Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:234/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:LIQUIDAÇÃO - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
Sumário:Tendo sido corrigido o lucro tributável ao ano de 2006 os prejuízos fiscais apurados nesse ano e que seriam deduzidos no ano seguinte passaram a ser nulos e foi necessário a AT corrigir o valor dos prejuízos declarados, anulando-os, face à correcção efectuada em 2006, mas essa fundamentação não foi levada ao conhecimento dos impugnantes, pelo que os mesmos desconheciam a razão que levou a AT à emissão da liquidação em crise referente ao ano de 2007. Ora, retira-se da impugnação e dos demais elementos dos autos, que os impugnantes não percepcionaram devidamente as razões do decidido pela AT, pelo que o acto tributário referente ao ano de 2007 não estava devidamente fundamentado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por F….. e M….. das liquidações adicionais de IRS relativas aos exercícios de 2006 e 2007, e juros compensatórios, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) e 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), julgando, assim, improcedente a impugnação no que respeita ao acto de liquidação n.º ….., compensação n.º ….., demonstração do acerto de contas …..e compensação n.º ….. (relativa ao ano de 2006), e julgando procedente a impugnação no que respeita ao acto de liquidação n.º ….., compensação n.º ….., demonstração de acerto de contas n.º …..e compensação n.º ….. (do ano de 2007) por se verificar a falta de fundamentação e de audição prévia à liquidação.
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, tendo, em consequência, determinado a anulação do ato de liquidação de IRS n.° ….., compensação n.° ….., demonstração de acerto de contas n.° ….. e compensação n.° ….. (do ano de 2007), por considerar verificada falta de fundamentação e de audição prévia à liquidação;
B. Contrariamente ao decidido, entende a Fazenda Pública ter sido assegurado o exercício do direito de audição prévia à emissão da liquidação de IRS n.° ….., relativa ao ano de 2007, e outrossim, não padecer tal ato de qualquer falta ou insuficiente fundamentação;

C. Com efeito, importava precisar, e nessa medida ter sido levado ao probatório, que na liquidação n.° …..foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e o montante de perdas a recuperar de €4.584,44, cfr. 250 e 251 do PAT, e que na liquidação n.° ….. foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e perdas a recuperar de €0,00, cfr. fls. 63 a 65 do PAT;

D. Pelo que desde já se requer que sejam aditadas ao probatório novas alíneas com o seguinte teor:

- na liquidação n.° ….. foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e o montante de perdas a recuperar de €4.584,44, cfr. 250 e 251 do PAT;

- na liquidação n.° ….. foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e perdas a recuperar de €0,00, cfr. fls. 63 a 65 do PAT;

E. Entre os dois atos tributários de liquidação, respeitantes ao IRS do ano de 2007, verifica-se que os distingue apenas o valor das perdas a recuperar, no primeiro, ao valor do rendimento global de €40.033,45 foi subtraído o montante de €4.584,44; ao segundo, o impugnado, ao valor do rendimento global de €40.033,45 não foi subtraído qualquer montante a titulo de perdas a recuperar. Sendo que, é relativamente ao segundo ato tributário de liquidação que o tribunal a quo considerou verificada a violação do direito de audição;
F. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, os Impugnantes foram alvo de inspeção tributária no âmbito da qual foram efetuadas correções ao lucro tributável, do ano de 2006, que passou de -4.584,44 para 68.005,56;

G. Ora, como resulta da análise dos autos, no ano de 2006, os sujeitos passivos haviam apurado um resultado negativo de €4.584,44, valor correspondente, precisamente, àquele de que resulta a diferença entre o ato de liquidação n.° ….. e o n.° ….., isto é, este último ato desconsiderou perdas a recuperar relativas ao resultado negativo que havia sido apurado e declarado em 2006;

H. Assim sendo, dúvidas não restam de que a desconsideração do valor de € 4.584,44, a título de perdas a recuperar, tal como foi desconsiderado na liquidação impugnada, decorre da ação de inspeção levada a cabo e sobre a qual os Impugnantes se pronunciaram previamente à conclusão do relatório final;

