Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 519/05.7BELSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 05/13/2021 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | IRS; PPR; SUBSCRIÇÕES; RETENÇÕES; BENEFICIÁRIOS. |
Sumário: | 1. A reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial do acto impugnado ou a manutenção dos seus efeitos na ordem jurídica (art.º 68/1 CPPT). 2. A decisão de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico não pode manter os actos de liquidação impugnados com diferente e inovadora fundamentação, seja de facto ou de direito. 3. A legalidade do acto de liquidação aprecia-se em razão da sua fundamentação contextual e, sendo de anular por vício de lei, a liquidação não subsiste na ordem jurídica ainda que a fundamentação inovadora expressada nos actos tributários de 2.º grau não mereça qualquer censura, hipótese em que estes últimos serão ainda assim de anular em razão (e apenas) da sua fundamentação autónoma e inovadora. 4. As alterações introduzidas ao art.º 2.º do CIRS pela Lei n.º 39-B/94, de 27/12, não têm natureza interpretativa, nem são de aplicação retroactiva. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por R....... da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que recaiu sobre as liquidações adicionais de IRS n.ºs ....... e ......., no valor de 76.217,19 Euros, referentes, respectivamente, aos anos de 1993 e 1994. O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões: I. A sentença recorrida considerou erradamente que os atos impugnados carecem de fundamentação legal por referir o artigo 2º, nº 3, alínea c) do nº 3 do CIRS, aditada pela LOE 1995, encontrando-se em vigor a redação da norma que continha apenas a alínea c) do nº 3 do artigo 2º cuja redação sofreu uma alteração através da “introdução de uma lista (exemplificativa) de tais regalias e benefícios sujeitos a IRS” (pág. 6 da sentença). II. Contudo, quanto à fundamentação, importa ter em consideração o contexto do ato, sendo ainda de salientar a importância de verificar no próprio contexto concreto se afinal o objetivo da fundamentação não foi cumprido, nomeadamente porque o interessado revelou que apreendeu perfeitamente os motivos de facto e os motivos de direito que originaram a emissão do ato tributário impugnado. III. No caso concreto verifica-se que o sujeito passivo manifestou a sua discordância relativamente à tributação do valor correspondente aos PPR’s por considerar que os mesmos não cabiam na previsão da norma de incidência do CIRS, discutindo as normas em questão. IV. A suficiência da fundamentação decorre do facto de o sujeito passivo ter logrado compreender os motivos de facto que originaram o ato tributário (pagamento dos PPR pela entidade patronal) e os motivos de direito (a norma de incidência de IRS), sendo irrelevante para efeitos da suficiência da fundamentação, discutir se a previsão da norma abrange ou não os factos concretos porquanto essa é questão diversa que nos ocupará de seguida. V. Não pode confundir-se o vício da suficiência da fundamentação com a existência ou não de facto tributário ou de norma de incidência. VI. A douta sentença incorre assim em erro de julgamento considerando que o ato carece de fundamentação quando na realidade o sujeito passivo apreendeu a fundamentação de facto e de direito, discando da tributação. VII. Relativamente à questão da aplicabilidade retroativa da nova redação dada pela LOE 1995 à alíneac) do nº 3 do artigo 2º, considerou a douta sentença que a redação dada pelo DL 215/89 continha conceitos indeterminados que tornavam “questionável a sua admissão como norma de incidência”, nomeadamente por não explicar o que era benefício ou regalia, nem como seriam tributados os rendimentos, concluindo assim que a nova redação não tem natureza interpretativa VIII. Contudo, não se vislumbra qualquer indefinição quanto à identificação do rendimento nem quanto à sua quantificação. Com efeito, a norma de incidência na redação em vigor à data era simples, direta e concisa nem oferecendo qualquer dúvida quanto à sujeição a IRS relativamente às quantias pagas pela entidade patronal em benefício do impugnante. IX. Aplicar os factos à norma de incidência era simples: a entidade patronal subscreveu um PPR do qual é beneficiário um trabalhador (ora impugnante) tendo pago um montante perfeitamente quantificável e quantificado, não se suscitando quaisquer dúvidas quanto à existência de um benefício para o trabalhador que é inerente à sua qualidade de trabalhador/adminstrador da A….., Aeroportos. X. A redação subsequente da norma dada pela LOE de 1995 veio