Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13132/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Sumário:I - O pressuposto processual do “interesse em agir” exige a verificação objetiva de um interesse real e actual, isto é, da utilidade na procedência do pedido.

II - Não basta, pois, a existência de legitimidade activa, sendo ainda necessário que a contra-interessada retire da lide alguma vantagem da procedência do pedido. E, efectivamente, a contra-interessada não retira qualquer benefício ou vantagem da anulação do acto de adjudicação praticado pelo Município adjudicante ou da anulação do contrato entretanto celebrado com a ora Recorrente, já que o acto de exclusão da sua proposta é de manter
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

V………… – Sociedade Comercial de Plantas S.A. e o MUNICÍPIO DO MONTIJO, inconformados com a sentença do TAF de Almada de 22 de Janeiro de 2016, que julgou parcialmente procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada por ……………….., Projectos e Construções, Lda., e consequentemente anulou o acto de adjudicação do concurso público internacional nº 43/2014, bem como o sequente contrato de prestação de serviços celebrado entre o Município do Montijo e a V............... – Sociedade Comercial de Plantas S.A , dela vieram interpor recurso jurisdicional para este TCAS e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões (sintetizadas):

Pela Recorrente V............... , SA:

“A. Vem o presente recurso interposto da parte da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a anulação do acto de adjudicação do Concurso à ora Recorrente e anulou o contrato de aquisição de serviços celebrado entre o Município do Montijo e a ora Recorrente.

B. Em primeiro lugar, a parte da sentença objeto do presente recurso incorre em erro de julgamento, já que, apresar de concluir que o acto de exclusão da proposta apresentada pela P……………. não deve ser anulado, pressupõe que esta entidade mantém o interesse processual em agir e aprecia os demais pedidos que a mesma formulou.

C. Com efeito, na parte decisória da sentença, o Tribunal a quo concluiu pela anulação do acto de adjudicação e do contrato entretanto celebrado entre a ora Recorrente e o Município do Montijo “ e, no remanescente, julgo improcedente o que veio pedido pela Autora” (parte da sentença que não é objecto do presente recurso).

D. Ora, se o Tribunal considerou improcedentes o pedido de adjudicação do contrato (expressamente formulado) e o pedido de anulação do acto de exclusão da sua proposta (pedido que o Tribunal a quo entendeu que havia sido implicitamente formulado na petição inicial), afigura-se evidente a falta de interesse em agir da P ……………… relativamente aos demais pedidos que formulou, posto que os mesmos se revelam absolutamente inúteis para a mesma.

E. Com efeito, se a sua proposta não pode ser adjudicada, a P ……………………… não retira qualquer utilidade (i) da anulação do acto de adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente; (ii) ou da anulação do contrato entretanto celebrado com o Município do Montijo.

F. O Tribunal a quo incorreu, pois, em claro erro de julgamento quando pressupôs o interesse da P …………………… em agir e se pronunciou sobre a validade do acto de adjudicação da proposta apresentada pela ora recorrente e sobre a validade do contrato de aquisição de serviços entretanto celebrado com o Município do Montijo.

G. Sem prescindir, facto é que tal parte da sentença sempre padecerá de um conjunto de nulidades.

H. A primeira nulidade é a de excesso de pronúncia.

I. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu pela anulação de todo o procedimento, apesar de a P ……………….. nunca ter formulado tal pedido ( uma parte dos pedidos formulados pressupõe mesmo a validade do procedimento).

J. Ao ocupar-se de algo que não foi solicitado pelas partes – a validade e consequente anulação de todo o procedimento -, o Tribunal a quo conheceu de questões de que não podia conhecer, incorrendo a decisão ora recorrida em nulidade por excesso de pronúncia (art. 95.º, n.º 1 do CPTA e art. 615.º, n.º 1, alíneas d) do CPC aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA).

