Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2934/15.9BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
DECRETO-LEI N.º 163/93, DE 07-05;
PER - PROGRAMA ESPECIAL DE REALOJAMENTO NAS ÁREAS METROPOLITANAS DE LISBOA E DO PORTO;
PEDIDO CONDENATÓRIO; ÓNUS DA PROVA;
Sumário:I - A impugnação do julgamento da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada;
II – O pedido de condenação do Município a proceder à integração do A. no PER exige a prova pelo A. da acção dos pressupostos do direito a que se arroga, designadamente dos pressupostos indicados nos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05;
III - Para que o Município estivesse obrigado a integrar o A. e Recorrido no PER era necessário estar provado nos autos que o A. teve sempre a sua morada de residência permanente na barraca abrangida pelo PER e que não tinha “inscrita para efeitos fiscais, de segurança social ou outros, outra residência”, que também tivesse sido indicada como de residência permanente, numa lógica de definitividade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

E........... intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, contra o Município da Amadora, impugnando a decisão da Vereadora da Câmara Municipal da Amadora (CMA), em 13-04-2015, que o excluiu do Programa Especial de Realojamento (PER) e pedindo a condenação da Entidade Demandada a incluí-lo nesse Programa.
Por decisão do TAF de Sintra foi julgada procedente a presente acção, anulada a decisão da Vereadora da CMA de 13-04-2015 e condenada a entidade demandada a praticar acto de inclusão do Autor no PER.
Inconformado com a decisão, o Município da Amadora, aqui Recorrente, apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões:” “I. A douta sentença incorre em erro de julgamento por não considerar que os factos apresentados são suficientes para concluir que o Recorrido não residia de forma voluntária na construção em causa nos autos.
II. A douta sentença ora recorrida não indica nem o Recorrente vê com que fundamentos se considera provado por acordo o facto de que o Recorrido permaneceu hospitalizado durante quase um ano e que por isso não residia na construção PER em apreço.
III. A douta sentença ora recorrida não indica nem o Recorrente vê com que fundamentos se pode aceitar como facto provado (e muito menos por acordo) que o Recorrido resida com a filha após o internamento.
IV. O Recorrente não entende porque é que a douta sentença ora recorrida não deu como facto provado que o Recorrido deixou de residir, inicialmente, na construção em apreço, por vontade própria, passando a residir em casa de familiares.
V. Ainda e salvo melhor opinião, a douta sentença ora recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação do art. 14º do DL nº 163/93.
VI. Na verdade, a douta sentença ora recorrido não teve em conta que o que pretende tal diploma é evitar que com a erradicação das construções ilegais os agregados familiares, nelas efetivamente residentes com carácter permanente, se encontrem sem solução de alojamento.
VII. O Recorrido mudou a sua residência na segurança social, no recenseamento eleitoral (isto é cartão de cidadão) e nas finanças, o que não faz sentido se a sua intenção fosse apenas estar ausente o tempo do internamento e durante o pós- operatório.
VIII. Pelo que não restam dúvidas que ato impugnado é válido e que o Recorrente respeitou o DL nº 163/93, nomeadamente o art. 14º do mesmo..

O Recorrido não contra-alegou.
A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que se mantém:
A) Encontra-se inscrito, na matriz predial urbana, sob o artigo …, da Freguesia de Á……, Concelho da Amadora, em nome do Autor, um prédio urbano, com a seguinte descrição: “Casa em alvenaria e tijolo, cobertura em chapa lusalite, de um só pavimento – R/C 1 divisão, cozinha, wc e terraço” - cfr. Doc. n.º 1 junto com a PI a fls. 6 dos autos.
B) O prédio referido na alínea anterior localiza-se na Estrada M……, n.º …-C, D……, 2720-… Amadora - cfr. cópia da caderneta predial junta como Doc. 1 com a PI a fls. 6 dos autos.
C) Em 03/12/1993, foram recenseados, no âmbito do PER da Amadora, na construção referenciada com o n.º 22…, referida nas alíneas anteriores, o Autor e Aurora F........... - cfr. Ficha da Família a fls. 1 do PA.
