Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06678/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/09/2013
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRS.
RETENÇÃO NA FONTE.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
Sumário:I) Não dispondo os depoimentos ouvidos nos autos a virtualidade de permitir outra leitura da realidade em apreço, na medida em que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

II) É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares.

III) Perante a matéria descrita no RIT, o percurso seguido pela AT mostra-se consistente, pois que existe uma determinada venda, cujo valor foi debitado na totalidade à entidade compradora, sendo que do preço total de venda do prédio rústico, apenas a quantia de € 2.123.273,96 foi relevado contabilisticamente na esfera da impugnante e a quantia de € 13.176.345.21 (= € 13.141.748,49 + € 34.977,55) foi contabilisticamente transferida da sub-conta POC-Clientes (conta 21.1.1.150-M......) para a sub-conta 25591 - Accionistas (Sócios), além de que a Recorrente não enjeita o facto de o valor em apreço ter entrado na esfera patrimonial do sócio, colocando apenas em crise o enquadramento da matéria feita pela AT.

IV) A alegação da Recorrente que aponta para a definição de tal valor como uma contrapartida relativamente ao aludido contrato-promessa não encontra apoio no probatório, que a Recorrente não pôs em causa, sendo que era forçoso ao êxito do recurso que, a recorrente, tivesse colocado em crise o julgamento da matéria de facto empreendido pela decisão recorrida.

V) Assim sendo, para além do referido proveito (€ 13.176.726,04) não se mostrar evidenciado na contabilidade, e o saldo devedor ter sido transferido na contabilidade da impugnante para a conta de Accionistas (sócios), o que lhe dá a natureza de adiantamento por conta dos lucros, sendo que dos autos resulta que o montante em causa foi posto à disposição do único sócio da impugnante, pelo que, a Administração Tributária não só demonstrou como quantificou o rendimento, devendo tal montante ser tributado como adiantamento por conta de lucros do ano de 2008, de acordo com o dispostos nos artigos 5º, nº 2, alínea h), 6º, nº 4 e 71º, nº 3, alínea c), ambos do CIRS.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
“José ................, Lda.” devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30-01-2013, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com o indeferimento do recurso hierárquico, contra a liquidação de IRS (retenção na fonte) e juros compensatório do ano de 2008, no montante total de € 2.783.790,91.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 197-206), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
a) Na modesta opinião da recorrente, para além de prova documental junta aos autos, que não foi tomada em conta, não obstante ser relevante para a decisão da causa,
b) As testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, esclareceram igualmente outros aspetos relevantes, não atendidos na Sentença recorrida, que preconizou uma errónea apreciação da matéria de facto, padecendo de erro de julgamento (conforme explanado, nos pontos 1 a 28 das presentes alegações).
c) Vem assim a recorrente, ao abrigo do preceituado na al. a) do art. 712º e nos termos do art. 685º-B, ambos do CPC, aplicável nos termos da al. e) do art. 2º do CPPT, requerer a V. Exas., a alteração da matéria de facto nos termos adiante expostos, devendo ser considerados como provados e adicionados ao probatório os seguintes factos:
A. A recorrente foi constituída em 02/05/2008, sendo o seu sócio único, igualmente o seu único gerente. (vide, Certidão de Registo Comercial, a fls. 19 a 20 dos presentes autos).
B. O prédio objeto da escritura de compra e venda referida no ponto c) do probatório, foi vendido pela recorrente, cerca de 6 meses depois da data da sua própria constituição (vide, ponto c) do probatório da Sentença de 1ª Instância e Certidão de Registo Comercial, a fls. 19 a 20 dos presentes autos).
C. Consta ainda do contrato promessa celebrado entre a recorrente e o seu único sócio gerente, na Cláusula Sétima que: “Encontra-se em apreciação a viabilidade da realização de um projeto turístico para a parcela em questão que as partes expressamente declaram conhecer e que é o motivo essencial do interesse do Segundo Outorgante (ora recorrente) na mesma”, (vide, fls 20 a 24 dos presentes autos).
D. Na Cláusula Oitava que: “Fica o presente contrato condicionado à aprovação do referido projeto, podendo as partes durante o período dos três anos a contar da assinatura do presente contrato, resolvê-lo unilateralmente, mediante aviso prévio da contraparte com a antecedência mínima de 15 dias a contar da produção dos seus efeitos”, (vide, fls 20 a 24 dos presentes autos).
E. Na Cláusula Quinta que “Caso venha a ser resolvido o contrato, nos termos da cláusula anterior:
1. Pelo Primeiro Outorgante, devolverá este ao Segundo Outorgante, em singelo, as quantias entregues por este a título de sinal, acrescidas da quantia de Euros: 1.000.000,00 (Um milhão de Euros) a título de cláusula penal.
2. Pelo Segundo Outorgante, receberá do Primeiro Outorgante, em singelo, as quantias entregues a título de sinal, deduzidas da quantia de Euros: 1.000.000,00 (Um milhão de Euros) a título de cláusula penal”,
(vide, fls. 20 a 24 dos presentes autos).
F. A celebração do contrato promessa referido no ponto j) do probatório, decorreu de uma imposição das Câmaras Municipais envolvidas, na medida em que para que as propriedades pudessem integrar o Programa de Ação Territorial (PAT), era necessário que tivessem áreas grandes, superiores a 600, 700 hectares e se a propriedade ficasse de fora, desvalorizaria (depoimento da testemunha Fernando ................., gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
G. A integração do prédio objeto do contrato promessa no património da recorrente visava evitar, que em consequência da sucessão do sócio único da recorrente, aquele viesse a ser dividido, o que não era do interesse das Câmaras Municipais envolvidas (depoimento da testemunha Fernando ............., gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
H. Foi elaborada uma adenda para prorrogar o prazo de vigência do contrato promessa (depoimento da testemunha Dra. Ana ................, gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
I. O contrato definitivo não foi ainda celebrado, por não ter sido possível até à data obter financiamento bancário, encontrando-se o PAT suspenso em virtude da grave crise que se vive no mercado imobiliário (depoimentos das testemunhas Dra. Ana ................ e Fernando .............., gravados em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
d) Para que a presunção constante do nº 4 do art. 6º do CIRS possa funcionar é necessário que se mostre provada a base da presunção judicial, sob pena de a mesma não poder operar e a causa ter de ser decidida contra parte onerada com esse ónus da prova (neste sentido, vide, o Acórdão desse TCA de 13/04/2010, proferido no Recurso nº 03461/09).
e) Ou seja, que a importância em causa tenha sido escriturada como lançamento na respetiva conta corrente como sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, prova que salvo melhor opinião, não existe.
f) Tanto mais, que o princípio constitucional da proporcionalidade impede que os poderes conferidos à Administração Fiscal para suprir deficiências de escrita dos contribuintes de que resultem efeitos negativos para a Fazenda Pública sejam utilizados para permitir a cobrança de impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da aplicação das normas de incidência e determinação da matéria calcetável (neste sentido, vide, o Acórdão do STA de 17/03/1999, tirado no Recurso nº 023102).
g) Acresce que, não se encontra demonstrado que, a existir tal lançamento, o que se refuta com veemência, não corresponda à restituição de mútuo previamente efetuado, prova que cabia à Administração Fiscal.
h) Cabe frisar, que o prédio cuja venda esteve na origem do valor considerado pela Administração Fiscal como adiantamento de lucros, necessariamente foi em momento prévio, adquirido pela ora recorrente.
i) Atendendo a que a sociedade ora recorrente, havia sido constituída cerca de 6 meses antes da celebração da escritura de compra e venda, e ao valor do prédio em causa,
j) Resulta evidente, atendendo às regras da experiência, que o prédio objeto da escritura de compra e venda celebrada, não foi adquirido com fundos provenientes do recente exercício de atividade por parte da ora recorrente. E,
k) Sendo que, a sociedade ora recorrente é detida apenas por um sócio, resulta com grande probabilidade que tenha sido este sócio, a providenciar o financiamento, por mútuo, em qualquer das suas possíveis formas, o que se afigura suficiente para que não possa operar a presunção ínsita no nº 4 do art. 6º do CIRS.
l) O resultado que com a presunção judicial se visava obter não se pode dar por alcançado, ou seja e no caso, que tal montante da transferência para o sócio, fora feito a título de lucros ou adiantamento por conta dos lucros, pelo que inexiste o facto tributário na origem dos presentes autos.
m) Acresce que, a Administração Fiscal não demonstrou sequer a existência de lucros, tendo em conta que não trouxe ao processo administrativo quaisquer elementos relativos ao modo como o prédio objeto da escritura de compra e venda integrou o património da ora recorrente. E,
n) Só assim se poderia aferir da efetiva existência de lucros, prova que lhe competia para que a presunção pudesse operar (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse TCA SUL de 20/12/2012, proferido no Recurso nº 03410/09).
o) Pelo que, a douta Sentença recorrida ao ter considerando que a Administração Tributária demonstrou e quantificou o rendimento, padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica, (conforme explanado nos pontos 29 a 48 das presentes alegações).
p) Tomando em conta, a matéria de facto cuja alteração acima requerida, com os fundamentos expostos, resulta claro que o pagamento do sinal no contrato promessa não constituiu transferência de parte do património da sociedade recorrente, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica do seu sócio gerente (neste sentido, vide, o Acórdão desse TCA SUL de 11/01/2012, proferido no Recurso nº 04357/10).
q) Cabendo frisar que a celebração do contrato definitivo, ficou condicionada à aprovação do projeto, podendo as partes, durante o período dos três anos a contar da assinatura do presente contrato, resolvê-lo unilateralmente.
r) Tendo, aliás, sido estipulada uma indemnização a título de cláusula penal, caso o contrato promessa viesse a ser resolvido. E,
s) Apenas não foi ainda celebrado por não ter sido possível até à data obter financiamento bancário, encontrando-se o PAT suspenso em virtude da grave crise que se vive no mercado imobiliário.
t) Crise no mercado imobiliário que atravessa transversalmente o nosso país e que se agravou nos concelhos de Alcochete e Palmela, em virtude da suspensão dos projetos do TGV e do aeroporto de Alcochete, o que constitui facto notório.
u) Para além, de que foi elaborada adenda para prorrogar o prazo de vigência do contrato promessa.
v) O que resulta evidente é que a recorrente é titular de um direito de crédito sobre o seu sócio gerente, e que caso a escritura não vier a ser celebrada, o que foi pago a título de sinal terá de ser devolvido, pelo que nunca tal quantia poderia ser considerada como adiantamento de lucros, por o seu pagamento não ter carácter definitivo.
w) Acresce que, o ato de dar quitação de uma quantia ainda não recebida, poderia quanto muito gerar responsabilidade do gerente perante a sociedade e os sócios.
x) Nada impede que com a assinatura do contrato promessa, o sócio da recorrente tenha dado quitação, não só de € 13.176.726,04, respeitante ao valor recebido na sequência da escritura celebrada com a sociedade vendedora.
y) Como do restante valor, que já havia recebido da recorrente, ou que iria posteriormente receber e que perfaz o valor do sinal do contrato promessa, pelo que nada estranha que os valores não sejam iguais.
z) É comum que seja dada quitação com o recebimento de um cheque o qual apenas seja debitado na conta bancária do emitente no dia seguinte.
aa) Afigurando-se irrelevante nesta sede, se tal cheque foi ou não depositado na conta da recorrente, porquanto poderia ter sido endossado ao seu sócio gerente.
bb) Para além, de que como já se referiu estamos a falar da mesma pessoa, que promete vender e que representa a sociedade promitente compradora, bem se compreenda que dê quitação a si próprio, antes do respetivo valor estar disponível na sua conta bancária. E,
cc) Os motivos da celebração do contrato promessa, foram amplamente explicitados ao Tribunal em sede de audiência de julgamento.
dd) Pelo que a douta Sentença recorrida, ao não valorar a prova apresentada, consubstanciada no contrato promessa como credível, conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, qualificando o valor colocado à disposição do sócio como adiantamento por conta de lucros,
ee) Padece, por todo o exposto, de erro na apreciação da prova e preconizou uma errónea interpretação das normas aplicáveis, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica (conforme explanado nos pontos 49 a 77 das presentes alegações).
Ainda que assim não se entenda, o que se refuta com veemência e apenas por cautela se concebe,
ff) Não se pode deixar de trazer à colação que todas as dúvidas relativas ao facto tributário devem de ser valoradas a favor da recorrente, (artigo 100º, nº 1, do CPPT).
gg) De acordo com a mesma disposição legal, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
hh) Resulta da prova carreada para os autos, e de tudo o que acima foi exposto, uma dúvida fundada, sobre a existência do facto tributário, in casu, da existência de um adiantamento por conta de lucros.
ii) Assim, a douta Sentença recorrida ao considerar inexistir dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica (conforme explanado nos pontos 78 a 92 das presentes alegações).
Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta Sentença recorrida, com todas as consequências legais dai advindas.”

