Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05303/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
QUALIFICAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO.
INSPECÇÃO EXTERNA.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA.
Sumário:1.O procedimento de inspecção tributária adoptado pela AT deve obedecer aos ditâmes adequados e proporcionais aos objectivos a atingir com o mesmo;

2. O procedimento de inspecção interno tem por objecto a análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte, bem como o seu cruzamento com outros elementos recolhidos;

3. Nestas inspecções de natureza interna, não há lugar à credenciação dos funcionários para tal efeito e nem de emissão de ordem de serviço com vista à notificação do sujeito passivo, no início desse procedimento;

4. No seguimento de inspecção de cariz interno cuja solicitação de elementos não foi cumprida pelo sujeito passivo, nada obsta legalmente, a que a AT proceda a inspecção de cariz externo ao mesmo sujeito passivo, com vista a apurar a sua situação tributária;

5. Há lugar a tributação autónoma quando as despesas são de natureza confidencial ou não documentadas, ou seja nos casos em que não é possível identificar os reais beneficiários das mesmas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. S………… ………….., NIF ……………., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I- O Despacho n.º DI200900044, de 18/02/2009, dos Serviços de Inspecção Tributária, inicia um verdadeiro procedimento de inspecção parcial ou univalente.
II- A Ordem de Serviço n.º 0I 200900011 e Ordem de Serviço n.º 0I 200900010, não deram início a novos procedimentos inspectivos, de contrário violam o princípio da proporcionalidade e adequação do acto administrativo.
III- A Ordem de Serviço n.º 0I 200900011 e Ordem de Serviço n.º 0I 20090001 constituem materialmente modificações, por alargamento, do âmbito do procedimento inspectivo em curso à data da sua emissão.
IV- O art. 15.º do RCPIT é uma norma imperativa, devendo ser interpretado de forma sistematicamente conjugada com os princípios da proporcionalidade e adequação da prática dos actos administrativos, no sentido de que quando exista procedimento inspectivo em execução sobre o mesmo sujeito passivo e mesmos exercícios, a inspecção de outros tributos ou factos tributários não compreendidos no âmbito do procedimento em curso deverá ocorrer por alargamento do respectivo âmbito e não pelo lançamento sucessivo e ilimitado de novos procedimentos de inspecção.
V- O art. 15.º do RCPIT exige que o acto que modifique o âmbito do procedimento inspectivo em curso seja fundamentado, como meio de controle das faculdades inspectivas da Administração Tributária.
VI- A Ordem de Serviço n.º 0I 200900011 e Ordem de Serviço n.º 0I 200900010 não contêm qualquer fundamentação, devendo ser por isso anuladas e declarados nulos todos os actos que delas dependeram, nomeadamente as liquidações efectuadas com base na actividade inspectiva realizada sobre o âmbito da inspecção alargado por aquelas.
VII- O procedimento inspectivo iniciado com o Despacho n.º DI200900044, de 18/02/2009 violou o prazo legal previsto pelo art. 36.º, n.º 2 do RCPIT.
VIII- Existe nexo de antijuricidade invalidante entre a actividade inspectiva interna e externa posterior ao termo do prazo legal para o efeito e o Relatório Final de Inspecção elaborado com base no produto da actividade inspectiva.
IX- Ao continuar a actividade inspectiva para além do prazo legalmente previsto e sendo o respectivo Relatório Final de Inspecção elaborado com base na recolha e análise de dados através da mesma actividade, o Relatório Final de Inspecção incorpora parcialmente o resultado de actividade inspectiva ilegal, não podendo servir de fundamentação à prática de acto administrativo de liquidação.
X- Devendo ser anulada, na ausência de prova pela parte a quem aproveita de expurgação da parte ilegal do Relatório Final de Inspecção, a liquidação efectuada com base no conteúdo do mesmo por falta de fundamentação legal licitamente adquirida.
XI- Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por fazer incorrecta aplicação das normas supra referidas aos factos em juízo, devendo a douta sentença ser anulada e conhecidos os vícios do acto administrativo de liquidação de IRC n.º ……………………… e daqueles que o suportam, como fundamento ou pressuposto, bem como anulada a referida liquidação.
XII- Se assim não se entender e sem prescindir, ocorreu dupla tributação interna do montante de 156.567,91 €, simultaneamente em sede de IRS e IRC, indevidamente considerado pela Administração Tributária como despesas confidenciais.
XIII- O impugnante fez prova nos autos, por simples cálculo aritmético conjugado com os dados constantes dos documentos que integram o processo, da origem, natureza e finalidade das despesas indevidamente consideradas confidenciais pela Administração Tributária e consequentemente da violação do princípio da coerência fiscal.
XIV- A Fazenda Pública não alegou qualquer incorrecção no cálculo aritmético do impugnante.
XV- O Tribunal a quo não apreciou nem se pronunciou sobre a prova aritmética feita pelo impugnante que demonstra que a finalidade do montante de despesas supostamente confidenciais de 156.567,91 € foi a de pagamento de salários não contabilizados tal como detectado pela Inspecção Tributária, não estando assim reunidos os pressupostos para a sua tributação autónoma, por inexistência de confidencialidade.
XVI- A douta sentença estava ainda vinculada a conhecer de todas as causas de invalidade invocadas, nos termos do art. 95.º, n.º 2 do CPTA.
XVII- Incorreu, portanto, o Tribunal a quo em omissão de pronúncia e a douta sentença em nulidade por falta de especificação dos seus fundamentos, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.