K. Sem prescindir, a decisão sempre padecerá de uma clara oposição entre os fundamentos e a decisão ou, pelo menos existe uma clara ambiguidade da decisão face aos fundamentos elencados na mesma e, por essa razão, a sentença é nula nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas c) do CPC aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

L. Com efeito, os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo conduzem logicamente a uma conclusão – a anulação de todo o procedimento – que é diferente daquela que consta da decisão: a anulação apenas do acto de adjudicação.

M. Sem prescindir, a parte da sentença ora recorrida é ainda nula por violação do princípio do contraditório.

N. Com efeito, não obstante a P…………………….. ter invocado apenas a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito para pedir a anulação do acto de adjudicação, o Tribunal a quo fundou a anulação de todo o procedimento (pedido que não lhe foi formulado) num alegado vício de violação de lei ( alegada ilegalidade da notificação realizada), que não foi invocado pela P ……………….. , sem conceder à ora Recorrente e ao Município do Montijo a oportunidade de se pronunciar quanto a este fundamento de invalidade.

O. Nos termos do art. 95.º, n.º 2, in fine do CPTA (actual n.º 3), sempre que o Tribunal conhecer de uma causa de invalidade diferente das invocadas, o Tribunal a quo deve ouvir “ as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”.

P. Como a ora Recorrente e o Município do Montijo nunca tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a alegada ilegalidade da notificação realizada, dúvidas não restam de que a parte da sentença ora recorrida é nula nos termos do art. 195.º do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA ( a este propósito cfr. acórdão do TCAS, de 06/11/2014, proc. n.º 11516/14).

Q. Ainda que se entenda que a parte da sentença ora recorrida não padece de qualquer nulidade, o que por mera hipótese académica se admite, facto é que o acto de exclusão da proposta apresentada pela P ……………….. não padece de qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

R. Com efeito, a proposta apresentada pela P ……………………. foi excluída porque não foram apresentados todos os documentos exigidos pelas peças do procedimento.

S. Atenta a matéria de facto provada, a P ………………. não podia desconhecer, sem culpa, a obrigatoriedade de juntar à sua proposta os referidos documentos.

T. Pelo que, o acto de exclusão da proposta apresentada pela P …………………. não padece de qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

U. Se a proposta apresentada pela P ………………….. não poderia deixar de ser excluída, ou melhor, se o acto de exclusão da referida proposta não deve ser anulado (impossibilitando que a mesma possa vir a ser adjudicada), afigura-se evidente a falta de interesse em agira da P ……………….. relativamente aos demais pedidos que formulou, já que os mesmos se revelam absolutamente inúteis para a P …………………….

V. Sem prescindir, o Tribunal a quo incorreu, ainda, nos seguintes erros de julgamento de direito: (i) errada aplicação do disposto nos arts. 146.º, n.º 2, alínea i) e 62.º, n.º 4 do CCP; (iii) e incorrecta aplicação do disposto no art. 283.º, n.º 4 do CCP.

W. Ainda que se entenda que, face à inexistência de um erro nos pressupostos de facto em que assentou a decisão de excluir a proposta apresentada pela P …………….. os demais pedidos formulados pela P ………………… não estariam prejudicados, o que por mera cautela de patrocínio se admite, facto é que a adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente e o contrato de aquisição de serviços, entretanto celebrado com o Município do Montijo, não podiam ter sido anulados.

X. Com efeito, a quase totalidade dos documentos que não foram assinados mediante uma assinatura electrónica qualificada corresponde a documentos “produzidos” ou emitidos por terceiros, cuja existência extravasa a realidade deste concreto procedimento.

Y. Tratando-se de documentos de terceiros, para os quais não é necessário assegurar que o documento é da autoria da ora recorrente (função identificadora) e que esta se pretendeu vincular ao mesmo (função finalizadora ou confirmadora), os mesmos estão dispensados da assinatura electrónica qualificada exigida pelo art. 27.º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008 (diploma aplicável à data da apresentação da proposta).

Z. A exigência prevista no art. 54.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto não se aplica, porquanto tal diploma não estava em vigor aquando da apresentação da proposta, sendo que tal exigência não tinha paralelo na Portaria n.º 701-G/2008.