A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
“(…)
JOSÉ ......................, LDA, interpôs o presente recurso jurisdicional pretendendo ver reapreciada a Decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, constante de fls. 165 a 180, nos termos da qual foi julgada improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida, relativa ao acto de liquidação de IRS, respeitantes ao ano de 2008 e referente à nota de compensação n° ..................., no valor de €2 635 345,21.
Em síntese, a questão que veio submetida ao Tribunal é a seguinte:
JOSÉ .........................., LDA, deduziu Impugnação Judicial contra o acto de liquidação de IRS, efectuados na sequência de acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária e respeitantes ao ano de 2008
Como fundamento do seu pedido alegou errada qualificação da matéria tributável, já que os factos tributários não constituem adiantamentos por conta de lucros, pois se trata, apenas, de um sinal respeitante ao contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a impugnante e o seu único sócio, com o objectivo de aquisição a este do prédio rústico em causa; invoca ainda falta de fundamentação e inexistência de facto tributário.
Para reapreciar são as questões que a ora recorrente fez constar da sua Alegação, concretamente das respectivas CONCLUSÕES a fls 204 a 206v, sendo certo que são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (art° 684° n° 3 do CPC, ex vi art° 2° c do CPPT).
A matéria de facto dada como provada é a que consta de fls 167 e 173.
É nosso entendimento que à recorrente não assiste razão.
Defende a recorrente, entre o mais que não foi provado que a existir o lançamento para que possa considerar-se a presunção constante do artº 6º nº 4 do CIRS é necessário que a importância em causa tenha sido escriturada como lançamento na respectiva conta-corrente como sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, prova que não foi efectuada; não foi demonstrado que a existir tal lançamento a quantia não corresponde à restituição do mútuo previamente efectuado; o prédio cuja venda est4ve na origem do valor considerado pela AT, como adiantamento de lucros foi, em momento prévio, adquirido pela recorrente; Uma vez que a sociedade foi constituída seis meses antes, resulta evidente que o imóvel não foi adquirido com fundos provenientes do exercício da actividade da recorrente. A AF nem sequer demonstrou a existência de lucros, inexistindo por isso facto tributário; que o contrato definitivo ficou condicionado, podendo as partes no prazo de três anos resolvê-lo unilateralmente, tendo ficado estipulada, para o caso, uma indemnização; que caso a escritura não venha a ser celebrada será o sinal devolvido;
Na tese da recorrente a Sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova e bem assim de erro na aplicação do direito aplicável, pugnando pela sua alteração.
Invoca a recorrente o disposto no art° 100° n° 1 do CPPT, segundo o qual, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário deverá o mesmo ser anulado.
***
Sobre a modificabilidade da decisão de facto, dispõe o art° 712° do Cód. Proc. Civil, de acordo com o art° 685°-B do mesmo código, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
É nosso entendimento que o recorrente não satisfez o ónus que sobre si impendia, de acordo com o art° 685°-B do CPC e a que acabámos de referir-nos, pelo menos no que diz respeito aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa.
Por esta razão, entendemos que, de acordo com o art° 685°-B mencionado, deve o recurso ser rejeitado no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Como se decidiu no processo n° 02430/08, deste Tribunal Central Administrativo Sul,
"5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1a. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.art°.685-B, n", l, do C.P.Civil, "ex vi" do art°.281, do C.P.P.Tributário). "
Quanto à questão da aplicação do direito:
Como se considerou e a nosso ver bem, além da disparidade de valores - € 13.176.726,04 e o valor constante do contrato promessa - não existe qualquer referência no contrato promessa que demonstre que os cheques entregues pela M...... se relacionam com pagamento do sinal e princípio de pagamento, sendo certo que a impugnante afirma na PI que o pagamento do preço do imóvel vendido à M...... foi depositado na sua conta bencária, tendo sido debitado na conta da M...... em 12/12/2008, razão por que só em data posterior poderia a impugnante movimentar tal montante, o que levou a concluir que, se o sócio da impugnante declara no contrato-promessa que recebeu o valor de €13 500 000,00 em 11/12/2008 não poderá ter sido com a quantia proveniente do negócio celebrado com a sociedade M.......
Acresce que como também se considerou, o referido proveito não se mostra evidenciado na contabilidade, tendo o saldo devedor sido transferido da contabilidade da impugnante para a conta de accionistas o que sem dúvida lhe confere a natureza de adiantamento por conta de lucros.
Ora, de acordo com jurisprudência deste TCA Sul, "3. incumbe ao contribuinte o ónus de prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística impostas pela lei comercial e fiscal, v.g. o disposto no DL 410/89 de 21.11 - Plano Oficial de Contabilidade.
4. Para efeitos fiscais, a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais funda-se na chamada escrituração comercial, constituída por livros e registos obrigatórios, submetidos a formalidades legais, e pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, arfs. 31° a 37° C.Com.) e demais documentos justificativos, não sendo de esquecer que, nos termos da lei, a escrituração comercial é, simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação CF Ac proferido no processo n° 5153/01 disponível em www.dgsi.pt.
Considerou o Tribunal, com o que concordamos, que a AF procedeu correctamente e que não violou quaisquer preceitos legais que estivesse obrigada a respeitar.
De resto a Sentença encontra-se ancorada em jurisprudência dos Tribunais Superiores e está bem fundamentada, fundamentos com que concordamos que aqui adoptamos e que nos escusamos de repetir, tendo sido apreciadas todas as questões suscitadas pelos recorrentes.
Em face de todo o exposto e em conclusão emitimos parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se, a decisão cuja reapreciação foi submetida ao prudente critério deste Tribunal Central Administrativo Sul, uma vez que ela não merece censura.”