I. Assim, certo se tornava concluir que os Impugnantes, ao serem notificados do projeto de relatório da ação inspetiva, ficaram cientes de que, em resultado das correções operadas com respeito ao ano de 2006, o resultado negativo declarado relativamente a esse ano havia sido desconsiderado, pelo que não se mantinha o montante de € 4.584,44, a título de perdas a recuperar;

J. Do anteriormente exposto resulta que nada justificava que os Impugnantes fossem de novo ouvidos antes da emissão da liquidação sindicada, sendo certo que, nos termos do n° 3 do artigo 60° da LGT, “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.";

K. Ora, no caso, repete-se, aos Impugnantes foi, pois, assegurado o direito de participação, concretamente a audição prévia às conclusões da ação inspetiva, pelo que daqui resulta, à evidência, a desnecessidade de ouvir, uma vez mais, os Impugnantes antes da emissão da liquidação de IRS impugnada;

L. Acresce que, caso se considerasse violado o artigo 60.° da LGT, o que não se concede, deveria ter-se presente que, na esteira do defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, a preterição daquela formalidade pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser preterida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do ato. Veja-se, nesse sentido o acórdão do STA, de 16.11.2011, recurso 0539/11, no qual se afirma que “A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial, se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”;

M. Com efeito, no caso dos autos, como vimos, tendo sido desconsiderado o resultado fiscal negativo em determinado exercício, não pode o mesmo vir a ser considerado no exercício seguinte, a título de perdas a recuperar, pelo que o conteúdo do ato impugnado não poderia ser outro;

N. Em face do exposto, não pode a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, padecendo a mesma de erro de julgamento de facto e, consequentemente, de erro no julgamento de direito ao determinar a anulação do ato impugnado com fundamento na falta de audição prévia;
O. Por outro lado, verifica-se, igualmente, erro de julgamento quando, em face da prova produzida, o Tribunal a quo concluiu pela verificação de falta de fundamentação do ato de liquidação de IRS n.° ….., relativo ao ano de 2007;

P. No caso dos autos, a liquidação impugnada baseia-se nos factos apurados no decurso da ação inspetiva levada a cabo pela AT, os quais se mostram perfeitamente expressos no Relatório que resultou da aludida inspeção, onde consta o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, bem como os elementos probatórios que lhe subjazem, com vista à desconsideração dos elementos declarados;

Q. Ora, tais correções têm, como o próprio Tribunal a quo reconhece, repercussões no ato tributário de liquidação impugnado. Com efeito, tal como referido na sentença recorrida, “(...) tendo sido corrigido o lucro tributável ao ano de 2006 os prejuízos fiscais apurados nesse ano e que seriam deduzidos no ano seguinte passaram a ser nulos e foi necessário a AT corrigir o valor de prejuízos declarados, anulando-os, face à correcção efectuada em 2006”;

R. De facto, da liquidação ora em crise face à liquidação decorrente da apresentação, pelos Impugnantes, da declaração Mod. 3 IRS, decorre, como vimos, uma diferença de €4.584,44, a qual resultou das correções efetuadas, pela IT, ao exercício de 2006, segundo as quais as perdas apuradas nesse exercício, no montante de €4.584,44, foram anuladas, vindo, em consequência, no ano de 2007, a não serem consideradas. Temos, portanto, que o ato de liquidação impugnado reveste a natureza de ato consequente;

S. Constitui entendimento unânime da jurisprudência que um ato está fundamentado sempre que um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta e perante o concreto ato fica em condições de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do ato;

T. Ora, salvo o devido respeito, qualquer destinatário normal, colocado na situação concreta tinha conhecimento de que tendo sido anuladas as perdas apuradas em determinado exercício não podem as mesmas ser consideradas no exercício seguinte;

U. Sem necessidade de mais amplas considerações, entende a Fazenda Pública que do teor do ato impugnado, bem como do contexto em que o mesmo foi praticado, i.e. após a IT ter efetuado correções ao lucro tributável declarado no exercício anterior, era possível a qualquer destinatário, e aos Impugnantes em particular, apreender e compreender as razões pelas quais ele foi praticado, pelo que deveria o Tribunal a quo ter decidido que o ato impugnado não padece de qualquer vício de falta ou insuficiente fundamentação;

