Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2664/05.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI.
Sumário:I.É à face da fundamentação que consta do acto tributário que é apreciada a sua legalidade, sendo irrelevantes para esse efeito, as razões que eventualmente poderiam justificar a decisão mas que não foram expressamente aduzidas, como fundamentos do acto.

II.O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte à luz da fundamentação que os sustenta, e não serve para defender a legalidade dos actos reclamados com a apresentação de fundamentos que não lhes são contemporâneos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada por J............ e M............ contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida com vista à anulação da liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e juros compensatórios que lhes foi efectuada com referência ao ano de 1994.


Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a IRS de 1994.
II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.
III. A impugnação tem por objeto a liquidação de IRS, referente a 1994, que resultou de inspeção, tendo sido efetuadas correções aos montantes declarados de despesas de saúde, realizadas à W............, no Reino Unido, no montante de €23.834,08 (4.778.305$00), despesas de estadia na casa de Repouso no montante de € 386,57 (77.500$00) e despesas em estância hidrológica no montante de € 362,88 (72.750$00).
IV. A douta sentença recorrida dá como assente que o filho dos impugnantes é dependente para efeitos de IRS por se afigurar que este esteve impossibilitado e inapto para trabalhar, baseando-se, primeiro, em declaração constante de um relatório médico para considerar verificada a incapacidade até 10-06-1994 e, depois, numa dedução ou presunção daí até ao fim do ano de 1994.
V. O referido relatório médico de 12-06-2006 refere que que J............, tratou-se nesta consulta durante 1993 até junho de 1994 e que esteve totalmente incapacitado para o trabalho durante esse período de tempo.
VI. A Fazenda Pública não pode concordar com a douta sentença recorrida por dar relevância a uma declaração constante de relatório médico que não abrange sequer a primeira metade do ano de 1994, presumindo a partir daí que o filho dos impugnantes esteve impossibilitado e inapto para trabalhar até ao final desse ano, por ter ido a Inglaterra fazer o tratamento na W.............
VII. O tratamento não implica necessariamente inaptidão para trabalhar.
VIII. Importa salientar que não está em causa saber se o filho dos impugnantes era ou não economicamente dependente dos pais, mas sim averiguar se o mesmo integra o conceito de dependente para efeitos de IRS, relativamente ao ano em questão, sendo que o conceito de dependente resulta do artigo 14°, n° 4 do CIRS.
IX. A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito ao presumir a inaptidão para trabalhar decorrente de o filho dos impugnantes ter ido para Inglaterra em junho de 1994.
X. Ainda que, porventura se admita que o filho dos impugnantes esteve incapacitado para o trabalho até 10-06-1994, decorrente do relatório médico de 12-06-2006, é inadmissível presumir-se que a incapacidade para o trabalho tenha continuado, tanto mais que o referido relatório é expresso na delimitação temporal da incapacidade: durante esse período de tempo.
XI. Acresce ainda que a data relevante para efeitos de tributação em IRS é a situação a 31-12-1994, como resulta de forma clara e inequívoca do teor do n° 7 do artigo 14° do CIRS.
XII. Assim, não se pode extrair de qualquer dos factos dados como provados, que o filho dos impugnantes se encontrava inapto para angariar meios de subsistência em 31-12-1994, não podendo assim integrar o agregado familiar como dependente, pelo que as despesas de saúde imputadas ao filho não são dedutíveis na liquidação de IRS dos seus pais.
XIII. Não pode confundir-se a dependência económica dos filhos adultos relativamente aos pais (situação mais ou menos frequente na sociedade atual) com o conceito específico de dependente para efeitos de IRS.
XIV. No conceito específico de dependente para efeitos de IRS resultante de o filho ser inapto para angariar meios de subsistência, existe incapacidade para trabalhar e assim obter meios de subsistência, devendo por isso esta incapacidade ser devidamente certificada por atestado médico nesse sentido.
XV. A douta sentença recorrida incorre assim em erro de julgamento de facto e de direito ao dar como assente, sem convicção aparente, que se afigurava que o filho dos impugnantes esteve impossibilitado e inapto para trabalhar.
XVI. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida viola o disposto nas normas do artigo 14°, n°s 4 e 7 do CIRS (dependentes), do artigo 55°, n° 1, alínea a) do CIRS na redação em vigor à data (abatimentos ao rendimento) e do artigo 74° da LGT (ónus da prova).

