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/30/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO AMIGÁVEL DO CONTRATO DE TRABALHO.
RETENÇÃO NA FONTE.
ATRASO NA LIQUIDAÇÃO.
JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1. Em 1995, as verbas atribuídas ao trabalhador como contrapartida pela cessação acordada do contrato de trabalho subordinado, encontravam-se sujeitas a IRS;

2. Tal imposto deveria ser entregue nos cofres do Estado pela entidade patronal obrigada à respectiva retenção sobre os montantes pagos;

3. Na falta de tal retenção e entrega, ficava esta entidade, responsável pelo pagamento dos juros compensatórios correspondentes ao atraso na liquidação, acrescidos de cinco pontos percentuais, para além de incorrer nas respectivas sanções aplicáveis ao infractor;

4. Nestes casos, o atraso pela liquidação do imposto é, directa e imediatamente, imputável à entidade responsável pela retenção, que não ao titular dos rendimentos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Cândido ……………………., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I) No seu essencial, a argumentação vertida na douta sentença, no que concerne à parte em que aprecia a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, prende-se com o facto de haver entendido que o retardamento da liquidação não poderia ser imputável ao contribuinte.
II) E assenta esse entendimento na circunstância de o Impugnante estar convencido de que as importâncias em causa não eram passíveis de tributação, pois que a entidade patronal sobre elas não fez a necessária retenção na fonte.
III) Ora, na parte em que a douta sentença veio a reconhecer improcedente a presente impugnação, por os rendimentos auferidos pelo Impugnante deverem ser sujeitos a IRS, terá de se considerar que o facto de este não os haver declarado, quando a tanto se encontrava obrigado por lei, e por conseguinte haver sido, por essa razão, retardada a liquidação, a si deverá ser imputável.
IV) Sendo que, uma vez que aquela obrigação de declaração dos rendimentos auferidos decorria da lei e não da apreciação que da lei fosse feita pela entidade pagadora dos rendimentos, a omissão dessa declaração, violando a lei (lei que se pretende tenha as características de generalidade e abstracção e seja aplicável a todos os contribuintes que preencham as condições previstas na sua estatuição), sendo uma conduta ilícita, terá de se entender culposa.
V) Nessa medida, o incumprimento da obrigação de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos, tratando-se, no caso, de uma retenção na fonte por conta do imposto devido a final, que não desobrigava o contribuinte da sua obrigação de pagamento e da sua obrigação declarativa, não constitui causa de exclusão da culpa deste no atraso da liquidação, cf. art. 103° n.º 2 do CIRS.
VI) De facto a obrigação declarativa, cf. art. 57° do CIRS, cujo incumprimento originou o atraso na liquidação, pertencia ao contribuinte e não à entidade pagadora dos rendimentos, não se podendo justificar com a ilegalidade da actuação da entidade pagadora dos rendimentos a ilegalidade da actuação do Impugnante.
VII) Verifica-se assim que no caso em apreço se encontram preenchidas todas as condições de que a liquidação de juros compensatórios depender na parte dos juros compensatórios em concreto objecto de apreciação pela douta sentença, como decorre do disposto no artigo 91 ° do CIRS e 35° da LGT e, aliás, é referido na douta sentença, nomeadamente: Os juros compensatórios “pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante de imposto, por motivo imputável ao contribuinte (cfr. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, edição, pág. 174).
VIII) E, bem assim, sendo que, tal como refere a douta sentença recorrida: “A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte" (cfr. Ac. do STA de 23.09.98, Proc. 22.612, de que foi relator o Ex.mo Consº Jorge de Sousa), verifica-se que existe no caso em apreço uma dívida de imposto, um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto e que esse atraso é imputável à actuação do contribuinte que omitiu os rendimentos em causa da sua declaração de imposto para efeitos de IRS.
