Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:320/14.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:FALTA DE PAGAMENTO
RECUSA DO RECEBIMENTO
PETIÇÃO INICIAL
Sumário:Ocorrendo, em processo de oposição à execução fiscal, falta de pagamento da taxa de justiça inicial e não tendo a petição inicial sido recusada pela secretaria, deve ser ordenada a notificação do oponente para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento do montante da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante, sob cominação de recusa de recebimento da petição inicial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I.RELATÓRIO
J..., inconformado com a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que indeferiu liminarmente a oposição por si intentada nos processos executivos nº ... e apensos, ..., veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:























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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a procedência do recurso.
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Dispensados os vistos face à simplicidade da questão, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pelo Recorrente consiste em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pelo indeferimento liminar, face à falta de pagamento da taxa de justiça.

II.FUNDAMENTAÇÃO
II.1.Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto.

“Para o efeito fixa a seguinte factualidade:

1. A petição foi entregue em 08/01/2014, (cf. carimbo no canto superior direito da p.i. a fls. 2);

2. Com a mesma não foi junta a prova do pagamento da taxa de justiça;

3. O ofício nº 38 de 16/01/2014 foi remetido Oponente segundo o qual tendo sido recebida a petição sem o pagamento da taxa de justiça a petição seria rejeitada (indeferida) face ao disposto no artº 558º al. t) do Código do Processo Cível, (doravante CPC), o comprovativo do pagamento da taxa de justiça (fl. 37);

4. Em 11/02/2014 e em resposta ao ofício referido no ponto o Oponente remeteu novo DUC (fl. 38 e 39);

5. Foi ainda informado pela Unidade Orgânica que o DUC emitido e junto aos autos referido no ponto anterior não estava pago (fl. 39 e 40).


Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, o qual resulta provado por documento juntos aos autos:

6. No ofício referido no ponto 3 do probatório fixado, consta o seguinte:
“Fica V. Exa. notificado de que a petição inicial de Oposição, recebida através do serviço de finanças de Lisboa 3, referente a J..., NIF ..., e recebida neste tribunal em 27/01/2014 foi rejeitado (indeferido) o seu recebimento, face ao disposto no art. 558 do CPC, na alínea –f, Não tendo sido junto documento comprovativo da taxa de justiça.
Mais informo que foi emitido DUC, mas não está pago.
Fica ainda notificado de que o processo aguarda nesta secretaria por 10 dias a fim de ser suprida a falta, sendo que no final desse prazo será recusada, nos termos do artº 145 do CPC e 552, nº6 do mesmo.”
6. Em 04/03/2014 foi aberta conclusão à Juíza do processo, cf. fls. 43.

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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.
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Conforme resulta dos autos, constitui objecto do presente recurso o despacho da Meritíssima Juíza do TT de Lisboa que rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora Recorrente por entender ser essa a consequência da falta de comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Como decorre do que vem pedido em sede de alegações e conclusões de recurso, importa apreciar se a decisão a quo errou ao decidir pelo indeferimento liminar da petição, por falta de pagamento da taxa de justiça inicial.

Vejamos.
A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos administrativos e fiscais – cfr. artigo 13.º, n.º 1 do RCP.
O acórdão do STA, de 27/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 1025/09 embora reportado a uma situação em que ainda era de aplicar o Código das Custas Judiciais, entretanto substituído pelo RCP, é muito elucidativo sobre as consequências da falta ou insuficiência de pagamento da taxa de justiça, escalpelizando todas as previsões e consequências contidas na lei processual civil, que continua a aplicar-se por força da previsão contida no RCP (artigo 13.°, n.º 1).
Ali decidiu-se o seguinte:
“(…)
Artigo 150º-A – Pagamento de taxa de justiça “1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2 - A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
3 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no nº 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486º-A, 512º-B e 685º-D.
(…)”

Artigo 474º - Recusa da Petição pela secretaria
“A secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos:
(…) f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no nº 5 do artigo 467º;
(…)”

Artigo 476º - Benefício concedido ao autor
“O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.”
2.4. Da conjugação do disposto nestes normativos resulta, pois, o seguinte regime:
- o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação da petição (art. 24°, nº 1, al. a), do CCJ) e a omissão do pagamento dessa taxa de justiça inicial dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo (art. 28° do CCJ);