D) Em 21/09/2009, o Autor e Aurora F........... habitavam na construção referida na alínea anterior - cfr. informação a fls. 12 do PA.
E) Em 23/12/2009, ocorreu o óbito de Aurora F...........- cfr. informação a fls. 24 do PA.
H) O Autor consentiu que habitasse a construção referida na alínea C), uma pessoa de nome C….. - cfr. Doc. n.º 7, de fls. 14-16 dos autos.
I) Em 03/05/2010, foi emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, em nome do Autor, no qual consta um grau de incapacidade de 60% de natureza motora (membro inferior esquerdo) - cfr. Doc. n.º 3 junto com a PI a fls. 8 dos autos.
J) Em 10/08/2010, foi proferida decisão de exclusão do PER de Aurora F……, por Vereadora da Câmara Municipal da Amadora - cfr. despacho a fls. 33 do PA.
K) Em 18/10/2010, foi constatado, por Técnica Superior, da Divisão de Habitação e Realojamento da Câmara Municipal da Amadora, que habitava o prédio referido na alínea C), C...........- cfr. informação a fls. 39 do PA.
L) Em 28/10/2010, foi prestada informação pelo Serviço de Finanças da Amadora, à Câmara Municipal da Amadora, com o seguinte teor: “Em resposta ao vosso Fax de 19/10/2010, informo sobre os elementos solicitados:
*E...........
NIF …… e domicílio fiscal na Estrada M…… … C 2 2720-… D……
*Tem registado uma fracção em seu nome na freguesia da D……. Concelho da Amadora.” - cfr. ofício a fls. 44 do PA.
M) Em 16/12/2011, foi comunicado ao Autor, pelo Instituto de Segurança Social, I.P., para a Avenida dos C……., n.º …, R/C-C, 2790-… P……., o deferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para propor ação de despejo - cfr. Doc. n.º 4 junto com a PI a fls. 9 dos autos.
N) Em 10/04/2012, o autor foi operado, no Hospital Doutor Fernando Fonseca, tendo-lhe sido efetuada amputação do membro inferior direito (1/3 superior perna) - cfr. Nota de Alta, junta com a PI a fls. 12 dos autos.
O) Em 22/08/2012 foi elaborado relatório médico, por Médica do Centro de Saúde de Carnaxide, com o seguinte teor: «Para os devidos efeitos, declaro que “E...........” nascido (a) a 22-...- 1953, (…), com Atestado Médico de Incapacidade de 3/5/2010, por amputação do MIE. Foi operado a 10/04/2012 tendo-lhe sido efectuada amputação MID (1/3 superior da perna) conforme nota de alta do Hospital Doutor Fernando Fonseca.» - cfr. Doc. n.º 5 junto com a PI a fls. 10 dos autos.
P) Em 01/07/2013, foi citada C..........., no âmbito do processo n.º 389/13.1T2AMD (Notificação Judicial Avulsa), que correu termos no Juízo de Média Instância Cível da Amadora, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, no qual foi Requerente o Autor, para “no prazo de 20 (vinte) dias contestar querendo a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo Autor (…)” - cfr. Doc. n.º 6 junto com a PI a fls. 13-v dos autos.
Q) Em 03/02/2014, foi proferida sentença, no âmbito do processo n.º 699/13.8T2AMD, que correu termos no Juízo de Média Instância Cível da Amadora, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, no qual foi Autor E...........e Ré C...........- cfr. Doc. n.º 7 junto com a PI de fls. 14-16 dos autos.
R) A sentença referida na alínea anterior julgou a ação parcialmente procedente condenando “a Ré a restituir de imediato ao Autor o bem imóvel constituído pelo prédio urbano em propriedade total, sito na Estrada M……, n.º …-C2, A……, Concelho da Amadora, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …… da Freguesia da D……., Concelho da Amadora, bem como o recheio deste imóvel constituído por mobílias, loiças, roupas e eletrodomésticos, no mesmo estado de conservação em que o Autor os cedeu, excetuando a sua prudente utilização” - cfr. Doc. n.º 7 junto com a PI de fls. 14-16 dos autos.
