Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:918/12.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO 
Sumário:I. Não tendo sido extinto um determinado PEF pelo órgão de execução fiscal, que se manteve ativo para cobrança do acrescido, o pagamento que tenha sido feito do imposto exequendo não comporta impossibilidade superveniente da lide de oposição, uma vez que o efeito pretendido com este incidente processual não foi alcançado por outra via.

II. A falta de notificação da liquidação que dará origem à dívida exequenda é fundamento de oposição à execução fiscal, comportando a inexigibilidade da referida dívida por ineficácia do ato.

III. Cabe à FP o ónus da prova da efetividade da notificação.

IV. Assumindo a FP, em sede de contestação, ter efetuado uma determinada notificação em termos incorretos (no caso, dirigida à sede de uma sociedade entretanto declarada insolvente e não ao administrador de insolvência), causa extrema perplexidade que, em sede de recurso, venha invocar violação do princípio do inquisitório, por falta de junção aos autos de elementos documentais relativos à notificação, como se nunca tivesse assumido posição sobre tal factualidade e como se não coubesse a si o ónus da prova da mesma.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 25.01.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por M. I. A. C. & C. – C. C., S.A. (doravante Recorrida ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….822 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Sintra 2 lhe moveu, por dívida de imposto municipal sobre imóveis (IMI), do ano de 2010, e coimas.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“I – Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 25-01-2019, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal deduzida por M. I. A. C. & C. – C. C., S.A., com o NIF …256, contra o processo de execução fiscal n.º …822 e apensos, o qual foi instaurado para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IMI e Coimas, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 15.760,66 (quinze mil, setecentos e sessenta euros e sessenta e seis cêntimos) e acrescido.

II - No que diz respeito à matéria da impossibilidade superveniente da lide, considerou o Douto Tribunal a quo que, apesar de resultar provado que as dívidas provenientes de IMI em cobrança no âmbito do processo de execução fiscal n.º …822 e apensos foram pagas, ainda assim, pelo facto de subsistiram valores relativos a custas processuais, tal perfaz com que o processo de execução fiscal em referência não se considere extinto e, nessa conformidade, não há lugar a qualquer impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

III - Sabemos que, em sede de oposição à execução fiscal, quando tiver sido efectuado o pagamento da dívida exequenda, haverá lugar à respectiva extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em harmonia com o preceituado na alínea e) do artigo 277.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

IV - Porquanto o pagamento voluntário das dívidas em cobrança em sede de execução fiscal, acarreta a extinção da execução, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 176.º e do n.º 1 do artigo 264.º, ambos do CPPT e torna-se inútil discutir o pretendido pelo autor, na medida em que o efeito desejado pelo mesmo através da dedução do presente meio processual já se efectivou com o pagamento voluntário da dívida exequenda.

V - Virando as nossas atenções para o caso concreto, e como já anteriormente havia sido explanado em sede de contestação, nos presentes autos resulta provado que a dívida exequenda respeitante a IMI do ano de 2010 foi objecto de pagamento voluntário por banda da Oponente em 30-09-2012, cfr. documento n.º 1 junto pela Fazenda Pública naquele articulado.

VI - Contudo, se quanto ao processo de execução fiscal n.º …822 (processo principal) não se nos afiguram dúvidas de que o mesmo ainda se mantém activo, como bem foi decidido na Sentença recorrida, o mesmo não se pode referir quanto aos autos executivos n.º …962, apenso àquele, o qual foi instaurado para a cobrança de dívidas provenientes da 2.ª prestação do IMI do ano de 2010, no valor de € 7.757,53 e se encontra extinto desde 24-05-2017, cfr. respectiva tramitação processual.

VII - É certo que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 203.º do CPPT, “O órgão da execução fiscal comunicará o pagamento da dívida exequenda ao tribunal tributário de 1.ª instancia onde pender a oposição, para efeitos da sua extinção”, contudo, o facto de tal obrigação não ter sido cumprida pelo órgão de execução fiscal em nada belisca ou inibe a extinção da execução fiscal referida.

VIII - Em face de tal factualidade, dada como provada por singela perscrutação do processo de execução fiscal n.º …962, impunha-se que o Douto Tribunal a quo julgasse provada a impossibilidade superveniente parcial da lide e extinguisse parcialmente a instância, apenas quanto às dívidas de IMI do ano de 2010 (2.ª prestação), o que não sucedeu.

IX - Desta forma, a Sentença recorrida, ao não dar como provado que o processo de execução fiscal n.º …962, instaurado para a cobrança coerciva de dívidas referentes à 2.ª prestação do IMI do ano de 2010 se encontra extinto desde 24-05-2017, laborou numa inadequada valoração da matéria factual relevante para a boa decisão do pleito.