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o julgamento da matéria de facto e apreciar se a correcção operada pela Administração Tributária enferma de vício por inexistência de facto tributário, por o saldo em causa não corresponder a qualquer adiantamento por conta de lucros, mas ao pagamento de um sinal por parte da impugnante ao seu sócio José ..............

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
a) - A impugnante é uma sociedade por quotas unipessoal que exerce a actividade compra e venda de imóveis, enquadrada no regime simplificado de determinação do lucro tributável de IRC (cfr. artigo 2º p.i., fls. 19 a 20 dos presentes autos e fls. 55 do processo administrativo apenso);
b) - A impugnante tem como único sócio, José ................, titular da quota no valor de € 25.000,00, sendo que a alteração do contrato de sociedade e objecto para o referido na alínea anterior foi registado na competente Conservatório do Registo Comercial pela Ap. 76/............ (cfr. fls. 19 e 20 dos presentes autos);
c) - Em 11/12/2008 por escritura de compra e venda a impugnante vendeu à sociedade “M..........-Sociedade ............, SA, pelo preço de € 15.300.000,00, o prédio rústico, sito na Herdade ........., freguesia e concelho de Alcochete, inscrito na matriz sob parte do artigo...... da secção AR/AR 11 (cfr. fls. 39 a 43 do processo administrativo apenso; artigos 3º e 4º da p.i,);
d) - M......-Sociedade ............., SA, para pagamento do preço de € 15.300.000,00, emitiu os cheques nºs 13107616, 13107586 e 13107594, respectivamente do valor de € 34.977,55, € 13.141.748,49 e € 2.123.273.94, debitados na conta da adquiriente no dia 12/12/2008 (cfr. fls. 47 do processo administrativo; artigo 5º da p.i.);
e) - A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva interna pela administração tributária que teve por objecto a verificação dos movimentos contabilísticos associados à alienação do prédio denominado Herdade ..........., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ....... da secção AR/AR11, e com âmbito parcial incidiu ainda sobre a análise de valores colocados à disposição pela impugnante que preenchem as normas de incidência do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), mediante o mecanismo da retenção na fonte a período de retenção abrangido pelo ano civil de 2008, em cumprimento da Ordem de Serviço nº O1201000137 da D.F. de Beja, com inicio em 05/05/2010 e conclusão em 02/06/2010 (cfr. fls. 21 e 22 (RIT) do processo administrativo);
f) - Na sequência da referida acção inspectiva externa foram efectuadas correcções ao montante de imposto a título de retenção na fonte - IRS, no montante de € 2.635.345,21 (€13.176.726,04 * 20%) de rendimentos auferidos pelo único sócio da impugnante no ano de 2008, relativos a adiantamentos por conta de lucros (cfr. relatório da IT, de fls. 21 a 26 do processo administrativo);
g) - De acordo com o relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, as correcções efectuadas, fundamentam-se, em suma:
«CAPÍTULO II – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. Facto tributário

Com referência ao balancete analítico reportado a 2008-12-31, foi verificado que a conta POC25.5.9.1 - Accionistas (Sócios) - Restantes accionistas (sócios) - Outras operações – José ............., apresenta um saldo devedor no montante de € 13.176.726,04.).

Dada a classificação contabilística associada a esta importância, foi também verificado que o balanço da sociedade, em 2008-12-31, conforme valores declarados no Quadro 06 - Parte 01 do Anexo A da declaração anual de informação contabilística e fiscal, respeitante ao exercício de 2008, identificada com o número 10076-53, submetida por transmissão electrónica de dados em 2009-07-21, apresenta um activo com um valor total de € 16.393.191,54, o qual compreende, na rubrica Dividas de terceiros - A curto prazo, o referido valor de € 13.176.726,04.

Resultam estes saldos das movimentações associadas aos lançamentos contabilísticos resultantes da alienação, por parte do sujeito passivo, do referido prédio rústico, denominado Herdade .................., conforme escritura pública celebrada em 11 de Dezembro de 2008, pelo valor de € 15.300.000,00, o qual foi adquirido naquela data por M...... - Sociedade ............, SA, NIPC ............., resultando da análise ao balancete analítico reportado a 2008-12-31, a aferição das seguintes movimentações contabilísticas:

1- Venda do imóvel:

Pela venda do referido prédio rústico foi movimentada a crédito e pelo valor de € 5.300.000,00 a conta POC 71 - Vendas, por contrapartida de um débito de idêntico montante, numa sub - conta da conta POC - Clientes (Conta 21.1.1.150 - M...... - Sociedade de Terraplanagens, S.A.)

2 - Pagamentos efectuados pelo cliente associados à venda do imóvel:

Procedeu M...... - Sociedade ............, SA, ao pagamento da importância de € 2.123.273,96, conforme cheque bancário número .........., de 2008-12-12. Esta ocorrência resultou num débito, por aquele valor, de uma sub - conta da conta POC 12 - Depósitos à ordem (Conta 12.03 - Banco ............) por contrapartida de um crédito, de idêntico montante, da conta do cliente M......, SA..

Conforme extracto associado a movimentações bancárias verificadas em conta bancária pertencente a M...... - Sociedade .................., S.A. - elemento enviado por esta entidade em resposta a circularização remetida, conforme Ofício número 203 651, de 2009-123, verifica-se que o registo contabilístico associado ao pagamento efectuado pelo cliente se encontra igualmente reflectido no extracto bancário remetido pelo cliente.

Em resultado deste pagamento, a dívida de M...... - Sociedades de ..............., SA. a José ............., Ld.a passou de € 15.300.000,00 para € 13.176.726,04.