- a secretaria deve recusar o recebimento da PI, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial (art. 474º, al. f) do CPC), mas o autor pode apresentar outra petição nos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo (art. 476° do CPC);
- sem prejuízo das disposições relativas à PI, a falta de junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos arts. 486°-A, 512°-B e 690°-B, todos do CPC (art. 150°-A do mesmo CPC).
2.5. No caso, estamos perante uma oposição à execução fiscal.
E, desde logo, importa referir que a eventual falta de pagamento parcial da taxa de justiça inicial não é fundamento de rejeição liminar da oposição à execução fiscal (cfr. art. 209º nº 1 do CPPT).
Acresce, todavia, aceitando-se a natureza declarativa da oposição (cfr., ainda, o nº 1 do art. 211º do CPPT), que a irremediável recusa (com aquele fundamento da falta de junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial) do recebimento da respectiva petição, conduziria a um entendimento inaceitável: a parte ficaria prejudicada em consequência de uma indevida omissão da secretaria, na medida em que estaria impedida de apresentação de nova petição (arts. 161º nº 6 e 476° do CPC).
Tem sido esta, aliás, como refere o MP no seu douto Parecer, a jurisprudência reiterada deste STA (cfr., entre outros, os acs. de 9/4/08, rec. nº 90/08; de 30/9/09, rec. nº 833/09; e de 4/11/09, rec. nº 564/09) e não vemos razões para dela divergir.
E deste último aresto transcrevemos, com a devida vénia, o seguinte excerto: “Em algumas decisões jurisprudenciais, que consideramos conformes com o espírito do legislador, tem-se vindo a entender que, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta. (…)
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, uns, conforme a actuação/omissão da secretaria, teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável.
Diga-se que, à semelhança do que se exarou no Ac. da Rel. do Porto de 09/10/2006, não nos repugnaria, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, equiparar o oponente ao R. (aliás, parece ser esse o entendimento de Salvador da Costa, na obra citada, pág. 195, quando aí afirma, por referência à al. b) do nº 1 do art. 24º do CCJ, que as «expressões réu e requerido estão utilizadas em sentido amplo, em termos de abrangência, além do mais do executado no que concerne à oposição à execução executiva, à reclamação de créditos ou à penhora»), com a consequente possibilidade de beneficiar do estabelecido no art. 486º-A do CPC. É que, não se poderá olvidar que a oposição surge por referência a uma execução em curso e dentro de um prazo estabelecido na lei, com consequências radicais se esse prazo for ultrapassado (art. 817º, nº 1, a) do CPC).
Se a recusa, por falta de pagamento de taxa de justiça, de uma petição de uma “normal” acção declarativa não impedirá que se apresente nova petição, já o mesmo não se pode dizer (a não se defender o que se deixou explanado) no caso da oposição à execução, face ao decurso do prazo estabelecido na lei. Assim, estaria criada uma situação excepcional – e crê-se que tal não estaria no espírito do legislador – em que, o executado/oponente, por falta (ou erro no montante) do pagamento de taxa de justiça, veria, sem possibilidade de atempada correcção, arredada a possibilidade de dar andamento à sua oposição à execução.
Pelo que se deixou dito, ou perfilhando a tese seguida nos ditos arestos, que nos parece ajustada ao figurino legal (que poderia ser mais claro), ou equiparando, para efeitos do pagamento da taxa de justiça, o oponente ao réu numa acção declarativa, sempre seria de dar oportunidade ao Oponente para pagar o que faltava da taxa de justiça.» (…)”

De facto, não repugna, ao menos para os efeitos de falta de pagamento atempado da taxa de justiça, aplicar o disposto no artigo 570º do CPC - relativo ao pagamento da taxa de justiça na contestação - à oposição à execução fiscal, porquanto nesta há lugar à citação do executado e a oposição configura-se como que uma contestação à própria execução fiscal.
E não repugnando tal aplicação, que se traduz em possibilitar o pagamento, embora tardio, da taxa de justiça devida pelo impulso processual, acrescida de multa, deve ela ser considerada aplicável, atento o princípio “pro actione”, concretização processual do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
É este, aliás, o sentido da jurisprudência do STA veja-se além do acórdão supra citado outros, a saber, acórdãos de 20/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 1026/09; de 27/01/2010, proferido no âmbito do recurso n.º 1025/09; de 24/02/2010, recurso n.º 751/09;de 14/09/2011, recurso n.º 207/11; de 26/06/2013, proferido no âmbito do processo n.º 358/13– conforme à jurisprudência dos tribunais comuns (cfr., entre outros, Acórdãos do TR de Lisboa de 30/10/2007 e de 14/09/2010; do TR do Porto de 05/06/2012, e do TR de Guimarães de 6/10/2011) –, e bem assim do TCA-Norte, destacando-se, a título de exemplo, o Acórdão de 28/02/2013, proferido no âmbito do processo n.º 00141/12.1BEMDL.

Embora no probatório conste que no ofício nº 38 de 16/01/2015 se refira a um convite formulado para sanar a situação, a verdade é que esse convite se reporta unicamente a tentativa de percepção acerca do efectivo pagamento da taxa de justiça devida, uma vez que estava ínsitos nos autos documentos relativos a pagamentos.
Somente após a confirmação da persistência da associação desse pagamento ao processo, cf. alínea 5 do probatório, é que o tribunal recorrido concluiu não estar demonstrado o pagamento da taxa de justiça nos presentes autos, proferindo de imediato despacho de indeferimento liminar.
Não tendo sido nos presentes autos dado cumprimento a todas as disposições previstas no artigo 570º do CPC (o Recorrente não foi notificado para pagar a multa), haverá, pois, que, no provimento do recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que, se a tal nada mais obstar, seja efectuada a notificação do Recorrente para proceder ao depósito, no prazo de 10 dias, da taxa de justiça devida, acrescida de multa de igual montante (cujo valor deve ser notificado ao oponente), sob cominação da recusa de recebimento da petição de oposição.
III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos para que, se a tal nada mais obstar, seja efectuada a notificação do Recorrente para proceder ao depósito, no prazo de 10 dias, da taxa de justiça devida, acrescida de multa.
Sem custas.


Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017.
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(Barbara Tavares Teles)


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(Pereira Gameiro)

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(Anabela Russo)