Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:998/17.0BELSB
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
DIREITO À HABITAÇÃO
Sumário:i) No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

ii) Não vindo minimamente demonstrada a ilegalidade do acto que determinou o despejo da fracção que a requerente da providência ocupava sem título, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobra, por falta do indispensável fumus boni juris.

iii) Ademais, a Requerente também não tem qualquer razão ao afirmar que não tem alternativa habitacional caso venha a ter de desocupar o fogo municipal em causa, desde logo porque resulta provado que ela e os seus filhos são coabitantes autorizados noutro fogo municipal sito na Rua ....., Bairro ....., em Lisboa, habitação onde vivia com a sua mãe até ter decidido ocupar, de forma abusiva e sem que tenha autorização para tal, a fracção agora reivindicada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Nadine ..... (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que indeferiu a providência cautelar por si intentada contra a sociedade G....., SA., (Recorrida), não suspendendo a eficácia do acto impugnado que ordenou o despejo coercivo da habitação por esta ocupada, sita na Rua ....., Lote …, … Esq., em Lisboa, bem como indeferiu o demais peticionado quanto à atribuição, ainda provisória, da fracção em causa..

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1. O processo cautelar tem uma finalidade própria que consiste em assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida a final;

2. Ora, no caso de o direito da Requerente não ser devidamente acautelado, poderá originar a produção de prejuízos de difícil reparação ou até mesmo uma situação de facto consumado, atentos os parcos rendimentos auferidos pela Requerente e a composição do seu agregado familiar, o qual é composto por duas crianças menores e o facto de o seu companheiro se encontrar desempregado;

3. Existe no caso dos autos 2 fundamentos evidenciados para a providência cautelar ter improcedido: o facto de a douta sentença ter dado como não assente que a Requerente residisse na habitação em data anterior a 2009 e o facto de em caso de ocupação não autorizada anterior a 30/12/2009 ser necessário para atribuição da casa ocupada que o ocupante após a entrega dos documentos se inscreva no Regime de Acesso à Atribuição de Habitação Municipal, a fim de a sua situação sócio-familiar ser avaliada e aguarde a pontuação que lhe cabe (a qual tem de se situar acima da pontuação mais baixa que permitiu o acesso à habitação para a sua tipologia) e aguardar a sua vez;

4. A segunda questão, a da falta de preenchimento dos requisitos para a atribuição de fogo municipal nos termos do art.º 6º n.º 2 do Regulamento das Desocupações Habitacionais Municipais, sempre se dirá que nunca poderia ser aferido pois enquanto a própria Requerida não reconhecer a existência desse hipotético direito e não reconhecer hipoteticamente que a Requerente habita o fogo em data anterior a 31/12/2009, nunca a documentação pode ser entregue para ser apreciado se a Requerente tem direito a habitação por ter uma pontuação mais alta do que a mais baixa atribuída para aquela tipologia;

5. Ou seja, temos a verdadeira “pescadinha de rabo na boca”, em que a Requerente poderia ter direito à casa mas não sabe se tem porque não sendo reconhecido que aí se encontra em data anterior a 31/12/2009 nem nunca o seu processo poderá ser apreciado;

6. Certo é que nos autos existem também indicações de que a Requerente fornecia outras moradas como sendo suas, pois na verdade a Requerente pese embora residisse em data anterior a 31/12/2009 na mesma habitação onde hoje reside sempre procurou regularizar a atribuição de uma qualquer habitação que lhe permitisse viver condignamente;

7. E não se diga que a Requerente tem alternativa habitacional, pois foi a própria mãe da Requerente que a colocou na rua antes ainda de esta ser mãe, mas continuando perante a G..... a dizer que esta aí morava….

8. O que é certo é que a Requerente desde logo fica impedida de demonstrar aquilo que alega se nem as suas testemunhas são ouvidas e tudo é logo decidido apenas com base nos documentos apresentados pela Requerida…

9. Com todo o respeito, mas que justiça será esta em que apenas se houve uma das partes e se atende às provas por si apresentadas e se decide sem necessidade de apreciar as provas apresentadas pela outra parte?

