Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07006/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS/CRITÉRIO TÉCNICO/ERRO NA QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:
I – Ainda que caiba à Administração Tributária eleger o critério conducente à determinação da matéria tributável, o mesmo tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado, isto é, tem de revelar-se como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar.
II – O “critério do coeficiente de permilagem” – adoptado pela Administração Tributária para a determinação da matéria tributável – não é de julgar “só por si e em abstracto inadmissível ou ostensivamente inadequado”, já que, consistindo o apuramento do valor tributável por métodos indiciários em inferir logicamente e a partir de regras de experiência (comum, técnica) um facto desconhecido (precisamente o valor tributável) de um facto indiciário conhecido (facto base, facto instrumental ou índice), se deve concluir que aquele critério se louvou num elemento racional e assente em dados efectivamente apurados (os valores confessados por dois adquirentes e nas permilagens das respectivas fracções).
III – Em caso de litígio entre o contribuinte e a Administração Tributária quanto ao critério eleito e aos resultados deste, cabe ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, isto é, aferir se o “critério presuntivo eleito” se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados.
III – Estando provado nos autos que a utilização exclusiva daquele critério na determinação da matéria tributável conduziu em concreto a erro de quantificação, deve o acto ser anulado, independentemente de a prova de tais factos ter resultado de actuação da própria Administração Tributária ou da interpretação de elementos por esta trazidos ao processo, pois o que revela para efeitos de decisão (apurados os factos), não é a identidade da parte que efectuou a prova ou a identificação de quem tinha o ónus de a realizar, mas sim o que efectivamente se provou e em que medida é que os factos já apurados se mostram susceptíveis de preencher a conclusão de erro na quantificação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

l - Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença de procedência de Impugnação Judicial interposta por “………………………….., Lda.”, contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2004, interpôs o presente recurso, rematando as respectivas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por ……………………….. Lda, no que concerne ao facto de alegadamente o impugnante ter feito prova de que o conceito técnico relativo à aferição do desvio dos proveitos por si declarados foi mal aplicado pela AT por se referenciar à permilagem das fracções, o qual no entendimento do Tribunal à quo não é susceptível de comparação directa com os valores de venda das ditas fracções, reputando ainda, tais critérios de ilegais.

II. A fundamentação da Douta Sentença recorrida assenta em síntese, pelo que nos é dado percepcionar, algures, no entendimento de que resulta ilegal o método extrapolativo baseado na permilagem das fracções, usado pela AT, e que teve por ponto de partida dados reais conhecidos da AT relativos a preços declarados de venda de apartamentos pela impugnante, inferiores aos reais, situação que determinou o recurso a métodos indirectos para efeitos de determinação da matéria tributável.

III. No que efectivamente concerne à matéria de facto a impugnante foi objecto de inspecção por parte dos Serviços de Inspecção Tributária, [doravante SIT] relativamente ao exercício de 2004, ao abrigo da ………………., em sedes de IVA e IRC, donde resultaram correcções mistas de ordem técnica e com recurso a métodos indirectos.

IV. Verificaram os SIT omissões e inexactidões nos valores declarados nas vendas com base na identificação de factos concretos que comprovam a omissão generalizada de proveitos e determinam sequencialmente a impossibilidade de quantificação directa e de forma exacta do valor real dos proveitos da sociedade, razões estas que determinaram a necessidade do recurso a tributação por métodos indirectos, de acordo com o preceituado na alínea b) do artigo 87° da LGT com base nesse pressuposto compaginado com a al.) d.) do n°1 do artigo 90.°

V. Por efeito de fiscalização cruzada a Administração Tributária (AT) procedeu à notificação dos adquirentes dos imóveis alienados pela aqui impugnante no exercício económico de 2004, tendo por base as escrituras públicas de compra e venda celebradas pelas partes.