Termos nos quais deverá ser concedido provimento ao recurso, revogada a Decisão recorrida e proferido Acórdão que anule a liquidação de IRC n.º 20098310028848, nos termos sobreditos;
Se assim não se entender, sem prescindir, deverá a douta Sentença recorrida ser parcialmente revogada no que respeita ao seu ponto 4. da matéria de Direito e proferido Acórdão que condene a Administração Tributária a reconhecer a finalidade das despesas de 156.567,91 € foi a do pagamento de salários aos desportistas ao serviço do A., bem como a admitir a dedução de tal montante como custos em sede de IRC e a reformar a liquidação de IRC supra identificada em conformidade.
Se se entender não constarem dos autos todos os elementos necessários para o julgamento da causa quanto ao alegado e demonstrado nos quesitos 121.º a 129.º da p.i., então sempre se requer que, uma vez revogada a douta Sentença recorrida, o Venerando Tribunal ordene a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que no âmbito dos seus poderes/deveres de instrução pratique os actos necessários e suficientes para apuramento e fixação da respectiva matéria de facto, nomeadamente a nomeação de perito para proceder ao exame da demonstração de cálculo da não confidencialidade das despesas e produção de prova quanto ao alegado de 121.º a 129.º da petição inicial, decidindo então a causa de acordo com o direito aplicável.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, encontrando-se a decisão devidamente fundamentada, de facto e de direito, e também não padecendo do invocado vício formal de omissão de pronúncia.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia, conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a inspecção interna de que foi alvo foi transformada em duas inspecções externas, ilegais porque não fundamentadas; Se na sequência de uma inspecção interna não pode haver lugar a uma outra de cariz externo; Se as inspecções efectuadas excederam o prazo legal previsto para a sua execução; Se ocorreu dupla tributação ilegal entre o IRS liquidado a título de falta de retenção do imposto e a tributação por despesas confidenciais; Se não se encontram reunidos os pressupostos para a AT proceder à liquidação por tal tributação autónoma; E se os autos deve agora baixar à 1.ª Instância a fim de permitir ao recorrente provar os destinatários das despesas de tal tributação autónoma.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz, passando-a a subordinar às seguintes alíneas:
a) Foi o impugnante sujeito a uma inspecção para recolha de elementos contabilísticos referentes aos custos com pessoal nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, a coberto do despacho n.º DI200900044, de 17 de Fevereiro de 2009, nos termos dos nº4 e 5 do art.º 46° do RCPIT, a qual lhe foi notificada no dia 18 de Fevereiro.