10. A Requerente é mãe solteira, com dois filhos menores a seu cargo;

11. Não dispondo a Requerente, e os seus filhos de qualquer alternativa habitacional, ou de meios para a adquirir, em condições de dignidade e adequadas às suas duas filhas;

12. Sendo que, a desocupação e despejo da requerente e dos seus dois filhos, onde vive nos últimos anos, pagando uma mensalidade elevada para os seus parcos rendimentos, agravaria uma injustiça, já de si mesmo, gritante;

13. E deixaria a Requerente e os seus filhos, ambos menores e totalmente dependentes da Requerente, sem qualquer local para viver, pelo que todos (a Requerente e seus filhos menores) teriam que começar a viver na rua;

14. São requisitos para a providência cautelar o “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, sendo que se encontra demonstrado receio da lesão grave e dificilmente reparável, mormente o sério risco que a Requerente tem de ter de ir viver para o meio da rua com as suas filhas menores;

15. Sendo certo que é evidente, por tudo o exposto, o periculum in mora;

16. O direito a habitação encontra-se consagrado no art.º 65º da CRP;

17. Sendo que o acto administrativo impugnado é violador daquele art.º 65º da CRP;

18. A procedência da providência cautelar apenas se limita a assegurar os mais elementares direitos constitucionais da Requerente;

19. Até porque estando a renda a ser pontualmente paga, nenhum sério prejuízo tem a Requerida;

20. E isto porque destinando a Requerida o imóvel ao arrendamento, objectivamente sendo-lhe pagas mensalmente todas as rendas devidas pela utilização do imóvel verifica-se não ter a Requerida qualquer prejuízo;

21. Pelo que sempre deverá a providência cautelar proceder sob pena de violação do art.º 65º da CRP e do art.º 6º n.º 2 do Regulamento das Desocupações Habitacionais Municipais;

22. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.

A Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, onde conclui:


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do artigo 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter indeferido a providência cautelar requerida, devendo antes ter concluído pela inexistência de fumus boni juris e de periculum in mora.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. No âmbito do realojamento das famílias residentes na Quinta ....., o fogo municipal, sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) - … Esq., Bairro ....., em Lisboa, de tipologia T2, foi atribuído a título de cedência precária por decisão da Câmara Municipal de Lisboa, de 29.03.2001, ao agregado composto por Ermelinda ..... (titular) e marido, Carlos ..... (coabitante autorizado), por despacho da então Chefe da Divisão de Gestão e Programação Social dos Realojamentos, ao abrigo de subdelegação de competências.

Cfr. fls. 46-50 e 51 do Processo Administrativo (PA), cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2. Por protocolo celebrado em 01.06.1999 foi atribuído pela CML à “G.....” a gestão e administração do bairro municipal denominado Bairro ..... onde se insere o fogo municipal identificado no ponto 1.

Cfr. Doc.2 junto na oposição, cujo teor se considera integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

3. A titular Ermelinda ….. faleceu em 05.03.2008. Cfr. fls.92 do PA.

4. Em 16.08.2013, Carlos ..... (coabitante autorizado), requereu a transferência de habitação alegando “ter tido um AVC e estar numa cadeira de rodas. Se possível para o Bairro ..... onde a minha filha reside, pois tenho o apoio dela”.

Cfr. fls.87 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5. No âmbito da actualização da ocupação das habitações sociais e dos seus residentes a titular do fogo foi notificada, por ofício da “G.....” de 11.07.2013, para apresentar a documentação ali discriminada e devolver aquele ofício acompanhado da ficha de composição do agregado original devidamente preenchida e assinada.

Cfr. fls.88 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. Em 29.07.2013, em resposta, Carlos ..... procedeu à entrega dos documentos solicitados e declarou na ficha de composição do agregado familiar que os elementos que o compõem eram apenas ele e a sua falecida cônjuge.