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»


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Os recorridos em contra-alegações pugnaram pela manutenção do decidido.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso
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Colhidos os vistos dos Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
(i)Se a sentença recorrida fez ou não errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 14.º, n.ºs 4 e 7 e 55.º, n.º 1, alínea a) todos do CIRC;
(ii)Se a sentença recorrida errou na aplicação in casu das regras do ónus da prova, concretamente do disposto no artigo 74. º da LGT.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) Os contribuintes apresentaram a sua declaração de rendimentos referente ao exercício de 1994, em 2 de maio de 1995 (facto não controvertido);

B) Declaram, entre outros elementos, que teriam despendido a quantia total de 25.192,83 euros a título de importâncias pagas e não reembolsadas respeitantes a despesas de saúde dos sujeitos passivos e do seu dependente (conforme resulta do documento n.° 2 junto com a PI);

C) Tendo sido desencadeada uma ação de fiscalização realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária, foram detetadas algumas discrepâncias, em resultado do qual foram efetuadas correções referentes ao montante declarado a título de despesas de saúde, de 25192,83 euros para 650,80 euros (conforme resulta do documento n.° 2 junto com a PI);

D) Por um lado, as correções efetuadas no que dizia respeito às despesas de saúde realizadas no estrangeiro, no montante de 23.834,08 euros (4.778.305$00), à empresa de W............, no Reino Unido, derivaram do facto de ter sido considerado que estas não se encontravam legalizadas nos termos do artigo 540° do Código de Processo Civil (conforme resulta do processo de reclamação graciosa que faz parte do PAT em apenso);

E) Por outro lado, no que concerne às despesas referentes à estadia na Casa de Repouso, no valor de 386,57 euros (77.500$00) e da estância hidrológica, no montante de 362,88 euros (72.750$00), verificou-se que as mesmas não se encontravam devidamente acompanhadas de prescrição médica (conforme resulta do processo de reclamação graciosa que faz parte do PAT em apenso);

F) Face à correção proposta foi emitida a liquidação ora em análise, n.° ..........., no valor de 14.583,20 euros, correspondente a 8.963,82 euros de imposto em falta e 5.619,38 euros dos correspondentes juros compensatórios (conforme resulta do processo de reclamação graciosa que faz parte do PAT em apenso)

G) Por contestar a legalidade da liquidação identificada, vieram os contribuintes apresentar Reclamação Graciosa, em 11 de abril de 2000, instaurado e instruído no Serviço de Finanças de Lisboa 2, identificado com o número 3247-00/400151.6 (conforme resulta do processo de reclamação graciosa que faz parte do PAT em apenso);

H) Em apreciação da reclamação graciosa foi elaborada a informação de fls. 137 a 139 do processo de reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:

«(...)Nos termos do Ofício-Circulado n° 24/90, de 18.06 sancionou o seguinte entendimento:

" Tendo-se suscitado dúvidas sobre se as despesas efetuadas com filhos maiores com tratamento da toxicodependência são ou não dedutíveis nos termos da alínea a) do n° 1 do art° 55° do Código do IRS, foi por despacho de 90.03.27, sancionado o seguinte entendimento: É a toxicodependência a apetência normal e prolongada manifestada por determinados indivíduos por substâncias tóxicas ou drogas cujo efeito analgésico, euforístico ou dinâmico se torna um hábito, originando o aumento progressivo das doses, degradações orgânicas e em alguns casos a decadência física e mental do indivíduo.

Nestes termos, não oferece dúvidas a qualificação como despesas de saúde os gastos efetuados pelo sujeito passivo e seus dependentes para a combater, nos termos da alínea a) do n° 1 do art° 55° do CIRS.