VI. Na consequência destas diligências confirmou a AT que dois dos adquirentes de fracções Sr. José…………………….. e Sr. Fernando………………………. tinham simulado com a aqui impugnante os valores de aquisição das suas fracções "M e V", respectivamente dos artigos matriciais ………… e …………, declarando valores de compra inferiores àqueles que foram efectivamente praticados, tendo aqueles procedido nessa sequência à regularização imediata da sua situação tributária.

VII. Mais verificaram os SIT que a contabilidade da Impugnante não evidenciava aquelas omissões de proveitos.

VIII. Nesta sequência procedeu a AT à tributação por métodos indirectos utilizando para o efeito um critério justo, uniforme e credível, sendo contra esta tributação que a Impugnante se insurge, porquanto, considera que não se mostram reunidos os pressupostos legais para o efeito, existindo no entanto uma questão primordial e primária que têm precisamente a ver com a cessação da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes como tal prevista no artigo 75.° da LGT, escorando nós a nossa posição no muito Douto Acórdão TCA NORTE, Proc. n.° 00885/07.0BEPRT de 27-09-2012,

IX. Constatando-se, qualquer que seja o prisma por onde se observe a questão, que não assiste qualquer razão à aqui impugnante já que as suas declarações contabilísticas não só não se mostraram fidedignas e verdadeiras, como também não cumpriu com o seu ónus legal de comprovação do excesso de quantificação, porquanto, os argumentos vertidos se tratam de argumentos apenas opinativos, sendo certo que quem é manifestamente incumpridor não pode invocar qualquer falta na actuação de terceiros, tentando apenas obter vantagem patrimonial.

X. Foi então deduzida por parte da Impugnante a competente reclamação para a comissão de revisão, comissão esta de matriz essencialmente técnica, sendo que em sede daquela comissão não logrou a Impugnante provar qualquer excesso material de quantificação da matéria tributável, sendo ainda que impendia sobre a sua pessoa o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação daquela matéria tributável, ónus este previsto no artigo 74° da LGT.

XI. Ao invés o que se verifica é que a Impugnante e o seus peritos pura e simplesmente se remetem a um conjunto de apreciações teóricas dos fundamentos e considerações subjacentes à tributação por parte da AT com recurso a métodos indirectos, sem contudo concretizar efectiva e materialmente onde é que a AT tributou em excesso, e qual foi efectivamente esse montante de excesso de quantificação da matéria tributável, infringindo assim não só o sobredito artigo 75° da LGT, como também o seu ónus probatório previsto no n°3 do artigo 74° da LGT, por isso não basta que a autora venha aos autos dizer que não se conforma ou que discorda daquele método de tributação, ou que o critério da permilagem é um método ilegal ou desadequado, em suma, é preciso que faça a prova material de que efectivamente a AT tributou em excesso e aonde, já que se trata duma responsabilidade bipartida entre a Administração Fiscal e o contribuinte, devendo a AT provar os pressupostos da aplicação daqueles métodos indirectos e devendo o contribuinte provar o excesso de quantificação daquela matéria tributável, não estando na sua disponibilidade, singularmente, criticar retoricamente o método utilizado pela AT sem a contrapartida da prova material objectiva do preço real da venda das fracções de modo a provar materialmente o excesso de quantificação da matéria tributável.

XII. Porém, nada disto se verifica não foram apresentados quaisquer valores materiais por parte da impugnante, apenas comentários retóricos; acontece, como muito bem refere o supracitado acórdão que em presença de vicissitudes contabilísticas como aquelas que foram detectadas pelos SIT da AT cessa imediatamente o efeito de presunção de veracidade das declarações do contribuinte, não podendo ser-lhe reconhecido qualquer mérito, não bastando por isso que o impugnante se remeta a argumentos imateriais opinativos.

XIII. A discussão da aplicação dos métodos não releva directamente na esfera da impugnante, embora se aceite que se pode pronunciar sobre eles, antes releva na esfera da AT que por seu lado deve enunciar os factos sobre os quais fez assentar as suas dúvidas razoáveis de que se verificam vissicitudes e desvios na contabilidade, situação esta que se verificou em concreto no presente caso como, aliás, expressamente reconhecido pelo Douto Tribunal e mais importante ainda, também pela aqui impugnante, já que não podem ser objecto de negação porque objectiva e materialmente provados esses desvios.