X - Sem prescindir, caso assim não se entenda (o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio);

XI - Postulou, ainda o Douto Tribunal a quo que a dívida ora em cobrança padece de inexigibilidade por não ter sido devidamente notificada à Oponente, na pessoa do Administrador de Insolvência.

XII - Ora, é certo que a sociedade Oponente foi declarada insolvente em data anterior à aquela que se reportam as liquidações de IMI ora em cobrança e que, por força disso e nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 41.º do CPPT e do n.º 4 do artigo 81.º do CIRE, todas as notificações de natureza patrimonial e tributária têm que ser efectuadas, obrigatoriamente, na pessoa do administrador de insolvência.

XIII - Porém, contrariamente ao que postula a Sentença recorrida, sucede que nos presentes autos não resulta provado o endereço para o qual foi dirigida a notificação das liquidações de IMI que ora se encontram em cobrança, limitando-se o Douto Tribunal a quo a postular que a sociedade insolvente não foi validamente notificada das liquidações que constituem a dívida exequenda, sem cuidar de saber, como lhe competia, dos ofícios relativos às notificações das liquidações de IMI e respectiva remessa postal.

XIV - O facto de não constar dos autos qualquer documento demonstrativo da notificação da liquidação à Oponente, daí não pode decorrer a conclusão que foi retirada na Sentença recorrida, no sentido de que a mesma nunca foi notificada de tais liquidações e, como tal, daqui não pode decorrer, sem mais, a inexigibilidade da dívida ora em cobrança, pois que uma coisa é a constatação de que nos autos, tal como estes se apresentam, não existe nenhum elemento demonstrativo da notificação em causa, outra, bem diferente, é concluir que tal notificação jamais teve lugar, como fez a Sentença recorrida.

XV - Sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e no n.º 1 do artigo 99.º da LGT, o Douto Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que lhe sejam indispensáveis para conhecer a verdade dos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.

XVI - Outrossim, como se retira da fundamentação da Sentença recorrida, a falta de demonstração da notificação foi valorada, influenciando negativamente o decidido, razão pela qual se impunha que o Douto Tribunal a quo tivesse realizado as diligências instrutórias que se lhe afigurassem úteis para o apuramento da verdade material, o que não sucedeu no caso sub judice.

XVII - Nesta conformidade, a matéria de facto afigura-se manifestamente insuficiente para a decisão da presente oposição impondo-se que seja corrigida e completada de molde a poder suportar a decisão de mérito ora recorrida.

XVIII - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA

JUSTIÇA!”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, no tocante ao decidido quanto ao IMI, porquanto há impossibilidade superveniente da lide?

c) Subsidiariamente, verifica-se, quando ao decidido no que respeita ao IMI, défice instrutório e consequente erro de julgamento?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Oponente foi declarada insolvente por sentença proferida em 17.12.2008 no processo n.º 1390/08.2TYLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sendo nomeado Administrador da Insolvência C. T., com residência /sede na R. M. R. P., n.º ..-A, 2760-… C., facto levado a registo pela AP 43/20081223 – cf. cópia da certidão permanente junta com a contestação (fls. 40 a 42 do suporte físico dos autos).

B) Em 24.05.2011 foi instaurado contra a Oponente no Serviço de Finanças de Sintra 2 o processo de execução fiscal (PEF) n.º …822 por dívida de IMI relativa ao ano de 2010, no valor de € 7.757,55, com data limite de pagamento voluntário até 30.04.2011 – cf. fls. 20/21 do PEF apenso.

C) Em 24.10.2011 foi instaurado contra a Oponente no Serviço de Finanças de Sintra 2 o PEF n.º …962 por dívida de IMI relativa ao ano de 2010, no valor de € 7.757,55, com data limite de pagamento voluntário até 30.09.2011 – cf. fls. 48 do PEF apenso.

D) Em 24.10.2011 foi instaurado contra a Oponente no Serviço de Finanças de Sintra 2 o PEF n.º …962 por dívida de coima e encargos com o processo de contraordenação, no valor de € 245,58, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 30.09.2011 – cf. fls. 47/48 do PEF apenso.

E) A coima em cobrança no PEF identificado em D) foi aplicada no âmbito do processo de contraordenação n.º …485, instaurado em 26.12.2011 por falta de entrega de pagamento especial por conta de 03/2009 – cf. fls. 45/46 do PEF apenso.

F) Em 11.05.2012 os PEF’s identificados em B), C) e D) foram apensados, sendo o PEF n.º …822 eleito processo principal – cf. fls. 42 do PEF apenso.