S) O Autor apresentou requerimento executivo da sentença proferida no processo n.º 699/13.8T2AMD, que deu origem ao processo de Execução n.º 6986/14.0T2SNT, no J3, da 1.ª Secção de Execução, da Instância Central-Sintra da Comarca de Lisboa Oeste - cfr. Doc. n.º 8 e Doc. n.º 9 juntos com a PI a fls. 17-18 dos autos.
T) Em 10/03/2015, o Autor encontrava-se recenseado com o número de eleitor AA ……. na União de Freguesias de C…… e Q……, Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa - cfr. documento a fls. 115 do PA.
U) Em 13/04/2015, foi proferida decisão final, por Vereadora da Câmara Municipal da Amadora de exclusão do Autor do PER - cfr. despacho a fls. 110 do PA.
V) Em 21/04/2015, foi recebido pelo Autor, o ofício n.º 0037…, remetido pela Câmara Municipal da Amadora, com o seguinte teor:
“Texto integral com imagem”

(Cfr. Doc. n.º 10 junto com a PI a fls. 19-20 dos autos).

Nos termos do art.º. 662.º, n.º 1, Código de Processo Civil (CPC), alteram-se e dão-se por provados os seguintes factos:
F) O Autor esteve internado, nomeadamente no ano de 2010, tendo-lhe sido amputado o pé esquerdo (por acordo).
G) No ano de 2010 o A. passou a habitar a casa de terceiros, seus familiares e passou a dar como morada de residência a da sua filha, sita na Avenida dos C……, n.º …, R/C C, 2790-… P……. (por acordo).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto, por não poderem ser dados por provados, por acordo, os factos F) e G) e designadamente que o Recorrido tivesse permanecido hospitalizado durante quase um ano e que, por isso, não residia na construção em apreço e que residisse com a filha após o internamento;
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto, por estar provado que o Recorrido deixou de residir inicialmente na construção em apreço, por vontade própria, ou voluntariamente, passando a residir em casa de familiares;
- aferir do erro decisório, porque face à factualidade provada pode-se concluir que o Recorrido não residia de forma voluntária na construção abrangida pelo Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto- PER;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, porque o Recorrido não residia na construção em questão com carácter permanente, nem se encontrava sem alojamento, mas vivia na casa da filha, para onde mudou a sua residência na segurança social, no recenseamento eleitoral, no cartão de cidadão e nas Finanças.

Os art.ºs 636º, n.º 2, 640º e 662º do Código de Processo Civil (CPC), impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Vem o Recorrente invocar um erro decisório quanto ao julgamento da matéria de facto por não se poder dar por provado, por acordo, o facto F) e designadamente que o Recorrido tivesse permanecido hospitalizado durante quase um ano, pois o Recorrido impugnou esse facto e apenas admitiu que “em ocasiões (…), por razões médicas, o R,. tenha estado internado no hospital”.
Conforme decorre da motivação da sentença recorrida, o facto F) foi dado por provado por se entender estar acordado.
O indicado facto F) decorre do alegado nos art.ºs 11.º, 12., 20.º e 21.º da PI.
Essas alegações foram parcialmente impugnadas pelo R. na contestação, ali se indicando que o A. não provou que esteve internado entre finais de 2009 e o terceiro trimestre de 2010, que apenas se admitia que o A. estivesse estado internado “em ocasiões” “por razões médicas” e que o A. deixou de residir na habitação por sua vontade e não apenas por razões médicas – cf. art.ºs 14.º, 18.º, 19.º, 22.º, 30.º, 35.º e 48.º a 50.º da contestação.
Portanto, o facto F) foi erradamente assente, pois face à posição das partes só poderia ser dado por assente que durante o ano de 2010 o A. e Recorrido foi internado e que lhe foi amputado o pé esquerdo.
Quanto à circunstância de o A. ter estado “internado, entre finais de 2009 e o terceiro trimestre de 2010”, era matéria que permanecia controvertida e que só poderia ficar provada após a necessária fase de instrução e julgamento, que não foi feita no caso dos autos.