clarificar a norma do artigo 2º do CIRS. A natureza interpretativa não tem de resultar obrigatoriamente de forma expressa da norma, podendo esta resultar quer do contexto da sua aprovação, quer da sua interpretação lógica XI. No caso concreto, verificamos que o próprio legislador esclareceu o propósito da alteração, como resulta de forma clara do relatório geral do Orçamento de Estado para 1995, publicado no Diário da Assembleia da República, II Séria-A, número 1, páginas 2(503) e 2(504). XII. Se dúvidas houvesse quanto à intenção do legislador, estas não poderiam estar mais explícitas no citado relatório, quer no subtítulo “clarificação das regras de tributação das vantagens em espécie”, quer na parte final da frase do primeiro parágrafo: “dando concretização ao que já consta da lei a este respeito.” (os sublinhados são nossos). XIII. O elemento histórico da interpretação e a motivação do legislador revelam assim de forma inequívoca a natureza interpretativa da nova redação da alínea c) do nº 3 do artigo 2º do CIRS. XIV. Em suma, a subscrição de PPR pela A….., Aeroportos em benefício do seu trabalhador/administrador mediante o pagamento de importâncias perfeitamente quantificadas constitui um benefício sujeito a tributação como rendimento da categoria, em face de qualquer uma das redações da norma. XV. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto nos artigos 2º, nº 3, alínea c), nº 3 do Código do IRS, em conjugação com a redação anterior do mesmo artigo 2º do CIRS, bem como o disposto no artigo 77º da LGT. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.». *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual: « Com relevo para a decisão da causa, dão-se como provados os factos a seguir indicados: 1) O Impugnante foi administrador da sociedade “A….. – Aeroportos e Navegação Aérea, E.P.” (acordo); 2) A sociedade subscreveu Planos Poupança Reforma – “PPR – 5 Estrelas” – em que eram beneficiários os seus administradores (cfr. fls. 11 do PA); 3) A referida sociedade foi objecto de uma acção de inspecção, com origem na ordem de serviço nº 25.869, de 10.03.98, com âmbito parcial – IRS dos anos de 1993 e 1994 (cfr. fls. 12 do PAT); 4) Do relatório de inspecção resulta, na parte com interesse para a decisão da causa: “3. Valores de Rendimento IRS/Categoria A a acrescer e Descrição sumária da sua Natureza: Ano de 1993 – Esc. 5.734.120.00 – relativo a PPR – ……., SA (…) 5. FUNDAMENTAÇÃO das Correcções Tributárias (…): 13 As importâncias despendidas pela “A….” sob forma de PPR (PPR –……….., SA) configuram-se, nos termos do nº 3 da alínea c) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, como sendo rendimento de trabalho dependente (categoria A), do respectivo beneficiário/Gestor, neste caso o contribuinte de NIF .......; 1994 – 19.870.091 1995 – 3.236.903, com IRS retido de Esc. 582.640. Somente aos anos de 1993 e 1994 se poderia proceder à liquidação adicional correspondente em sede de CIRS, dado ter-se verificado a caducidade dos anos de 1990 e 1991, e relativo ao ano de 1995 o contribuinte ter dado prova de inclusão daqueles valores na declaração mod. 2/IRS/95. (…) a) Em face dos elementos identificados, das diligências efectuadas e da fundamentação atrás referida, Concluímos ser de proceder à Correcção dos Rendimentos Declarados pelo Contribuinte em de CIRS conforme declarações tempestivamente entregues, e cuja evidência e valores se recolheram nos serviços informáticos da DGCI, procedendo-se à Liquidação Adicional com a elaboração do(s) “Documentos de Correcção DC2 e correspondente Anexo A”, resultando: 5) Em 17.09.1998, foi emitida a liquidação adicional de IRS nº ......., por referência ao ano de 1993, com valor a pagar no montante de Esc 3.805.053 (equivalente a € 18.979,53) e com data limite de pagamento a 02.12.1998 (cfr. fls. 8 do PAT); * Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa. * Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na posição assumida pelas partes, na prova documental junta aos autos, não impugnada, bem como no processo administrativo tributário em apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.». III. B) DE DIREITO Antes de mais, impõe-se fazer uma recensão dos factos com base nos elementos dos autos e do probatório. Na sequência de uma acção de inspecção a que foi sujeita a A…… – Aeroportos e Navegação Aérea, E.P., constatou-se que a empresa suportava contribuições relativas à subscrição de Planos Poupança Reforma (PPR) de que eram beneficiários administradores seus, nomeadamente, o impugnante e ora recorrido. Tais contribuições foram consideradas pela Administração tributária como rendimentos do beneficiário, impugnante e ora recorrido, e efectuadas as correspondentes correcções aos rendimentos declarados da categoria A para os anos em causa de 1993 e 1994, nos montantes respectivos de 19.382.286$00 e 33.583.381$00, que originaram as liquidações adicionais de IRS referentes àqueles mesmos anos de 1993 e 1994 n.