G) Em 10.07.2012 a ora Oponente foi citada para o PEF n.º …822 e aps. na pessoa do respetivo Administrador da Insolvência – cf. art.º 6.º da p.i. fls. 42 do PEF apenso.

H) Em 10.08.2012 a presente oposição deu entrada no órgão de execução fiscal – cf. fls. 6 do suporte físico dos autos.

I) Em 30.09.2012 a ora Oponente procedeu ao pagamento da dívida exequenda relativa a IMI, permanecendo em dívida, desde essa data as respetivas custas judiciais, nos valores de € 117,85 em cada um dos respetivos PEF’s, bem como a dívida relativa a coima – cf. fls. 36 do suporte físico dos autos.

J) Não foram efetuadas notificações na pessoa do Administrador da Insolvência da ora Oponente relativamente às dívidas que estão a origem dos PEF’s identificados em B), C) e D) – cfr. art.º 15.º da contestação”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa que importe julgar provados ou não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade”.

II.D. Atento o art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem-se os lapsos constantes do facto D) supratranscrito, que passará a ter a seguinte redação:

D) Em 22.06.2011 foi instaurado contra a Oponente no Serviço de Finanças de Sintra 2 o PEF n.º …319 por dívida de coima e encargos com o processo de contraordenação, no valor de € 245,58, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 08.06.2011 – cf. fls. 43/44 do PEF apenso.

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente insurge-se quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo que deveria ser dado como provado que o processo de execução fiscal n.º …962, instaurado para a cobrança coerciva de dívidas referentes à 2.ª prestação do IMI do ano de 2010, se encontra extinto desde 24.05.2017, como resulta do PEF.

Vejamos.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão. (1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados. (2)

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se, atento o teor das alegações, que foram minimamente cumpridas as exigências legalmente impostas, pelo que se passará à apreciação do requerido.

Ora, de modo algum resulta dos autos que o mencionado PEF tenha sido extinto, o que aliás resulta do facto I), não impugnado.

Como tal, indefere-se o requerido aditamento.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à impossibilidade superveniente da lide

Considera, desde logo, a Recorrente que a sentença recorrida padece erro, em virtude de ter sido paga a dívida exequenda no tocante aos PEF atinentes ao IMI, o que conduz à impossibilidade superveniente da lide.

Vejamos.

Nos termos do art.º 176.º do CPPT, na sua primitiva redação:

“1 - O processo de execução fiscal extingue-se:

a) Por pagamento da quantia exequenda e do acrescido;

b) Por anulação da dívida ou do processo;

c) Por qualquer outra forma prevista na lei”.

Com a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi aditado um n.º 3, nos termos do qual:

“3 - O disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica o controlo jurisdicional da atividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide”.

Este aditamento, apesar de em vigor em momento ulterior ao pagamento efetuado nos presentes autos, veio dar corpo legal ao entendimento jurisprudencial existente, no sentido de que nem todas as situações de pagamento da dívida exequenda comportam, inelutavelmente, impossibilidade superveniente da lide, designadamente quando estejam em causa situações subsumíveis nas alíneas a), b) e h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.06.2019 (Processo: 02457/14.3BELRS 0698/18) e ampla jurisprudência no mesmo citada].

In casu, como resulta provado, foi pago o IMI exequendo relativo aos PEF mencionados em B) e C) do probatório – cfr. facto I).

No entanto, os mencionados PEF não foram extintos, porquanto, como resulta também provado, os mesmos mantiveram-se ativos para cobrança das custas respetivas (que integram o chamado acrescido) [cfr. facto I)].

Ou seja, ao contrário do que defende a Recorrente, a pretensão da Recorrida não se encontra satisfeita por via do pagamento, dado que os PEF não foram extintos – extinção essa que só se dá, em situações de pagamento, quando este abranja a quantia exequenda e o acrescido, como decorre da al. a) do n.º 1 do art.º 176.º do CPPT.

Chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.05.2011 (Processo:0982/10), onde se sumaria:

“Não tendo a execução fiscal sido declarada extinta pelo órgão da execução na sequência do pagamento parcial da dívida exequenda (…), não pode o julgador extinguir a instância de oposição com fundamento em impossibilidade superveniente da lide”.

Como tal, não tendo sido extinto o PEF pelo órgão de execução fiscal, não se pode considerar que a lide se tenha tornado impossível, em virtude de permanecer ativo na ordem jurídica o seu objeto e, por isso, se justificar a sua apreciação (sem prejuízo de parte do valor ter sido paga pelo executado).