Como indicaremos a seguir, para a apreciação da pretensão condenatória que vinha formulada pelo A. incumbia-lhe fazer prova de que preenchia as qualidades que vêm indicadas nos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, a saber, que sempre teve a sua morada de residência permanente na barraca abrangida pelo PER e que não tinha “inscrita para efeitos fiscais, de segurança social ou outros, outra residência”, que também tivesse sido indicada como a morada de residência permanente. Incumbia ao A. provar que deixou de residir na construção abrangida pelo PER a título meramente transitório – ainda que esta transitoriedade se tenha alongado no tempo - porque a tal foi forçado por razões de saúde. Incumbia-lhe ainda provar que tencionava voltar à construção logo que lhe fosse possível. Igualmente, tinha o A. de provar que a indicação que deu da morada da sua filha junto a quaisquer serviços públicos foi feita por razões práticas, era referente a uma morada provisória e que tal indicação não visou a obtenção de outros apoios e benefícios financeiros públicos, nomeadamente habitacionais.
Neste enquadramento legal, constituía um facto essencial ao litígio a invocação de um internamento prolongado, que tivesse ocorrido entrefinais de 2009 e o terceiro trimestre de 2010”, que teria forçado o A. a sair - temporariamente - da sua habitação permanente.
Por conseguinte, ocorreu um erro no julgamento da matéria de facto, quando se fixou o facto F) por acordo, pois face à posição das partes aquele facto estava controvertido.
Procede, pois, o invocado erro no julgamento da matéria de facto, tendo-se reduzido o facto F) à parte em que se pode considera que se tratava de matéria factual acordada.

Igualmente, procede o indicado erro na fixação do facto G).
O facto G) corresponde ao alegado nos art.ºs 14.º e 15.º da PI, alegações que foram parcialmente impugnadas pelo aduzido nos art.ºs 14.º, 15.º, 18.º, 19.º, 39.º, 40.º, 49.º e 51.º da contestação.
Assim, face à posição das partes apenas se pode dar por provado que desde o ano de 2010 o A. passou a habitar na casa da sua filha, sita na Avenida dos C……., n.º …, R/C C, 2790-… P……., pois não ficou acordado que essa mudança de residência tenha ocorrido “após o internamento”.
Alterou-se, em conformidade, o indicado facto.

Vem o Recorrente dizer que está provado nos autos que o Recorrido deixou de residir inicialmente na construção em apreço, por vontade própria, passando a residir em casa de familiares.
Ora, quanto a este facto, o mesmo não é afirmado pelo A., que alega coisa diferente, a saber, que deixou de residir na habitação porque foi internado e teve de ter apoio de terceiros face à amputação do pé. Ou seja, o A. apenas alega que deixou de residir na habitação, temporariamente, forçado por razões de saúde e, posteriormente, porque a casa não lhe foi entregue pela pessoa a quem a cedeu.
Como já se disse, no caso dos autos, após a fase dos articulados o processo avançou para alegações e foi prolatada a sentença recorrida, sem que se tivesse aberto uma fase para a prova dos factos, que eram essenciais para a resolução do litígio, que permaneciam controvertidos.
Estava, pois, controvertida a alegação do R. que o A. deixou de ter residência permanente na construção abrangida pelo PER e que passou a ter essa residência permanente na morada da sua filha. Da mesma forma, manteve-se controvertida a alegação o A. relativa à manutenção da residência permanente na construção abrangida pelo PER e relativa à residência apenas a título temporário na morada da sua filha.
Na PI e na contestação A. e R. apresentaram prova testemunhal para comprovarem as suas alegações. A prova testemunhal não foi produzida, porque não se abriu nos autos uma fase de instrução e julgamento.
Ou seja, ainda que improceda a invocação do Recorrente, relativa ao erro decisório por estar assente nos autos que o A. deixou de residir na barraca abrangida pelo PER e que o fez por vontade própria ou voluntariamente, procede a indicada alegação quando se reconduza a um erro no julgamento, por aquela circunstância não ter sido sujeita à necessária instrução e prova, estando ainda controvertida.

Alega o Recorrente um erro de julgamento por se retirar da factualidade provada que o Recorrido não residia de forma voluntária na construção em causa.
