Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1735/09.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
NOVOS ELEMENTOS
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I-A AT não está vinculada a realizar todas as diligências requeridas pela parte, mas tem, natural e necessariamente, que justificar os motivos atinentes à sua conscienciosa opção, não podendo valer-se de uma alegada assunção tácita.

II-Se o Recorrido aquando do exercício da audição prévia, convoca um conjunto de realidades de facto que não foram minimamente indagadas, esclarecidas ou rebatidas aquando da prolação do despacho de reversão, e se, inclusivamente, são arroladas testemunhas e nada é evidenciado quando à sua desnecessidade de audição, tal implica que AT não deu adequado cumprimento ao direito de audição, acarretando, por conseguinte, a anulação do despacho de reversão.

III-O princípio do aproveitamento do ato apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição intentada por V... (Recorrido) relativamente ao processo de execução fiscal 3905199901013092 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, por dívida exequenda no montante de 8.833,75€, referente a Coimas, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 1997 e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 1997 a 2001, referentes à sociedade devedora originária “V... - ..., Import/Export, Lda”, tendo decretado a anulação do despacho de reversão por preterição de formalidade legal essencial, determinante da absolvição da instância executiva relativamente ao Oponente.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, na parte que julgou procedente a oposição judicial apresentada por V..., anulando o despacho de reversão com a consequente absolvição do Oponente da instância executiva.

B- A questão na qual diverge esta Fazenda Publica prende-se com o facto de o tribunal a quo ter entendido que o órgão de execução fiscal violou o direito de audição prévio à reversão, uma vez que não se pronunciou expressamente sobre ele, nem ouviu as testemunhas arroladas pelo oponente, ora recorrido, indicadas aquando do exercício do mesmo.

C- O oponente, ora recorrido, veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal n.º 3905199901013092 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, por dívida exequenda no montante de 8.833,75€, referente a Coimas, IRC do exercício de 1997 e IVA dos anos de 1997 a 2001, referentes à sociedade “V... - ..., Import/Export, Lda”.

D- No caso vertente, o recorrido, foi notificado para o direito de audição nos termos do art.º 23º/4 da LGT, que exerceu, cfr. consta da factualidade dada como provada.

E- No mencionado direito de audição invoca, além do mais, não ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e arrola duas testemunhas.

F- É certo que a Administração Tributária não se pronunciou expressamente quanto ao alegado no direito de audição mormente quanto à não audição das testemunhas arroladas, mas, implicitamente acabou por se pronunciar, ao tornar definitivo o projeto de reversão, o que culminou com a citação do oponente.

G- Já quanto à matéria controvertida do exercício, ou não, da gerência de facto, por parte do oponente, gerente da devedora originária, é matéria a ser discutida em sede de oposição judicial, uma vez que, quanto à reversão em si, da consulta à certidão da conservatória do registo comercial, para além de constar como gerente nominal da devedora originária, também consta como representante da mesma, nomeadamente na declaração de início de atividade [cfr. alínea A do nº 1 III. Factos provados] e nos requerimentos de pedido de pagamento em prestações de 30-05-2001 e 21-06-2001 [cfr. alíneas F e G do nº 1 III. Factos provados].

H- Neste conspecto, os elementos em que se apoiou o órgão de execução fiscal, eram suficientes para reverter a execução contra o ora recorrido, o que vale por dizer que, na ótica do autor do despacho de reversão, a audição das testemunhas indicadas, face à prova já recolhida, era insuscetível de alterar o sentido da decisão.

I- A audição das referidas testemunhas não se traduziriam, neste contexto, salvo melhor juízo, numa “diligência complementar conveniente” [conceito em que se apoiou o tribunal a quo para conceder mérito à oposição] e, assim sendo, a formalidade legal eventualmente omitida (explicitação das razões pelas quais tal diligência de prova não foi realizada), sendo essencial, sempre se degradaria em formalidade não essencial, não afetando a validade do ato de reversão.

J- Tanto assim é que, o mesmo tribunal a quo, aquando da seleção da prova pertinente para fundamentar a sua decisão, optou por não valorizar a prova testemunhal, cfr. 2º paragrafo da fl. 11 da douta sentença. Atente-se que as testemunhas ouvidas em sede de oposição tinham sido as mesmas que foram arroladas em sede de direito de audição pelo oponente.