Cfr. fls.90-106 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7. Em 02.02.2014 faleceu Carlos ..... (o único coabitante autorizado).

Cfr. fls.115 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Em 11.03.2015, face ao falecimento da titular e do seu marido, a técnica de intervenção local do Gabinete de Bairro da “G.....” propôs: i) o cancelamento da conta do fogo municipal com efeitos à data do falecimento de Carlos .....; ii) que a “G.....” tome posse do fogo municipal; iii) a anulação da dívida existente; iv) a notificação da filha da necessidade da entrega das chaves, caso contrário que se substituía a fechadura e se proceda à retirada dos bens para depósito municipal.

Cfr. fls.118-120 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

9. Em 27.03.2015, o neto de Carlos ....., João ..... procedeu à entrega das chaves do fogo municipal em causa, declarando que “deixamos a casa devoluta de bens”.

Cfr. Doc.7 junto na oposição, cujo teor se considera integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

10. Em 31.03.2015, quando um dos fiscais da “G.....” pretendia efectuar a vistoria ao referido fogo municipal, constatou que “o fogo encontra-se ocupado” (…) “(A) porta não tem sinais de arrombamento, a chave que foi entregue abre a porta de patim e dentro do fogo existe sinais de estar habitado”.

Cfr. fls.121 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

11. No dia 31.08.2015 a Polícia Municipal deslocou-se ao fogo municipal e notificou o ocupante, Fábio ....., para desocupação imediata da habitação, deixando-a livre e devoluta, com fundamento no facto da mesma ter sido ocupada sem autorização e à revelia da CML, ao abrigo do nº7-A e nº3 do art.4º do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM), sendo que, caso não procedesse a tal desocupação a Polícia Municipal a executaria de forma coerciva, transferindo os bens para depósito municipal, conforme disposto no nº7-A do art.4º do RDHM.

Cfr. fls.124-125 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

12. Os serviços da G..... apuraram que a ora Requerente faz parte da ficha de agregado da sua mãe, Maria ....., titular do fogo municipal sito na Rua ....., nº … (antigo lote …) -… Dto., Bairro ....., em Lisboa, de tipologia T2, desde 01.02.2001.

Cfr. Doc.10 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

13. Em 24.08.2015 a Requerente dirigiu dois requerimentos ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, solicitando que certificasse se foi entregue a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2014 e se em seu nome ou dos seus dois filhos existem bens imóveis, onde declarou residir na Rua ....., Lote …-… Dto., Lisboa.

Cfr. Docs.13 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

14. Em 08.09.2015, a mãe da Requerente, no âmbito do procedimento de revisão de renda por si solicitado, declarou junto dos serviços da “G.....” que os elementos que compõem o agregado familiar que habita o fogo municipal sito na Rua ....., nº… (antigo lote …) -… Dto., Bairro ....., eram a sua filha Nadine ..... (ora Requerente), nascida …... e os seus dois netos menores Fábio ..... e Melissa….., nascidos em …... e …..., respectivamente.

Cfr. Docs.10 e 11 juntos com a oposição e Docs.12 e 13 do requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15. Nessa mesma data a mãe da Requerente entregou nos serviços da G..... o extracto de remunerações da Segurança Social no período de 2012/11 a 2015/04 datado de 27.08.2015 e as declarações emitidas pelo de Serviço de Finanças Lisboa … em 24.08.2015 referentes à Requerente dos quais constam que a sua morada é Rua ....., nº… (antigo lote …) - … Dto., Bairro ....., Lisboa.