No âmbito daquele dispositivo legal incluir-se-ão, portanto, as despesas com o tratamento de todos os tipos de dependência (física e psíquica), sejam quais forem as substâncias que a originam (álcool e estupefacientes), nomeadamente, despesas com medicamentos e hospitalização na parte efetivamente suportada.

Competirá aos Centros de Estudo da Profilaxia da Droga do País (...) bem como a outros estabelecimentos especializados no combate à droga (Centro das Taipas, Hospitais de S. João do Porto e Sta Maria de Lisboa, Serviço de Prevenção e Apoio a Toxicodependentes do Algarve e Centro de Dia e Apoio à Juventude da Região Autónoma da Madeira) e, ainda, aos centros de saúde comprovar a incapacidade para o trabalho do toxicodependente maior.

Residindo este no estrangeiro, a entidade competente, para comprovar tal facto, será a autoridade de saúde competente do respetivo país, em documento devidamente autenticado.

Dada a natureza da incapacidade será a mesma comprovada anualmente por qualquer dai referidas instituições, devendo essa comprovação acompanhar a declaração de rendimentos do sujeito passivo. Ainda que a autenticidade dos documentos juntos não se questione, nos termos e para os efeitos do art° 540° do CPC, o reclamante não junta qualquer documento, quer das autoridades nacionais, supra referidas, quer da autoridade de saúde do Reino Unido, em que se comprove a incapacidade para o trabalho do toxicómano.

Assim, não se encontrando provada a qualidade de dependente, nem se encontrando reconhecidas as despesas de saúde, com o internamento no Reino Unido, até porque os documentos originários do W............ Ltd não referem qualquer tratamento à toxicodependência, não pode merecer acolhimento a tese do reclamante.

Pelo exposto, sou de parecer que deverá ser proferida decisão a indeferir o pedido dê reclamante, uma vez que a reclamação, salvo melhor opinião, é infundada e sem qualquer acolhimento legal. (...)»

I) Os Impugnantes, notificados do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, exerceram o direito de audição (Conforma resulta do processo de reclamação graciosa em apenso)

J) Em apreciação dos argumentos dos Impugnantes foi elaborada a informação de fls. 157 a 159 do processo de reclamação graciosa, donde resulta com interesse para a decisão:

«(...) Não obstante o alegado pelo reclamante, em sede de direito de audição, temos que:

- A qualidade de dependente, salvo o devido respeito, não é de conhecimento oficioso da Administração Tributária, apenas porque se encontra inscrita na declaração de rendimentos do exercício em sindicância;

- É dependente, para efeitos do CIRS, aquele que reúne os requisitos expandidos no art. 14°, n° 4 do CIRS, na redação em vigor à data do facto tributário (atual art° 13° do CIRS);

- Essa qualidade de dependente, em sede de procedimento tributário, deve ser provada por quem a invoca, nomeadamente, por cópia do respetivo Bilhete de Identidade, ou outro documento identificativo;

- Em caso de o dependente ser maior de dezoito e menor de 25 anos, era necessário provar da sua condição de estudante (frequência do 11° ou do 12° anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio ou superior) ou, ainda, provar o cumprimento de serviço militar obrigatório ou serviço cívico;

- Quanto às despesas realizadas no W............ Ltd, no concernente aos documentos originários emitidos, não referem, expressamente, o tratamento à toxicodependência, pese embora, vir o ora reclamante juntar um folheto informativo acerca da Instituição;

- Não é de excluir que fosse aconselhado ou prescrito pelo clínico, que acompanhava o doente, um internamento que não se esgotasse na finalidade terapêutica da toxicodependência;

- Não sendo, por isso, de concluir que, por falta de prova ou prova insuficiente, se esteja perante falsas declarações ou conivência com o referido clínico;

Em suma:

- Se o dependente era menor, à data de 31.12.1994, essa qualidade não está provada nos autos, ainda que se aceite a prova documental referente ao internamento;

- Se o dependente era maior, não se encontra demonstrada, pela autoridade competente do país de residência, ou, pelo menos, do país onde foi ministrado o tratamento, a incapacidade para o trabalho, para efeitos de qualificar as despesas com o tratamento da toxicodependência como despesas de saúde.