XIV. E se a autora incumpriu este seu ónus de provar o excesso de quantificação da matéria tributável, fica imediatamente deslegitimada para produzir qualquer desconsideração sobre a actuação da AT até porque, reiteramos, esta cumpriu integralmente com os ónus que lhe assistiam no que concerne á enunciação e identificação de factores indiciadores, e até se dirá que bastaria um único indicio e não um conjunto, para que a AT pudesse partir imediatamente para a tributação por métodos indirectos por impossibilidade de comprovação directa da matéria tributável, legitimando assim a AT a sua actuação, por excesso, e nunca por defeito.

XV. Reiteramos, que nos casos de tributação por métodos indirectos verifica-se nos termos gerais do ónus probatório previsto no n°3 do artigo 74° da LGT uma responsabilidade bipartida entre a Administração Fiscal e o contribuinte, devendo a AT provar os pressupostos da aplicação daqueles métodos indirectos e devendo o contribuinte provar o excesso de quantificação da matéria tributável, excesso este que só pode ser consubstancia em valores materiais reais de venda.

XVI. Verificando-se assim que a AT fundamentou devidamente o recurso à tributação por métodos indirectos face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável pelo que que nenhuma omissão lhe pode ser apontada, ao invés, verifica-se que a impugnante nunca cumpriu com o seu ónus probatório na medida em que nunca provou o excesso de quantificação quer aquando da fiscalização, ou mesmo posteriormente nas diversas sedes, comissão de revisão e Impugnação Judicial.

XVII. No mesmo sentido nem sequer se concebe aqui, a figura da dúvida fundada, precisamente pela total ausência de prova material por parte da autora no excesso de quantificação da AT, que possa efectivamente consubstanciar essa fundada dúvida.

XVIII. Ancoramos a nossa posição no Acórdão do TCA SUL, Processo n°03163/09 de 25-11-2009.

XIX. Ainda no que concerne a alegadas vicissitudes, estas alegadamente ocorridas em sede de comissão de revisão, tratam-se não só de argumentos absolutamente descabidos, como de falsas questões, porquanto, as comissões de revisão são comissões técnicas especializadas que reúnem num só acto, ou seja uma só vez, num só dia e numa única reunião, devendo os seus intervenientes vir devidamente preparados e documentados para aquele acto, já que se tratam de técnicos devidamente formatados para o efeito, pelo que mais uma vez se verifica que não existiam quaisquer lapsos ou erros na tributação operada pela AT, porquanto, quem não consegui provar qualquer tributação excessiva foi a impugnante, saindo assim manifestamente reforçada a posição da AT.

XX. A desmistificar ainda a posição vertida no item 32 da pi onde se refere que os peritos dispõe de um prazo de trinta dias para alcançar um acordo, porquanto, o que a lei diz é que o procedimento deve ser concluído no prazo de trinta dias, pretendendo-se com este preceito balizar os prazos para a celebração das comissões de revisão, e em momento nenhum a sua duração.

XXI. No presente caso a impugnante foi até beneficiada em sede de comissão de revisão porque além duma sessão até teve direito a duas, estas intervaladas em cinco dias, e nem assim conseguiu reunir quaisquer elementos que imediatamente contrariassem os resultados obtidos pela AT, nomeadamente, os panfletos com preços de venda, o que mais uma vez garante e afiança inequivocamente a idoneidade e a fidedignidade da tributação indirecta feita pela AT.