b) No mesmo dia, foi ainda notificado para, no dia 4 de Março seguinte, apresentar à administração fiscal a contabilidade referente aos anos de 2005 a 2008, designadamente balancetes e documentos de suporte, cópias dos actos de tomada de posse das direcções até à data e documentação bancária existente na contabilidade.
c) Nessa data, apresentou apenas os livros de actas e de presenças da sua Assembleia Geral e uma pasta de arquivo dos processamentos contabilísticos dos salários e respectivos recibos de 2005 a 2007, do que foi elaborado o respectivo auto de ocorrência.
d) Nessa sequência, foi o impugnante sujeito a procedimento de inspecção externa, nos termos do artigo 46° do RCPIT, a coberto da Ordem de Serviço n.º 0I200900010, de 23 de Março de 2009, notificada ao impugnante no dia 5 de Junho de 2009, ao qual foi fixado "âmbito parcial (alínea b) do nº1 do art.º 14° do RCPIT" e incidência sobre IRC, IVA e outros, relativos ao ano fiscal de 2007 (para além dos anos de 2006 e de 2008, cujo âmbito temporal se rectifica, de acordo com a mesma OI, cuja cópia consta de, entre outros lugares, de fls 6 do PA apenso).
e) O procedimento inspectivo identificou, através da conta de terceiros 2681030, movimentos contabilísticos correspondentes a cheques ao portador, levantamentos em numerário e transferências bancárias no valor de 263.290,59 €, sem identificação do seu efectivo e real beneficiário, do que resultaria um imposto em falta no montante de 129.012,39 €.
f) Na fase de reclamação graciosa, o clube impugnante juntou documentos que permitiram concluir que, desse montante, 126.722,68 € (montante que se rectifica para o valor correcto de € 106.722,68, conforme se pode ver do procedimento de reclamação apenso, a fls 193 e segs, concretamente a fls 199, seu ponto 19, já que foi esse o montante pelo qual a reclamação veio a ser parcialmente deferida) eram movimentos entre contas bancárias que lhe pertenciam, pelo que nessa fase a administração fiscal reduziu para 156.567,91 € o valor referido.
g) A 6 de Novembro de 2009, o impugnante foi notificado do relatório da inspecção tributária realizado por força dessa ordem de serviço.
h) A liquidação impugnada foi efectuada tendo em conta as correcções efectuadas em fase de reclamação graciosa.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem a dele constar outra factualidade relevante para o conhecimento do mérito do presente recurso:
i) Para além da inspecção externa referida em d) supra, o ora recorrido foi também sujeito a inspecção qualificada de externa pela AT, relativa ao exercício de 2005, pela ordem de serviço n.º OI200900011, de 23-3-2009, de que foi notificado em 26-3-2009 e cujo relatório final lhe foi notificado em 22-9-2009 – cfr. docs. de fls 33 e 151 dos autos;
j) O IRS acusado em falta pelos relatórios da inspecção tributária assentou nas divergências verificadas entre as guias de retenções entregues com os montantes constantes da contabilidade, bem como juros compensatórios por tais diferenças de retenção, em todos os exercícios inspeccionados – cfr. matéria dos mesmos relatórios de exame à escrita.