Pelo que, não existem razões de facto e de direito para inverter o sentido do projeto de decisão, com os fundamentos nele constantes, que se dão por reproduzidos, nomeadamente no tocante ao entendimento da Circular n° 24/90, de 18.06.

Face ao exposto, proponho que se converta em definitivo o citado projeto, porém V. Exa melhor decidirá. (...)»

K) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior, recaiu o despacho de concordância, de 14 de outubro de 2005 (conforme resulta de fls. 157 do processo de reclamação graciosa em apenso);

L) Decisão que foi notificada por ofício n.° 13.991, de 14 de outubro de 2005, remetido por carta registada cujo aviso de receção foi assinado em 25 de outubro de 2005 (conforme resulta de fl. 160 e161 do processo de reclamação graciosa em apenso);

M) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 9 de novembro de 2005 (conforme resulta de fls. 3);

N) Resulta do relatório médico de fls. 34 do PAT em apenso:

«J............ esteve internado na C.......... de 94.04.21 a 94.04.27 por sofrer de adição a estupefacientes.

A gravidade da sua situação clínica aconselhou, com o seu assentimento, que continuasse seu tratamento nos W............, no Reino Unido

O) Resulta do relatório médico de fls. 49:

«F............, médico psiquiatra inscrito no Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos com a cédula profissional n°..........., relato:

J............, tratou-se nesta consulta durante 1993 e até 10 de junho de 1994.

Esteve totalmente incapacitado para trabalhar durante esse período de tempo

P) Dão-se por reproduzidos os documentos de fls. 40 a 42 do PAT em apenso, que constituem recibos referente ao pagamento da frequência de um Curso Vídeo / TV - Especialização, efetuados pelo Impugnante, durante o ano de 1994.

Q) Os documentos de fls. 83 a 120 do PAT em apenso, que constituem faturas emitidas, no ano de 1994, pela W............, com sede no Reino Unido, estão certificados pelo Consulado Geral de Portugal em Londres.

R) Em virtude da liquidação não ter sido paga dentro do período de pagamento voluntário foi extraída a certidão de dívida n.° 46475, de 2000-04-14, que deu origem à instauração do processo de execução fiscal n.° ........... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2.

S) O processo de execução fiscal encontra-se suspenso em virtude de prestação de garantia bancária, identificada com o número ..........., em 14/09/2000 (cfr. fls. 27 dos autos) no montante de 19552,56 euros (3.919.936$00).

T) A AT, em apreciação da presente impugnação, elaborou a informação de fls. 171 e segs. do PAR em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:

«(...) 2.2 - Da Acão de Inspeção

9.° Os contribuintes apresentaram a sua declaração de rendimentos referente ao exercício de 1994, a 2 de maio de 1995, tendo declarado, entre outros elementos, que teriam despendido a quantia total de 25.192.83 euros a título de importâncias pagas e não reembolsadas respeitantes a despesas de saúde dos sujeitos passivos e do seu dependente.

10.° Tendo sido desencadeada uma ação de fiscalização realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária, foram detetadas algumas discrepâncias, em resultado do qual foram efetuadas correções referentes ao montante declarado a título de despesas de saúde, de 25192,83 euros para 650,80 euros.

11° Por um lado, as correções efetuadas no que dizia respeito às despesas de saúde realizadas no estrangeiro, no montante de 23,834,08 euros (4.778.305$00), à empresa de W............, no Reino Unido, derivaram do facto de ter sido considerado que estas não se encontravam legalizadas nos termos do artigo 540° do Código de Processo Civil, 12°. Por outro lado, no que concerne às despesas referentes à estadia na Casa de Repouso, no valor de 386,57 euros (77.500$00) e da estância hidrológica, no montante de 362,88 euros (72.750$00), verificou-se que as mesmas não se encontravam devidamente acompanhadas de prescrição médica.