V. Em face do exposto, ao invés do decidido, deveria o douto tribunal a quo ter considerado ter sido assegurado aos Impugnantes o direito de participação, concretamente a audição prévia às conclusões da ação inspetiva, e, outrossim, que o ato de liquidação sindicado se encontra devidamente fundamentado, e, em consequência deveria ter concluído pela inexistência de qualquer preterição de formalidade legal conducente à anulabilidade do ato tributário impugnado;

W. Pelo que, urge concluir que a sentença recorrida deve ser revogada, na parte em que anulou o ato de liquidação de IRS n.° ….., compensação n.° ….., demonstração de acerto de contas n.° ….. e compensação n.° ….. (do ano de 2007), assim se fazendo a costumada Justiça!»
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Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
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O Ministério Público deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
I. De Facto
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
«
A) F….. e M….. (ora impugnante) são casados (facto aceite por confissão e acordo);
B) O impugnante marido está enquadrado, em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral pelo exercício de extracção de calcário e cré CAE (actual) 008113 e em sede de IRS esteve enquadro no Regime Geral de Tributação e desde 01-01-2008 no Regime Simplificado (fls 197 a 206, do PAT);
C) Nos anos de 2006 e 2007 os impugnantes apresentaram declaração conjunta de rendimentos;
D) Pelo ofício n° ….. de 16-05-2008 o impugnante marido foi notificado para esclarecer (fls 82, 214 a 227, do PAT);
E) Em 26-05-2008 os impugnantes procederam à entrega da Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2007, contendo os Anexos A, B, C, F e H (fls 240 a 249, do PAT);
F) Na sequência da apresentação da declaração referida no ponto anterior em 2808-2008 foi emitida a liquidação n° ….., no valor de €3.504,39, cujo pagamento foi efectuado em 29-05-2009 (fls 250 e 251, do PAT);
G) Em 07-04-2009 foi emitida a Ordem de Serviço ….., com vista a dar cumprimento ao procedimento de inspecção interna de âmbito parcial - IRS e IVA - do ano de 2006 a ambos os impugnantes (fls 71 a 135, do PAT);
H) Pelo ofício n° ….. de 15-04-2009 o impugnante marido foi notificado, nos termos seguintes (fls 228 a 238, do PAT):
(...).





(…).
I) Em 20-04-2009 foi emitida a procuração junta a fls 232, do PAT, com os seguintes dizeres:
(…).
F….., casado, residente na ….. Lamas, Cadaval, constitui seus bastantes procuradores os Srs. Drs. M….. e M….., Advogados, com escritório forense à …..Santarém, quem confere os mais amplos poderes forenses, em Direito permitidos, com os de substabelecer.________________________
J) Em 06-05-2009 o mandatário prestou os esclarecimentos nos termos de fls 94, 95, 230 a 238, do PAT:
Assunto: Orem de serviço: ….., saída ….. de 15/4/2009(...). Represento o contribuinte F….., com sede social na …..Lamas e, com vista a informar Vossa Exa do pretendido somos a informar:
1° As facturas em causa reportam-se ao primeiro (1°), segundo (2°) e terceiro (3°) trimestres de 2006.
2° Dizem respeito a trabalhos de terraplanagem, movimentação de terras na pedreira do Requerente, e contribuinte sita na ….., concelho de Santarém.
3° Como Vossa exa poderá calcular, este tipo de trabalhos não se compadecem com a realização de contratosde empreita, folhas de presença, autos de medição, folhas de obra, guuias de transporte, trocas de correspondência, etc, conforme solicitado, pelo que, os referidos elementos não existem.
4° Ao abrigo do dsipsoto no n° 4 do art° 59° da Lei Geral Tributária (LGT), entregues e confiados a este, cumpre informar Vossa Exa de que, o contacto foi directo com o empreiteiro C….., Lda e os trabalhos de terraplanagem foram sendo que, o pagamento foi efectuado em numerário.
(...).
K) Na sequência do procedimento de inspecção tributário referido e, G) foi elaborado projecto de Relatório de Inspecção, no âmbito do qual foi efectuada correcção aos rendimentos declarados no ano de 2006 vindo, o impugnante marido, a ser notificado para exercer o direito de audição prévia, em 11-052010, tendo-o exercido em 26-05-2010
L) Em 16-06-2010 foi elaborado o relatório de inspecção (RI), junto a fls 72 a 132, do PAT, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta nomeadamente:





















































