Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:102/18.7BELSB
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:EXCEPÇÕES DA LITISPÊNDENCIA E DO CASO JULGADO.
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA. REQUISITOS.
Sumário:I - Para que se possa estar perante a repetição de uma causa é necessário que – cumulativamente – se verifiquem os três seguintes requisitos (artigo 580.º, n.º 1 do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1.º do CPTA):
i)Identidade de sujeitos, isto é as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
ii)Identidade dos pedidos, isto é, quando numa outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
iii)Identidade da causa de pedir, isto é , quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

II - Não se verificando cumulativamente, quer quanto aos processos de 2005, quer quanto aos processos de 2017, uma identidade de sujeitos, de pedido, e, muito menos, de causa de pedir, não se está perante uma repetição da causa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 581.º do CPC, não se verificando qualquer excepção de caso julgado ou de litispendência.

III - A preterição da audiência prévia é manifestamente excessiva e desadequada face ao objectivo a atingir (encerramento da farmácia e cassação do alvará) e, como tal, afronta o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 7.º do CPA, sobretudo quando da não execução imediata do acto suspendendo não resulta perigo para a saúde e interesses públicos.

IV - Os prejuízos resultantes do exercício de uma actividade ou de perda de clientela são, em regra, de difícil ou impossível reparação.

V - Não se vislumbra, de forma evidente ou manifesta, qualquer concreto interesse público a ponderar, sobretudo um interesse cuja afectação se mostre superior aquele que atinge o interesse das Requerentes caso seja recusada a providência, o que determinará o encerramento imediato da farmácia, com a quebra da sua exploração comercial, da clientela e dos vínculos contratuais existentes.
Há, consequentemente, que julgar verificada a inexistência de lesão para o interesse público, prevalecendo, pois, o interesse das Requerentes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

O INFARMED, IP, inconformado com a sentença do TAC de Lisboa, de 10 de Abril de 2018, que julgou procedente a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto do seu Conselho Directivo, datado de 21 de Novembro de 2017, que declarou a caducidade do alvará da Farmácia G. e encerramento da mesma, veio interpor o presente recurso jurisdicional para este TCAS e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

1.ª O douto Tribunal a quo errou ao não julgar procedentes as exceções de litispendência e caso julgado requeridas pelo INFARMED.

2.ª A exceção de litispendência é evidente, considerando que neste momento corre termos, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, respectivamente com os n.ºs 565/17.8BECTB e 561/17.5BECTB, providência cautelar de suspensão e ação administrativa de impugnação do ato suspendendo nos presentes autos.

3.ª Ou seja, há neste momento o risco de dois Tribunais Administrativos e fiscais se pronunciarem contraditoriamente relativamente ao mesmo ato.

4.ª Por outro lado é evidente a exceção do caso julgado, porquanto o pedido em causa nos presentes autos é o mesmo do pedido efectuado no processo n.º 595/05.2BECTB, já que isto porque, o ato ora suspendendo +e um mero ato de execução do ato administrativo que esteve sob análise no processo n.º 595/05.2BECTB.

5.ª Isto porque, o ato suspendendo é um mero ato de execução do ato impugnado no processo n.º 595/05.2BECTB, já que a decisão de caducidade do alvará da Farmácia G. já estava tomada no ato notificado em 16.11.2005, estando apenas dependente da condição de não ser feita prova do trespasse da referida farmácia a um farmacêutico, nos dez dias úteis seguintes à notificação do ato inicial.

6.ª O Tribunal a quo deveria ter julgado não verificado o requisito do fumus boni iuris, já que o ato suspendendo não padece do vício de preterição de audiência prévia.

7.ª Isto porque, para além de a Primeira Recorrida ter tido ao longo dos anos várias oportunidades para se pronunciar quanto à caducidade do alvará da Farmácia G., o ato ora em causa é um mero ato de execução que visa repor a legalidade.

8.ª Acresce que, mesmo que o INFARMED tivesse notificado a Primeira Recorrida para se pronunciar em sede de audiência prévia, isso não teria mudado a decisão final, tendo em conta que a mesma não foi capaz, nos dez dias conferidos pelo INFARMED, de apresentar prova de trespasse da farmácia ora em causa a favor de farmacêutico.
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9.ª O douto Tribunal a quo também andou mal ao julgar verificado o periculum in mora já que não considerou todos os factos relevantes para o efeito.