AA. Os únicos documentos “produzidos” ou emitidos pela própria Recorrente não eram exigidos pelo CCP ou pelas peças do procedimento e não dão resposta a aspectos da execução do contrato (submetidos ou não à concorrência), sendo como tal, absolutamente inócuos do ponto de vista concorrencial.

BB. Se as finalidades visadas pela assinatura electrónica qualificada simplesmente não se colocam para estes dois documentos, a anulação da adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente a a anulação do contrato entretanto celebrado com o Município do Montijo revela-se um acto claramente violador do princípio da proporcionalidade, porque desnecessário para garantir as finalidades visadas pela assinatura electrónica qualificada.

CC. Como, em 18/11/2015, o Município do Montijo celebrou com a ora Recorrente o contrato de aquisição de serviços decorrente da adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente, as dúvidas quanto á vinculação da ora Recorrente à proposta que apresentou foram dissipadas, sanando qualquer eventual deficiência na proposta apresentada pela ora Recorrente.

DD. Sem prescindir, o contrato de aquisição de serviços, entretanto celebrado entre a ora recorrente e o Município do Montijo não deve ser anulado, por respeito ao disposto no art. 283.º, n.º 4 do CCP.

EE. A anulação do contrato é lesiva para os interesses públicos da promoção e protecção do ambiente, a promoção do bem-estar e qualidade de vida dos habitantes e de todos os frequentadores dos espaços verdes e a segurança pública.

FF. Acresce que, em caso de anulação do contrato, será sempre necessário realizar um novo concurso porque o Tribunal a quo decidiu anular todo o procedimento.

GG.A invalidação do contrato com fundamento na anulação do acto de adjudicação é uma decisão excessiva e desproporcionada, mesmo que se atenda aos interesses públicos em presença.

HH. Sucede que, além das despesas provadas em sede de processo cautelar (respeitantes à garantia bancária prestada), a ora Recorrente já procedeu à celebração ou à renovação dos contratos de trabalho necessários para a prestação dos serviços em questão.

II. Pelo que, os danos decorrentes da anulação do contrato para os interesses (privados) da ora Recorrente e para os interesses públicos prosseguidos com a execução do contrato suplantam, em muito, os inexistentes prejuízos que poderiam decorrer para os interesses privados da pela P ………………… se tal contrato não for anulado.

JJ. Por outro lado, a alegada ofensa geradora do vício do acto de adjudicação não pode deixar de ser qualificada como pouco grave.

KK. Todos os documentos essenciais para a manifestação de vontade da ora Recorrente em contratar estão assinados mediante assinatura electrónica qualificada.

LL. Atenta a diminuta gravidade da alegada ofensa geradora do vício e ponderados os interesses públicos e privados em presença, deve concluir-se que a anulação do contrato de aquisição de serviços se revela uma decisão claramente desproporcionada.

MM. Pelo que, uma adequada interpretação e aplicação do disposto no 283.º, n.º 4 do CCP deveria ter levado o Tribunal a quo a não anular o contrato de aquisição de serviços entretanto celebrado entre a Recorrente e o Município do Montijo.”

Pelo Recorrente MUNICÍPIO DO MONTIJO:

“ 1. Da prova efectuada nos presentes autos, resulta que a Deliberação n.º 447/14 que aprovou a proposta de erros e omissões foi introduzida na plataforma electrónica, onde foi consultada pelos concorrentes após a plataforma ter gerado um “alerta”.

2. Não se provou que a Autora Parques e Jardins, Lda., pesquisou detalhadamente os conteúdos em toda a plataforma electrónica, depois de saber da prorrogação do prazo do procedimento.

3. Considerando a matéria provada, a Autora não poderia deixar de conhecer a necessidade de apresentar os certificados que a deliberação n.º 447/14 confirmou serem de apresentação obrigatória.

4. O ato de exclusão da Autora, não padecendo de qualquer erro sobre os pressupostos de facto, deveria ser considerado um ato válido.

5. Mal andou a sentença ao anular todo o procedimento, com o fundamento de que o mesmo alegado erro foi praticado quanto aos demais concorrentes.