(…)
M) Em 29-06-2010, o impugnante marido, foi notificado do Relatório Final de Inspecção Tributária (136 a 141, do PAT);
N) Por via da notificação de fls 159, do PAT o mandatário do impugnante marido foi notificado da decisão em sede de procedimento inspectivo;
O) Em 01-07-2010 a notificação do RI foi recebida pelo impugnante marido (facto aceite por confissão);
P) Foi emitida a liquidação n° ….., no valor de €17.166,60, com montante a pagar de €19.247,28, conforme nota de compensação n° …..e com data limite de pagamento em 03-11-2010 (fls 59 a 61, do PAT);
Q) Em 27-09-2010 foi emitida a Demonstração da liquidação de IRS n° ….., relativo ao IRS do ano de 2007, no valor de €5.009,87, com montante a pagar de €1.505,48 e nota de compensação n° ….. (fls 63 a 65, do PAT);
R) Foi instaurado o processo de execução fiscal n° …..referente à dívida de IRS do ano de 2006 (fls 142 a 144, do PAT);
S) Foi instaurado o processo de execução fiscal n° ….., referente à dívida de IRS do ano de 2007 (fls 145 a 147, do PAT);
T) M….. não intervia na negociação com os fornecedores, clientes, ou por qualquer outro modo com a actividade da pedreira (inquirição das testemunhas);
U) No ano de 2006 o Sr. F….. tinha três funcionários (inquirição das testemunhas)

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No que respeita a factos não provados, nos dizeres da sentença: “Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
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A convicção do Tribunal Tributário de Lisboa formou-se, nos dizeres da sentença, “no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e não impugnados e na inquiração das testemunhas (…).”
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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se encontrar provado documentalmente, e se poder relevar útil à decisão do recurso, adita-se o seguinte facto:
V) A demonstração de liquidação de IRS referente ao ano fiscal de 2007, bem como as demonstrações de acerto de contas de IRS referente ao ano fiscal de 2007, tinham o seguinte teor, conforme documentos 3, 4 e 5 juntos com a p.i., fls. 17, 18 e 19 dos autos:






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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação:
i) Improcedente a impugnação no que respeita ao acto de liquidação nº ….., compensação nº ….., demonstração do acerto de contas …..e compensação nº ….. (relativa ao ano de 2006);

ii) Procedente a impugnação no que respeita ao acto de liquidação nº ….., compensação nº ….., demonstração de acerto de contas nº ….. e compensação nº ….. (do ano de 2007) por se verificar a falta de fundamentação e de audição prévia à liquidação.

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão.

Na conclusão de recurso A., a recorrente vem alegar que foi determinada a anulação do acto de liquidação de IRS n.° ….., certamente por lapso, uma vez que a referida liquidação respeita ao ano de 2006 e não foi anulada. A liquidação que foi anulada foi a nº ….. respeitante ao ano de 2007, por se verificar a falta de fundamentação e de audição prévia à liquidação, conforme se extrai do dispositivo da sentença recorrida.

Invoca a recorrente que a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por a mesma padecer de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito ao determinar a anulação do acto impugnado com fundamento na falta de audição prévia.

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, requer a recorrente [conclusão de recurso D.] que sejam aditadas ao probatório novas alíneas com o seguinte teor:

- na liquidação n.° ….. foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e o montante de perdas a recuperar de €4.584,44, cfr. 250 e 251 do PAT;
- na liquidação n.° ….. foi considerado o rendimento global de €40.033,45 e perdas a recuperar de €0,00, cfr. fls. 63 a 65 do PAT;