10.ª Efetivamente, dada a incúria das Recorridas em não apresentar tempestivamente prova de trespasse da Farmácia G. a favor do farmacêutico, não podia o Tribunal a quo considerar como causa dos danos decorrentes do encerramento da referida farmácia a improcedência desta acção cautelar, mas sim a falta de diligência das Recorridas.

11.ª Os interesses do INFARMED nos presentes autos são a defesa da legalidade, enquanto que o das Recorridas é continuar a beneficiar de uma situação ilegal que dura há quase 40 anos.

12.ª Pelo que é evidente a superioridade dos interesses do INFARMED nos presentes autos.”

As ora Recorridas contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – DA FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida , a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do CPC.

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III – DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto do Conselho Directivo do INFARMED IP., datado de 21 de Novembro de 2017, que declarou a caducidade do alvará da farmácia G. e encerramento da mesma.

As conclusões das alegações definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração – cfr. artigos 635º nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA.

Desde logo, nas conclusões 1) a 5) da sua alegação, o Recorrente INFARMED sustenta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter considerado não verificadas as excepções de litispendência e de caso julgado, apenas por entender que existe identidade do pedido entre os processos em causa.
Em síntese, alega o Recorrente que corre termos uma providência cautelar (Proc. n.º 561/17.5 BECTB) e uma acção administrativa (Proc. n.º 565/17.8 BECTB) que têm por base o acto administrativo em causa no presente processo (excepção de litispendência); De igual modo, a questão em discussão nos presentes autos já foi decidida por sentença proferida no Proc. n.º 565/05.2 BECTB, que não admite recurso ordinário (excepção de caso julgado).

Vejamos se assim é de entender.
Para que se possa estar perante a repetição de uma causa, é necessário que – cumulativamente – se verifiquem os três seguintes requisitos (artigo 580.º, n.º 1 do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1.º do CPTA):
i) Identidade de sujeitos, isto é as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
ii) Identidade dos pedidos, isto é, quando numa outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
iii) Identidade da causa de pedir, isto é , quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