K- Relativamente ao facto de o órgão de execução fiscal não se ter pronunciado em sede de reversão quanto à prescrição como à caducidade, salvo melhor opinião, por tal facto, não pode ser considerado o despacho de reversão ilegal, ou indevidamente fundamentado, pois que, no mesmo se apreciam as condições de reversão contra o responsável subsidiário.

L- Conclui-se, portanto, que não ocorrem, nem a invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, nem a alegada violação do direito de audição prévia (nº 4 do art.º 23º e nº 7 do art.º 60º, ambos da LGT), pois que, para além de não ter sido alegada (em sede de direito de audição) factualidade ou circunstância que a AT não tivesse já tido em conta no projeto de reversão, também não foi preterida qualquer diligência complementar de instrução requerida pelo oponente, que tivesse a probabilidade de influenciar a decisão tomada ou tivesse utilidade para esclarecer a questão do exercício de facto e/ou de direito da gerência e responsabilidade subsidiária que a AT entendeu decorrer de tal exercício.

M- Assim, não tendo a sentença do Tribunal a quo conhecido as restantes questões levantadas pelo ora recorrido, por as considerar prejudicadas pela solução encontrada, sendo a sentença revogada pelo Acórdão proferido pelo TCA, deverão os presentes autos baixar àquele Tribunal para que essas questões sejam conhecidas, pois toda a prova deve ser reapreciada e devidamente selecionada o que só poderá ser efetuado por aquele Tribunal,

N- Dando assim por satisfeito o objetivo do duplo grau de jurisdição, e a não prolação de “decisões surpresa” uma vez que em momento algum será coartado o exercício do direito ao contraditório.

O- Assim, face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida, devendo ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que sejam conhecidas as questões cujo conhecimento ficou omitido. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser decretada a incompetência em razão da hierarquia.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 30.10.1996 foi apresentada, junto do SF de Torres Vedras 2, a declaração de início de atividade da sociedade “V... - ..., Import/Export, Lda.”, a qual foi assinada pelo ora Impugnante na qualidade de seu Representante legal (cfr. fls. 48 e 49 dos autos).

B) Pela Ap. 51/961107, foi registado na CRC de Torres Vedras o contrato de sociedade da “V... - ..., Import/Export, Limitada”, sendo seus sócios Carlos Martinho, J... e o ora Oponente, sendo a gerência exercida pelos seus três sócios, obrigando-se a sociedade com as assinaturas de dois gerentes (cfr. fls. 47 e 48 do processo de execução fiscal).

C) Em 29.07.1997 foi apresentada, pela sociedade referida na alínea antecedente, a sua Declaração Modelo 22 do exercício de 1996, a qual foi assinada pelo Oponente na qualidade de seu Representante Legal (cfr. fls. 33 e 34 do PEF apenso).

D) Em 16.03.1998 e em 17.03.1998 foi realizada Assembleia Geral da sociedade identificada em B), constando da referida ata, de entre o mais, o seguinte:

“(…) O Sócio C...declarou então que se via obrigado a desencadear os mecanismos legais necessários para a recuperação das máquinas da Vidrinveste e que a grave conduta dos sócios J... e V..., colocando em risco a sobrevivência da empresa, como todos bem sabiam, era naturalmente incompatível com a permanência deles no exercício de funções de gestão ou administração da empresa, sendo indispensável a tomada de medidas imediatas.

Foi então proposto por este Sócio C... que os sócios J... e V... fossem afastados da representação e administração da Sociedade e destituídos dos cargos de gerentes, considerando-se demitidos a partir da presente data e que fosse nomeado gerente o senhor J..., residente na Rua (…), que passará a exercer o cargo a partir de amanhã dia dezoito de Março de mil novecentos e noventa e oito.

Posta à votação esta proposta, foi aprovada pelo sócio C…, tendo os sócios J... e V... recusado a votá-la.

Assim, foi a proposta aprovada com os votos favoráveis representativos de oitenta por cento do Capital Social, ficando desde hoje nomeado gerente da sociedade o referido Senhor J... e destituídos os Sócios J... e V... e privados de quaisquer poderes de representação ou de administração da sociedade.