XXII. Por último e na mesma linha de entendimento, e se os factos anteriores não apresentassem por si só a suficiência necessária para suportar inequivocamente a realidade da tributação indirecta praticada pela AT, a desmistificar generalizadamente as alegadas conclusões da muito Douta Sentença, as conclusões do relatório inspectivo, nomeadamente, quanto ao preço declarado pela aquisição da fracção ….. do artigo matricial urbano n°…………. que foi efectivamente transaccionado pelo valor de €191.520,00 valor este superior àquele que seria estimado pela aplicação das regras de presunção da AT, que o cifraria em apenas € 184.071,83 (item 129 da pi), pelo que mais uma vez se constata em amostra percentual que a tributação por métodos indirectos ainda foi inferior à real e efectivamente praticada pela impugnante.

XXIII. Razão fundamentante esta, pela qual não se entende a conclusão, nem sequer a justificação vertida na Douta Sentença, porquanto, o que está em causa é provar o excesso de quantificação da matéria tributável, pelo que em nossa modesta opinião a Douta Sentença para além de praticar na sua conclusão uma inversão do ónus probatório, ainda erra generalizadamente, porquanto, se contraria a si própria entre os factos provados e as respectivas conclusões produzidas, nomeadamente, porque não ficou materialmente provado qualquer excesso de quantificação da matéria tributável por parte da AT, aquando, do recurso ao método extrapolativo de aplicação da permilagem das fracções, mas tão só uma tributação indirecta por parte da AT ainda manifestamente inferior ao preço real de venda das fracções praticado pela impugnante.

XXIV. Ou seja, aquilo que a impugnante conseguiu efectivamente provar, e aquilo que consubstancia a conclusão da Douta Sentença, é um manifesto défice de quantificação da matéria tributável por parte da AT ao invés dum excesso de quantificação da mesma matéria tributável,

XXV. Prova esta que só vem reforçar a realidade da tributação praticada, e também demonstrar inequivocamente que não pode ser apontado à AT nenhum vicio de excesso de quantificação da matéria tributável e que esses valores encontrados não conseguiram ser ilididos materialmente pela impugnante, provando aquela antes pelo contrário, o manifesto défice de tributação por parte da AT face à realidade dos preços de venda efectivamente praticados por si, e que acabaram por ser simulados.

XXVI. No que concerne a desconsideração de características especificas das fracções, esse ónus não é da AT, mas sim da impugnante, sendo certo que esta não provou qualquer excesso real de quantificação, limitando-se pura e simplesmente à argumentação teórica e retórica não consubstanciada materialmente.

XXVII. Ficando assim, reiteramos, absolutamente demonstrado que se mostrou regular o recurso a tributação por métodos indirectos por reunião dos pressupostos previstos na LGT e por impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, que não foram preteridas quaisquer formalidades essenciais no âmbito dessa tributação, mais se provou que foram simulados preços de venda provando-se ainda a infidedignidade da contabilidade face aos factos supra descritos, constatando-se ainda a tributação por parte da AT por valores inferiores aos que foram efectivamente praticados pela parte, razão pela qual nada à a obstar ao acto praticado pela AT, porque devidamente fundamentado e justificado, ainda porque a impugnante não demonstrou materialmente qualquer excesso de tributação, ónus que impendia na sua esfera jurídico tributária, antes pelo contrario provando um défice de tributação por parte da AT, não existindo assim quaisquer valores materiais ou factos materiais que possam suportar qualquer duvida fundada ou provar qualquer excesso de tributação por parte da AT.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a Douta sentença e fazendo V/Ex.as a costumada Justiça».

Notificada da interposição e admissão do recurso a Recorrida optou por não contra-alegar.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido de sentido da procedência do recurso.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que o seu objecto está circunscrito à uma única questão: saber se face aos factos assentes no probatório a sentença errou ao julgar que o critério a que a Administração Fiscal recorreu para quantificar a matéria tributável não é adequado a esse fim.

Ill – Fundamentação de acto

Para apreciar do mérito dos autos o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou relevante e provada a seguinte factualidade:

1- Em 15-12-2008 foi efectuada a liquidação de IRC do exercício de 2004 e de juros compensatórios, com base na matéria tributável fixada com recurso a métodos indiciários, a qual se fundamenta no relatório elaborado pela Fiscalização Tributária. - cfr " Nota de Liquidação", de fls137e 138 e "Nota de Compensação" de fls 139 dos autos.