6. Relativamente à questão “Da falta de assinatura de documentos da proposta da V..............., S.A.”, provou-se apenas que só uma parte dos documentos apresentados pela Contrainteressada V............... não contém uma assinatura electrónica qualificada.

7. Os documentos nessas circunstâncias, são documentos que não foram emitidos pela própria concorrente, mas por terceiras entidades, tais como: certidão permanente, autorização da DGAV, alvará e certificados vários.

8. Todos os restantes documentos, apresentados pela Contrainteressada V..............., foram assinados mediante a aposição de uma assinatura electrónica qualificada.

9. Os documentos eu não foram assinados electronicamente, correspondem a documentos produzidos ou emitidos por terceiros.

10. E quanto a estes documentos, a função de inalterabilidade não se coloca, porque eventuais dúvidas poderão ser esclarecidas pela entidade que os emitiu e não pela própria concorrente.

11. Efetivamente, se os documentos são de terceiros que os emitiram, não se torna necessário assegurar que são da autoria da Contrainteressada e que esta aos mesmos se pretendeu vincular.

12. É assim de concluir que tais documentos estão dispensados da assinatura electrónica exigida pelo art.º 27º n.º 1 da Portaria n.º 701-G/008, diploma aplicável à data da apresentação das propostas.

13. Na verdade, a exigência do art.º 54º n.º 4 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, não se aplica, porque este diploma ainda não vigorava quando foram apresentadas as propostas e a estipulação nele contida não tem paralelo na referida Portaria n.º 701-G/2008.

14. Sucede que os documentos emitidos pela Contrainteressada V..............., como a procuração e os currículos, não são exigíveis pelo CCP, nem pelas peças do procedimento, sendo portanto dispensáveis e como tal irrelevantes em termos concorrenciais.

15. Quanto a estes documentos, não existe portanto necessidade de garantir a sua autoria, nem de garantir que aos mesmos se pretenderam vincular e bem assim que não foram alterados após a sua apresentação.

16. O que se visa garantir com a exigência de assinatura electrónica qualificada, não se coloca quanto àqueles documentos, o que transforma a decisão de anulação do ato de adjudicação e do subsequente contrato de prestação de serviços, numa decisão ostensivamente violadora do princípio da proporcionalidade.

17. Mesmo que, sem conceder, se pudesse entender ser o ato de adjudicação anulável, facto é que o contrato subsequente não deveria ser anulado, tendo em conta o disposto no art.º 283º n.º 4 do CCP.

18. Relativamente aos interesses públicos em presença, conforme decidido em sede de Processo Cautelar, o contrato, visando a prestação de serviços de manutenção de espaços verdes, se, em consequência da anulação, os mesmos não forem executados, todas as zonas verdes abrangidas ficarão por cuidar, o que levará a um importante impacto negativo na qualidade de vida não só dos residentes nas freguesias abrangidas, bem como de todos os frequentadores desses mesmos espaços verdes.

19. Não tem qualquer fundamento a afirmação de que a suspensão do contrato no período de inverno não acarreta prejuízos para a manutenção dos espaços verdes, já que não estamos perante uma actividade de carácter sazonal e sim perante um serviço que se impõe ser exercido de forma ininterrupta ao longo de todo o ano.

20. Existem mesmo certos trabalhos abrangidos pelo contrato, que obrigatoriamente devem ser efectuados no inverno e não em qualquer outra estação do ano.

21.É grande a diversidade de interesses públicos que serão prejudicados com a anulação do contrato, que vão desde a promoção e protecção do ambiente, à promoção da qualidade de vida e bem-estar dos utilizadores das zonas verdes e não menos importante, a segurança de pessoas e bens.

22. Quanto aos demais interesses em presença, não podendo a proposta da Autora deixar de ser excluída, o seu interesse na anulação do contrato simplesmente não existe, pela impossibilidade de que o mesmo lhe possa vir a ser adjudicado.

23. Já a Contrainteressada V............... terá reais prejuízos com a anulação do contrato, porque já procedeu à celebração e renovação dos contratos de trabalho necessários para a execução dos serviços contratualizados.