Em consequência do deliberado foi revogado o parágrafo segundo do artigo quinto do pacto social.

A presente Acta foi aprovada pelos votos correspondentes a oitenta por cento do capital social do sócio C...e fica lavrado em título avulso por se haver extraviado o livro de Actas próprio.

Os sócios J... e V... abandonaram a Assembleia Geral recusando-se a assinar esta mesma Acta. (…)” (cfr. fls. 31 a 36 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

E) A ata referida na alínea antecedente foi certificada notarialmente (cfr. fls. 37 dos autos).

F) Em 30.05.2001 J... apresentou junto do SF de Torres Vedras 2, requerimento com o seguinte teor:

“Assunto: PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES. ART.° 279 DO CPT

PROCESSO EXECUTIVO N.° 390598/103496.0

V…., …, LDA com o NIPC ..., com sede em Casalinhos de Alfaiata, tendo sido notificada na pessoa do S.R V..., com residência na ..., … OEIRAS, da autorização do pagamento da divida de 5.656.453$00 referente à Segurança Social em 36 prestações mensais, sendo a primeira de 157.148$00 e as restantes 35 no valor de 157.123$00 cada uma.

Não estando o Sr. V... com disponibilidade financeira para pagar a dívida, propõe-se J..., residente na rua casal da raposa n°1 1400 Lisboa, também sócio gerente da referida empresa a pagar a divida.

Sendo vontade da requerente de proceder ao pagamento integral da importância da divida, sem contudo comprometer o funcionamento da unidade fabril e garantir a manutenção dos postos de trabalho, razão pela qual para conseguir tal desiderato lhe não é possível proceder ao pagamento das importâncias agora notificadas, sem pôr em risco a viabilidade económica da empresa e a manutenção dos actuais postos de trabalho.

Razão pela qual, requer extraordinariamente a V. Exª, o alargamento do plano prestacional para pelo menos 72 prestações mensais. Possibilitando assim a manutenção quer dos postos de trabalho quer da laboração da unidade fabril.” (cfr. fls. 47 dos autos).

G) O Oponente assinou o requerimento entregue em 21.06.2001, junto do SF de Torres Vedras 2, com o seguinte teor:

“Assunto: Processo Executivo n.° 3905/98/103496.0

V... vem mui respeitosamente na sequência da Notificação recebida, cuja cópia se junta, reiterar o pedido, apresentado por J..., morador na R... em 30/05/2001, nessa Repartição de Finanças, cuja cópia também se junta.

Efectivamente trata-se da única forma possível, face à situação económica dos intervenientes, de proceder ao pagamento da dívida referente a este processo em causa.” (cfr. fls. 46 dos autos).

H) Em 14.12.1999, foi instaurado contra a sociedade identificada em A), o processo de execução fiscal nº 3905-99/101309.2, por dívida de coimas, no montante de 1.061,42€ (cfr. fls. 2 e 3 do PEF apenso).

I) Em 02.02.2005 foram apensos ao PEF mencionado na alínea antecedente os processos de execução fiscal nºs 3905200201000519 (Coima - 339,18€), 3905200201015290 (Coima – 339,18€), 3905200301006363 (Coima – 261,38€), 3905200401014528 (Coima –800,47€), 3905200201017438 (IVA/99 – 1.496,39€; IVA/98 – 1.766,46€), 3905200201032917 (IRC/97 – 463,79€), 3905200101009672 (IVA/97 – 374,10€), 3905200201037269 (IVA/2000 –1.496,40€) e 3905200401006428 (1.496,40€) (cfr. fls. 5 e 30 do PEF apenso).

J) Todas as dívidas de IRC e IVA referidas na alínea antecedente respeitam a liquidações emitidas com data de cobrança voluntária compreendida entre 29.01.2001 e 28.11.2003 (cfr. certidões de dívida constantes de fls. 35 e ss. do PEF apenso).

K) Em 04.02.2005 foi proferido despacho a determinar a preparação do processo de execução para efeitos de reversão contra o Oponente e para efeitos de notificação para exercício do direito de audição, nada constando como fundamentos da reversão (cfr. fls. 8 do PEF apenso).