Em primeiro lugar, quanto á existência de identidade de sujeitos.
Sobressai à evidência, que as ora Recorridas nunca figuraram como partes nos processos de 2005 e 2017 e, em particular, nunca a segunda Recorrida figurou naqueles processos na qualidade em que se apresenta nos presentes autos, trespassária da Farmácia G. (cfr. factos G), H), U) e W) do probatório).
Daí que a sentença recorrida tenha concluído, e bem, que “não existe assim identidade de sujeitos entre as ações que correram e correm termos no TAF de Castelo Branco e os presentes autos, o que só por si determina que não possam considerar-se verificadas as exceções de litispendência e caso julgado.”
Em segundo lugar, quanto à alegada existência de identidade de pedidos, a sentença recorrida pronunciou-se em sentido contrário, nos termos que se passam a transcrever:
“ (…) não é coincidente com os pedidos deduzidos nos processos nºs 595/05.2 BECTB, onde foi requerida a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo correspondente à deliberação do INFARMED de 27/09/2005 e nº 555/05.3 BECTB, no qual foi pedida a suspensão da eficácia deste ato ( G e I do probatório).
Não podemos concordar com a Entidade Requerida quando afirma que o ato suspendendo é um mero ato de execução do ato praticado em 27/09/2005.
O ato de 2005 consistiu numa interpelação para cumprimento do dever /ónus do notificando de proceder ao trespasse da farmácia G. no prazo de dez dias úteis, sob pena de caducidade do alvará e consequente cassação do mesmo e encerramento imediato da farmácia (F do probatório).
Quer isto dizer, sob pena de vir a ser declarada a caducidade do alvará da dita farmácia.
Cumpre, aliás, atender ao facto que o ato em causa assentou sobre informação dos serviços onde eram propostas duas soluções, em alternativa, “a) Declarar a caducidade do alvará e proceder-se ao encerramento da Farmácia; ou b) reiterar a notificação para a regularização pela via do trespasse a favor do farmacêutico, sob pena de encerramento” (D do probatório).
Foi decidido escolher a segunda solução proposta, ou seja, notificar para cumprimento, no sentido de interpelar para o cumprimento em vez de declarar a caducidade.
Ao contrário, o ato suspendendo, consistiu num “Aprovado nos termos propostos”, aposto sobre informação dos serviços em que se propôs à consideração superior declarar a caducidade do alvará (Q do probatório).
Assim resulta da própria fundamentação expressa de ambos os atos, que apenas o segundo acto, o prolatado em 2017, procedeu à declaração de caducidade do alvará da farmácia G.
Esta fundamentação está, de resto, de acordo com o regime que resulta da Lei 2125, no sentido de que a caducidade dos alvarás não opera ope legis mas carece de ser declarada, como defende aliás, como bem referem os requerentes, LEBRE DE FREITAS em “Caducidade de Alvará de Farmácia e Penhora de Estabelecimento Farmacêutico Licenciado” in THEMIS, nº 13, 2016, pag. 315.
Neste contexto, a interpretação racional dos preceitos da Lei 2125 leva a concluir que a caducidade não opera automaticamente, carecendo de ser declarada pela entidade administrativa competente como último recurso perante a persistente inércia do proprietário não farmacêutico em regularizar a situação.
Assim se conclui que os pedidos deduzidos nos Processos nºs 595/05.2 BECTB e 555/05.3 BECTB não são os mesmos que o deduzido na presente acção.”
Aderimos à argumentação expendida na sentença recorrida na medida em que resulta evidente que os pedidos são diferentes no processo de 2005 e nos presentes autos, pois embora em ambos se pretenda a anulação de um acto administrativo, os actos cuja anulação concreta se pretende são distintos em ambos os processos: assentam em factos jurídicos distintos e visam produzir efeitos jurídicos também eles distintos. Ou seja, o pedido de anulação do acto praticado em 16.11.2005 visava anular os efeitos decorrentes da interpelação que aquele acto consubstanciava, ao passo que o pedido deduzido na presente providência visa paralisar os efeitos extintivos do acto de 21.11.2017, mormente os efeitos decorrentes da caducidade do alvará.
Finalmente, quanto á alegada existência de identidade da causa de pedir, o Tribunal a quo pronunciou-se também em sentido contrário, ou seja, que os factos jurídicos invocados na presente acção e os factos jurídicos invocados nos processos de 2005 e 2017 não são idênticos, com os fundamentos que se transcrevem e a cuja argumentação aderimos:
“ Nas ações intentadas em 2005, foram causas de pedir deduzidas a desconsideração da qualidade de estudante de licenciatura em Farmácia do autor J. M. M. G., a escolha do quadro legal aplicável como sendo a Lei 2125 e a violação de normas e princípios da concorrência, nacionais e comunitários (J do probatório).
Nas ações intentadas em 2017, continuou a ser causa de pedir o quadro legal aplicável tendo sido igualmente invocada a dispensa ilegal de audiência prévia ( V e X do probatório).
Na presente acção, os vícios imputados ao ato suspendendo são, para além da dispensa ilegal de audiência prévia, a desconsideração do contrato de trespasse efetuado entre as Requerentes em 14/05/2017, que inquina o ato de erro sobre os pressupostos de facto,.
Resulta assim claro que as causas de pedir entre as ações pretéritas e a ação dos autos não apresentam identidade (…)”
Por conseguinte, não se verificando cumulativamente, quer quanto aos processos de 2005, quer quanto aos processos de 2017, uma identidade de sujeitos, de pedido, e, muito menos, de causa de pedir, não se está perante uma repetição da causa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 581.º do CPC, não se verificando qualquer excepção de caso julgado ou de litispendência.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões 1) a 5) da alegação do Recorrente .