Contudo, constam no referido extracto de movimentos bancários remetido pelo cliente, e com referência de 12 de Dezembro de 2008, convencionada na escritura pública celebrada ara a efectivação dos pagamentos associados à aquisição efectuada por M......, S.A., os seguintes movimentos, respeitantes à emissão de cheques bancários, por parte desta entidade:

i. Cheque número ..........., descontado em 2008-12-12, pelo valor de € 34.977,55;

ii. Cheque número ............., descontado em 2008-12-12, pelo valor de € 13.141.748,49.

2- Movimentos ocorridos na contabilidade de José ................., Unipessoal, Ldª.

Perfazendo a dívida do cliente M......, S.A., após o pagamento do montante de € 2.123.273,96, a quantia de € 13.176.726,04, resulta dos elementos de contabilidade analisados, que este saldo devedor, verificado na referida sub - conta da conta POC 21 - Clientes, foi transferido ainda antes do encerramento da contabilidade, respeitante ao período de tributação compreendido entre 2003-05-15 e 2008-12-31, para a já mencionada sub - conta25.5.9.1 - Accionistas (Sócios) - Restantes accionistas (sócios) - Outras operações – José .................., não constando nos elementos de contabilidade do sujeito passivo que foram analisados, quaisquer movimentos associados aos restantes dois referidos pagamentos, efectuados pelo cliente M....... S.A. (€ 34.977.55 e € 13.141.748,49).

Pelo exposto, conclui-se que o saldo devedor de € 13.176.726,04 da conta do cliente M......, SA, após o seu primeiro pagamento, foi na contabilidade do sujeito passivo, alienante, transferido para uma conta de outras operações com o seu sócio único, verificando-se junto dos es1ementos coligidos junto do respectivo cliente, que este, na mesma data em que ocorreu o seu primeiro pagamento, emitiu mais dois cheques que perfazem o saldo apresentado em 2008-12-31 pela conta POC 25 - Sócios.

Pelo que se constata que o montante de € 13.176.726,04 foi pago pelo cliente, mas que este valor nunca foi registado na contabilidade do sujeito passivo, antes tendo sido colocado à disposição do seu sócio único, o que constitui facto abrangido pela disposição contida no número 4 do artigo 6°lo Código do IRS (CIRS), o qual dispõe que "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.".

A este respeito importará referir o disposto no artigo 1143° do Código Civil, o qual dispõe que "O contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2 000 euros se o for por documento assinado por mutuário.".

Porque, para se tratar de uma operação qualificável como de mútuo, e porque a mesma tem valor superior a € 20,000,00, teria que ter sido celebrada a respectiva escritura pública, pelo que, não l1e aproveitando essa natureza, é a mesma qualificável, dada a data da sua ocorrência, anterior à aprovação dos resultados, como operação assimilada a adiantamento por conta de lucros.

(…)

Por conseguinte, porque se está em presença de uma operação realizada pelo sujeito passivo com o seu sócio único, assimilada a adiantamento por conta dos lucros do exercício de 2008, constitui o valor da mesma um rendimento de capitais, cuja incidência, em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, se encontra prevista na alínea h) do número 2 do artigo 5° do CIRS, a qual dispõe que "2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20 .º.”

(…)

4. Retenção na fonte:

Constituindo a importância de € 13.176.726,04 um adiantamento por conta dos lucros obtidas por José ................, Lda. relativos ao período de tributação compreendido entre 2008-05-15 e 2008-12-31, tem a mesma enquadramento na referida alínea h) do número 2 do artigo 5° do CIRS.

Sobre estes rendimentos é devido imposto, pela efectivação por parte da entidade pagadora dos mesmos do mecanismo da retenção na fonte, nos termos da alínea c) do número 3 do artigo 71° (…).»

(…)» (cfr. relatório de inspecção, fls. 18 e segs. e 44 a 49 do processo administrativo apenso);

h) - Do preço total de venda do prédio rústico a que alude as alíneas c) e d) supra, apenas a quantia de € 2.123.273,96 foi relevado contabilisticamente na esfera da impugnante (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 18 e segs. e fls. 44 do processo administrativo apenso);

i) - A quantia de € 13.176.345.21 (= € 13.141.748,49 + € 34.977,55) foi contabilisticamente transferida da sub-conta POC-Clientes (conta 21.1.1.150-M......) para a sub-conta 25591 – Accionistas (Sócios) José ............. (cfr. Relatório de Inspecção Tributária de fls. 44 e segs e fls. 44 do processo administrativo);

j) - Por escrito particular, datado de 11/12/2008, a impugnante celebrou com José Samuel Pereira Lupi um contrato promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar o prédio rústico inscrito na freguesia de ...... sob parte do artigo ........., da secção AR a AR 11, pelo preço de € 17.000.000,00, referindo-se, designadamente, na cláusula terceira que a título de sinal e princípio de pagamento entregou na mesma data a José Samuel Pereira Lupi a quantia de € 13.500.000,00 e, na cláusula quinta, que a escritura realizar-se-á até ao termo do prazo de 3 anos a contar da assinatura do contrato (cfr. fls. 20 a 24 dos presentes autos, artigo 6º 2ª parte e 8º da p.i. );

k) - Em 29/06/2010 a Administração Tributária emitiu a nota de liquidação nº ............., no valor de € 2.783.820,95 e em 30/06/2010 a demonstração de compensação/nota de cobrança nº ............., do mesmo valor, com data limite de pagamento em 04/08/2010 (cfr. fls. 83 e 84 do processo administrativo apenso; artigo 12º da p.i,);

l) - Na sequência da notificação da liquidação e nota de cobrança referidos na alínea anterior o impugnante apresentou em 23/08/2010 no Serviço de Finanças de Odemira reclamação graciosa (cfr. fls. 69 e segs. do processo administrativo);

m) - Em 29/10/2010 a impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 4 e segs do processo administrativo apenso);

n) - Por despacho proferido em 09/10/2011, o recurso hierárquico referido na alínea anterior foi inferido (cfr. fls. 58 a 63 do processo administrativo);

o) - Através do ofício nº 0028889, datado de 03/11/2011 a impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 64 a 66 do processo administrativo);

p) - A presente impugnação foi enviada por correio em 06/02/2012, ao TAF de Beja, onde deu entrada em 08/02/2012 (cfr. carimbo fls. 3 e fls. 25);

q) - Por “B.....................” foi elaborado em Janeiro de 2009 um programa de acção territorial Rio Frio, provisório (cfr. fls. 95 a 116 dos autos);


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Factos não provados

Não se provaram os factos vertidos nos artigos 5º, 1ª parte do 6º, 9º, 10º, 31º e 32º da petição inicial.


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Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e que não foram impugnados e no depoimento das testemunhas que esclareceram, de forma genérica o contexto da celebração dos contratos de compra e venda e promessa e a existência de um projecto que ainda não foi concretizado que envolve as comarcas de Palmela e Alcochete.

A não consideração dos factos indicados como não provados resulta da ausência ou contraditoriedade da prova produzida.”