Como já se indicou, estava controvertido o facto relativo às razões da saída do A. da morada da sua residência na construção abrangida pelo PER. O A. indica-o como unicamente motivado por razões de saúde. O A. indica também o não retorno num momento seguinte àquela construção por ter ocorrido uma impossibilidade absoluta. O R. diz que a saída da referida construção foi uma opção voluntária do A. Estava também controvertido o facto relativo à residência do A. na casa da sua filha como correspondendo a uma residência meramente transitória.
Na verdade, atendendo à matéria factual já provada pudemos ter por certo que o A. foi internado no ano de 2010 e foi-lhe amputado um pé. Resulta também provado nos autos que nesse ano o A. que foi viver para a casa de terceiros, seus familiares e que a partir de 2010 passou a dar como morada de residência a casa da sua filha. Atendendo à factualidade já provada nos autos, decorre igualmente que pelo menos até Outubro de 2010 a construção alvo do PER manteve-se a residência permanente do A. e que foi aí que manteve os seus pertences.
Mas está também provado nos autos que o A. cedeu voluntariamente a sua habitação a C........... e que só após 2012 é que pretendeu reaver aquele locado. Nessa data C........... não o devolveu, obrigando o A. a iniciar diligências judiciais para recuperar a habitação em questão, o que fez a partir do ano de 2013. Em 2014, o A. ganhou o processo judicial que apresentou contra C............
Porém, manteve-se por provar nos autos a alegação do A. de que após o seu internamento teve necessidade de apoio de terceiras pessoas e que procurou ajuda entre os seus familiares próximos, tendo ido viver transitoriamente para as respectivas habitações. Manteve-se também por provar a alegação do A. de que cedeu a sua residência a C........... a título meramente transitório e que só não voltou para a sua habitação logo que recuperou dos internamentos e das amputações que lhe foram feitas, porque C........... não lhe devolveu o locado.
Assim sendo, claudica esta alegação de recurso, porque dos autos e da matéria factual já apurada não deriva que o A. tenha saído da construção abrangida pelo PER por uma opção pessoal, totalmente voluntária e que tenha deixado de ter aí a sua residência permanente, alterando-a definitivamente para a morada da sua filha.
Não obstante, terá de proceder o alegado erro de julgamento, porque estando aquela matéria factual controvertida não se poderia ter prolatado a decisão recorrida sem antes a sujeitar à necessária instrução e prova.

Alega o Recorrente a existência de um erro decisório e a violação do art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, porque o Recorrido não residia com carácter permanente na construção em questão, nem se encontrava sem alojamento, mas vivia na casa da filha, para onde mudou a sua residência na segurança social, no recenseamento eleitoral, no cartão de cidadão e nas Finanças.
O Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, que estabeleceu o PER, tinha por objectivo “a erradicação definitiva das barracas existentes nos municípios das áreas” – cf. art.º 1.º, n.º 2 (este diploma foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 37/2018, de 04-06).
No art.º 13.º deste diploma estipulava-se que: “Os prédios e as fracções autónomas de prédios habitacionais financiados ao abrigo do presente diploma destinam-se a atribuição para residência permanente em regime de renda apoiada ou em regime de propriedade resolúvel, nos termos regulados respectivamente nos Decretos-Leis n.os 166/93 e 167/93, ambos de 7 de Maio, salvo no caso do PER Famílias, em que os fogos se destinam a habitação própria e permanente dos respectivos adquirentes.”
Por seu turno, o art.º 14.º determinava que “Nenhum dos membros dos agregados familiares realojados ou a realojar de acordo com o previsto no artigo anterior pode deter, a qualquer título, outra habitação no concelho do respectivo recenseamento para o PER ou em concelho limítrofe, nem ter inscrita para efeitos fiscais, de segurança social ou outros outra residência no território nacional, bem como não pode estar a usufruir de outros apoios financeiros públicos para fins habitacionais.”
Conforme decorre dos factos já provados, o A. e Recorrido era detentor de uma construção que foi considerada uma barraca abrangida pelo PER – cf. factos A) a D). Essa era a residência do A. e Recorrido, onde habitava permanentemente - cf. factos C) a F).
