Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2985/05.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC
TRANSMISSIBILIDADE DE PREJUÍZO FISCAL
ACTO TÁCITO DE DEFERIMENTO
FUSÃO DE SOCIEDADES
NEUTRALIDADE FISCAL
Sumário:I - Formado deferimento tácito, nos termos do art. 69.º, n.º 7, do CIRC, na redacção da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, sobre um pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, na sequência de fusão de sociedades, ele configura um acto constitutivo de direitos para o requerente, que só pode ser revogado com fundamento em invalidade [arts. 140.º e 141.º do CPA, subsidiariamente aplicáveis, por força do preceituado nos arts. 2.º, alínea c), da LGT e 2.º, alínea d), do CPPT].
II - Para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos arts. 67° e segs. do CIRC (a que correspondem, actualmente, os seus art. 72° e ss., após a redacção dada pelo DL n° 159/2009, de 13/7, que alterou e republicou o CIRC) não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade fundida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, quando o capital social de ambas seja detido a 100% pela mesma entidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

C…, S.A., intentou no então Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, Acção Administrativa Especial contra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, visando a anulação do seu despacho n.º 928/2005 – XVII, de 12 de Agosto de 2005 e a condenação da entidade demandada na prática do acto devido “de autorização da A. de realizar a requerida dedução de prejuízos fiscais”.

No seguimento da decisão de incompetência hierárquica proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 27 de Dezembro de 2020, os autos subiram sem oposição das partes a este Tribunal Central Administrativo por ser o julgado competente para conhecer da acção.

Notificadas as partes, ambas declararam pretender o aproveitamento das alegações produzidas no Tribunal Tributário de Lisboa, antes de proferido o despacho de incompetência em razão da hierarquia.

O Exmo. Senhor PGA, apôs o seu Visto.

Reproduzem-se as doutas conclusões das alegações.

Da Autora:
«


















«Texto em imagem no original»




«Texto em imagem no original»




«Texto em imagem no original»


».
Da entidade demandada:
«



«Texto em imagem no original»




«Texto em imagem no original»
























».

2 –QUESTÕES DECIDENDAS

São duas as questões a decidir. A primeira questão colocada pela Autora prende-se com a formação de acto tácito de deferimento sobre a sua pretensão de aproveitamento do prejuízo fiscal da sociedade incorporada. A segunda questão colocada pela A., consiste em indagar se face à fundamentação externada, o despacho impugnado do Sr. S.E.A.F. enferma de violação de lei não só por erro nos pressupostos, mas também por violação do disposto nos artigos 140.º e 141.º do Cód. de Procedimento Administrativo, pois o deferimento tácito era válido e constitutivo de direitos.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulados iniciais das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade:

1. No âmbito de uma operação de “fusão”, a sociedade N…, S.A., foi incorporada na sociedade A., C…, S.A. (cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial relativa à matrícula da sociedade aqui A., a fls.39 dos autos);
2. À data da fusão, o capital social de ambas as sociedades – incorporada e incorporante – era detido a 100% pela Caixa C…, CRL (C…) – (cf. projecto de fusão, a fls.67 dos autos, informação burocrática n.º 0496/2005, de 18 de Maio, que sustenta o projecto de despacho de indeferimento e constante do PA e contestação, a fls.166);
3. No âmbito da operação de “fusão” referida supra, em 1., a A. requereu em 31/01/2005 ao Sr. Ministro das Finanças a dedução, na esfera da sociedade incorporante (aqui Autora), dos prejuízos fiscais referentes aos exercícios de 1999 a 2003 da sociedade incorporada (acordo, expressado no art.º 2.º da contestação).
4. Em 31/05/2005, foi, a A., notificada do projecto de indeferimento do requerimento de transmissibilidade dos prejuízos fiscais da sociedade incorporada (acordo).
5. A A. exerceu o seu direito de audição em 08/06/2005 (cf. carimbo de entrada aposto no respectivo doc. e constante do PA);
6. Em 14/09/2005, foi a A. notificada do Despacho n.º 928/2005 – XVII do Sr. S.E.A.F., proferido em 12/08/2005 (acordo e despacho, a fls. 37 dos autos).
7. Em 13/12/2005, a A. interpôs a presente acção (carimbo de entrada aposto na P.I., a fls.3).
8. As sociedades incorporada e incorporante têm, ou tinham, ambas, sede em território português.
9. Do registo comercial anexo à P.I. não consta a atribuição aos sócios da sociedade fundida (N…, S.A.) de partes do capital da sociedade beneficiária (a aqui A., C…) (cf. cit. certidão de registo comercial).