24. A anulação sub judice terá como consequência a dispensa dos trabalhadores e o consequente dever de pagar as correspondentes indemnizações.

25. Em face dos elevadíssimos prejuízos, quer para o interesse público que o Município representa, quer para o interesse privado da adjudicatária, conclui-se, que face ao disposto no art.º 283º n.º 4 do CCP e à matéria dada como provada, a decisão de anulação do contrato é manifestamente desproporcionada, devendo ser substituída por outra que o mantenha.

26. Para além de erros de julgamento, a douta sentença tem também erros de construção que geram a sua nulidade.

27. Efetivamente, no 3.1 do Relatório, sobressai: “Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto á exclusão da proposta da Autora2, para concluir nesse mesmo ponto 3.1 com a decisão de “anulação de todo o procedimento e não apenas do ato de exclusão da proposta da Autora”.

28. E na parte decisória o tribunal vem a decidir unicamente a anulação do ato de adjudicação.

29. Quando os fundamentos que o tribunal enuncia, conduziriam à conclusão lógica de anulação de todo o procedimento e não apenas do ato de adjudicação.

30. Estando os fundamentos em oposição com a decisão, a sentença é nula, de acordo com o art.º 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, ex vi do art.º 1º do CPTA.

31.Sem prescindir, também o vício de “ultra petita” ou excesso de pronúncia afeta a sentença recorrida.

32. Porque a autora “Parques e Jardins, Lda.” não tendo pedido que o tribunal se pronunciasse sobre a validade do procedimento, mas tão só sobre a validade do ato de exclusão da sua proposta, o douto tribunal ao apreciar a legalidade do procedimento conheceu de questões de que não podia conhecer, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia – art.º 615º n.º 1 alínea d) do CPC, por força do n.º 1 do CPTA.”

A Recorrida P………………….., Projectos de Construção Lda., contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


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II – DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Almada que anulou o acto de adjudicação do concurso internacional nº 43/2014 à ora Recorrente V............... e anulou o sequente contrato de prestação de serviços celebrado entre o MUNICÍPIO DO MONTIJO e a ora Recorrente.
No âmbito desse mesmo procedimento, o MUNICÍPIO DO MONTIJO excluiu a proposta apresentada pela ora Recorrida P ……………………. com fundamento no artigo 146.º, n.º 2 al. d) do CCP por esta entidade não ter apresentado “os documentos comprovativos referentes ao ponto 1 da cláusula 32º do CE – Atribuições e Competências alíneas a) e b)”, documentos de “apresentação obrigatória tal como consta nos esclarecimentos prestados na fase de erros e omissões” – cfr. Relatório Preliminar do procedimento.
A ora Recorrida P ……………. veio assim intentar a presente acção de contencioso pré-contratual , que deu origem à sentença a quo destinada a obter:
a) A anulação do acto de adjudicação à ora Recorrente do concurso;
b) A anulação do eventual contrato celebrado entre a ora Recorrente e o MUNICÍPIO DO MONTIJO na sequência do concurso; e
c) A condenação do MUNICÍPIO DO MONTIJO à prática de um novo acto de adjudicação do referido concurso à P ……………., bem como a celebração do sequente contrato de prestação de serviços entre ambos.