13°. Face à correção proposta foi emitida a liquidação ora em análise, n.° ..........., no valor de 14.583,20 euros, correspondente a 8.963,82 euros de imposto em falta e 5.619,38 euros dos correspondentes juros compensatórios;

14°. Por contestar a legalidade da liquidação identificada, vieram os contribuintes apresentar Reclamação Graciosa, em 11 de abril de 2000, instaurado e instruído no Serviço de Finanças de Lisboa 2, identificado com o número 3247-00/400151.6.

15°. Após instrução e apreciação da matéria controvertida, foi prestada informação no sentido de considerar que não teriam sido apresentadas provas suficientes para comprovar o preenchimento dos requisitos para a admissão da dedutibilidade dos valores suportados a título de tratamento da toxicodependência como despesas de saúde,

16°. Razão pela qual foi a Reclamação Graciosa indeferida, por despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças de Lisboa 2, datado de 14 de outubro de 2005,

17°. Decisão que foi notificada ao mandatário dos contribuintes por ofício n.° 13.991, de 14 de outubro de 2005, remetida por carta registada cujo aviso de receção foi assinado em 25 de outubro de 2005.

(...)

3. DO MÉRITO

23°. Tendo em conta as alegações da recorrente na presente impugnação e que se dão aqui por integralmente reproduzidas cumpre-nos analisar a matéria controvertida e os elementos apresentados, analisando-se o seguinte:

24°. A matéria sindicada já foi objeto de apreciação através da informação constante do processo de Reclamação Graciosa, constante dos autos a folhas 137 a 139 e folhas 157 a 159, que aqui chamamos à colação e consideramos reproduzida para os devidos efeitos legais.

25°. Desta forma, e não obstante o que já foi indicado, será de realçar alguns aspetos que entendemos ser de suma importância para a análise dos factos.

26°. Antes de mais, será necessário debruçar um pouco sobre a qualificação de dependente que a nosso ver é essencial para ao mérito da questão.

27°. Estabelecia o n.° 4 do artigo 14° do Código do IRS, em vigorà data dos factos, que consideravam-se dependentes:

a) os filhos, adotados e enteados, menores não emancipados,

b) Os filhos, adotados e enteados, maiores, que, não tendo mais de 25 anos nem auferindo anualmente rendimentos superiores ao salário mínimo nacional, tenham frequentado no ano a que o imposto respeita o 11° ou 12° anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio superior ou cumprido serviço militar obrigatório ou serviços cívico;

c) Os filhos, adotados e enteados, maiores, inaptos para o trabalho e para angariar meios de subsistência, quando não aufiram rendimentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado;

d) Os menores sob tutela desde que não aufiram quaisquer rendimentos.

28°. Ao contrário do alegado pelos Impugnantes, o facto de terem indicado na sua declaração de rendimentos que teriam um dependente não implica que não tenham de provar a qualidade de dependente de J.............

29°. Após analisados os elementos carreados aos autos pelos contribuintes verificamos que em tempo algum foi produzida prova da qualidade de dependente do seu filho, uma vez que os mesmos mantêm a sua posição de que basta a sua declaração.

30°. Tendo sido efetuada a consulta ao sistema informático (cfr. fl. 169 dos autos) verificamos que J............, filho dos Impugnantes, terá nascido em 16 de novembro de 1971, logo em 31 de dezembro de 1994, momento em que se afere a composição do agregado familiar, ele teria 23 anos.

31°. Assim verificamos que no exercício fiscal de 1994, J............, filho dos Impugnantes era maior de idade, nos termos do artigo 122° do Código Civil.

32°. Uma vez que era maior, a única forma de ainda ser considerado dependente para efeitos do n.° 4 do artigo 14° do CIRS, seria se ele estivesse a frequentar o 11° ou 12° anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio ou superior, estivesse a cumprir o serviço militar obrigatório ou serviço cívico, ou se fosse inapto para o trabalho e para angariar meios de subsistência.