Não há factos que importe registar como «não provados».

4 – MATÉRIA DE DIREITO

O art.º 69.º do CIRC, na redacção resultante do DL n.º 221/2001, de 10 de Julho, e Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (vigente até a alteração introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto) estabelecia o seguinte, no que aqui interessa.

«1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
(...)
7 – O requerimento referido no n.º 1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis. (Redacção da Lei 32-B/02, de 30-12.)
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
9 – No caso de ocorrer o deferimento tácito, a dedução dos prejuízos fiscais considera-se automaticamente escalonada por um período mínimo de três anos, não podendo em cada um dos dois primeiros praticar-se dedução superior a um terço do total dos prejuízos.
(…)»

Está dado como provado que a A. apresentou o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais em 31/01/2005 e que só em 14/09/2005 foi notificada do despacho de indeferimento do Sr. S.E.A.F., proferido em 12/08/2005 (cf. pontos 4. e 6., da matéria de facto fixada).

Não foi dado como provado qualquer facto que permita concluir que a A. contribuiu de alguma forma para que o procedimento iniciado com o seu pedido estivesse parado ou que não tivesse sido acompanhado dos elementos referidos no n.º 2 daquele artigo.

Reforça esta conclusão, por um lado, o facto de não terem sido solicitados à ora Autora quaisquer elementos adicionais, nem a insuficiência de instrução vir processualmente alegada pela entidade demandada e, por outro, o facto de o acto de indeferimento não fazer qualquer referência a hipotético défice de documentação instrutória do pedido.

Assim, é de concluir que decorreu o prazo de seis meses previsto no n.º 7 daquele art.º 69.º para a formação de deferimento tácito, prazo esse que se conta seguidamente (art.º 20.º, n.º 1, do CPPT), desde a apresentação do pedido, pelo que se completou em 08/08/2005, antes da prolação do despacho de indeferimento em 12/08/2005, já descontado o período de suspensão de 8 dias em que foi exercido o direito de audiência (art.º 100.º, n.º 3 do aplicável CPA).

Formado deferimento tácito, ele configura um acto constitutivo de direitos para a Autora, que só podia ser revogado com fundamento em invalidade, como decorre dos artigos 140.º e 141.º do CPA, subsidiariamente aplicáveis, por força do preceituado nos artigos 2.º, alínea c), da LGT e 2.º, alínea d), do CPPT.

No caso, o Despacho n.º 928/2005 – XVII, cuja cópia constitui o doc.1 junto à P.I., proferido depois da formação de deferimento tácito, será revogatório deste, por substituição.

Como se deixou consignado, entre muitos outros, no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 02/03/2010, tirado no proc.º 0844/09, «Formado deferimento tácito nos termos do artigo 69.º n.º 7 do CIRC, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, sobre um pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, na sequência de fusão de sociedades, ele configura um acto constitutivo de direitos para o requerente, que só pode ser revogado com fundamento em invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida (artigo 141.º do CPA, subsidiariamente aplicável por força do preceituado nos artigos 2.º alínea c) da LGT e 2.º, alínea d) do CPPT)».

O fundamento invocado para o indeferimento expresso da pretensão da Autora, que constitui, em bom rigor, na óptica da entidade demandada, o vício invalidante do acto de deferimento tácito, prende-se com o inverificado requisito da atribuição aos sócios da sociedade fundida (N…, S.A.) de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, aqui Autora.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.


Na redacção do Decreto-lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, dispunha o art.º 67.º do Código do IRC, no segmento que importa para os autos:
«Artigo 67.º
Definições e âmbito de aplicação

1 - Considera-se fusão a operação pela qual se realiza:

a) A transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;

b) A constituição de uma nova sociedade (sociedade beneficiária), para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos sócios destas atribuídas partes representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;

c) A operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social.

2 – (…)».

Tanto quanto apreendemos da posição da entidade demandada, também expressada no despacho impugnado, um dos vectores que condicionam a aplicação do regime de neutralidade aplicável às operações de fusão previstas na alínea a) do n.º 1 do art.º 67.º do Código do IRC – em que se enquadra a operação em causa nos autos – é que os sócios da sociedade fundida recebam um determinado número de participações sociais da sociedade beneficiária que traduza, proporcionalmente, valor idêntico ao património transmitido.