3.2 DE DIREITO
A matéria das conclusões do recurso começa por incidir sobre a bondade da decisão sobre a matéria de facto, apontando a Recorrente que, para além de prova documental junta aos autos, que não foi tomada em conta, não obstante ser relevante para a decisão da causa, as testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, esclareceram igualmente outros aspetos relevantes, não atendidos na Sentença recorrida, que preconizou uma errónea apreciação da matéria de facto, padecendo de erro de julgamento (conforme explanado, nos pontos 1 a 28 das presentes alegações), de modo que, vem assim a recorrente, ao abrigo do preceituado na al. a) do art. 712º e nos termos do art. 685º-B, ambos do CPC, aplicável nos termos da al. e) do art. 2º do CPPT, requerer a V. Exas., a alteração da matéria de facto nos termos adiante expostos, devendo ser considerados como provados e adicionados ao probatório os seguintes factos:
A. A recorrente foi constituída em 02/05/2008, sendo o seu sócio único, igualmente o seu único gerente. (vide, Certidão de Registo Comercial, a fls. 19 a 20 dos presentes autos).
B. O prédio objeto da escritura de compra e venda referida no ponto c) do probatório, foi vendido pela recorrente, cerca de 6 meses depois da data da sua própria constituição (vide, ponto c) do probatório da Sentença de 1ª Instância e Certidão de Registo Comercial, a fls. 19 a 20 dos presentes autos).
C. Consta ainda do contrato promessa celebrado entre a recorrente e o seu único sócio gerente, na Cláusula Sétima que: “Encontra-se em apreciação a viabilidade da realização de um projeto turístico para a parcela em questão que as partes expressamente declaram conhecer e que é o motivo essencial do interesse do Segundo Outorgante (ora recorrente) na mesma”, (vide, fls 20 a 24 dos presentes autos).
D. Na Cláusula Oitava que: “Fica o presente contrato condicionado à aprovação do referido projeto, podendo as partes durante o período dos três anos a contar da assinatura do presente contrato, resolvê-lo unilateralmente, mediante aviso prévio da contraparte com a antecedência mínima de 15 dias a contar da produção dos seus efeitos”, (vide, fls 20 a 24 dos presentes autos).
E. Na Cláusula Quinta que “Caso venha a ser resolvido o contrato, nos termos da cláusula anterior:
1. Pelo Primeiro Outorgante, devolverá este ao Segundo Outorgante, em singelo, as quantias entregues por este a título de sinal, acrescidas da quantia de Euros: 1.000.000,00 (Um milhão de Euros) a título de cláusula penal.
2. Pelo Segundo Outorgante, receberá do Primeiro Outorgante, em singelo, as quantias entregues a título de sinal, deduzidas da quantia de Euros: 1.000.000,00 (Um milhão de Euros) a título de cláusula penal”,
(vide, fls. 20 a 24 dos presentes autos).
F. A celebração do contrato promessa referido no ponto j) do probatório, decorreu de uma imposição das Câmaras Municipais envolvidas, na medida em que para que as propriedades pudessem integrar o Programa de Ação Territorial (PAT), era necessário que tivessem áreas grandes, superiores a 600, 700 hectares e se a propriedade ficasse de fora, desvalorizaria (depoimento da testemunha Fernando ................., gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
G. A integração do prédio objeto do contrato promessa no património da recorrente visava evitar, que em consequência da sucessão do sócio único da recorrente, aquele viesse a ser dividido, o que não era do interesse das Câmaras Municipais envolvidas (depoimento da testemunha Fernando ............., gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
H. Foi elaborada uma adenda para prorrogar o prazo de vigência do contrato promessa (depoimento da testemunha Dra. Ana ..............., gravado em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
I. O contrato definitivo não foi ainda celebrado, por não ter sido possível até à data obter financiamento bancário, encontrando-se o PAT suspenso em virtude da grave crise que se vive no mercado imobiliário (depoimentos das testemunhas Dra. Ana ............ e Fernando ............, gravados em CD, cfr. respetiva ata da audiência de julgamento).
Que dizer?
Neste domínio, constituindo tal erro de julgamento aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que a matéria da alínea A) é uma realidade que se encontra demonstrada nos autos, de modo que, de modo que, nos termos do art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:
R) A recorrente foi constituída em 02/05/2008, sendo o seu sócio único, igualmente o seu único gerente. (vide, Certidão de Registo Comercial, a fls. 19 a 20 dos presentes autos).
No que concerne à alínea B), o seu teor resulta da conjugação das als. c) e r) do probatório, o que significa que nada acrescenta neste domínio, sendo que em relação às várias cláusulas do contrato-promessa especificado em j), a forma como tal matéria foi consagrada permite a consideração de toda a realidade vertida no mesmo, pelo que, as alíneas C. a E. acima descritas também nada acrescentam nesta matéria.
Quanto ao mais, não dispondo os depoimentos ouvidos nos autos a virtualidade de permitir outra leitura da realidade em apreço, na medida em que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, o que, no caso, implica a não consideração de tal matéria, com referência ao exposto em F. a I., não podendo deixar de estranhar-se o facto de não estar nos autos a adenda ao contrato-promessa.

Quanto aos fundamentos do recurso em termos de direito, a Recorrente refere que para que a presunção constante do nº 4 do art. 6º do CIRS possa funcionar é necessário que se mostre provada a base da presunção judicial, sob pena de a mesma não poder operar e a causa ter de ser decidida contra parte onerada com esse ónus da prova (neste sentido, vide, o Acórdão desse TCA de 13/04/2010, proferido no Recurso nº 03461/09), ou seja, que a importância em causa tenha sido escriturada como lançamento na respetiva conta corrente como sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, prova que salvo melhor opinião, não existe, tanto mais, que o princípio constitucional da proporcionalidade impede que os poderes conferidos à Administração Fiscal para suprir deficiências de escrita dos contribuintes de que resultem efeitos negativos para a Fazenda Pública sejam utilizados para permitir a cobrança de impostos em quantidades superiores às que presumivelmente resultariam da aplicação das normas de incidência e determinação da matéria calcetável (neste sentido, vide, o Acórdão do STA de 17/03/1999, tirado no Recurso nº 023102).
Acresce que, não se encontra demonstrado que, a existir tal lançamento, o que se refuta com veemência, não corresponda à restituição de mútuo previamente efetuado, prova que cabia à Administração Fiscal e cabe frisar, que o prédio cuja venda esteve na origem do valor considerado pela Administração Fiscal como adiantamento de lucros, necessariamente foi em momento prévio, adquirido pela ora recorrente e atendendo a que a sociedade ora recorrente, havia sido constituída cerca de 6 meses antes da celebração da escritura de compra e venda, e ao valor do prédio em causa, resulta evidente, atendendo às regras da experiência, que o prédio objeto da escritura de compra e venda celebrada, não foi adquirido com fundos provenientes do recente exercício de atividade por parte da ora recorrente e sendo que, a sociedade ora recorrente é detida apenas por um sócio, resulta com grande probabilidade que tenha sido este sócio, a providenciar o financiamento, por mútuo, em qualquer das suas possíveis formas, o que se afigura suficiente para que não possa operar a presunção ínsita no nº 4 do art. 6º do CIRS.
O resultado que com a presunção judicial se visava obter não se pode dar por alcançado, ou seja e no caso, que tal montante da transferência para o sócio, fora feito a título de lucros ou adiantamento por conta dos lucros, pelo que inexiste o facto tributário na origem dos presentes autos.
Acresce que, a Administração Fiscal não demonstrou sequer a existência de lucros, tendo em conta que não trouxe ao processo administrativo quaisquer elementos relativos ao modo como o prédio objeto da escritura de compra e venda integrou o património da ora recorrente e só assim se poderia aferir da efetiva existência de lucros, prova que lhe competia para que a presunção pudesse operar (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse TCA SUL de 20/12/2012, proferido no Recurso nº 03410/09), pelo que, a douta Sentença recorrida ao ter considerando que a Administração Tributária demonstrou e quantificou o rendimento, padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica, (conforme explanado nos pontos 29 a 48 das presentes alegações).
Tomando em conta, a matéria de facto cuja alteração acima requerida, com os fundamentos expostos, resulta claro que o pagamento do sinal no contrato promessa não constituiu transferência de parte do património da sociedade recorrente, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica do seu sócio gerente (neste sentido, vide, o Acórdão desse TCA SUL de 11/01/2012, proferido no Recurso nº 04357/10), cabendo frisar que a celebração do contrato definitivo, ficou condicionada à aprovação do projeto, podendo as partes, durante o período dos três anos a contar da assinatura do presente contrato, resolvê-lo unilateralmente, tendo, aliás, sido estipulada uma indemnização a título de cláusula penal, caso o contrato promessa viesse a ser resolvido e apenas não foi ainda celebrado por não ter sido possível até à data obter financiamento bancário, encontrando-se o PAT suspenso em virtude da grave crise que se vive no mercado imobiliário, que atravessa transversalmente o nosso país e que se agravou nos concelhos de Alcochete e Palmela, em virtude da suspensão dos projetos do TGV e do aeroporto de Alcochete, o que constitui facto notório, para além, de que foi elaborada adenda para prorrogar o prazo de vigência do contrato promessa, o que resulta evidente é que a recorrente é titular de um direito de crédito sobre o seu sócio gerente, e que caso a escritura não vier a ser celebrada, o que foi pago a título de sinal terá de ser devolvido, pelo que nunca tal quantia poderia ser considerada como adiantamento de lucros, por o seu pagamento não ter carácter definitivo.
Acresce que, o ato de dar quitação de uma quantia ainda não recebida, poderia quanto muito gerar responsabilidade do gerente perante a sociedade e os sócios e nada impede que com a assinatura do contrato promessa, o sócio da recorrente tenha dado quitação, não só de € 13.176.726,04, respeitante ao valor recebido na sequência da escritura celebrada com a sociedade vendedora, como do restante valor, que já havia recebido da recorrente, ou que iria posteriormente receber e que perfaz o valor do sinal do contrato promessa, pelo que nada estranha que os valores não sejam iguais, sendo que é comum que seja dada quitação com o recebimento de um cheque o qual apenas seja debitado na conta bancária do emitente no dia seguinte, afigurando-se irrelevante nesta sede, se tal cheque foi ou não depositado na conta da recorrente, porquanto poderia ter sido endossado ao seu sócio gerente, para além, de que como já se referiu estamos a falar da mesma pessoa, que promete vender e que representa a sociedade promitente compradora, bem se compreenda que dê quitação a si próprio, antes do respetivo valor estar disponível na sua conta bancária e os motivos da celebração do contrato promessa, foram amplamente explicitados ao Tribunal em sede de audiência de julgamento, pelo que a douta Sentença recorrida, ao não valorar a prova apresentada, consubstanciada no contrato promessa como credível, conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, qualificando o valor colocado à disposição do sócio como adiantamento por conta de lucros, padece, por todo o exposto, de erro na apreciação da prova e preconizou uma errónea interpretação das normas aplicáveis, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica (conforme explanado nos pontos 49 a 77 das presentes alegações).
Ainda que assim não se entenda, o que se refuta com veemência e apenas por cautela se concebe, não se pode deixar de trazer à colação que todas as dúvidas relativas ao facto tributário devem de ser valoradas a favor da recorrente, (artigo 100º, nº 1, do CPPT) e de acordo com a mesma disposição legal, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
Assim, a douta Sentença recorrida ao considerar inexistir dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica (conforme explanado nos pontos 78 a 92 das presentes alegações).