33°. Da análise dos únicos elementos apresentados pelos contribuintes, mais especificamente das cópias dos recibos juntos a folhas 80 a 82, verificamos que J.......... frequentava o curso de especialização de Video/Televisão na Escola Técnica de Imagem e Comunicação,

34°. Logo, tratava-se de um curso de especialização que por não conferir grau académico não se subsume nos meios de ensino elencados na alínea b) do artigo 14° do CIRS.

35°. Desta forma confirmamos o já enunciado em sede de Reclamação Graciosa, no sentido de não se encontrar provada a qualidade de dependente do filho dos Impugnantes, uma vez que sendo ele maior de idade teria de ser provado de se incluiria numa das situações enunciadas na alínea b) do artigo 14° do CIRS.

36°. Entendeu ainda o legislador que seria de alargar o conceito de dependente por forma a abranger as situações em que os filhos são considerados inaptos para o trabalho e para angariar meios de subsistência, podendo fazer parte do agregado familiar de seus pais.

37°. Desta forma, e uma vez que não foi provado que a situação de J.......... se subsumiria no conceito definido na alínea b) do artigo 14.° do CIRS, somos de entender que será de aplicar o ofício-circulado n.° 24/90, de 18 de junho.

38°. Esta instrução administrativa versa sobre a dedutibilidade das despesas de saúde suportadas efetuadas com filhos maiores toxicómanos.

39°. Nele se pode ler "É a toxicodependência a apetência normal e prolongada manifestada por determinados indivíduos por substâncias tóxicas ou drogas cujo efeito analgésico, eufórico ou dinâmico se torna um hábito, originando o aumento progressivo das doses, degradação orgânicas e em alguns casos a decadência física e mental do indivíduo.

40°. Nestes termos não oferece dúvidas a qualificação como despesas de saúde os gastos efetuados pelo sujeito passivo e seus dependentes para a combater, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 53° do CIRS.

41°. No âmbito daquele dispositivo legal incluir-se-ão, portanto, as despesas com o tratamento de todos os tipos de dependência (física e psíquica), sejam quais forem as substâncias que o originam (álcool e estupefacientes), nomeadamente, despesas de medicamentos e hospitalização na parte efetivamente suportada.

42°. Tratando-se, porém, de despesas da mesma natureza efetuadas com filhos maiores toxicodependentes, o seu abatimento fica condicionado à verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- Não auferirem (os filhos maiores) rendimentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado;

- não fazerem parte de outro agregado familiar e,

- serem considerados inaptos para o trabalho e para angariarem meios de subsistência.

43°. Competirá aos Centros de Estudo da Profilaxia da Droga do País (Norte, Centro e Sul) bem como a outros estabelecimentos especializados no combate à droga (Centro das Taipas, Hospitais de S. João do Porto e Santa Maria de Lisboa, Serviço de Prevenção e Apoio a Toxicodependentes do Algarve e centro de dia e Apoio à Juventude da Região Autónoma da Madeira) e, ainda, aos centros de saúde comprovar a incapacidade para o trabalho do toxicodependente maior.

44°. Uma vez mais se insiste que, não tendo ficado provado que o filho dos Impugnantes se incluiria no conceito de dependente, então deveria ter sido apresentada uma declaração atestado a incapacidade do toxicodependente para o trabalho.

45°. Nos termos do artigo 74° da Lei Geral Tributária, bem como em toda a legislação aplicável, nomeadamente no artigo 88° do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 342° do Código Civil, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recaem sobre quem os invoque.

46°. Quanto à segunda questão suscitada pelo Impugnante, relacionada com a falta de identificação das despesas de saúde, verificamos que no procedimento de reclamação graciosa, em sede da análise das alegações suscitadas em audição prévia, foi aceite a prova documental referente ao internamento, tendo sido apresentado pelos então reclamantes cópia de um folheto informativo acerca da Instituição W............, Ltd.