4. Na matéria das suas conclusões XVI e XVII das alegações do recurso, vem o ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade, cujo pedido, consequente e certeiro, contudo, não formulou, a final, onde apenas veio peticionar – deverá ser concedido provimento ao recurso, revogada Decisão recorrida ...ser parcialmente revogada no que respeita ao seu ponto 4. da matéria de Direito ... se bem que, desde logo, o tenha formulado na matéria da mesma conclusão XVII, como da mesma se pode colher - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, por ... A douta sentença estava ainda vinculada a conhecer de todas as causas de invalidade invocadas, nos termos do art. 95.º, n.º 2 do CPTA, incorreu, portanto, o Tribunal a quo em omissão de pronúncia e a douta sentença em nulidade por falta de especificação dos seus fundamentos ..., não tendo, assim, apontado quais as concretas causas de invalidade que assacou a tais actos de liquidação e que pelo Tribunal “a quo”, não tenham sido conhecidas, ou seja, deixou de substanciar quais a que na mesma sentença não foram conhecidas, e que por si tenham sido articuladas na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo contudo, no caso, manifesto, que o recurso não pode deixar de improceder enquanto abrigado a tal vício formal, por falta dessa substanciação.

Na verdade, nos termos do disposto no actual art.º 685.º-A, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC), (correspondente ao mesmo n.º1, do art.º 690.º, na redacção anterior), o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, devendo o mesmo indicar as razões, concretas, precisas, por que a decisão recorrida padece dos vícios imputados, para que o tribunal de recurso reflicta a decisão recorrida em ordem a sobre ela poder emitir um juiz de censura conducente à sua nulidade, no caso, sendo que quando o mesmo se abstém de tentar demonstrar o seu desacerto, com elementos precisos, o recuso tem, necessariamente, de improceder, na falta também, de questão de conhecimento oficioso, como no caso, como constitui jurisprudência corrente, designadamente do STA (2).

No caso, não tendo o ora recorrente indicado quais as concretas questões que tenha colocado na sua petição inicial de impugnação judicial e que a sentença recorrida não tenha conhecido, não pode o recurso deixar de improceder, enquanto fundado nessa omissão de pronúncia, sempre se dizendo contudo, que a norma do art.º 95.º, n.º2 do CPTA, enquanto norma privativa da acção administrativa especial, não logra aplicação (subsidiária) na decisão desta impugnação, desde logo por inexistência de lacuna nesta matéria, a qual tem a norma própria, para a impugnação judicial, e que é a do n.º1 do art.º 125.º do CPPT (3).


Improcede assim, a matéria destas duas conclusões do recurso, sendo de não declarar nula a mesma sentença.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o ora recorrente foi objecto de duas acções inspectivas, sendo as segundas sequenciais da primeira mas não um alargamento do seu âmbito, por mor da mesma não ter entregue os documentos solicitados, a qual não excedeu o prazo legalmente fixado, tendo a liquidação impugnada tido lugar enquanto abrigada nestas segundas inspecções e que nenhuma ligação se pode estabelecer entre os valores apurados em sede de retenção na fonte para IRS e para o IRC, como despesas não documentadas, ao abrigo do disposto no art.º 81.º, n.º1 do CIRC.

Para o impugnante e ora recorrente é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal reexaminar a decisão recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação, continuando a pugnar pela existência de uma única inspecção cujo objecto foi alargado, sem fundamentação bastante, sendo que a mesma violou o prazo legal para a sua conclusão e que existe dupla tributação entre o IRS e o IRC da verba de € 156.567,91 e que a mesma verba não reúne os pressupostos para ser tributada autonomamente, como despesa confidencial.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 63.º, n.º1, da LGT, os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente, sendo que o procedimento de inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, seu n.º3.

Tal norma relativa às inspecções tributárias veio a ser complementada pelo regulamentação atinente, introduzida pelo Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, por cujo art.º 1.º aprovou o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (doravante RCPIT), sendo que quanto aos fins o procedimento de inspecção pode ser de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários – alínea a) do n.º1 do seu art.º 12.º; e, ou de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida – sua alínea b), sendo que quanto ao lugar da sua realização pode ser externa ou interna, sendo que é de qualificar nesta última categoria, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos [incluindo o cruzamento de elementos, cfr. n.º4, alínea a) do art.º 46.º, 50.º, n.º1, alínea a) e alínea a) do n.º1 do art.º 13.º do mesmo RCPIT].

No caso, como desde logo se pode colher do respectivo procedimento de inspecção que a determina, relativa a estes exercícios de 2005 a 2008 – DI200900044, de 17-2-2009 – cuja cópia consta fls. 31 destes autos, o mesmo foi qualificado pela AT como de interno, nela sendo invocada a norma do art.º 46.º, n.ºs 4 e 5 do RCPIT, para «recolha de elementos contabilísticos referentes aos custos com pessoal nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008», sendo que tal procedimento destinado a consulta, recolha e cruzamento de elementos, controlo de bens em circulação e o controlo dos sujeitos passivos não registados, a ter lugar exclusivamente nos serviços da AT através da análise formal e de coerência de documentos, não carece de ordem de serviço para o efeito e quanto ao respectivo lugar, é de qualificar o mesmo de interno, nos termos do disposto nos art.ºs 13.º, alínea a) e 46.º, n.ºs 4 e 5 do mesmo RCPIT, como bem a qualificou a AT e se fundamentou na sentença recorrida, que não de externo como pretende o ora recorrente.