L) Notificado em 16.02.2005 do despacho referido na alínea antecedente, o Oponente apresentou em 28.02.2005 o seu direito de audição prévia no qual invocou nunca ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária, sendo assim parte ilegítima para a execução, mais invocando ter sido destituído da gerência em reunião da Assembleia Geral de 17.03.1998, invocando ainda os fundamentos de oposição previstos no artigo 204º, nº 1, alíneas d) e e) do CPPT, juntando a final dois documentos e indicando duas testemunhas (cfr. fls. 15 e 16 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

M) Em 22.06.2007 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, contendo o seguinte teor:

“Face às diligências de fls. que antecede, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra V... (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do Art.º 160º do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do Art.º 23º da L.G.T.).

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

“O presente processo de execução fiscal esteve a aguardar o resultado da recl. Créditos resultante da venda do bem imóvel penhorado aos sócios gerentes, tendo sido recebida nesta data a recl. Créditos e não tendo sido graduado q/q importância para este processo e face à ausência de bens penhoráveis da sociedade executada, prossegue-se com a reversão nos termos do art. 23º nº 1 LGT e art. 8º RGIT” (cfr. fls. 29 e 30 do PEF apenso).

N) O Oponente foi citado em 28.06.2007 (cfr. fls. 31 e 32 do PEF apenso).

O) O Oponente apresentou a presente oposição em 23.07.2007 (cfr. fls. 8 dos autos).


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O Tribunal a quo consignou como factualidade não provada o seguinte:

“1 – Não foi provado que a sociedade identificada em A) do probatório tenha sido notificada dos atos de liquidação de IVA e IRC que originaram a dívida exequenda, até à data da citação do ora Oponente.

2 - Não foi provado que a sociedade identificada em A) do probatório tenha sido citada para a execução fiscal antes da citação do Oponente como revertido.

3 – Não foi provado que a sociedade identificada em A) do probatório tenha apresentado reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial ou pedido de revisão oficiosa relativamente às liquidações de impostos que originaram a dívida exequenda

4 - Não foi provado que a sociedade identificada em A) do probatório tenha apresentado pedido de pagamento de prestações quanto ao PEF em causa nos autos, ou tenha interposto oposição à execução fiscal relativamente ao mesmo PEF.


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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”

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A motivação da matéria de facto “[f]undou-se na prova documental junta aos autos e no processo executivo, bem como nas informações oficiais e na posição expressa pelas partes nos seus articulados.

A prova testemunhal acabou por não relevar, por via da suficiência da prova documental junta aos autos.

Os factos dados como não provados resultam da circunstância de em nenhum momento, quer do processo de execução fiscal, quer dos presentes autos, tenha sido junto pela Fazenda Pública qualquer elemento documental referente a tais factos.”


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº 3905199901013092 e apensos atenta a preterição de formalidade essencial, com a consequente anulação do despacho de reversão e absolvição da instância executiva.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ajuizar que ocorreu uma preterição de formalidade essencial determinante da anulação do despacho de reversão, julgando verificado o aludido erro de julgamento, importa analisar se procedem as questões julgadas prejudicadas.

Antes, porém, cumpre aferir da questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público referente à incompetência em razão da hierarquia.

Comecemos, então, pela arguida incompetência em razão da hierarquia, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.

Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide(1).

In casu, não obstante a Recorrente não ter procedido à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, a verdade é que atentando nas suas conclusões, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto.

Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto.

No caso vertente, analisadas as conclusões das alegações da Recorrente, coadjuvadas com o teor das mesmas, constata-se que o objeto do recurso não se limita à questão de direito de saber se é de manter o sentenciado quanto à preterição de formalidade essencial. E isto porque, a Recorrente retira ilações, extraídas de factos, nomeadamente, quanto ao teor da audição prévia, à resposta materializada na sua sequência, e bem assim quanto ao âmbito e extensão das diligências requeridas e aos documentos carreados na fase de instrução.