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Nas conclusões 6ª a 8ª da sua alegação, o Recorrente insurge-se contra o facto de o Tribunal a quo ter julgado verificado, o requisito do fumus boni iuris por considerar numa análise perfunctória, que o acto suspendendo está viciado por preterição de audiência prévia.
Transcrevem-se os fundamentos da sentença:
“ (…) O INFARMED justificou a preterição de audiência de interessados, como decorre de fundamentação expressa do ato suspendendo, com o facto de estar a executar um ato considerado válido por decisão judicial transitada em julgado e por ser urgente a sua execução que esteve parada 12 anos em virtude da suspensão da eficácia decretada (Q do probatório).
Já nos pronunciámos supra no sentido de que o ato suspendendo não é um mero acto de execução do acto de 2005, pois só o ato de 2017 tem efeito constitutivo da caducidade do alvará e da decisão de encerramento da farmácia G., remetendo para o que antes ficou dito a este propósito (…)
Assim, a fundamentação do ato que assentou a dispensa da audiência do interessado no facto de estar a executar um ato considerado válido por decisão judicial, retirando a urgência execução da delonga dessa decisão judicial, não pode proceder.
Acresce que o ato suspendendo tem consequências graves, por implicar a declaração de caducidade do alvará da farmácia e o seu imediato encerramento. Tem assim consequências relevantes a nível jurídico, mas também no plano dos factos como também já ficou dito a propósito do periculum ni mora.
Diremos que estamos perante um caso em que a audiência de interessados era essencial, porque permitia à entidade demandada ter tomado conhecimento das vicissitudes que resultam do probatório, designadamente do trespasse efetuado entre as Requerentes.
Desta forma poderia ter, nessa sede, levantado as questões que ora alega na contestação, sobre a validade desse negócio e sobre as invocadas incapacidades conjugais, questões , diga-se que não serviram de fundamento do ato suspendendo e agora surgem como fundamentação a posteriori.
Por outro lado, na mesma audiência teria a primeira Requerente tido oportunidade de esgrimir os seus argumentos em defesa do trespasse efetuado.
Assim. estaria a Entidade Requerida na posse de elementos necessários para ponderar devidamente a totalidade dos factos, decidindo depois se mantinha o ato previsto ou se proferiria ato com conteúdo contrário.
Pelo que se impunha, com base no juízo perfunctório que aqui cabe fazer, a audiência de interessados da primeira Requerente, assim se dando cumprimento ao princípio da participação dos interessados nas decisões administrativas que lhes digam respeito, previsto no artigo 267.º, n.º 1 da CRP e no artigo 121.º do CPA.
Pelas razões supra expostas e atenta a provável procedência do vício apontado ao ato suspendendo, é assim provável que a acção principal venha a ser julgada procedente.
Tal basta para que se decida verificado o pressuposto do fumus boni iuris”.
Não merece qualquer censura o assim decidido, sendo ainda de referir que a preterição da audiência prévia sempre seria manifestamente excessiva e desadequada face ao objectivo a atingir (encerramento da farmácia e cassação do alvará) e, como tal, afrontaria o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 7.º do CPA, sobretudo quando da não execução imediata do acto suspendendo não resultava perigo para a saúde e interesses públicos, como aliás o próprio Recorrente reconhece.
Termos em que improcedem as conclusões 6) a 8) da alegação do Recorrente.