Na sentença recorrida ponderou-se que:
“…
Analisemos, então, os factos jurídicos e as respectivas provas para retirar as conclusões devidas e adequadas à realização da justiça.
Conforme já se deixou expresso supra, a Administração Tributária efectuou uma correcção no valor de € 2.635.345,21, que a impugnante aborda nos artigos 6º a 14º p.i., alegando que o montante de € 13.176.726,04, que constitui parte do preço da venda de um prédio rústico à sociedade M......, foi depositado na sua conta bancária e daí saiu para ser entregue ao seu único sócio, José ....................................., a título de sinal e principio de pagamento no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de um prédio rústico, sito em Alcochete, justificando a necessidade da celebração do contrato promessa, isto é, da venda em questão, na intenção de desenvolvimento de projecto de interesse regional e nacional, denominado ........, que abarca três concelhos, Alcochete, Palmela e Montijo. Mais refere que o preço recebido pela venda do prédio à sociedade M...... foi contabilizado na rubrica Dívidas de Terceiros a Curto Prazo e que o pagamento efectuada pela impugnante ao seu sócio, como sinal e principio de pagamento não foi reflectido na contabilidade, tudo devido a lapsos do TOC (cfr. artigos 31º, 32º 34º e 38º).
A prova que junta ao processo para ilustrar a sua posição resume-se a um documento particular – contrato promessa compra e venda celebrado entre a impugnante e o seu único sócio, datado de 11/12/2008 -, constante de fls. 21 a 24 dos autos, que nenhuma referência faz à verba de € 13.176.726,04. Com efeito, da clausula terceira consta que “a titulo de sinal e princípio de pagamento o Segundo Outorgante entrega ao Primeiro Outorgante, na presente data, a quantia de Euros: 13.500.000,00 (Treze milhões e quinhentos mil euros), de que dá quitação”. De referir que a impugnante não adianta qualquer justificação para esta discrepância de valores.
Acresce que, decorreram já mais de 4 anos sobre a data de celebração do aludido contrato sem que tenha sido celebrado o contrato definitivo.
Ora, além da disparidade de montantes entre o valor ­­­­­­­­­­­€ 13.176.726,04 e o valor constante do contrato promessa, não existe qualquer referência neste que demonstre que os cheques entregues pela M...... se relacionam com o pagamento do sinal e principio de pagamento, sendo certo que a impugnante afirma na petição inicial que o pagamento do preço do imóvel vendido a M...... foi depositado na sua conta bancária, valor que foi debitado na conta da sociedade M...... em 12/12/2008 (cfr. fls. 47 PA), pelo que só em data posterior poderia a impugnante movimentar tal montante, o que leva a concluir que, se o sócio da impugnante declara no contrato promessa que recebeu o valor de €13.500.000,00 em 11/12/2008 não poderá ter sido com a quantia proveniente do negócio celebrado com a sociedade M.......
Por isso, não poderá o Tribunal valorar a prova apresentada, consubstanciada no aludido contrato promessa, como credível.
De acordo com o probatório a verba de € 13.176.726,04 (parte do preço) efectivamente recebida pela impugnante, na sequência da celebração do contrato de compra e venda com a sociedade M......, não foi registada na sua contabilidade (cfr. relatório inspecção), em violação das normas legais previstas nos artigos 17º, nº 3 e 115º, ambos do CIRC.
Acresce que, conforme resulta do relatório de inspecção e a impugnante não contesta, o alegado contrato promessa de compra e venda celebrado com o seu único sócio, bem como o pagamento de sinal e princípio de pagamento também não foram reflectivos contabilisticamente nas contas POC 11 e 12 (Disponibilidades) nem nas contas POC 22 (Fornecedores).
Para além do referido proveito (€ 13.176.726,04) não se mostrar evidenciado na contabilidade, e o saldo devedor ter sido transferido na contabilidade da impugnante para a conta de Accionistas (sócios), o que lhe dá a natureza de adiantamento por conta dos lucros, não deixa de ser despiciendo o facto da impugnante não ter arrolado como testemunha o TOC que terá cometido os alegados lapsos, para prova dos mesmos (cfr. artº 74º, nº 1 da LGT), sendo para o efeito irrelevante as afirmações da testemunha Ana .........., em sede de inquirição, que referiu ter elaborado o contrato-promessa e ainda um aditamento a esse contrato, que segundo julga ainda não foi assinado.
Ora, de acordo com a Jurisprudência dos Tribunais superiores, no tocante às obrigações de natureza contabilística “3. Incumbe ao contribuinte o ónus de prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística impostas pela lei comercial e fiscal, v.g. o disposto no DL 410/89 de 21.11 - Plano Oficial de Contabilidade.
4. Para efeitos fiscais, a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais funda-se na chamada escrituração comercial, constituída por livros e registos obrigatórios, submetidos a formalidades legais, e pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, art°s. 31° a 37° C.Com.) e demais documentos justificativos, não sendo de esquecer que, nos termos da lei, a escrituração comercial é, simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação.” (cfr. números 3 e 4 do sumário do acórdão do TCA Sul de 23/04/2002, processo nº 5153/01, disponível in http://www.dgsi.pt).
Alega ainda a impugnante que a dubiedade e ambiguidade sobre a realidade dos factos tributários reverte contra a Fazenda Pública (cfr. artigo 99º da p.i.) e que da prova carreada para os autos resulta uma dúvida sobre a existência do facto tributário que será a realidade dos eventos concretos de natureza económica (cfr. artigo 123º da p.i.).
Porém, juntando apenas um documento particular, que indica valores diferentes da quantia posta à disposição do sócio, e invocando lapsos de registo contabilísticos, desacompanhados de outros elementos probatórios jamais poderá tal postura suscitar dúvidas fundadas no julgador (cfr. a este propósito o acórdão do TCA Sul de 21/11/2006, processo nº 00264/04, já acima citado, in http://www.dgsi.pt).
Sempre se dirá ainda, que no relatório da IT de fls. 18 e segs PA, se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente a correcção a efectuar com base no artº 5º, nº 1, alínea h) do CIRS, o que contraria a tese da impugnante que, aliás, se limita a invocar lapsos do TOC que perduraram até à realização da acção de fiscalização, e a celebração do alegado contrato promessa num contexto de “intenção de desenvolvimento de um projecto de interesse regional, sem qualquer reflexo na contabilidade.
Dos autos resulta que o montante em causa foi posto à disposição do único sócio da impugnante, facto, aliás, confirmado pela impugnante (cfr. relatório da IT constante do PA), pelo que, a Administração Tributária não só demonstrou como quantificou o rendimento, devendo tal montante ser tributado como adiantamento por conta de lucros do ano de 2008, de acordo com o dispostos nos artigos 5º, nº 2, alínea h), 6º, nº 4 e 71º, nº 3, alínea c), ambos do CIRS.
Assim sendo, tendo o sócio beneficiado pessoalmente do respectivo montante, o mesmo deverá ser tributado (cfr. artº 5º, nº 1, alínea h) do CIRS)
Pelo exposto, não assiste razão à impugnante. …”.