A ora Recorrida justificou a necessidade de anulação do acto de adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente com fundamento na existência de um alegado erro sobre os pressupostos de facto e na circunstância de a ora Recorrente não ter assinado electronicamente todos os documentos da proposta.
A ora Recorrida não pediu, contudo, que fosse anulado o acto de exclusão da sua proposta.
Em sede de despacho saneador, o Tribunal a quo entendeu que a impugnação do acto de exclusão da proposta apresentada pela ora Recorrida P……………. estava implicitamente abrangida nos demais pedidos por si formulados.
Para tanto, o Tribunal a quo baseou-se no Acórdão do TCAN, de 20 de Fevereiro de 2015, in Proc. nº 819/14.5 BELSB, no qual se afirmou que “o ato de exclusão da Autora de um concurso para empreitada de obra pública está implicitamente abrangido pela impugnação do ato de adjudicação à contra-interessada “ bem como o pedido de “anulação do acto de exclusão, está claramente implícito, por imperativo lógico no pedido de adjudicação à autora”.
Em suma, o Tribunal a quo admitiu que a ora Recorrida havia impugnado o acto de exclusão da sua proposta (implicitamente abrangido nos demais pedidos que formulou).
Porém, quanto a esta matéria o Tribunal a quo entendeu que o referido pedido (implicitamente formulado) não deveria proceder .
Com efeito, na parte decisória da sentença o Tribunal a quo refere o seguinte: “anulo o ato de adjudicação do concurso internacional nº 43/2014 à contra-interessada V............... – Sociedade Comercial de Plantas SA e anulo o sequente contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade demandada e a mesma contra-interessada, com as demais consequências legais e, no remanescente, julgo improcedente o que veio pedido pela Autora”.
Ou seja, o Tribunal a quo anulou o acto de adjudicação e anulou o contrato celebrado entre a ora Recorrente e o Município do Montijo, mas considerou todos os demais pedidos formulados pela ora Recorrida P……………. improcedentes.
E entre os demais pedidos formulados pela P ……………. encontra-se não apenas o pedido de adjudicação do contrato, como o pedido de anulação do acto de exclusão da sua proposta (pedido que o Tribunal a quo entendeu que havia sido implicitamente formulado na petição inicial).
Assim sendo, o pedido de anulação do acto de exclusão da proposta apresentado pela P ……………. e de adjudicação do contrato de aquisição de serviços devem ser considerados improcedentes, afigura-se-nos evidente a falta de interesse em agir desta relativamente aos demais pedidos que formulou.
Com efeito, se a sua proposta não pode ser adjudicada, a P ……………. não retira qualquer utilidade da anulação do acto de adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente ou sequer da anulação do contrato entretanto celebrado com o Município do Montijo.
O pressuposto processual do “interesse em agir” exige “ a verificação objetiva de um interesse real e actual, isto é, da utilidade na procedência do pedido” – cfr VIEIRA DE ANDRADE in A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA, 11ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pag. 268.
Também MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILHA referem que “ o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de uma qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto ou com um interesse meramente académico de ver o caso definido pelos tribunais, exigindo-se uma situação de incerteza objectiva e grave, que resulte de um facto exterior e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria” (…) “ Este pressuposto exige, portanto, a verificação objectiva de um interesse real e actual, que se deverá traduzir na utilidade da procedência do pedido, e que se encontra interligado à ideia de economia processual” – COMENTÁRIO AO CPTA, 3ª Edição revista, 2010, pag. 260.
Não basta, pois, a existência de legitimidade activa, sendo ainda necessário que a P ……………. retire da lide alguma vantagem da procedência do pedido. E, efectivamente, a P ……………. não retira qualquer benefício ou vantagem da anulação do acto de adjudicação praticado pelo MUNICÍPIO DO MONTIJO ou da anulação do contrato entretanto celebrado com a ora Recorrente, já que o acto de exclusão da sua proposta é de manter.
Nesta medida, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando pressupôs o interesse da P ……………. em agir e se pronunciou sobre a validade do acto de adjudicação da proposta apresentada pela ora Recorrente e sobre a validade do contrato de aquisição de serviços entretanto celebrado com o MUNICÍPIO DO MONTIJO.

Em conformidade com o exposto, procedem na íntegra as conclusões B) a F) (sintetizadas) da alegação da Recorrente V..............., ficando necessariamente prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nas demais conclusões dos Recorrentes, com a consequente revogação da sentença recorrida e manutenção do acto impugnado de adjudicação à ora Recorrente V................

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IV – DECISÃO

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente manutenção do acto impugnado de adjudicação à ora Recorrente V................

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Custas pelo ora Recorrida PARQUES E JARDINS LDA. em ambas as instâncias.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018
António Vasconcelos
Sofia David
Nuno Coutinho