2- Da fixação referida em 1, notificada ao interessado conjuntamente com o relatório final da I.T., veio a impugnante reclamar para a Comissão de Revisão, nos termos do disposto no art°91° da LGT, contra a matéria tributável fixada - cfr. notificação do relatório, de fls.53 a 93, requerimento de fls.304 e segs do P.A apenso aos autos.

3- Não tendo havido acordo entre as partes no processo de revisão da matéria colectável, realizado em 4-12-2008 e em 9-12-2008, foram elaborados os laudos dos peritos indicados pela F.P. e pelo contribuinte, e do perito independente, assim como a "Acta de Reunião da Comissão de Revisão, n° 78/08 e n° 80/08", cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido - cfr fls. 315 a 378,do P.A apenso aos autos.

4- Em 10-12-2008 foi proferida pelo Director de Finanças da D.F. de Lisboa, a Decisão Fundamentada a que se refere o n°6, do art°92° da LGT, que aqui se dá por reproduzido, e no qual foi mantido o valor constante do relatório da inspecção quanto à fixação da matéria tributável - cfr documento de fls 379 a 386,do P.A apenso aos autos.

5- Do relatório da inspecção tributária a que se refere o n°1, consta resumidamente, quanto aos motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos, o seguinte: declaração por dois adquirentes de 2 fracções de um valor de compra superior ao declarado pelo sujeito passivo... não devidamente relevadas na contabilidade...e reconhecidas pelo contribuinte...desconhecendo - se o meio de recebimento das quantias em falta e seu destino...

.... Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos, a qual teve por base os elementos omissos apurados a partir dos diversos adquirentes em que foi possível detectar diferenças, determinou-se um índice de correcção de acordo com um valor obtido a partir de uma permilagem aplicada aos dois prédios em que se apurou uma diferença e a partir de um valor médio do coeficiente de permilagem em relação às restantes fracções transaccionadas nesse ano relativas aos restantes prédios - cfr relatório de fls.156 a 226, do P.A. apenso.

3.2. Mais se consignou que «dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita» e que a convicção do Tribunal assentou «no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».

IV – Fundamentação de Direito

A presente impugnação tem por objecto o acto de fixação da matéria tributável da Impugnante relativo ao ano de 2004 em sede de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas realizado pela Administração fiscal por recurso a métodos indirectos.

Para a Recorrida (Impugnante) esse acto de fixação é ilegal em duas vertentes: por não estarem reunidos os pressupostos de recurso ao referido métodos indiciário, designadamente porque a Administração Fiscal não reuniu indícios bastantes a suportar a necessidade de recurso a esse método para apurar a matéria tributável do ano em questão e porque há erro na quantificação da mesma matéria tributável.

Em sede de julgamento em 1ª instância foi julgado que a administração fiscal tinha recolhido indícios suficientes a justificar o recurso à fixação da matéria colectável mas que assistia razão à Impugnante quanto ao erro na quantificação, tendo sido neste juízo que assentou a declaração de procedência da Impugnação e a anulação do acto impugnado.

É, pois sobre esta concreta parte que incide o recurso que ora nos cumpre apreciar, uma vez que a Recorrida não requereu, nem subsidiariamente, a sindicância da decisão na parte relativa ao primeiro dos seus fundamentos e em que decaiu.