Cfr. Docs.12 e 13 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16. No dia 20.04.2017, considerando que a desocupação em causa não se realizou, a Polícia Municipal deslocou-se novamente ao fogo municipal, sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) - … Esq., Bairro ....., em Lisboa, afixando na porta de entrada a notificação para os ocupantes, entre o mais, desocuparem no prazo de 3 três dias úteis a habitação, deixando-a livre e devoluta, com fundamento no facto da mesma ter sido ocupada sem autorização e à revelia da CML, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do art.4º do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM) e do nº2 do art.35º da Lei nº32/2016, de 24 de Agosto, sendo que, caso não procedesse a tal desocupação a Polícia Municipal a executaria de forma coerciva, transferindo os bens para depósito municipal e, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, seriam considerados abandonados, podendo a “G.....” dispor deles, sem direito a qualquer compensação, nos termos do disposto no nº6 do art.4º do RDHM e no nº5 do art.28º da Lei nº32/2016 e que o não cumprimento da ordem de desocupação fara incorrer no crime de desobediência, conforme disposto na alínea b) do nº1 do art.349º do Código Penal.

Cfr. Doc.1 junto com o requerimento inicial (RI), cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Mais se provou que:

17. A Requerente no ano de 2015 ocupou o fogo municipal, sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) – … Esq., Bairro ....., em Lisboa, sem autorização e à revelia da CML.

Cfr. Doc.1 junto com o RI e fls.124-125 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

18. A Requerente no contrato de trabalho celebrado com a “M....., SA” a vigorar a partir de 28.09.2016 para o exercício de funções de empregado de refeitório na empresa “U....., SA” declarou residir na Rua ....., nº…- … Esq., ….-… Lisboa.

Cfr. Doc.3 junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

19. A Requerente e os seus filhos são coabitantes autorizados no fogo municipal sito na Rua ....., nº…-… Dto., Bairro ....., em Lisboa.

Cfr. Doc.10 junto com a oposição.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:

1. A Requerente reside desde 2008 no fogo municipal sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) - … Esq., Bairro ....., em Lisboa.

Cfr. Docs.10 e 11 juntos com a oposição.

2. A Requerente não dispõe de qualquer alternativa habitacional.

Cfr. Docs.10 e 11 juntos com a oposição.



II.2. De direito

A questão trazida a juízo consiste em apurar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter indeferido a providência cautelar requerida e não intimando o Município ora Recorrido a abster-se de executar o despejo da fracção identificada nos autos.

Para assim decidir, após ter efectuado o devido enquadramento normativo no que se refere à tutela cautelar, afirmou a Mma. Juiz a quo o seguinte:

No caso presente, e no que concerne ao “fumus boni iuris”, a Requerente alega que, por residir em data anterior a 24 de Setembro de 2009 no fogo municipal sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) - … Esq., Bairro ....., em Lisboa, encontra-se demonstrado o seu direito ao arrendamento por preenchimento do requisito cronológico prévio, nos termos do nº1 do art.6º do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM).

Vejamos.

Como vimos, o art.120º, nº1 do CPTA, prevê actualmente que a providência cautelar seja deferida se for possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão a formular na acção principal (uma vez reunidos os restantes requisitos).

Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

No caso em apreço não cabe proceder à análise de todos os vícios invocados, ainda que apenas com vista a avaliar da sua probabilidade, constituindo essa apreciação uma antecipação de juízos sobre o objecto da acção a intentar, assim se invadindo uma área que há-de ser tratada no processo principal.

Com efeito, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunam com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente.

No entanto, sempre será de exigir que possa formular-se um juízo positivo de probabilidade da procedência da pretensão.

No caso sub judice, no que respeita ao alegado “direito ao arrendamento” do fogo municipal em causa, afigura-se-nos não ser possível formular um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal, pois que não assiste razão à Requerente, nem tão pouco resulta demonstrada a probabilidade da ilegalidade na adopção do acto em crise.

Primeiro, porque não vem imputado nenhum vício ou ilegalidade ao acto suspendendo.