E na conclusão de recurso E., alega que Entre os dois atos tributários de liquidação, respeitantes ao IRS do ano de 2007, verifica-se que os distingue apenas o valor das perdas a recuperar, no primeiro, ao valor do rendimento global de €40.033,45 foi subtraído o montante de €4.584,44; ao segundo, o impugnado, ao valor do rendimento global de €40.033,45 não foi subtraído qualquer montante a titulo de perdas a recuperar. Sendo que, é relativamente ao segundo ato tributário de liquidação que o tribunal a quo considerou verificada a violação do direito de audição;

Ora, embora a recorrente cumpra o ónus previsto no art. 640º do CPC, não se vislumbra em que é que o aditamento de tais factos levará à conclusão que não houve violação do direito de audição ou de que o acto estava devidamente fundamentado, uma vez que, como se sabe, a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”, estando, assim, legalmente proibida a fundamentação a posteriori.

«A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”.»(1)

Assim, aditámos ao probatório (alínea V) o teor da liquidação e demonstração de acerto de contas, referente ao exercício de 2007, para melhor se perceber o que está em causa.

E nas conclusões de recurso F., G. e H., a recorrente mais não faz do que tentar fundamentar, ou melhor dizendo, explicar a fundamentação do acto anulado, para concluir [na conclusão I., J.e K.] que Assim, certo se tornava concluir que os Impugnantes, ao serem notificados do projeto de relatório da ação inspetiva, ficaram cientes de que, em resultado das correções operadas com respeito ao ano de 2006, o resultado negativo declarado relativamente a esse ano havia sido desconsiderado, pelo que não se mantinha o montante de € 4.584,44, a título de perdas a recuperar; Do anteriormente exposto resulta que nada justificava que os Impugnantes fossem de novo ouvidos antes da emissão da liquidação sindicada, sendo certo que, nos termos do n° 3 do artigo 60° da LGT, “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado."; Ora, no caso, repete-se, aos Impugnantes foi, pois, assegurado o direito de participação, concretamente a audição prévia às conclusões da ação inspetiva, pelo que daqui resulta, à evidência, a desnecessidade de ouvir, uma vez mais, os Impugnantes antes da emissão da liquidação de IRS impugnada.

Não concordamos com a recorrente.
Tal como se escreveu na sentença recorrida:
«A liquidação de IRC sub judice, como já mencionado, decorre da correcção aritmética ao IRS de acordo com a ….., acção inspectiva que teve como propósito inspecção tributária ao ano de 2006 e 2007, mas com correcções apenas relativas àquele ano.
Ou seja: tendo sido corrigido o lucro tributável ao ano de 2006 os prejuízos fiscais apurados nesse ano e que seriam deduzidos no ano seguinte passaram a ser nulos e foi necessário a AT corrigir o valor de prejuízos declarados, anulando-os, face à correcção efectuada em 2006. O que significa que face à liquidação nº ….., bem assim como a demonstração do acerto de contas, os impugnantes não tiveram conhecimento da razão que levou a AT à sua emissão e ao valor que ainda faltava liquidar.
(…)
No caso a liquidação nº …..foiefectuada com base na declaração Modelo 3 de IRS apresentada pelos impugnantes em 2008 e em, 27-09-2010 foi emitida nova liquidação (que a AT apelida de “reeliquidação”) relativa ao ano de 2007 que, foi objecto de correcção e os factos e a interpretação jurídica feita conduziram ao apuramento de diferentes valores (da declação Modelo 3 apresentada em 2008), que foi concretizada na emissão da liquidação nº …..).
E, assim, a AT praticou um acto de liquidação correctiva com base em factos anteriormente inexistentes na declaração Modelo 3 (do ano de 2007) que apenas foram determinados em resultado da acção inspectiva e, com base em correcção “desfavorável” apurou um montante de imposto a pagar superior ao anteriormente apurado.
Pelo que, no caso não estaria a AT dispensada de notificar os ora impugnantes para o exercício do direito de audição, como advoga.
Quanto à falta do direito de audição e «quando estão em causa vícios procedimentais geradores de mera anulabilidade, como é o caso da violação do artigo 60º da LGT, admite-se, por força de segurança jurídica e, sobretudo de economia processual, o acto administrativo, apesar de inválido, não deve ser anulado quando, designadamente, o seu conteúdo “não possa ser outro e não haja interesse relevante na anulação” ou “ quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício formal não teve qualquer influência na decisão” (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p.179)»
Porém, no caso era exigível o cumprimento da formalidade até porque e concomitantemente com aquele vício é arguido o vicio de falta de fundamentação.»