Ademais, ao contrário do que refere a Recorrente, inexiste qualquer facto (e, acrescentamos, qualquer elemento documental sequer, quer nos autos de oposição, quer no PEF apenso) que ateste o alegado na conclusão VI., quanto à alegada extinção do PEF …822, como já referimos supra.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à falta de notificação

Considera, por outro lado, a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, por não resultar provado o endereço para o qual foi dirigida a notificação das liquidações de IMI.

Vejamos.

A falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º, do CPPT.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.09.2013 (Processo: 0578/13):

“[E]ncontra-se hoje firmada a orientação jurisprudencial entretanto adoptada pelo STA, no sentido de que a ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.

Com efeito, é esta a orientação seguida nos recentes acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário em 2/02/2011, no processo nº 0803/10, em 28/09/2011, no processo nº 0473/11, em 20/06/2012, no processo nº 0378/12, em 26/09/2012, no processo nº 0251/12, todos em consonância, de resto, com a jurisprudência contida no acórdão proferido pelo Pleno da Secção em 7/07/2010, no processo nº 0545/09, que subscreve, por sua vez, a fundamentação vertida no acórdão igualmente proferido pelo Pleno em 20/01/2010, no processo nº 0832/08, que inteiramente sufragamos, pelo que, face à sua proficiência, nos limitaremos, nessa parte, também aqui a reproduzir:

«(…) Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, nº 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado. Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);

– de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;

– de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;

– de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;

– de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,

– de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;

– de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;

– de 23-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;

– de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e

– de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;

– de 3-5-2000, recurso n.º 22608.).

(…) Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176º, alínea g), do CPCI e 286º, nº 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204º, n.º 1, alínea i), do CPPT. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;

– de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;

– de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768

– de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;

– de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;

– de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;

– de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;

– de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,

– de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;

– de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;

– de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;

– de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;

– de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;

– de 3-3-1999, recurso n.º 22902;

– de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;

– de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;

– de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;

– de 6-10-2005, recurso n.º 500/05.)

(…) Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.

Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do nº 1 do art. 286º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».

E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).

(…) [C]om o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.

Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.

Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação (…)».

(…) Assim sendo, o vício de falta de notificação do acto de liquidação invocado pelos Oponentes, afectando a eficácia do acto, constitui, inequivocamente, fundamento de oposição à execução fiscal”.

No caso das sociedades declaradas insolventes nos termos em que ocorreu nos autos, em que os poderes administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente passaram para o administrador de insolvência (AI), a notificação das liquidações tem de ser feita na pessoa deste último.

Chama-se a este propósito à colação o disposto no art.º 81.º do CIRE, nos termos de cujo n.º 1:

“1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2020 (Processo: 0871/19.7BEAVR):

“No caso, é inequívoco que as liquidações foram efectuadas após a declaração de insolvência da sociedade, o que significa que, à data em que foram realizadas as diligências para a notificação daqueles actos tributários, já a sociedade estava privada dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que deixaram de competir aos seus administradores e se transferiram para o administrador da insolvência. Na verdade, com a declaração de insolvência abre-se uma nova fase na vida da sociedade – a sua liquidação –, na qual competem em exclusivo ao administrador da insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, incluindo os de representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, como resulta do disposto no art. 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE (…).

Assim, (…) a notificação das liquidações era a efectuar na pessoa do representante da sociedade para os efeitos de carácter patrimonial, ou seja, na pessoa do administrador da insolvência”.

Feito este introito, cumpre apreciar.

Desde já se refira que o ónus da prova de que as notificações foram feitas nos termos legalmente impostos cabe à FP.

No caso, expressamente na contestação, a FP assume que as liquidações foram enviadas para a sede da devedora (art.º 15.º da contestação).

Aliás, foi considerando essa posição expressa e inequívoca da FP que o Tribunal a quo deu como provado o facto J), o que, rigorosamente, não foi impugnado.

Face ao expressamente assumido pela FP em sede de contestação, a questão factual inerente ao destino das notificações estava definida, não sendo exigível ao Tribunal a quo, mesmo ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar qualquer elemento adicional.

Considerando este contexto, causa-nos extrema perplexidade que a FP venha agora invocar não se saber para onde foram enviados os ofícios, quando, além de ser seu o ónus da prova, a mesma FP assumiu em sede de contestação que a AT os enviou para a sede da sociedade A. C. & C. – C. C., S.A, sede essa que não coincide com a morada do AI.

Tendo a FP assumido uma posição em sede de contestação relativa a um facto que lhe competia a si provar, isso não pode deixar de ser relevado em termos de prova, como foi.

Portanto, de modo algum, em situações como a dos autos, em que uma das partes assume a ocorrência de determinada factualidade, é exigível ao Tribunal a quo a realização de diligências de prova adicionais (exceto, naturalmente, os casos de prova legal, o que não é a situação dos autos).

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 18 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)














1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.