Depois porque, ao contrário do alegado, não ficou provado que a Requerente resida desde 2008 no fogo municipal sito na Rua ....., nº… (antigo Lote …) - …Esq., Bairro ....., em Lisboa, tendo antes ficado provado que ela terá ocupado tal fracção apenas em 2015, o que inviabiliza a aplicação do regime previsto no art.6º, nº1 do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM) como pretendido pela Requerente.

Bem pelo contrário, pois que resulta da prova produzida que a Requerente e os seus dois filhos menores são coabitantes autorizados no fogo municipal sito na Rua ....., nº…-… Dto., Bairro ....., em Lisboa, portanto, numa fracção situada num piso diferente do mesmo prédio da habitação que indevidamente ocupou algures no ano de 2015.

Recorde-se que a fracção municipal sita no … Esq. foi atribuído, a título de cedência precária, por decisão da Câmara Municipal de Lisboa, de 29.03.2001, ao agregado composto por Ermelinda ..... (titular) e marido, Carlos ..... (coabitante autorizado) ambos já falecidos (cfr. facto 1 do probatório), tendo o neto do casal João ..... entregue as chaves da habitação, devoluta de bens (cfr. facto 9 do probatório).

Também não colhe o argumento de que se encontra demonstrado o direito da Requerente àquele fogo municipal, pois que na tese apresentada, diga-se inverosímil, teria passado a residir em 2008 na fracção do … Esq. a fim de cuidar do coabitante autorizado Carlos ....., após a morte da esposa deste em Março de 2008 - circunstância essa não provada - sendo que, recorde-se, aquele havia sofrido um AVC ficando desde então sujeito a uma cadeira de rodas e que no ano de 2008 a Requerente tinha apenas treze anos de idade...

Acresce que a própria Requerente só passou a indicar ter residência no fogo municipal do … Esq. a partir do ano de 2016, pois que em Setembro de 2015, aquando da instrução do procedimento de revisão de renda do fogo municipal do … Dto. solicitado pela sua mãe, foram por si apresentados diversos documentos, datados de 24.08.2015, onde a Requerente declarou junto do Serviço de Finanças de Lisboa – … residir na Rua ....., Lote …-… Dto., Lisboa (cfr. factos 14 e 15 do probatório).

A Requerente também não tem qualquer razão ao afirmar que não tem alternativa habitacional caso venha a ter de desocupar o fogo municipal do … Dto., desde logo, porque resulta provado que, como, aliás, bem sabe, ela e os seus filhos são coabitantes autorizados no fogo municipal sito na Rua ....., nº…-… Dto., Bairro ....., em Lisboa, habitação onde vivia com a sua mãe até ter decidido ocupar, de forma abusiva e sem que tenha autorização para tal, a fracção municipal do … Esq. do mesmo prédio.

Assim sendo, não se verificando a imputação de vícios ao acto suspendendo e por outro lado, improcedendo o alegado direito da Requerente ao fogo municipal sito no … Esq. ao abrigo do citado art.6º, nº1 do RDHM não pode admitir-se como verificado o “fumus boni iuris” previsto na 2ª parte do nº1 do art.120º do CPTA.

Nestes termos, faltando a verificação do requisito relativo ao “fumus boni iuris” fica prejudicada a análise das demais condições de decretamento da providência cautelar, já que as mesmas são de verificação cumulativa.

Conclui-se, portanto, que a situação jurídica configurada em juízo não permite sustentar a existência do “fumus boni iuris”, tal como exigido pela 2ª parte do nº1 do art.120º do CPTA, o que acarreta necessariamente o indeferimento da providência pretendida.

(…)”

Pode já adiantar-se que a decisão recorrida é de manter.