47°. Em síntese, verificamos que a razão principal que motivou o indeferimento da Reclamação Graciosa, ou seja, a falta de prova da qualidade de dependente referente ao beneficiário das despesas médicas cuja dedutibilidade se questiona, mantêm-se inalterada, uma vez que os Impugnantes não lograram trazer ao processo elementos que consubstanciassem o estatuto de estudante de seu filho, ou, através da apresentação de uma declaração emitida pela entidade nacional competente da incapacidade para o trabalho, para efeitos de qualificar as despesas com o tratamento da toxicodependência como despesa de saúde daquele agregado familiar.

4. - PROPOSTA DE DECISÃO

48°. Face ao exposto estamos em crer que não se verifica qualquer preterição de formalidades legais ou qualquer outro vício que enferme o ato ora impugnado, pelo que constitui nosso entendimento que ao ato tributário ora impugnado deverá ser mantido.

49°. Pelo exposto se conclui no sentido do presente processo ser remetido ao Digno Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa

U) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 182 do PAT em apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (conforme resulta do depoimento da testemunha);

V) Em 1994 o filho dos Impugnantes era estudante numa escola profissional onde tirou o curso de cameraman e não trabalhava (conforme resulta do depoimento da testemunha);

W) Era inteiramente dependente dos pais aqui Impugnantes e vivia com eles (conforme resulta do depoimento da testemunha);

X) Em junho de 1994, M.......... foi fazer o tratamento da toxicodependência W............, Ltd., em Inglaterra (conforme resulta do depoimento da testemunha);

Y) O tratamento custava cerca de quinhentos contos por mês e era pago pelos Impugnantes (conforme resulta do depoimento da testemunha);

2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como do depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A testemunha inquirida referiu que é amigo de M.........., filho dos impugnantes que conhece há muitos anos. Referiu que ele próprio fez tratamento de reabilitação da toxicodependência no W............, Ltd. no Reino Unido com um modelo de tratamento “Minesota” que integra narcóticos anónimos e alcoólicos anónimos. Recomendou a M.......... que fizesse também esse tratamento. Esse tratamento era muito caro mas era eficaz.

2.3. FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.»

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B.DE DIREITO

A presente impugnação judicial foi apresentada na sequência do despacho de indeferimento expresso, que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelos aqui recorridos visando a anulação da liquidação de IRS, referente ao ano de 1994, tendo por base as correções efectuadas aos montantes declarados de despesas de saúde -W............, no Reino Unido, no montante de 23.834,08€ (4.778.305$00), bem como despesas correspondentes a estadia na casa de Repouso no montante de 386,57€ (77.500$00) e despesas em estância hidrológica no montante de 362,88€ (72.750$00).

A impugnação judicial foi jugada improcedente, e, em consequência, anulada a liquidação de IRS sindicada.

Em síntese, o Tribunal «a quo» partindo da factualidade assente, mormente o que consta na alínea x) entendeu que « (…) o filho dos Impugnantes J.........., durante o ano de 1994 esteve impossibilitado e inapto para trabalhar.».

Da análise das conclusões da motivação do recurso resulta que a questão que nos é colocada consiste em saber se sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito ao dar como assente, que o filho dos impugnantes (doravante recorridos) esteve impossibilitado e inapto para trabalhar porquanto a declaração constante do relatório médico não abrange sequer a primeira metade do ano de 1994.

Vejamos, então.

Antes de mais, importa notar que a reclamação graciosa se destina à reavaliação da liquidação adicional de IRS aqui sindicada e não para sustentar a legalidade do acto tendo por base uma fundamentação que não é contemporânea à prática do acto reclamado.

Como resulta do que deixámos já dito, já se antevê que a legalidade do acto em crise nos presentes autos deve ser aferida à luz do discurso fundamentador externado pela Administração no âmbito do procedimento de inspecção, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori.

Isto dito, retomemos o caso concreto.

Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária a fundamentação que suporta cada uma das correcções é a seguinte:

(i) despesas de saúde realizadas no estrangeiro não foram aceites por não se encontrarem legalizadas nos termos do artigo 540.º do CPC;

(ii) despesas referentes à estadia na Casa de Repouso e da estância hidrológica não foram aceites por não se encontrarem devidamente acompanhadas de prescrição médica.

Nos termos do artigo 540.º do Código Processo Civil:

«1-Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse pais, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o seio branco consular respectivo.

2-Se os documentos particulares lavrados fora de Portugal estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no número anterior.».

Ora, nem documentos que suportam as despesas de saúde emitidos pelo W............ (com sede no Reino Unido), são documentos autênticos, nos termos e para os efeitos do n.º2 do artigo 363.º do Código Civil (diz o preceito: 2-Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.) quanto a eles valendo, o princípio geral contido no n.º1 do artigo 365.º do mesmo compêndio legal, segundo o qual « Os documentos autênticos ou articulares passados em pais estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.».

Não obstante, o que vem dito, não é menos certo que as facturas emitidas, no ano de 1994, pelo W............, estão certificados pelo Consulado Geral de Portugal em Londres [cfr. alínea Q) do probatório].

De resto, é a própria Administração Tributária que reconhece no âmbito do procedimento de reclamação graciosa que se encontram « [c]arreados aos autos, cópias dos extractos bancários, comprovativos dos pagamentos dos serviços de internamento, bem como um Certificado do Consulado Geral de Portugal Em Londres, que valida a autenticidade dos documentos apresentados pelo W.......... LTd.»

Deste modo, tendo a referida correcção por base o entendimento de que os documentos apresentados no âmbito do procedimento de inspecção não se encontrarem «legalizados» nos termos do artigo 540.º do CPC, a fundamentação que suporta a dita correcção « cai por terra» uma vez que estamos perante um documento particular, emitido por um terceiro, sendo certo que a Administração Tributária não efectuou a contraprova de modo a neutralizar ou invalidar a prova coligida (cfr. artigo 346º do Código Civil).

É verdade que posteriormente, aquando do indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação sindicada, a Administração Tributária tenha vindo a indicar novos fundamentos enquanto suporte da legalidade da sua actuação, porém, essa fundamentação, como já atrás dissemos e repetimos novamente, não pode ser usada para aferir da validade do acto impugnado, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori.

Pelo exposto improcede o fundamento de recurso ora em apreciação.

Passemos agora à desconsideração fiscal das despesas referentes à estadia na Casa de Repouso e da estância hidrológica, decorrente das mesmas não se encontravam devidamente acompanhadas de prescrição médica.

Neste ponto temos de dar razão à recorrente, por não ter sido efectuada prova que as facturas emitidas pela «C.........., Lda» se reportem à estadia do filho dos recorridos naquele estabelecimento, desde logo porque as mencionadas facturas foram emitidas em nome do recorrido ( marido) e por outro lado, quer quanto as estas quer quanto às despesas referentes à estância hidrológica não foi apresentada a respectiva prescrição médica subjacente aos alegados serviços prestados.

Improcede, pois, pelas razões expostas, esta última questão colocada no recurso.

Por conseguinte, o recurso merece parcial provimento.

IV.CONCLUSÕES

I.É à face da fundamentação que consta do acto tributário que é apreciada a sua legalidade, sendo irrelevantes para esse efeito, as razões que eventualmente poderiam justificar a decisão mas que não foram expressamente aduzidas, como fundamentos do acto.

II.O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte à luz da fundamentação que os sustenta, e não serve para defender a legalidade dos actos reclamados com a apresentação de fundamentos que não lhes são contemporâneos.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:

a) revogar a sentença recorrida na parte referente às correcções nos montantes de

386,57€ e 362,88€, julgando nessa parte improcedente a impugnação judicial;

b) confirmar a sentença recorrida quanto ao demais, embora com a presente fundamentação, com a consequente procedência da impugnação judicial nessa parte.

Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.


Lisboa, 19 de Novembro de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]