ºs ......., de 17/09/1998 e ......., de 09/10/1998, das quais resultou imposto a pagar nos montantes de 3.805.053$00 e 11.475.119$00, respectivamente. No documento de correcção DC2 em que é proposta a alteração aos rendimentos do impugnante da categoria A, dos anos de 1993 e 1994, é avançada a seguinte fundamentação de direito: «Tal configura, nos termos do n. 3, c) do n. 3 do art.º 2.º do CIRS, rendimento do trabalho dependente, cat. A.» (cf. 116 e 121 do apenso administrativo e ponto 4 do probatório). Na reclamação graciosa apresentada dos actos de liquidação, o impugnante aduzia, entre o mais, que aquela fundamentação de direito era ilegal, já que se invocava uma norma inexistente, porquanto à época dos factos (1993 e 1994), não existia nenhum n.º3 da alínea c) do n.º3, do art.º 2.º, do CIRS; à época, o art.º 2.º, continha um n.º3, que por sua vez se desdobrava em oito alíneas – a) e h), mais acrescentando, que a alínea c), do n.º3, do art.º 2.º, não continha nenhum n.º 3 – justamente a norma erroneamente invocada na fundamentação dos actos. Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, depois de afirmar a irretroactividade da lei fiscal, a AT veio avançar com a seguinte fundamentação: a norma apontada nos actos de liquidação, que só viria a ser introduzida no Código do IRS pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro – n.º 3 da alínea c) do n.º 3 do art.º 2.º do Código do IRS – consubstancia um mero erro ou lapso de escrita, sendo que, as contribuições da empresa para Planos Poupança Reforma de que eram beneficiários administradores seus já antes de 1995 e das alterações da Lei n.º 39-B/94, estavam sujeitas a IRS como rendimentos dos respectivos beneficiários, nos termos do que à época dispunha a alínea c) do n.º3 do art.º 2.º do Código do IRS. Esta posição foi acolhida, com reforçados argumentos, na decisão de 16/06/2005, que viria a negar provimento ao recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa (vd. pontos 13 e seguintes da informação para que remete a decisão, a fls. 34/42 do apenso administrativo). Pois bem, face à divergente fundamentação constante dos actos de liquidação por um lado e das decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico, por outro, importará indagar qual deverá ser a prevalecente e, se face à fundamentação tida por prevalecente, o acto estará, ou não, inquinado de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito. Como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que destacamos o seu recente acórdão de 02/12/2020, tirado no proc.º 01661/14.9BEPRT, «A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas. A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será, pois, o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação. Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. No que concerne à decisão do procedimento tributário dispõe o artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária dispõe que deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Por sua vez, no que se refere aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.» (fim de citação). É, pois, inquestionável que o acto tributário deverá integrar na sua fundamentação, para além de outros elementos essenciais, as disposições legais aplicáveis. Ora, a disposição legal aplicável convocada na prática dos actos de liquidação foi o “n. 3, c) do n. 3 do art.º 2.º do CIRS”, norma que, à época dos factos (1993 e 1994) não existia, tendo sido introduzida no CIRS com o Orçamento de Estado para 1995, através do art.º 25.º, n.º 3, da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro. Na decisão de reclamação graciosa, pretende a AT que a indicação daquela norma se deveu a mero erro ou lapso de escrita e que a redacção do CIRS anterior a 1995 já previa a tributação das contribuições relativas a Planos Poupança Reforma subscritos pela empresa como rendimentos dos beneficiários. Será assim? À data, dispunha o art.º 148.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, sob a epígrafe “Rectificação dos actos administrativos”: «1 - Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto. 2 - A rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, tem efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado». Por outro lado, dispõe o art.º 249.