Sobre o tema em debate já existe jurisprudência firmada, podendo indicar-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS de 1.10.2015, proc. n.º 12441/15, e de 24.02.2016, proc. n.º 12937/16 (este por nós relatado), cujos contornos factuais são em tudo idênticos aos presentes e de que extrai a conclusão da manifesta falta de fundamento da pretensão principal. De modo que, atenta a natureza instrumental das providências cautelares, que a exigência daquele requisito visa salvaguardar, não deve ser decretada a providência de suspensão de eficácia do acto que ordenou a desocupação do identificado fogo habitacional se é de concluir que a pretensão anulatória, necessariamente objecto da acção principal, está de modo manifesto votada ao fracasso – como se demonstrou na fundamentação da sentença recorrida.

A não ser assim, a providência cautelar destinar-se-ia apenas a retardar a execução do acto ora suspendendo e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto. Aliás, em bom rigor, a requerente e ora Recorrente não identifica uma causa de invalidade minimamente suficiente para afectar o acto impugnado, assentando toda a construção da causa de pedir na alegada existência de uma situação de periculum in mora.

Em abono da demonstração da correcção da decisão alcançada pelo tribunal a quo, importa ainda deixar os necessários considerandos.

Estatui o art. 120.º do CPTA revisto, sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que:

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

(…)”.

Do disposto neste art. 120º n.ºs 1 e 2 infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

1) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA revisto);

2) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e

3) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA revisto).

Como ensina Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, pp. 449 e 450:

Se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar: pense-se no risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado.

Do exposto resulta que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr. o recente ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16).

Quanto ao requisito do fumus boni juris, cumpre destacar que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória).

Neste particular, refere Vieira de Almeida, in A Justiça Administrativa (Lições), 15.ª ed., 2016, pp. 320 e s.:

“(…)

Antes de 2015, nas situações intermédias, que correspondem à grande maioria dos casos, em que há uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei optava por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade fosse maior, isto é, “se fosse provável que a pretensão principal viesse a ser julgada procedente nos termos da lei", podia ser decretada a providência, mesmo que fosse antecipatória; b) se a providência pedida fosse apenas uma providência conservatória, já não era preciso que se provasse ou que o juiz ficasse com a convicção da probabilidade de que a pretensão fosse procedente, bastando que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão principal ou a existência de circunstâncias que obstassem ao seu conhecimento do mérito. Por outras palavras, a lei bastava-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da acção principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obrigava a que se pudesse formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória.

A eliminação desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em alguns casos, da distinção conceitual entre as providências, mas significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias - e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material. [sublinhado nosso]

Seja como for, o fumus boni iuris não é decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, conforme veremos a seguir, a proporcionalidade dos efeitos.

Há, portanto, aqui, um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares), que deixa de ser, como era antes de 2002, a pretexto da sumaridade do conhecimento do juiz, sacrificada ou menosprezada por respeito, por vezes absolutamente indevido, ao poder administrativo e à pretensão de validade dos seus actos - embora o Código, com alguma prudência, não confira à "aparência do direito” uma prevalência absoluta, precisamente por estarem em jogo interesses contrapostos e conflituantes, que necessitam, como veremos melhor, de uma ponderação.

Na realidade, a relevância da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar - que, visando uma decisão provisória ou interina, se caracteriza justamente por uma cognição sumária sobrecarregando-o com uma argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um processo principal. A referência ao “fumus”, ou seja, à "aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais.

Também explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

Significa isto que no actual regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. E a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente.

Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal. Dito de modo inverso, embora a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não seja compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal, dessa análise terá que resultar já um juízo afirmativo de probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. Ónus a que a Recorrente, como se disse já, não deu sequer cumprimento.

Assim, não é possível decretar a pretendida providência cautelar, se através dela se visa apenas retardar a execução do acto, e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto, por esta se evidenciar votada ao fracasso.

Neste capítulo, transcreve-se a pronúncia do Ministério Público nesta sede, a qual demonstra, do nosso ponto de vista, o insucesso da alegação da Recorrente:

“(…)

Segundo alegou no RI é mãe solteira, jovem e empreendedora, mas não dispõe de alternativa habitacional, nem tem rendimentos suficientes para alugar qualquer outra casa onde possa dar condições de habitabilidade minimamente dignas aos seus filhos e ainda de prover ao sustento da família.