No entanto, como se deixou expressado no sumário doutrinal do ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 23-04-2013, tirado no proc.º 0180/13, «Para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos arts. 67° e segs. do CIRC (a que correspondem, actualmente, os seus art. 72° e ss., após a redacção dada pelo DL n° 159/2009, de 13/7, que alterou e republicou o CIRC) não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, sendo esta detentora da totalidade do capital social daquela, tal como resulta dos nºs. 3 e 6 do art. 68° do mesmo Código».

E como se refere naquele aresto, por remissão para o ac. do STA, proferido em 20/12/2011, no proc. nº 865/11, «O entendimento que se deixou expresso, no sentido de que a atribuição de participações aos sócios da sociedade cindida ou beneficiária não constitui requisito da neutralidade fiscal, sendo antes estabelecida em beneficio dos sócios, tem apoio na Directiva n° 75/855/CEE, de 9 de Outubro de 1978, cujo art. 10°, estabelece: “1. Relativamente a cada uma das sociedades participantes na fusão, um ou mais peritos independentes destas, designados ou reconhecidos por uma autoridade judicial ou administrativa, examinarão o projecto de fusão e redigirão um relatório escrito, destinado aos accionistas. Contudo, a legislação de um Estado-membro pode prever a nomeação de um ou de vários peritos independentes para todas as sociedades participantes na fusão, se esta nomeação for feita por uma autoridade judicial ou administrativa, a pedido conjunto das sociedades. Estes peritos podem ser pessoas singulares ou colectivas ou sociedades, conforme dispuser a legislação de cada Estado-membro. 2. No relatório mencionado no n° 1, os peritos devem sempre declarar se, em sua opinião, a relação de troca de acções é justa e razoável. Esta declaração deve, pelo menos: a) Indicar o método ou os métodos seguidos para a determinação da relação de troca proposta; b) Indicar se tal ou tais métodos são adequados ao caso concreto e mencionar os valores a que cada um desses métodos conduz, emitindo parecer sobre a importância relativa concedida a esses métodos na determinação do valor fixado”.