Para fundamentar o juízo de procedência da acção, expendeu-se na sentença sob recurso o seguinte juízo fáctico - jurídico:

«Quanto ao 2° aspecto, importa ter presente o entendimento de que o controle jurisdicional da aplicação dos critérios técnicos nos actos de quantificação da matéria tributável, é uma imposição legal e constitucional - cfr nesse sentido J. Lopes de Sousa in "CPPT Anotado, Ed. 2003", pags 446. Necessário se torna que a impugnante demonstre que houve aquele erro naquela quantificação. Ora,

Reponderada a questão importa afirmar que o impte fez a prova de que o conceito técnico relativo á aferição do desvio dos proveitos por si declarados foi mal aplicado por se referenciar à permilagem das fracções em causa, o qual, no entendimento deste Tribunal, não é susceptível de comparação directa com os valores de venda das ditas fracções (tanto que, da utilização desse critério, resultaram valores incongruentes na medida em que, por exemplo, de uma mera diferença de 10 pontos percentuais sobre o valor de venda real face ao declarado relativamente á fracção V do art° matricial n°14708, veio a resultar um coeficiente de permilagem perto do dobro do apurado quanto à outra fracção auto denunciada na qual tal diferença atingia uma percentagem de 30%, sendo que da aplicação de tais coeficientes de permilagem às outras fracções de acordo com a respectivas permilagens, resultaram casos de valores inferiores aos declarados e outros casos de valores superiores a € 100.000,00 de aumento face ao declarado, o que determinou no 1° caso á I.T a desconsiderar o seu próprio critério, sendo atendido ao valor declarado), antes resultando como critério relevante as margens médias do lucro líquido sobre as vendas determinado com base na diferença apurada pela própria Adm. entre o valor declarado e o denunciado pelos adquirentes nas referidas duas fracções e correspondente extrapolação para as demais fracções alienadas nesse exercício, dada a evidente comparabilidade dos valores declarados e omitidos sobre as vendas concretamente apuradas naquele relatório da I.T., assim como com base numa média ponderada relativamente às fracções não incluídas nos prédios objecto de auto-denúncia. - cfr alínea a), do n°1, do art°90°, da LGT. Nos termos expostos resulta demonstrado que houve erro na quantificação da matéria colectável conforme alegado pelo impugnante, em resultado da aplicação de critérios técnicos que se reputam de ilegais quando interpretados no sentido de determinar a quantificação do valor de venda das existências da impte em resultado da multiplicação de coeficientes de permilagem, obtidos por aplicação de uma fracção em que no numerador consta o valor de venda apurado por auto denúncia e no denominador a respectiva permilagem do mesmo imóvel, pela permilagem que lhe correspondem no titulo constitutivo de constituição de propriedade horizontal, entendendo o Tribunal que tais parâmetros não se revelam congruentes por desprezarem os correlativos coeficientes dos valores declarados, os quais são susceptíveis de comparabilidade directa com os valores omitidos nos termos supra expostos - cfr no sentido deste Tribunal poder determinar a verificação de um erro de quantificação da matéria colectável em resultado da aplicação de critérios técnicos por parte da Adm. por vício de direito na aplicação do conceito técnico. - vd obra citada pags 594 - 596.».

Em suma, e se bem percebemos o raciocínio transposto, o Tribunal a quo julgou a impugnação procedente por entender que o conceito técnico utilizado para efeitos de apuramento da matéria colectável - diferença das permilagens das fracções – não é um critério adequado uma vez que é impossível estabelecer-se uma relação directa entre as referidas permilagens das fracções e os valores de venda das mesmas fracções, como resulta evidente da incongruência dos valores atribuídos no caso concreto às referidas fracções, adiantando, inclusive, qual o critério que, em seu entender seria o que deveria ter sido utilizado [o das «margens médias do lucro líquido sobre as vendas determinado com base na diferença apurada pela própria Adm. entre o valor declarado e o denunciado pelos adquirentes nas referidas duas fracções e correspondente extrapolação para as demais fracções alienadas nesse exercício, dada a evidente comparabilidade dos valores declarados e omitidos sobre as vendas concretamente apuradas naquele relatório da I.T., assim como com base numa média ponderada relativamente às fracções não incluídas nos prédios objecto de auto-denúncia.»].