IX) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por o retardamento da liquidação não poder ser imputável ao ora recorrido, onde nenhuma censura por esse atraso, pessoalmente, lhe pode ser imputada.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se há lugar a juros compensatórios a cargo do titular dos rendimentos, quando foi a entidade obrigada à sua retenção que a não efectuou.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade , a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 15.08.1992 o Impugnante celebrou um contrato de trabalho com a sociedade "C……….………………., S.A". (Doc. junto à p.i. sob o n.º 3)
B) Em 30.09.1995 foi assinado, entre o Impugnante e a sua entidade patronal – C …………………., S.A" o "Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho" nos termos do qual, e passa-se a transcrever a cláusula 3.ª:
"3.1. Pela revogação do contrato de trabalho o SEGUNDO CONTRAENTE recebeu nesta data uma compensação pecuniária de natureza global no valor de Esc: 16.039.582$00, de que dá por este meio integral quitação à PRIMEIRA CONTRAENTE, a qual inclui todos as créditos vencidos à data da cessação do contrato de trabalho referido na cláusula primeira supra, ou exigíveis em virtude da sua cessação.
3.2. Também na presente data a PRIMEIRA CONTRAENTE liquidou todas as suas responsabilidades no contrato de aluguer de longa duração n.º 400192, celebrado entre ela e a A.C.P. R………….., S.A., em 12 de Agosto de 1994, relativo à viatura ROVER 214 SLI, com a matrícula, ……………, até hoje utilizada pelo SEGUNDO CONTRAENTE, o que este reconhece expressamente, tendo-lhe feito entrega nesta ocasião de carta dirigida à AC.P. R ……………. S.A., para transferência da propriedade da referida viatura para o SEGUNDO CONTRAENTE." (Doc. junto à p.i. sob o n.º 3)
C) O valor de rescisão do contrato n.º ……….., o qual incluiu o valor residual foi de 2.297.750$00. (Doc. n.º5 junto à p.i.)
D) A empresa "C ………………………., S.A" emitiu a folha de cálculo de valores a pagar referentes a créditos e indemnizações pela revogação do contrato de trabalho que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. (Doc. n.º 4 junto à p.i.)
E) No decurso de acção inspectiva à empresa "C ……………………., S.A", referente ao exercício de 1995, a Administração Fiscal apurou: “. . . . que foi paga ao Sujeito Passivo uma indemnização por acordo de rescisão do Contrato de Trabalho, ocorrida em 30 de Setembro de 1995, e também que, relativamente à parte não isenta de IRS, não foi efectuada qualquer retenção na fonte deste imposto pela mesma. Por outro lado, verificou-se que não foi incluída a importância em causa na declaração anual de IRS apresentada pelo Sujeito Passivo, prevista no art.57º do Código do IRS, tendo sido omitido o seguinte montante:
N.I.F. SUJEITO PASSIVO INDEM. INDEM. VALOR NÃO
……………….. CANDIDO ………………………………………………….. DECLARADO
P. CARVALHO 16.039.582$ 9.261.000$ 6.778.582$
Para efeitos do cálculo da indemnização isenta, mencionada no quadro anterior, foram utilizados elementos fornecidos pela citada empresa (alguns conforme o documento anexo), indicando-se de seguida os que se consideram relevantes:
DATA DE DATA DE N. REMUNERAÇAO INDEMNIZAÇÃO
ADMISSÃO DEMISSÃO ANOS MENSAL FIXA ISENTA
15/08/82 30/09/95 14 378.000$. 9.261.000$
(Inclui a isenção do horário de trabalho).
Em síntese, o valor de 6.778.582$00 é considerado rendimento do trabalho dependente nos termos do nº. 4 do art. do Código do IRS.”
F) Em, 13.09.2000, a Administração Fiscal emitiu a liquidação adicional de IRS n.º ……………. no montante de € 19.851,68 (3.879.666$00) correspondendo € 2.341.483,00 (11.679,27$00) a título de imposto e € 7.081,44 (1.419.702,00) a título de Juros Compensatórios, na qual se mostra aposto o dia 06.11.2000 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. n.º1 junto á p.i.)
G) Em 05.02.2001, o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRS a que alude a al. F) do probatório. (Doc. fls. 2 a 14 dos autos de Reclamação Graciosa em apenso)
H) o Impugnante efectuou o pagamento de € 18.686,58 em 08.02.1001, através de guia modelo 82 n.º 82501589955, nos termos do DL n.º 124/96. (Cfr. informação a fls. 96 dos autos)
I) Em, 05.11.2001 a petição inicial que originou os presentes autos deu entrada na 4ª Repartição de Finanças de Sintra. (Cfr. carimbo aposto a fls.2 dos autos)