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0149/19, de 13 de julho de 2021: “Se nas alegações de recurso e, especialmente nas suas conclusões, o Recorrente questiona as ilações extraídas do teor de um conjunto de documentos que ficou vertido no probatório ou que eles não permitem sustentar os factos apurados ou as conclusões de facto que sustentaram o julgamento de direito, há que concluir que é ao Tribunal Central Administrativo, e não ao Supremo Tribunal Administrativo que cabe apreciar o mérito do recurso.”

E por assim ser, sendo as ilações de facto também elas factos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo DMMP.

Prosseguindo, então, com o erro de julgamento.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto inexistiu a sentenciada preterição de formalidade essencial, desde logo, porque pese embora a AT não se tenha pronunciado expressamente quanto ao alegado no direito de audição mormente quanto à não audição das testemunhas arroladas, a verdade é que implicitamente acabou por se pronunciar, ao tornar definitivo o projeto de reversão, o que culminou com a citação do Oponente.

Mais evidenciando que os elementos em que se apoiou o órgão de execução fiscal, mormente, os atinentes à gerência de direito eram suficientes para reverter a execução contra o ora Recorrido, logo, na ótica do autor do despacho de reversão, a audição das testemunhas indicadas, face à prova já recolhida, era insuscetível de alterar o sentido da decisão, logo mesmo admitindo-se a existência de formalidade essencial, esta sempre se degradaria em formalidade não essencial, não afetando a validade do ato de reversão.

Conclui, in fine, que não foi alegada, em sede de direito de audição, factualidade ou circunstância que a AT não tivesse já tido em conta no projeto de reversão, nem, tão-pouco, preterida qualquer diligência complementar de instrução requerida pelo Oponente, que tivesse a probabilidade de influenciar a decisão tomada.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo ajuizado “[q]ue se verifica uma efetiva preterição da formalidade legal do direito de audição prévia, na medida em que o despacho de reversão ignorou por completo o contributo que o revertido pretendia trazer para a decisão, e, tendo o responsável subsidiário aduzido razões que contrariavam o seu chamamento à execução, o OEF encontrava-se obrigado a ponderar essas razões e traduzi-las no despacho de reversão contendo os motivos que levaram a afastar a argumentação em contrário do responsável subsidiário, e esclarecendo porque razão entendeu não proceder à audição das testemunhas indicadas pelo Oponente”, e nessa medida, sentenciada a preterição de formalidade essencial.

Apreciando.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para a apreciação da questão.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

No âmbito da reversão do processo de execução fiscal, importa, desde logo, ter presente que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o ato que inicia e legitima o procedimento para efetivação da responsabilidade subsidiária, o qual tem de ser precedido de audição prévia.

Com efeito, estatui o artigo 23.º, nº4 da LGT que a AT está obrigada a assegurar a audiência prévia do visado antes da reversão, constando, inequivocamente, do aludido normativo que “a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da prolação do despacho definitivo da reversão, ou seja, aquando a notificação do projeto de despacho de reversão, o qual se processa nos termos consignados na LGT, concretizando este o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no citado artigo 267.º, nº4, da CRP.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que nortearam a decisão, no caso, a reversão, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (2).

Dir-se-á, portanto, que “[n]o âmbito do exercício desse direito, é permitido ao particular a participação na decisão final, não só através da apresentação da sua perspectiva da situação, mas também através da sugestão da produção de novas provas que invalidem ou, pelo menos, ponham em causa as razões invocadas no projecto de decisão.

A audição prévia do sujeito passivo revertido permite-lhe pronunciar-se sobre o projeto de decisão, rebatendo os respectivos fundamentos e apresentando outros meios de prova com vista a alteração da proposta de decisão que vislumbra desfavorável, ou seja, permite-lhe questionar a sua legitimidade para a execução fiscal através da alegação e prova de factos que tendam a afastar a sua responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias exigidas na execução fiscal (3).”

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (4), podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Feitos os considerandos que relevam para o caso dos autos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.

Conforme resulta da factualidade assente, a 04 de fevereiro de 2005, foi proferido despacho a determinar a preparação do processo de execução para efeitos de reversão contra o Oponente e para efeitos de notificação para exercício do direito de audição, nada constando como fundamentos da reversão.