E que cuidou do seu padrinho, Carlos ..... (falecido em Fevereiro de 2014), até à morte deste em Março de 2008, passando ali a viver desde essa altura com os seus filhos e pago as rendas até ao dia em que a "G....." deixou de as aceitar.

Invoca o sério risco de ter de ir viver para o meio da Rua com os seus filhos menores.

Mas, não provou tais factos.

Conforme resulta da matéria assente com relevância para o presente recurso:

O fogo habitacional em questão foi atribuído a título de cedência precária por decisão da Câmara Municipal de Lisboa, de 29.03.2001, ao agregado composto por Ermelinda ..... (titular) e marido, Carlos ..... (coabitante autorizado), por despacho da então Chefe da Divisão de Gestão e Programação Social dos Realojamentos, ao abrigo de subdelegação de competências.

A titular Ermelinda ..... faleceu em 05.03.2008.

Em 02.02.2014 faleceu Carlos ..... (o único coabitante autorizado), tendo o mesmo indicado como único agregado familiar a sua falecida esposa.

Em 27.03.2015, o neto de Carlos ....., João ..... procedeu à entrega das chaves do fogo municipal em causa, declarando que "deixamos a casa devoluta de bens".

Em 31.03.2015, quando um dos fiscais da "G....." pretendia efectuar a vistoria ao referido fogo municipal, constatou que "o fogo encontra-se ocupado" (...) "(A) porta não tem sinais de arrombamento, a chave que foi entregue abre a porta de patim e dentro do fogo existe sinais de estar habitado".

Os serviços da G..... apuraram que a ora Requerente faz parte da ficha de agregado da sua mãe, Maria ....., titular do fogo municipal sito na Rua ....., nº … (antigo lote …) -… Dto., Bairro ....., em Lisboa, de tipologia T2, desde 01.02.2001.

Em 08.09.2015, a mãe da Requerente, no âmbito do procedimento de revisão de renda por si solicitado, declarou junto dos serviços da "G....." que os elementos que compõem o agregado familiar que habita o fogo municipal sito na Rua ....., nº … (antigo lote …) -… Dto., Bairro ....., eram a sua filha Nadine ..... (ora Requerente), nascida em ……1995 e os seus dois netos menores Fábio ..... e Melissa ….., nascidos em …... e …..., respectivamente.

Nessa mesma data a mãe da Requerente entregou nos serviços da G..... o extracto de remunerações da Segurança Social no período de 2012/11 a 2015/04 datado de 27.08.2015 e as declarações emitidas pelo de Serviço de Finanças Lisboa … em 24.08.2015 referentes à Requerente dos quais constam que a sua morada é Rua ....., nº … (antigo lote …) - … Dto., Bairro ....., Lisboa.

A Requerente no ano de 2015 ocupou o fogo municipal, sito na Rua ....., nº …(antigo Lote …) - … Esq., Bairro ....., em Lisboa, sem autorização e à revelia da CML.

A Requerente no contrato de trabalho celebrado com a "M....., SA" a vigorar a partir de 28.09.2016 para o exercício de funções de empregado de refeitório na empresa "U....., SA" declarou residir na Rua ....., nº …- … Esq., ….-… Lisboa.

A Requerente e os seus filhos são coabitantes autorizados no fogo municipal sito na Rua ....., nº …-… Dto., do Bairro ....., em Lisboa.

A matéria de facto que ora invoca não foi sequer alegada no RI inicial, tendo-se limitado a afirmar que residia no fogo em questão e que não tem onde residir se for.

A Recorrida comprovou documentalmente, e constam mesmo factos demonstrados por informações inseridas em documentos assinados pela própria Requerente, parte relevante dos factos assentes, pelo que, não se vê como seria necessária a inquirição de testemunhas, face à evidência resultante dos referidos documentos.