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos presentes autos, informações oficiais e na posição das partes vertida nos respectivos articulados.


4. Para julgar procedente a presente impugnação judicial e na parte em que o foi, relativa aos juros compensatórios, e sobre que versa o presente recurso, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que inexiste culpa do ora recorrido por tal retardamento da liquidação adicional de IRS, já que convencido estava, que tais importâncias se não encontravam sujeitas a tributação, por a sua entidade patronal não ter efectuado a competente retenção na fonte, como lhe cabia, pelo que a sua não declaração lhe não pode ser censurável.

Para a Fazenda Pública, ora recorrente, é contra este entendimento que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido conducente à sua revogação, pugnando que os montantes recebidos a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho, que na presente impugnação se mantiveram erectos, há lugar a tais juros compensatórios por o mesmo se encontrar obrigado a declarar tais verbas, o que não fez, pelo que o atraso na liquidação lhe é imputável, já que tal retenção é meramente por conta do imposto a final devido, sendo que a não retenção o não desobrigava da sua declaração dos mesmos rendimentos auferidos.

Vejamos então.
Encontram-se em causa duas verbas recebidas pelo ora recorrido a título de cessação do contrato de trabalho que o ligava à C …………………………….., SA, como da matéria constante do probatório da sentença recorrida flui, concretamente as verbas relativas a 2.297.749$00 por liquidação do contrato de liquidação financeira n.º 400192 e 1.359.674$00, por seguro de reforma pago pela Companhia de Seguros …………………, em que a sentença recorrida considerou e decidiu que tais montantes se encontravam sujeitos a IRS, ao abrigo do disposto nos art.ºs 2.º, n.º2 e n.º3, alínea c) do CIRS, na redacção de então, introduzida pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, e sobre que o ora recorrido não interpôs o competente recurso subordinado, nesta parte em que decaiu, nos termos do disposto no art.º 682.º do Código de Processo Civil (CPC), pelo que tais liquidações, nas partes correspondentes, se têm, para todos os efeitos, como transitadas em julgado, ou sejam que as mesmas são devidas, nos termos do disposto nos art.ºs 671.º e 673.º do mesmo CPC, pelo que os juros compensatórios, ora em discussão, igualmente às liquidações correspondentes a estas duas verbas se reportam (e não também à verba que foi anulada).

Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto e são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, ou, caso de falta de retenção na fonte, desde a data em que tal retenção tiver deixado de ser efectuada até ao respectivo pagamento ou até o termo dos prazos previstos no art.º 90.º do CIRS, por força do disposto, entre outros, nos art.ºs 83.º, 96.º do CIRS e 83.º do CPT.

Como assim se não encontra em causa, por tais verbas pagas ao ora recorrido pela sua entidade patronal era devido IRS, que este deveria ter retido aquando do pagamento respectivo, nos termos não só daquelas normas de incidência como também das contidas nos art.ºs 91.º, 92.º e 96.º do mesmo CIRS (redacção de então), sendo que o obrigado tributário de tal imposto, para essa retenção era, não o ora recorrido, mas sim tal entidade patronal, ainda que aquele tenha passado a ser o responsável originário pelo seu pagamento e tal entidade a responsável subsidiária pelo pagamento de tal dívida, por força da nova redacção introduzida no n.º2 do art.º 96.º do CIRS, como adiante se verá, sendo que para esta falta de retenção dispõe a norma do n.º3 do mesmo art.º 96.º do CIRS (redacção de então introduzida pelo Dec-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto), que os juros compensatórios, acrescidos de cinco pontos percentuais, são devidos pela entidade obrigada a tal retenção e que a não efectuou (1), já que foi por falta dessa retenção e entrega nos cofres do Estado, directa e imediatamente, nos respectivos prazos legais, que este se viu então, privado, da importância correspondente, pelo que deve ser nela que devem residir os pressupostos para que tais juros sejam devidos.

Aliás, este é o entendimento que expressamente ressalta do preâmbulo do Dec-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, enquanto elemento de interpretação condensador do que o legislador irá consagrar no respectivo articulado e que o intérprete deve observar para alcançar o pensamento legislativo, nos termos do n.º1 do art.º 9.º do Código Civil, onde se pode ler:
...
Optou-se por desonerar o titular dos rendimentos de qualquer responsabilidade pelo pagamento das retenções sempre que as mesmas tenham sido efectuadas e o montante retido não tenha sido entregue nos cofres do Estado. No caso de não ter sido efectuada a retenção do imposto, foi imputada ao titular dos rendimentos, a título principal, a responsabilidade pelo seu pagamento, ficando como responsável subsidiário a entidade obrigada à retenção, sem prejuízo de, em qualquer dos casos, ficar esta última obrigada ao pagamento de juros compensatórios e às sanções legalmente cominadas.

Em suma, ainda que o titular dos rendimentos tenha passado a ser o responsável originário pelo pagamento das quantias não retidas indevidamente pela entidade obrigada – cfr. n.º2 do citado art.º 96.º, na redacção introduzida por este Dec-Lei - é sobre esta que não sobre aquele, que a lei faz impender o pagamento dos juros compensatórios e demais sanções aplicáveis ao infractor – n.º3 do mesmo artigo – assim, de acordo com a súmula do citado preâmbulo, sendo que a norma do art.º 83.º do CIRS, que regula os efeitos do retardamento da liquidação em geral, deve no caso da falta de retenção a que se reporta o art.º 96.º, n.º2 do mesmo CIRS, ser afastada, em obediência ao princípio da especialidade, já que tal situação fáctica, específica, encontra expressa subsunção nesta última norma e no seu n.º 3, citadas.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas, face à isenção de que então gozava a recorrente.


Lisboa, 30 de Outubro de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro


(1) Cfr. em caso paralelo, o acórdão do STA de 28-11-2001, recurso n.º 26.378.