Concorda-se com o decidido, embora importe fazer uma correcção ao que foi escrito na sentença recorrida e que não se mostra correcto.

De acordo com a ….., a acção inspectiva teve como propósito inspecção tributária somente ao ano de 2006 e não ao ano de 2007 - tal como se escreveu na sentença recorrida - e com correcções, igualmente, relativas àquele ano de 2006.
Essa conclusão facilmente se retira das alíneas G) e K) do probatório.

Assim sendo, vejamos.

Conforme alíneas K) e L) do probatório, na sequência do procedimento de inspecção tributário referido em G) foi elaborado projecto de Relatório de Inspecção, no âmbito do qual foi efectuada correcção aos rendimentos declarados no ano de 2006 vindo, o impugnante marido, a ser notificado para exercer o direito de audição prévia, em 11-05- 2010, tendo-o exercido em 26-05-2010, e em 16-06-2010 foi elaborado o relatório de inspecção (RI).
Alega a recorrente que uma vez que os impugnantes, ao serem notificados do projecto de relatório da acção de inspectiva ficaram cientes de que, em resultado das correcções operadas com respeito ao ano de 2006, o resultado negativo declarado relativamente a esse ano havia sido desconsiderado, pelo que não se mantinha o montante de € 4.584,44, a título de perdas a recuperar, pelo que não justificava que os impugnantes fossem de novo ouvidos antes da liquidação sindicada, remetendo para o nº 3 do art. 60º da LGT, e considerando que aos impugnantes foi assegurado o direito de participação, concretamente a audição prévia às conclusões da acção inspectiva.
Nas alegações de recurso parece a recorrente olvidar que o impugnante marido foi notificado para exercer o direito de audição em sede de inspecção onde foram efectaudas correcções com respeito ao ano de 2006.
Ora, a liquidação que está em causa respeita ao ano de 2007, e conforme alínea V) do probatório, a mesma não faz nenhuma menção a anulação das perdas anuladas do ano anterior.
Deste modo, não se compreende que o recorrente alegue que não se justificava que os impugnantes fossem de novo ouvidos antes da emissão da liquidação sindicada, tanto mais, que conforme alíneas E) e F) do probatório, os impugnantes procederam à entrega do Mod.3 de IRS referente ao ano de 2007 e na sequência dessa apresentação foi emitida a liquidação nº ….., no valor de €3.504,39, cujo pagamento foi efectuado em 29/05/2009.

Por outro lado, importa, ainda, apreciar se a liquidação em apreço encerra as razões que sustentam a decisão nelas contida, de forma a que as mesmas sejam acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição dos impugnantes.
«É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução).
Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.)
Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).
E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede do adequado meio processual.»
(2)

Retornando ao caso concreto, tendo sido corrigido o lucro tributável ao ano de 2006 os prejuízos fiscais apurados nesse ano e que seriam deduzidos no ano seguinte passaram a ser nulos e foi necessário a AT corrigir o valor dos prejuízos declarados, anulando-os, face à correcção efectuada em 2006, mas essa fundamentação não foi levada ao conhecimento dos impugnantes, pelo que os mesmos desconheciam a razão que levou a AT à emissão da liquidação em crise referente ao ano de 2007.
Ora, retira-se da impugnação e dos demais elementos dos autos, que os impugnantes não percepcionaram devidamente as razões do decidido pela AT, pelo que o acto tributário referente ao ano de 2007 não estava devidamente fundamentado.
Deste modo, forçoso é concluir, como na sentença recorrida, que se verifica a falta de fundamentação e de audição prévia à liquidação referente ao ano de 2007, pelo que a referida sentença não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


***

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e consequentemente, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]
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(1) Acórdão do STA de 22/03/2018, Proc. 0208/17, disponível em www.dgsi.pt
(2) Acórdão do STA de 09/09/2015, Proc. 01173/14, disponível em www.dgsi.pt.