Nesta matéria, o probatório informa que:
“…
g) - De acordo com o relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, as correcções efectuadas, fundamentam-se, em suma:
«CAPÍTULO II – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. Facto tributário

Com referência ao balancete analítico reportado a 2008-12-31, foi verificado que a conta POC25.5.9.1 - Accionistas (Sócios) - Restantes accionistas (sócios) - Outras operações – José .............., apresenta um saldo devedor no montante de € 13.176.726,04.).

Dada a classificação contabilística associada a esta importância, foi também verificado que o balanço da sociedade, em 2008-12-31, conforme valores declarados no Quadro 06 - Parte 01 do Anexo A da declaração anual de informação contabilística e fiscal, respeitante ao exercício de 2008, identificada com o número 10076-53, submetida por transmissão electrónica de dados em 2009-07-21, apresenta um activo com um valor total de € 16.393.191,54, o qual compreende, na rubrica Dividas de terceiros - A curto prazo, o referido valor de € 13.176.726,04.

Resultam estes saldos das movimentações associadas aos lançamentos contabilísticos resultantes da alienação, por parte do sujeito passivo, do referido prédio rústico, denominado Herdade ............., conforme escritura pública celebrada em 11 de Dezembro de 2008, pelo valor de € 15.300.000,00, o qual foi adquirido naquela data por M...... - Sociedade ........, SA, NIPC ........, resultando da análise ao balancete analítico reportado a 2008-12-31, a aferição das seguintes movimentações contabilísticas:

3- Venda do imóvel:

Pela venda do referido prédio rústico foi movimentada a crédito e pelo valor de € 5.300.000,00 a conta POC 71 - Vendas, por contrapartida de um débito de idêntico montante, numa sub - conta da conta POC - Clientes (Conta 21.1.1.150 - M...... - Sociedade de ................., S.A.)

2 - Pagamentos efectuados pelo cliente associados à venda do imóvel:

Procedeu M...... - Sociedade .............., SA, ao pagamento da importância de € 2.123.273,96, conforme cheque bancário número .........., de 2008-12-12. Esta ocorrência resultou num débito, por aquele valor, de uma sub - conta da conta POC 12 - Depósitos à ordem (Conta 12.03 - Banco ..........) por contrapartida de um crédito, de idêntico montante, da conta do cliente M......, SA..

Conforme extracto associado a movimentações bancárias verificadas em conta bancária pertencente a M...... - Sociedade ................., S.A. - elemento enviado por esta entidade em resposta a circularização remetida, conforme Ofício número 203 651, de 2009-123, verifica-se que o registo contabilístico associado ao pagamento efectuado pelo cliente se encontra igualmente reflectido no extracto bancário remetido pelo cliente.

Em resultado deste pagamento, a dívida de M...... - Sociedades de ................, SA. a José .............., Ld.a passou de € 15.300.000,00 para € 13.176.726,04.

Contudo, constam no referido extracto de movimentos bancários remetido pelo cliente, e com referência de 12 de Dezembro de 2008, convencionada na escritura pública celebrada ara a efectivação dos pagamentos associados à aquisição efectuada por M......, S.A., os seguintes movimentos, respeitantes à emissão de cheques bancários, por parte desta entidade:

iii. Cheque número .............., descontado em 2008-12-12, pelo valor de € 34.977,55;

iv. Cheque número ................ descontado em 2008-12-12, pelo valor de € 13.141.748,49.

4- Movimentos ocorridos na contabilidade de José ,,,,,,,,,,,,,,,,, Unipessoal, Ldª.

Perfazendo a dívida do cliente M......, S.A., após o pagamento do montante de € 2.123.273,96, a quantia de € 13.176.726,04, resulta dos elementos de contabilidade analisados, que este saldo devedor, verificado na referida sub - conta da conta POC 21 - Clientes, foi transferido ainda antes do encerramento da contabilidade, respeitante ao período de tributação compreendido entre 2003-05-15 e 2008-12-31, para a já mencionada sub - conta25.5.9.1 - Accionistas (Sócios) - Restantes accionistas (sócios) - Outras operações – José .................., não constando nos elementos de contabilidade do sujeito passivo que foram analisados, quaisquer movimentos associados aos restantes dois referidos pagamentos, efectuados pelo cliente M....... S.A. (€ 34.977.55 e € 13.141.748,49).

Pelo exposto, conclui-se que o saldo devedor de € 13.176.726,04 da conta do cliente M......, iA, após o seu primeiro pagamento, foi na contabilidade do sujeito passivo, alienante, transferido para uma conta de outras operações com o seu sócio único, verificando-se junto dos es1ementos coligidos junto do respectivo cliente, que este, na mesma data em que ocorreu o seu primeiro pagamento, emitiu mais dois cheques que perfazem o saldo apresentado em 2008-12-31 pela conta POC 25 - Sócios.

Pelo que se constata que o montante de € 13.176.726,04 foi pago pelo cliente, mas que este valor nunca foi registado na contabilidade do sujeito passivo, antes tendo sido colocado à disposição do seu sócio único, o que constitui facto abrangido pela disposição contida no número 4 do artigo 6° do Código do IRS (CIRS), o qual dispõe que "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.".

A este respeito importará referir o disposto no artigo 1143° do Código Civil, o qual dispõe que "O contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2 000 euros se o for por documento assinado por mutuário.".

Porque, para se tratar de uma operação qualificável como de mútuo, e porque a mesma tem valor superior a € 20,000,00, teria que ter sido celebrada a respectiva escritura pública, pelo que, não lhe aproveitando essa natureza, é a mesma qualificável, dada a data da sua ocorrência, anterior à aprovação dos resultados, como operação assimilada a adiantamento por conta de lucros.

(…)

Por conseguinte, porque se está em presença de uma operação realizada pelo sujeito passivo com o seu sócio único, assimilada a adiantamento por conta dos lucros do exercício de 2008, constitui o valor da mesma um rendimento de capitais, cuja incidência, em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, se encontra prevista na alínea h) do número 2 do artigo 5° do CIRS, a qual dispõe que "2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20 .º.”

(…)

4. Retenção na fonte:

Constituindo a importância de € 13.176.726,04 um adiantamento por conta dos lucros obtidas por José ....................... Unipessoal, Lda. relativos ao período de tributação compreendido entre 2008-05-15 e 2008-12-31, tem a mesma enquadramento na referida alínea h) do número 2 do artigo 5° do CIRS.

Sobre estes rendimentos é devido imposto, pela efectivação por parte da entidade pagadora dos mesmos do mecanismo da retenção na fonte, nos termos da alínea c) do número 3 do artigo 71° (…).»