Vejamos pois o que se nos oferece dizer adiantando, antes de mais, que como se disse em recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1) «a questão não é a de saber se o critério utilizado pela AT é o mais adequado para quantificar a matéria tributável, sendo seguro que sempre poderíamos aventar muitos outros, eventualmente mais perfeitos; a questão é a de saber se o critério utilizado se revela adequado, racionalmente ajustado e se está alicerçado em factos comprováveis (negrito de nossa autoria).

No caso concreto o critério técnico utilizado foi exclusivamente o “critério do coeficiente de permilagem” calculado e aplicado nos seguintes termos:

- Quanto às fracções integradas no prédio com os artigos ……… e ………., tendo por referência o valor real de comercialização de uma das suas fracção (respectivamente fracções descritas sob as letras “M” e “V”) calculou o coeficiente de permilagem respectivo (€ 3.078,95 e € 6.101,69) que, posteriormente aplicou às permilagens das restantes fracções do mesmo artigo;

- Relativamente às fracções dos artigos ………. e ……….. , na ausência de dados sobre o valor real de venda de qualquer uma das respectivas fracções, o coeficiente apurado (€ 4.590,32) resultou do cálculo da média dos coeficientes de permilagem determinado para as fracções anteriores.

Ou seja, tendo presente o pressuposto, subjacente à utilização do critério, de que a permilagem é supostamente proporcional ao valor da fracção, a Administração Fiscal partindo do valor real apurado relativamente a duas das fracções e do calculo de permilagem dessas duas fracções, aplicou aquele coeficiente às demais tendo por base as respectivas permilagens.

Ora, contrariamente ao expendido na sentença recorrida, não entendemos que o “critério do coeficiente de permilagem” – adoptado pela Administração Tributária para a determinação da matéria tributável - seja só por si inadmissível ou, em abstracto, ostensivamente inadequado. Aliás, consistindo o apuramento do valor tributável por métodos indiciários em inferir, logicamente, a partir de regras de experiência (comum, técnica) um facto desconhecido (precisamente o valor tributável) de um facto indiciário conhecido (facto base, facto instrumental ou índice)(2), até se deve concluir que, em abstracto, aquele critério se louvou num elemento racional e assente em dados efectivamente apurados, como o sejam os valores confessados por, pelo menos, dois adquirentes e nas permilagens das respectivas fracções.

Daí que, e retomando o nosso discurso, o que importa verdadeiramente é aferir se esse critério eleito se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados. No fundo, tudo está em perceber se a utilização daquele critério, desacompanhada de outros critérios ou factores, a que se manteve alheia aquela determinação, constituiu no caso concreto uma forma válida de aproximação à realidade que se visa determinar (pressuposto e objectivo da consagração deste recurso de fixação da matéria tributável) ou, pelo contrário, como defende a Recorrente, conduziu a erro de quantificação da matéria tributável.

Afirmemos frontalmente que, para nós, é incontornável, à luz das regras da experiência e segundo critérios de razoabilidade, que outros factores, como a concreta localização de cada uma das fracções dentro do prédio, a “vista” ou “panorâmica alcançada” a partir da fracção, a data de aquisição ou de celebração do respectivo contrato promessa e os valores de mercado que em cada uma dessas datas dominavam este tipo de negócio, têm influência relevante na determinação do preço real) que se visa apurar (note-se, aliás, que estamos a falar de três distintos prédios, cada um contendo um número diferenciado de fracções, tipologias e localizações e distintas datas de aquisição).

Ou seja, o critério de permilagem, só por si, isto é, desacompanhado dos demais critérios ou factores supra enunciados (no seu conjunto ou pelo menos de alguns deles) não pode ser entendido como um critério adequado ao fim visado pela fixação da matéria colectável, a qual, por essa razão, muito provavelmente, conduzirá a erro (por excesso ou insuficiência) na quantificação da matéria colectável.

Foi precisamente esse erro, invocado pela Impugnante na sua petição inicial, que a sentença recorrida entendeu verificado, umas vezes por insuficiência e outras por excesso, referindo em defesa desse entendimento os “valores incongruentes” alcançados.