Nessa sequência, a 28 de fevereiro de 2005, o Recorrido exerceu audição prévia tendo alegado a sua ilegitimidade para a reversão, porquanto nunca exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, tendo, outrossim, sido destituído da gerência em reunião da Assembleia Geral de 17 de março de 1998, convocando, ainda, a falta de notificação das liquidações e inclusive a prescrição. Mais dimana que carreou, nesse âmbito, dois documentos e arrolou duas testemunhas.

Posteriormente, a 22 de junho de 2007, foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, ora Recorrido, o qual se limita a contemplar no item denominado de “fundamentos de reversão”, o seguinte:

“O presente processo de execução fiscal esteve a aguardar o resultado da recl. Créditos resultante da venda do bem imóvel penhorado aos sócios gerentes, tendo sido recebida nesta data a recl. Créditos e não tendo sido graduado q/q importância para este processo e face à ausência de bens penhoráveis da sociedade executada, prossegue-se com a reversão nos termos do art. 23º nº 1 LGT e art. 8º RGIT.”

Ora, como é bom de ver, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo nada foi dito, rebatido, ou levado em consideração no despacho de reversão, fazendo a AT “tábua rasa” das razões expendidas no seu articulado de audição prévia, em clara preterição do plasmado no citado artigo 60.º, nº 7 da LGT, segundo o qual sendo suscitados elementos novos em sede de audição prévia os mesmos têm, obrigatoriamente, de ser considerados e valorados na fundamentação da decisão. Note-se que, o direito de audição não pode funcionar como um mero rito processual, sem que exista a mínima ponderação das razões aduzidas, da prova carreada e das diligências requeridas.

Neste sentido, doutrina o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01437/14, datado de 20 de março de 2019, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“o direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária (neste sentido cfr. o acórdão de 19/04/2017, no Processo nº 01114/16).

Ademais, a falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.

E, em abono da tese da imperatividade do exercício do direito de audição e bem assim sobre as suas repercussões no âmbito do procedimento tributário, poderemos invocar, inter alias, o entendimento que emerge dos acórdãos de 19/04/2017, no processo n.º 01114/16, de 24/10/2007, no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo n.º 0496/06.

É certo que a AT não está vinculada a realizar todas as diligências requeridas pela parte, mas tem, natural e necessariamente, que justificar os motivos atinentes à sua conscienciosa opção, não podendo valer-se de uma alegada assunção e aceitação tácita, como faz crer a Recorrente.

Com efeito, não é possível defender-se, como sufraga a Recorrente, que existiu uma “pronúncia implícita”, porquanto, como é bom de ver, a ausência de resposta às razões, de facto e de direito, aduzidas pelas partes não pode ser entendida como resposta negativa, tendo de existir, ainda que de forma sumária, uma explanação das razões que permitiram concluir nesse sentido.

Até porque, a apresentação de quaisquer elementos novos, particularmente, adstritos e atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que poderão ter lugar, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão, em ordem ao consignado nos artigos 58.º, da LGT, e 125.º do CPA.

Mais importa relevar, neste âmbito, que não logra, igualmente, provimento o aduzido pela Recorrente no sentido de o despacho de reversão ter assumido o conteúdo nele vertido face à suficiência dos elementos carreados para efeitos da reversão da execução, na medida em que, sendo essa a esteira de entendimento, tê-lo-ia de dizer, expressa e inequivocamente.

In fine, cumpre evidenciar que, face a todo o circunstancialismo supra expendido, não corresponde à verdade o aduzido em L) das suas conclusões no sentido de que não foi “[a]legada (em sede de direito de audição) factualidade ou circunstância que a AT não tivesse já tido em conta no projeto de reversão” bastando, para o efeito, uma leitura atenta do teor do projeto de reversão, do qual, conforme resulta do probatório, não emergia qualquer fundamentação.

Ora face a todo expendido anteriormente, e sob pena de o direito de audição se transformar num rito procedimental inócuo, ter-se-á de concluir que nos encontramos perante uma mera aparência de exercício de audição prévia determinante da preterição de uma formalidade essencial, cominada com a anulabilidade (5).


Aqui chegados, importa aquilatar da, eventual, aplicabilidade do princípio do aproveitamento do ato administrativo.