(…)» (cfr. relatório de inspecção, fls. 18 e segs. e 44 a 49 do processo administrativo apenso).

Ora, é sabido que o artigo 5º do CIRS, à data dos factos, dispunha no seu nº 2, alínea h), consideram-se rendimentos de capitais “os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º”, sendo que art. 6º do citado diploma legal preceitua «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.».
Como também se afirma na decisão recorrida, é comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedade é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesma operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedade, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/01/2009, processo n° 02479/08, in http://www.dgsi.pt/).
Assim, havendo a comprovação de que o associado ou titular auferiu montantes que alegadamente pertenciam a uma terceira entidade, sem que esta tenha dado quitação à original devedora, haverá que retirar a convicção de que, não sendo do interesse da última a satisfação da dívida, esta não era exigível e/ou não era do seu conhecimento, o que vem dar forma a uma vantagem económica para a entidade que auferiu a importância recebida (cfr. Acórdãos do TCAS de 23/10/2001, de 23/04/2002 e de 29/06/2004, proferidos nos processos n°s 5152/01, 5153/01 e 05097/01, in http:/www.dgsi.pt).
Também pode suceder que um associado ou titular venha a beneficiar do pagamento de determinadas importâncias, efectuado por uma qualquer outra entidade, por contrapartida de quaisquer ónus que venham a ser imputados à sociedade pró aquela detida. Ora, na medida em que esse associado ou titular tornou seus determinados montantes, que para a entidade pagadora constituem adiantamentos ou valores por conta de negócios a realizar com a sociedade detida, ficando os custos como ónus do património desta, também haverá que concluir, que, com referência aos destinatário das importância recebidas, se está perante rendimentos da alínea h), do n° l do artigo 6° do CIRS.
No caso presente, perante a matéria descrita no RIT, o percurso seguido pela AT mostra-se consistente, pois que existe uma determinada venda, cujo valor foi debitado na totalidade à entidade compradora, sendo que do preço total de venda do prédio rústico a que alude as alíneas c) e d) supra, apenas a quantia de € 2.123.273,96 foi relevado contabilisticamente na esfera da impugnante e a quantia de € 13.176.345.21 (= € 13.141.748,49 + € 34.977,55) foi contabilisticamente transferida da sub-conta POC-Clientes (conta 21.1.1.150-M......) para a sub-conta 25591 – Accionistas (Sócios) José ..............., além de que a Recorrente não enjeita o facto de o valor em apreço ter entrado na sua esfera patrimonial, colocando apenas em crise o enquadramento da matéria feita pela AT.

Neste ponto, a Recorrente começa por sugerir que, em função da data em que a mesma foi constituída, seria oportuno questionar-se o modo como a Recorrente obteve os meios para adquirir o prédio rústico envolvido na compra e venda referida nos autos.

Se a questão não é impertinente, verifica-se que a própria Recorrente acaba por não insistir nesta matéria, não respondendo à dúvida por si colocada, alegando factos susceptíveis de a questão em apreço ter resposta com contornos porventura favoráveis à sua pretensão formulada nos autos.

No entanto, a Recorrente acaba por ser inconsequente no domínio, apostando a sua alegação no contrato-promessa junto aos autos celebrado na mesma data da escritura de compra e venda, pretendendo que o valor que entrou na sua esfera jurídica respeita ao sinal convencionado no âmbito do contrato-promessa.

No entanto, e aqui a Recorrente não terá feito a melhor leitura da decisão recorrida, na medida em que a 1ª parte do art. 6º da petição inicial foi considerada como não provada - utilização do valor recebido na venda para pagar o sinal convencionado -, sendo que nesta parte, a Recorrente não colocou em crise a matéria de facto apurada nos autos, apontando apenas para a sua insuficiência, com referência à matéria que pretendia ver aditada ao probatório.

A partir daqui, a tese da Recorrente fica totalmente comprometida, pois que tendo presente o que vimos de dizer, fácil se torna concluir que a AT estava legitimada a proceder à liquidação de IRS nos termos descritos, na consideração de que a importância em causa constitui distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ao sócio em causa e, por isso, rendimento tributável.

Por outro lado, a alegação da Recorrente que aponta para a definição de tal valor como uma contrapartida relativamente ao aludido contrato-promessa não encontra apoio no probatório, que a Recorrente não pôs em causa, sendo que era forçoso ao êxito do recurso que, a recorrente, tivesse colocado em crise o julgamento da matéria de facto empreendido pela decisão recorrida.

Assim sendo, tem plena acuidade o exposto na decisão recorrida quando remata que “para além do referido proveito (€ 13.176.726,04) não se mostrar evidenciado na contabilidade, e o saldo devedor ter sido transferido na contabilidade da impugnante para a conta de Accionistas (sócios), o que lhe dá a natureza de adiantamento por conta dos lucros, não deixa de ser despiciendo o facto da impugnante não ter arrolado como testemunha o TOC que terá cometido os alegados lapsos, para prova dos mesmos (cfr. artº 74º, nº 1 da LGT), sendo para o efeito irrelevante as afirmações da testemunha Ana Cebola, em sede de inquirição, que referiu ter elaborado o contrato-promessa e ainda um aditamento a esse contrato, que segundo julga ainda não foi assinado.

Ora, de acordo com a Jurisprudência dos Tribunais superiores, no tocante às obrigações de natureza contabilística “3. Incumbe ao contribuinte o ónus de prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística impostas pela lei comercial e fiscal, v.g. o disposto no DL 410/89 de 21.11 - Plano Oficial de Contabilidade.
4. Para efeitos fiscais, a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais funda-se na chamada escrituração comercial, constituída por livros e registos obrigatórios, submetidos a formalidades legais, e pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, art°s. 31° a 37° C.Com.) e demais documentos justificativos, não sendo de esquecer que, nos termos da lei, a escrituração comercial é, simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação.” (cfr. números 3 e 4 do sumário do acórdão do TCA Sul de 23/04/2002, processo nº 5153/01, disponível in http://www.dgsi.pt).
Alega ainda a impugnante que a dubiedade e ambiguidade sobre a realidade dos factos tributários reverte contra a Fazenda Pública (cfr. artigo 99º da p.i.) e que da prova carreada para os autos resulta uma dúvida sobre a existência do facto tributário que será a realidade dos eventos concretos de natureza económica (cfr. artigo 123º da p.i.).
Porém, juntando apenas um documento particular, que indica valores diferentes da quantia posta à disposição do sócio, e invocando lapsos de registo contabilísticos, desacompanhados de outros elementos probatórios jamais poderá tal postura suscitar dúvidas fundadas no julgador (cfr. a este propósito o acórdão do TCA Sul de 21/11/2006, processo nº 00264/04, já acima citado, in http://www.dgsi.pt).
Sempre se dirá ainda, que no relatório da IT de fls. 18 e segs PA, se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente a correcção a efectuar com base no artº 5º, nº 1, alínea h) do CIRS, o que contraria a tese da impugnante que, aliás, se limita a invocar lapsos do TOC que perduraram até à realização da acção de fiscalização, e a celebração do alegado contrato promessa num contexto de “intenção de desenvolvimento de um projecto de interesse regional, sem qualquer reflexo na contabilidade.
Dos autos resulta que o montante em causa foi posto à disposição do único sócio da impugnante, facto, aliás, confirmado pela impugnante (cfr. relatório da IT constante do PA), pelo que, a Administração Tributária não só demonstrou como quantificou o rendimento, devendo tal montante ser tributado como adiantamento por conta de lucros do ano de 2008, de acordo com o dispostos nos artigos 5º, nº 2, alínea h), 6º, nº 4 e 71º, nº 3, alínea c), ambos do CIRS.
Assim sendo, tendo o sócio beneficiado pessoalmente do respectivo montante, o mesmo deverá ser tributado (cfr. artº 5º, nº 1, alínea h) do CIRS). …”
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 09 de Julho de 2013

Pedro Vergueiro
Aníbal Ferraz
Jorge Cortês