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Nas conclusões 9) e 10) da sua alegação, o Recorrente discorda da ponderação efectuada pelo Tribunal a quo quanto á verificação do requisito do periculum in mora.
A propósito deste requisito a sentença em crise discorreu nos termos que passamos a transcrever:
“ O encerramento imediato da farmácia terá como efeito imediato, desde logo e necessariamente, o fim da exploração comercial da mesma, donde decorre a perda de receitas da exploração que cessa.
Acresce que o encerramento terá como consequência, também necessária, a perda imediata de clientela, pois uma vez a farmácia fechada, aquela terá que se dirigir a outras farmácias.
Ao que ficou exposto acresce, como consequência direta e necessária do conteúdo dispositivo do acto suspendendo, que, encerrada a farmácia, terão que ser cessados os vínculos contratuais existentes, designadamente com trabalhadores e fornecedores, donde decorrerá a necessidade de pagamento de indemnizações.
O mesmo se diga do edifício onde a mesma se encontra instalada que, com o seu encerramento, será previsivelmente afeto a outro fim.
Por outro lado, a actividade de farmácia é fortemente regulada por legislação, desde logo o DL 307/2007, de 31 de Agosto, que impõe regras, designadamente sobre o quadro de instalações (artigo 29.º ) ou a Portaria do Ministro da Saúde 352/2012, de 30 de Outubro, que estabelece no artigo 2.º requisitos para a abertura de farmácias respeitantes a relação com habitantes, distância entre farmácias e distância para equipamentos de saúde (…)
Assim, num juízo de prognose assente na matéria alegada e na experiencia comum, tendo por referência a possibilidade de reintegração natural e específica na esfera jurídica do Requerente, caso a ação principal venha a ser julgada procedente, revela-se justificado o receio de que o encerramento da farmácia, por um período mais ou menos longo, venha a originar prejuízos de difícil reparação, onde se destaca a impossibilidade de reabrir a farmácia.
Desde logo, pode vir a revelar-se impossível esta reabertura, por via das imposições da Portaria do Ministro da Saúde 352/2012, de 30 de Outubro, designadamente, respeitantes à relação entre farmácia e número de habitantes e às distâncias entre farmácias e equipamento de saúde. É possível que estes dados sejam alterados pelo aparecimento de novas farmácias.
Acresce o desvio da actual clientela em causa para outras farmácias, o qual poderá ser impossível de reverter, bem como a dificuldade de cálculo dos proveitos que a mesma deixará de obter até à decisão da causa principal.
Perante o encerramento imediato, afigura-se, assim, efetivamente fundado o receio de que os interesses a acautelar em sede de acção principal – através da anulação do ato – se mostrem de muito difícil ou mesmo impossível reparação, em virtude de a situação não ser já passível de retorno no plano dos factos.
Razões pelas quais se conclui que a execução imediata do ato suspendendo põe em causa a utilidade da sentença a proferir no processo principal, pelo que se considera verificado, nos presentes autos, o requisito do periculum in mora previsto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA”.
Não merece censura o assim decidido, tanto mais que a doutrina e a jurisprudência têm entendido unanimemente que os prejuízos resultantes do exercício de uma actividade ou de perda de clientela são, em regra, de difícil ou impossível reparação (cfr. entre outros, os Acórdãos do TCAS de 10/08/2017, in Proc. nº 2710/16.1 BELSB e do TCAN de 14/03/2014, in Proc. nº 01334/12.7 BEPRT-A)..
Termos em que improcedem as conclusões 9) a 10) da alegação do Recorrente atinentes ao periculum ni mora.

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Finalmente, nas conclusões 11) e 12) da sua alegação o Recorrente sustenta que os interesses do INFARMED nos presentes autos são a defesa da legalidade, na medida em que agiu em defesa e vinculado a esse princípio, pelo que é evidente a superioridade dos interesses por si defendidos nos presentes autos.
O Recorrente limita-se, assim, a alegar que, independentemente dos interesses em causa, agiu em defesa e vinculado ao princípio da legalidade, sem invocar sequer qualquer prejuízo para o interesse público.
E, na verdade não se descortina qualquer prejuízo ou perigo para o interesse e saúde públicos, no caso de concessão da presente providência pois tal concessão implica somente que a Farmácia G. se mantenha em funcionamento nos mesmos moldes em que o vem fazendo, e sem que exista notícia de alguma vez ter ocorrido algum facto que pudesse pôr em risco a saúde pública.
Em suma, não existem quaisquer danos ou prejuízos decorrentes da concessão da providência quer para o interesse público (a farmácia em causa serve a população de Castelo Branco há longos anos) quer para os interesses privados em presença.
Aliás, a sentença recorrida destacou a propósito do referido requisito o seguinte trecho que se passa a transcrever: “ (…) Não se vislumbra, de forma evidente ou manifesta, qualquer concreto interesse público a ponderar, sobretudo um interesse cuja afetação se mostre superior aquele que atinge o interesse das Requerentes caso seja recusada a providencia, o que determinará o encerramento imediato da farmácia, com a quebra da sua exploração comercial, da clientela e dos vínculos contratuais existentes.
Há, consequentemente, que julgar verificada a inexistência de lesão para o interesse público, prevalecendo, pois, o interesse das Requerentes.
Constata-se que os danos que alegadamente resultarão para a entidade requerida do decretamento da providencia são inferiores aos que podem resultar da sua recusa às Requerentes (…)”
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões 11) e 12) da alegação do Recorrente atinentes ao requisito previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.

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Improcedendo, pois, todas as conclusões da alegação do Recorrente, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida que decretou a suspensão da eficácia da deliberação do CD do INFARMED, 21/11/2017, que determinou a caducidade do alvará da Farmácia G. e a sua cessação bem como o encerramento imediato da farmácia.

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IV – DECISÃO

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida, nos termos e para os efeitos sobreditos.

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Custas pelo Recorrente.



Lisboa, 11 de Julho de 2018

( António Vasconcelos)

(Sofia David)

(Nuno Coutinho)