Começando por evidenciar que é entendimento unânime jurisprudencial (6), que a omissão da audição do contribuinte, ou a sua realização de forma deficiente e sem os requisitos legais, constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato administrativo, seja manifesto que a decisão tributária, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

Noutra formulação, dir-se-á que o Tribunal tem o poder de não anular um ato inválido quando a decisão administrativa não poder assumir outro conteúdo, uma vez que em execução do efeito repristinatório da decisão não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o ato inválido, embora sem o vício que determinou a anulação (7).

Note-se, neste particular, que o princípio do aproveitamento do ato administrativo, se encontra, atualmente, consagrado no artigo 163.º, nº5 do CPA, segundo o qual:

“5 - Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Ora, atentos os considerandos de direito supra expendidos e apelando às circunstâncias concretas da realidade em apreço, e já devidamente materializadas anteriormente, resulta que não é possível concluir-se, inexoravelmente, que a audição do contribuinte no procedimento não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, conduzindo a um resultado diferente.

In casu, como visto, são convocadas realidades fáticas, particularmente, ilegitimidade do responsável subsidiário, e falta de notificação das liquidações -questões que podem e devem ser apreciadas em sede de audição prévia contrariamente ao evidenciado em G)- as quais, se devidamente ponderadas e analisadas, poderiam traduzir uma decisão final do procedimento diferente. Com efeito, não é possível, concluir-se, de forma inequívoca e isenta de dúvidas, que tais realidades não tinham a menor probabilidade de influenciar a decisão final, porquanto poderiam ter traduzido uma adicional instrução, mediante junção de documentação atinente ao efeito, em ordem à fixação de matéria de facto com relevo para a tomada da decisão de reversão e, desse modo, contribuir para a descoberta da verdade material e estruturar a exata realidade de facto, e adequada conformação do despacho de reversão aos respetivos pressupostos.

Note-se que, o princípio do aproveitamento do ato apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão (8).

É certo que, conforme aduzido pela Recorrente existe identidade das testemunhas arroladas em sede de procedimento e as ouvidas em Tribunal, e, é igualmente, certo que na motivação da matéria de facto se evidencia que “A prova testemunhal acabou por não relevar, por via da suficiência da prova documental junta aos autos”, mas tal realidade, per se, não pode traduzir o efeito almejado do aproveitamento do ato, não só, porque, por um lado, a preterição da formalidade essencial não se fundou, exclusivamente, na falta de justificação e audição das testemunhas, como, por outro lado, não se retira que a prova testemunhal seja, de todo, irrelevante para as demais realidades alegadas, mas, tão-só, que não relevou face à decisão acolhida, para a qual foi suficiente a prova documental.

Como sumariado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01437/14, datado de 20 de março de 2019:

“Se a administração tributária não dá adequado cumprimento ao direito de audição, tal facto determina a anulação, por vício de forma, do despacho de reversão.

O mesmo só não seria anulável se a respetiva irregularidade pudesse degradar-se em formalidade não essencial, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Mas, essa degradação só poderia ocorrer se, por recurso a um juízo de prognose póstuma, fosse seguro concluir que a realização da diligência de inquirição das testemunhas indicadas pelo revertido, não seria passível de aportar elementos novos, relevantes para a fundamentação da decisão a proferir.”

Ora, face a todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, impõe-se concluir que nos encontramos, por um lado, perante a preterição de uma formalidade essencial porquanto não foi dado adequado cumprimento ao direito de audiência e, por outro lado, que tal preterição não é suscetível de ser degradada em não essencial, por não poder considerar-se sanada, nos termos densificados anteriormente, acarretando a absolvição do Oponente, ora Recorrido, da instância executiva.

E por assim ser, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, resultando, nessa medida, prejudicadas as demais questões colocadas.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


(1) Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada

(2) Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.

(3) In Acórdão do TCA Norte, prolatado no âmbito do processo nº 01116/11.3, de 25.05.2018.

(4) cfr.artº.135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437
(5) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0548/12, de 24.10.2012.
(6) Vide, por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 22.01.2014.
(7) Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo n.º 017/12, de 31/01/2012.

(8)Vide, designadamente Acórdão proferido pelo STA no processo nº 0489/08, de 24.09.2009, e TCAS, no âmbito do processo nº 1801/06, datado de 21.05.2020.