E, efectivamente, assim é, como o revelam os factos apurados, designadamente as ostensivas discrepâncias de valores atribuídos a fracções de áreas ou tipologias idênticas ou similares (que numa fracção chegaram à ordem da centena do milhar de euros!) e o facto de, no que concerne a algumas das fracções elegidas como “de valor a corrigir”, a própria Administração se ter visto forçada a aceitar os valores declarados por da aplicação do critério por si escolhido às referidas fracções resultar apurado um valor bem inferior ao que tinha sido efectivamente declarado.

Em suma, a fixação da matéria tributária por recurso a métodos indirectos no caso concreto está bem longe de ser entendida como susceptível de corresponder a uma aproximação do real valor de tributação por o critério eleito pela Administração Fiscal para esse efeito (desacompanhado de quaisquer outros factores) se revelar manifestamente desajustado ao fim tido em vista e ter sido determinante do erro de quantificação invocado e que os autos evidenciam claramente.

É certo, não o olvidamos nem pretendemos escamotear, que estabelecida a legitimidade do recurso aos métodos indirectos, que nos autos, bem ou mal, está assente, é sobre quem impugna que recai o ónus de comprovar o erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável. E também é certo, como a doutrina defende e a jurisprudência vem acolhendo, que em caso de dúvida deve esta ser negativamente valorada contra a Impugnante por não ser de aplicar à prova indirecta o «regime de dúvida razoável (…) na medida em que a avaliação indirecta é sempre menos exacta da que é feita, nos termos legais, pelo contribuinte», (3) o que nem pode entender-se como doutrina limitadora e muito menos injusta por a «quantificação por presunção só ao Impugnante ser imputável» sendo que, «se que o contribuinte (…) queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante».

A este ónus da prova e à exigência legal de que o mesmo recai sobre o contribuinte dedicou, de resto, a Recorrente a maior e mais incisiva parte das suas alegações, como se constata da leitura das conclusões IX a XXVII, frisando que, provada a existência de indícios de determinação da matéria tributária por recurso a métodos indiciários, a ela cabe escolher o critério para esse fim competindo á impugnante provar, sem que a dúvida lhe seja aproveitável, o excesso de quantificação.

Sobre a questão da divisão do ónus da prova nesta matéria e quanto ao “afastamento do regime legal da dúvida razoável à situação da determinação da matéria tributável no caso de recurso a métodos indiciários já nos debruçamos em sentido inteiramente coincidente com o pugnado nas alegações, nada mais havendo, pois, a acrescentar.

Todavia contrariamente ao que parece decorrer do discurso argumentativo da Recorrente, não só essa legitimação para a escolha do critério não é, como vimos, ilimitada, antes controlável pela sua fundamentação, adequação e razoabilidade, como, e este é um factor totalmente votado ao esquecimento pela Recorrente, instruído o processo e apurados os factos provados a questão relevante já não é a de saber a quem cabe o ónus da prova, mas sim saber o que efectivamente se provou e em que medida é que essa prova (factos apurados) se mostra susceptível de preencher, no caso, a conclusão de erro na quantificação.

É precisamente por esse erro de quantificação ter ficado demonstrado, mercê do desajuste no caso concreto do critério de coeficiente de permilagem - que em exclusivo foi utilizado pela Administração Fiscal – para determinar a matéria tributável, que somos forçados a concluir pela ilegalidade do acto impugnado e, consequentemente, pela confirmação, com os fundamentos expostos, da sentença recorrida.

V – Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso, em confirmar na ordem jurídica, com os fundamentos expostos, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Junho de 2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano)






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[Ana Pinhol]

(1) Acórdão de 19-11-2014, proferido no processo n.º 407/2014, integralmente disponível em www.dgsi.pt

(2) Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo de 6-3-2001 e de 3-6-2003 (proferido no processo n.º 7440/02), respectivamente, em "Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo", ano IV, n° 2 e www.dgsi.pt.

(3) SALDANHA SANCHES,Manual de Direito Fiscal”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 311. No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo já citado de 19-11-2014.