Por falta da colaboração solicitada através daquela DI200900044, como ressalta da matéria constante das alíneas b) e c) do probatório, decidiu, então, a AT, proceder a uma inspecção externa à mesma ora recorrente, tendo para o efeito emitido a OI200900011, de 23-3-2009, quanto ao exercício de 2005 e a OI200900010, de 23-3-2009, quanto aos exercícios de 2006 a 2008, tendo em consequência, sido elaborados os respectivos exames à escrita, como se não coloca em causa, donde resultaram as liquidações ora impugnadas.

Assim, contrariamente ao invocado pelo ora recorrente, tais inspecções externas, suportadas por tais ordens de serviço, não constituem a continuação do procedimento interno anteriormente iniciado, ainda que possa ter tido como motivação imediata o não alcançar dos objectivos que pelo mesmo se visava obter, quando a AT o não iniciou ao seu arrimo e nem se vê que a lei restrinja a existência deste na sequência de procedimento incumprido por parte do sujeito passivo, que não forneceu os elementos solicitados, ao arrepio do que dispõem as normas dos art.ºs 31.º, n.º2 da LGT, 9.º do RCPIT e 48.º do CPPT, desta forma se não alcançando como poderia existir violação do princípio da proporcionalidade por banda da AT ao ter, nestas circunstâncias, iniciado tais procedimentos de inspecção externa, aos referidos exercícios, sendo certo que a lei apenas proíbe a existência de mais de um procedimento de inspecção externa, quanto ao mesmo sujeito passivo, período e de imposto e imposto em si – cfr. n.º3 do art.º 63.º da LGT – que não seja fundado em factos novos, mas não que, na sequência de um acção de inspecção interna possa iniciar uma outra de cariz externa, que tanto mais se justificava no caso, por falta do dever de cooperação em fornecer à AT os elementos que a mesma lhe solicitou e se os tivesse fornecido, poderiam, eventualmente, nem serem necessárias as inspecções externas aos mesmos exercícios.

No caso, tendo as ordens para tais inspecções externas sido notificadas ao ora recorrente em 26-3-2009 e 5-6-2009, respectivamente e notificado dos respectivos relatórios da inspecção tributária em 22-9-2009 e 6-11-2009, é manifesto que não foi excedido o prazo máximo do procedimento de inspecção de seis meses, previsto no art.º 36.º, n.º2 do RCPIT, já que a notificação de tal relatório é posterior à data em que procedimento se considera concluído, nos termos do disposto nos art.ºs 60.º, 61.º e 62.º do mesmo RCPIT, desta forma improcedendo a matéria das conclusões I) a XI das suas alegações recursivas.

Na matéria das suas conclusões XII a XIV insurge-se o recorrente com a sentença recorrida por a mesma não ter julgado que a verba de € 156.567,91 fora tributada duplamente, em IRS e IRC, que como tal seria a mesma ilegal (ao que se presume, já que expressamente o não invoca).

Tal verba, como resulta da matéria constante do probatório da sentença recorrida reporta-se ou veio na sequência do atendimento na citada reclamação graciosa do montante de € 106.722,68, da verba total de € 263.290,59, desconsiderada como custo fiscal e tributada autonomamente como despesas confidenciais, por se desconhecer quem eram os respectivos beneficiários como se pode colher do mesmo relatório do exame à escrita, de fls 31 e segs do respectivo PA.

Já quanto ao IRS retido e não entregue nos cofres do Estado, tratou-se de imposto retido e não entregue, de acordo com as guias processadas pelo mesmo e falta de retenção que originou o pagamento de juros compensatórios, dos exercícios de 2005 a 2008, como dos mesmos relatórios se pode colher, nada tendo que ver estas verbas com as relativas à tributação autónoma, ou pelo menos não existe qualquer directa ligação entre uma e outra tributação dessas matérias colectáveis, quer em valores, quer em fundamentação para o efeito, como bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, sendo também irrelevante que a AT pudesse não ter alegado qualquer incorrecção no cálculo aritmético do impugnante, como o mesmo veio a invocar na matéria da sua conclusão XIV, por tal falta não representar a confissão dos factos articulados pelo impugnante, nos termos do disposto no art.º 110.º, n.º 6 do CPPT, sendo de resto, não verdade, que a AT não tenha contestado tal matéria articulada pelo ora recorrente, como dos art.ºs 28.º e segs da sua contestação se pode colher (fls 176 e segs dos autos), e sendo que o fez mesmo com alguma desenvoltura, não podendo deixar de improceder a matéria atinente a tal invocada dupla tributação (ilegal).