A Requerente não demonstrou, sequer, que habita fundadamente o fogo em questão e que se dele for despejada não tem onde viver com os seus filhos.

O que se conclui dos factos apurados é que a ora Recorrente é ocupante autorizada e faz parte do agregado familiar de outra inquilina de outro fogo municipal, arrendado pela sua mãe, tendo ocupado, indevidamente e sem autorização, a habitação em causa, à qual não tem qualquer direito. Como de igual modo, resulta documentalmente provado que tem alternativa habitacional. [sublinhado nosso]

E, para além do exposto, fez afirmações que dolosamente sabe não corresponderem à verdade que bem conhece.

Acresce que a própria Requerente só passou a indicar ter residência no fogo municipal do … Esq. a partir do ano de 2016, pois que em Setembro de 2015, aquando da instrução do procedimento de revisão de renda do fogo municipal do … Dto. solicitado pela sua mãe, foram por si apresentados diversos documentos, datados de 24.08.2015, onde a Requerente declarou junto do Serviço de Finanças de Lisboa — … residir na Rua ....., Lote …-… Dto., Lisboa — cf. factos 14 e 15 do probatório.

Assim, manifestamente não demonstrou, sequer, o requisito do fumus boni iuri, isto é, que o ato em apreço padeça de qualquer ilegalidade e que a ação a propor para impugnação do mesmo tenha qualquer viabilidade de procedência.

Nestes termos, faltando a verificação do requisito relativo ao "fumus boni iuris" sempre fica prejudicada a análise dos demais requisitos de decretamento da providência cautelar, ainda que porventura a ora Recorrente os pudesse demonstrar, uma vez que as mesmas são de verificação cumulativa - art.1202 do CPTA.

O que, conforme bem decidiu o Tribunal a quo, conduz necessariamente ao indeferimento da providência pretendida.

Razões que determinam, por si só, a improcedência do recurso.

Insistindo, por outro lado, a Recorrente no seu direito à habitação, cumpre dizer uma última palavra relativamente ao direito social à habitação. Este, ex vi art. 65.º, n.º 1 da CRP, não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação, antes rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público (sobre esta questão, também em caso similar ao presente, o ac. deste TCAS de 2.04.2014, proc. n.º 1133/14; idem o ac. deste TCAS de 21.03.2013, proc. n.º 9712/13). Sendo que, demonstra afinal o probatório que vem fixado, à requerente da providência e seu agregado familiar encontra-se assegurado o alojamento noutra habitação.

Também por aqui não se antevê, portanto, o mínimo de probabilidade de ganho de caus na acção principal.

Donde, na falta de prova, ainda que sumária, da invalidade do acto suspendendo, não poderia deferir-se a providência requerida, tornando-se assim inútil sequer conhecer do requisito do periculum in mora. Improcede desde modo a pretensão da Recorrente em ver (melhor) apreciada a existência de periculum in mora.

Perante o que se vem de dizer, naturalmente se conclui que não poderia ocorrer, ainda que autonomamente, o deferimento do pedido de manutenção da ocupação da fracção identificada nos autos e por si ocupada sem título, ainda que provisoriamente.

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem que ser negado provimento ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida.


III. Conclusões

Sumariando:

i) No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

ii) Não vindo minimamente demonstrada a ilegalidade do acto que determinou o despejo da fracção que a requerente da providência ocupava sem título, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobra, por falta do indispensável fumus boni juris.

iii) Ademais, a Requerente também não tem qualquer razão ao afirmar que não tem alternativa habitacional caso venha a ter de desocupar o fogo municipal em causa, desde logo porque resulta provado que ela e os seus filhos são coabitantes autorizados noutro fogo municipal sito na R....., Bairro ....., em Lisboa, habitação onde vivia com a sua mãe até ter decidido ocupar, de forma abusiva e sem que tenha autorização para tal, a fracção agora reivindicada.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 24 de Maio de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos (em substituição)