Comentando esta disposição escreveu Carlos Baptista Lobo - Fiscalidade, n°s 26/27, pág. 33: “Este preceito visa a protecção dos accionistas face às decisões da sociedade que se decidiu fundir. Sendo essencialmente dirigido à defesa dos accionistas minoritários, este preceito é útil para a compreensão do processo de fusão. Efectivamente, as participações sociais das sociedades beneficiárias correspondem à quota-parte que caberia ao accionista em caso de liquidação. ... É, portanto, neste enquadramento que se deve entender a posição dos sócios da sociedade fundida. De facto, tal como os credores e terceiros, os sócios devem ver a sua posição protegida face às decisões da sociedade cindida. E por essa razão que a Terceira Directiva refere explicitamente o seu objectivo fundamental: “protecção dos interesses dos sócios e terceiros”, prevendo que os sócios devam ser adequadamente informados (tendo o projecto de fusão um papel fundamental nesta matéria). … No entanto, ainda não satisfeito, o legislador comunitário impôs a elaboração de relatórios adicionais, elaborados por peritos independentes. A função destes relatórios é determinar de forma objectiva e precisa se os accionistas ficam salvaguardados de forma justa e equitativa relativamente às participações sociais da sociedade beneficiária, atendendo aos activos e passivos que lhe são transferidos pela sociedade absorvida.” Ainda sobre esta questão, escreve Joana Vasconcelos — A cisão de sociedades, pág. 20: “Em resultado da atribuição directa das participações que caracteriza a cisão, os sócios da sociedade cindida participam no capital de todas as sociedades beneficiárias, nos precisos termos em que o faziam naquela, sendo a conservação da sua participação social originária garantida pela adequação da relação de troca (proporcionalidade quantitativa) e pela regra da repartição proporcional das referidas participações (proporcionalidade qualitativa), podendo esta, todavia, ser afastada de modo a permitir a distribuição dos próprios sócios ou de grupos de sócios pelas diversas sociedades beneficiárias, segundo combinações e equilíbrios diversos da composição originária da sociedade cindida”. Ora, quando alguma das sociedades intervenientes na fusão possua uma participação no capital da outra, determina o art° 104°, n° 3 do CSC que “Por efeito de fusão por incorporação, a sociedade incorporante não recebe partes, acções ou quotas de si própria em troca de partes, acções ou quotas na sociedade incorporada de que sejam titulares aquela ou esta sociedade ou ainda pessoas que actuem em nome próprio, mas por conta de uma ou de outra dessas sociedades”. Trata-se aqui de uma das três limitações do respectivo poder de voto consagradas neste preceito. Deste modo sempre que, na cisão-fusão por incorporação, a sociedade beneficiária preexistente detenha uma qualquer participação no capital da sociedade cindida, não receberá «partes, acções ou quotas de si própria» em troca de tal participação, quer se trate de cisão total, quer de cisão parcial. Trata-se, conforme sublinha RAUL VENTURA – Fusão, Cisão e Transformação de Sociedades, pág. 130, de um corolário «dos princípios gerais que regem as acções (ou quotas) próprias», justificando-se tal solução por um desígnio de «evitar uma duplicação fictícia de parte do património» da sociedade beneficiária. Podemos então concluir que a atribuição aos sócios da sociedade contribuidora (cindida) de partes representativas de capital da sociedade beneficiária não constitui um requisito que vise assegurar a neutralidade fiscal da operação de fusão ou cisão de sociedades, visando antes definir o que é uma operação de cisão e de fusão para efeitos fiscais. Na verdade, os requisitos da cisão e da fusão para efeitos de neutralidade fiscal estavam fixados nos n°s 3 e 4 do art. 68° do CIRC, em vigor à data dos factos. Temos então que, sendo o objectivo da lei, com a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da beneficiária, assegurar a protecção dos sócios da sociedade cindida e não o de assegurar a neutralidade fiscal da cisão ou fusão, essa protecção não se justifica nos casos em que, como sucede nos autos, a cindida é detida a 100% pela beneficiária da operação de cisão-fusão.» (Aliás, tal como nestes casos em que existem sócios comuns às sociedades intervenientes e não há aumento de capital, também nos casos de fusão inversa (downstream ou reverse merger – em que uma sociedade cujo capital é detido por outra acaba por a incorporar - a sociedade filha incorpora a sociedade mãe) a AT enquadra no regime geral e não no regime da neutralidade. Posição que foi criticada por Saldanha Sanches, Fusão inversa e neutralidade (da Administração) fiscal, in Fiscalidade nº 34, 2008, pp. 7 a 34.) 5.8. Porque os impostos não devem influenciar as escolhas da economia, importa que, como se diz no Preâmbulo do CIRC, a fiscalidade adopte uma posição de neutralidade relativamente àquela, sendo que a reorganização e o fortalecimento do tecido empresarial não devem ser dificultados, mas antes incentivados, criando-se condições para que as operações de fusão e cisão de empresas não encontrem obstáculo fiscal à sua efectivação, desde que esteja garantido que apenas visam um adequado redimensionamento das unidades económicas [um dos requisitos de aplicabilidade do regime de neutralidade fiscal é a existência de motivações económicas válidas, assim se procurando evitar os casos de evasão fiscal, até porque o regime de neutralidade «nas fusões, cisões, entradas de activos e permutas de partes sociais, pode deixar de ser aplicado em função da motivação (de “evasão fiscal”) das operações». (Cfr. Manuela Duro Teixeira, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal - Algumas Notas, in J.L. Saldanha Sanches e Outros, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 256.)» (fim de cit.)

Embora no caso de que trata o aresto do STA citado estivesse em causa uma operação de cisão em que a sociedade incorporante detinha 100% do capital social da sociedade absorvida, as razões na base do enquadramento daquela operação no regime de neutralidade e não no regime geral (como pretendia a Administração tributária), são substancialmente idênticas à situação dos autos, em que é único o sócio de ambas as sociedades intervenientes (a Caixa C…, CRL.), pois também neste caso, não sendo a distribuição de participações sociais uma condição estruturante da aplicabilidade do regime de neutralidade, também não encontra amparo no objectivo do legislador (art.º 67/1, alínea a) do CIRC), de salvaguarda dos interesses dos sócios da sociedade fundida em medida correspondente aos activos transferidos para a sociedade incorporante, aqui Autora.

Concluímos, pois, que para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos artigos 67° e ss. do Código do IRC, não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade fundida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, quando o capital social de ambas seja detido a 100% por uma única e mesma entidade.

O fundamento de invalidade subjacente à revogação expressa do acto tácito de deferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, não colhe.

A acção terá de ser julgada procedente, ao que se provirá no dispositivo do acórdão.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Julgar procedente a presente Acção Administrativa Especial;
ii) Declarar que se formou deferimento tácito sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais referido no ponto 3. da matéria de facto fixada;
iii) Anular o Despacho n.º 928/2005-XVII, de 12/08/2005, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Custas a cargo da Entidade demandada.

Lisboa, 07 de Abril de 2022



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




________________________________
Tânia Meireles da Cunha