Quanto à tributação autónoma, a mesma teve lugar porque existe impossibilidade de identificar os beneficiários dos rendimentos que foram pagos através de cheques ao portador, levantamentos e transferências bancárias, que notificado o sujeito passivo para apresentar os documentos de suporte das despesas que justificam tais verbas, não o veio fazer, como dos mesmos relatórios se pode colher, sendo que do probatório fixado na sentença recorrida nenhuma prova consta fixada a tal respeito e nem o recorrente vem pugnar pelo errado julgamento dessa mesma matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 685.º-B do CPC, a qual assim se não pode deixar de manter, já que dos autos também nenhuma outra vimos que, oficiosamente, a permita alterar nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC.

Ora, nos termos do disposto nos art.ºs 42.º, n.º1, alínea g) do CIRC, não são dedutíveis para efeitos fiscais os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial, sendo que estas são ainda, nos exercícios em causa, objecto de tributação autónoma, nos termos do disposto no art.º 81.º do mesmo Código, sendo que no caso as mesmas não foram documentadas com os respectivos documentos de suporte e também, só pelos lançamentos em causa não era possível conhecer quem foram os seus reais beneficiários, bem tendo, pois, sido efectuada a correspondente liquidação, como igualmente bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida.

Tal figura da tributação autónoma veio a ser perfeitamente pormenorizada nos seus contornos, por via jurisprudencial, entre eles figurando o acórdão do STA de 18-2-2009, proferido no recurso n.º 600/08, do Pleno da Secção do STA, onde se reserva tal tributação autónoma, apenas para os casos, em que seja desconhecido o destino dado aos respectivos montantes, quem sejam os seus reais beneficiários, como no presente caso, doutrina que também tem sido seguida por este TCAS, nas decisões proferidas sobre tal matéria (4) e que também por nós tem sido seguida, como seguiremos no presente caso, já que nenhum argumento foi avançado ou se nos suscite, que nos levem a rejeitá-la.


Também quanto ao pedido ora formulado a final das suas conclusões recursivas, de os autos baixarem à 1.ª Instância para serem instruídos como os elementos de prova atinentes a identificar os destinatários de tais despesas confidenciais em que houve lugar a tributação autónoma, não pode o mesmo ser acolhido, desde logo por o ora recorrente no âmbito dos mesmos procedimentos dessas inspecções já ter sido notificado para o fazer sem que lhe tivesse dado cumprimento e nem tivesse vindo justificar porque o não fez, para além de que, no âmbito tributário e no processo de impugnação judicial em que nos encontramos, desde logo, cabia ao mesmo, com a sua petição inicial, ter vindo a juntar os documentos pertinentes para o efeito, arrolar testemunhas, ou requerer a produção de quaisquer outras provas – cfr. art.º 108.º, n.º3 do CPT – o que não fez, tendo apenas vindo juntar aos autos os documentos de fls 31 a 171, relativos aos actos de liquidação, que em nada contribuíram para tal fim, mal se percebendo que agora, em sede de recurso, pretenda o recorrente que agora é que os autos baixem para serem instruídos com elementos que há muito poderia/deveria ter trazido aos autos, como em primeira linha lhe cabia, tendo em vista fundamentar o seu pedido, do direito à anulação das quantias em causa – cfr. art.º 108.º, n.º1 do mesmo CPPT.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 10 de Julho de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro

(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(2) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos de 16-12-2010 e de 25-1-2012, proferidos nos recursos n.ºs 83/10 e 729/11, respectivamente.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 13-10-2010, recurso n.º 218/10.
(4) Cfr. neste mesmo sentido os acórdãos deste TCAS de 25-3-2003, de 15-6-2005 e de 24-4-2007, recursos n.ºs 7236/02, 563/05 e 1611/07, respectivamente, tendo aqueles dois primeiros como relator o do presente.