º do Código Civil, aplicável à generalidade dos actos jurídicos por força do seu art.º 295.º, sob a epígrafe “Erro de cálculo ou de escrita”: «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através de circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta». Como resulta da interpretação conjugada daquelas disposições, o erro ou lapso de escrita tem de ser manifesto e revelado no próprio contexto da declaração. Porém, não é isso que se apreende dos documentos pertinentes. Com efeito, não só no relatório de inspecção tributária subsequente à acção inspectiva à empresa se indica na motivação e se repete nas conclusões como disposição aplicável o n. 3, c) do n. 3 do art.º 2.º do CIRS, como no posterior documento de correcção DC2, se repete o mesmo preceito legal (inexistente à época). Nem uma única vez, em actos anteriores ao procedimento de reclamação graciosa se refere a norma à época vigente e que viria a ser convocada, a partir daí, inovadoramente, como fundamento de direito dos actos tributários de liquidação. Nessa medida e sendo certo que a sujeição a IRS, na esfera dos beneficiários, das contribuições para Planos Poupança Reforma subscritas pela empresa, não era pacifica na própria Administração tributária no regime anterior ao introduzido pela Lei n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro, como se alcança do despacho de 00/02/01, do Exmo. Senhor Director de Finanças Adjunto exarado sobre informação dos serviços a fls.34 do apenso administrativo, não podemos deixar de considerar que se tratou de erro na fundamentação (de direito) dos actos de liquidação, que não de mero erro ou lapso de escrita, como pretende a AT na decisão de reclamação graciosa. Como assim, a fundamentação da reclamação graciosa (depois validada no recurso hierárquico) é uma fundamentação própria e inovadora, não se podendo considerar uma fundamentação que careça de autonomia e se integre na fundamentação dos actos de liquidação reclamados, de que passa a fazer parte, como seria o caso nas rectificações. Ora, as decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico visam a manutenção dos efeitos ou a anulação, total ou parcial, do acto impugnado administrativamente, não sendo permitido alterar, naqueles procedimentos de 2.º grau, a fundamentação vertida nos actos impugnados e de que o contribuinte visado, afinal, se defende (artigos 66.º e 68.º, n.º1, do CPPT). Nesta linha de raciocínio, aqui chegados, duas conclusões se impõem: primeira, quer os actos de liquidação, quer os actos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico contêm a fundamentação legal embora divirjam quanto aos fundamentos de direito convocados (ora o regime normativo posterior, ora o regime normativo anterior às alterações introduzidas no CIRS pela Lei n.º 34-B/94, de 27 de Dezembro); segunda, a fundamentação (de direito) dos actos de liquidação é a que deles consta e a fundamentação inovadora dos actos de 2.º grau não pode ser transposta para os actos de liquidação impugnados, integrando-a, o que significa que os eventuais vícios dos actos em razão da fundamentação expressada apenas são susceptíveis de inquinar os actos que a contêm (i.e., de liquidação, ou de reclamação graciosa e recurso hierárquico). Pois bem, secundando o que a sentença refere, a respeito dos rendimentos do trabalho dependente (categoria A) rege o artigo 2º do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 Novembro. A primeira alteração à alínea c) do nº 3 do artigo 2º (aqui em discussão) foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, com entrada em vigor a 01/01/1989, que dispunha: “3. Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…) c) Os benefícios ou regalias auferidos pela prestação ou em razão da prestação do trabalho dependente, com excepção dos abonos de família e das respectivas prestações complementares, na parte em que não excedam os limites legais estabelecidos, bem como os subsídios de refeição até à concorrência do respectivo limite legal acrescido de 50%;
A segunda alteração ao preceito foi introduzida pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 1995), que apenas entrou em vigor a 01/01/1995, com a seguinte redacção (no segmento que importa para os autos): c) Os benefícios ou regalias auferidos pela prestação ou em razão da prestação do trabalho dependente, designadamente: 1) Os abonos de família (…); 2) O subsídio de refeição (…); 3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por este objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade (…); [O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina Flora]. Vital Lopes |