O Autor foi, entretanto, internado, nomeadamente no ano de 2010, tendo-lhe sido amputado o pé esquerdo. Nesse ano de 2010, o A. passou a habitar a casa de terceiros, seus familiares e passou a dar como morada de residência a da sua filha sita na Avenida dos C......., n.º ..., R/C C, 2790-... P............ Em 10-04-2012, o A. foi novamente operado e foi-lhe amputado 1/3 da perna - cf. factos C) a G), I), M), N), O) e T).
Em data concretamente não apurada, mas anterior a 18-10-2010, o A. consentiu que C........... habitasse a construção acima indicada - cf. factos H) e K).
Em Outubro de 2010, o A. e Recorrido mantinha a indicação nas Finanças que morava na habitação abrangida pelo PER – cf. facto L).
No ano de 2013, o A. iniciou diligências judiciais para recuperar a habitação em questão, decorrendo do respectivo processo judicial que tinha cedido tal habitação a C..........., com o respectivo recheio constituído por mobílias, loiças, roupa, electrodomésticos e que esta foi condenada a entregar-lhe essa casa com as coisas que ali se encontravam e no estado de conservação que as encontrara – cf. factos P) a S).
Por conseguinte, atendendo à factualidade provada na acção não fica certo que o A. tenha deixado de ter residência permanente na construção abrangida pelo PER, nem que se encontrasse a viver da casa da sua filha com carácter permanente e definitivo e não apenas com carácter temporário. Da mesma forma, atendendo ao que ficou provado na acção, não é certo que a indicação da morada da filha do A. não tenha sido dada enquanto uma morada transitório. Esses factos permaneceram controvertidos e eram essenciais à apreciação da causa.
Portanto, ainda que faleçam as supra indicadas alegações do Recorrente, há que considerar que existiu um erro de julgamento pois mantinha-se controvertida e por provar a factualidade relativa à mudança da morada do A. enquanto um facto voluntário e visando uma mudança com carácter permanente.
Consequentemente, ficou por provar a existência do invocado erro nos pressupostos de facto.

Identicamente, ficaram por provar os pressupostos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, para a procedência do pedido condenatório para o A. ser incluído no PER, pois mantiveram-se controvertidos nos autos os factos relativos à invocada residência permanente do A. no local abrangido pelo PER logo que lhe foi possível - caso o tenha sido, o que se desconhece - ou relacionados com a alteração da morada do A. nos vários serviços públicos visando um fim provisório e que não se relacionava com o usufruto de outros benefícios financeiros públicos, nomeadamente habitacionais.
Porque o A. formulou na PI um pedido condenatório, a uma pretensão substitutiva, incumbia-lhe a alegação e a prova dos pressupostos factuais que justificavam a atribuição do direito que reclamava em juízo.
Conforme art.º 342,º, n.º 1, do Código Civil (CC) “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Como ensina Mário Aroso de Almeida se “o interessado faz valer em juízo a posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que é titular, é natural que sobre ele recaí o ónus de demonstrar o bem fundado da sua pretensão, o preenchimento dos respectivos elementos constitutivos, ao que a Administração caberá contrapor a demonstração dos eventuais factos impeditivos ou extintivos que lhe possam ser oponíveis.” (in ALMEIDA, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2016, pp. 92-93).
Invocou o A. que tinha direito a ser incluído no PER. Logo, cumpria-lhe alegar e fazer prova de que preenchia as qualidades que vêm indicadas nos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05.
Ou seja, para que a CMA estivesse obrigada a integrar o A. e Recorrido no PER era necessário estar provado nos autos que o A. teve sempre a sua morada de residência permanente na construção abrangida pelo PER e que não tinha “inscrita para efeitos fiscais, de segurança social ou outros, outra residência, que também tivesse sido indicada como de residência permanente, numa lógica de definitividade – cf. art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05.
Da prova feita nos autos resulta que o A. e Recorrido manteve os seus pertences, ou parte significativa deles, na casa abrangida pelo PER. Mais resulta provado, que pelo menos até Outubro de 2010, o A. manteve a sua residência fiscal na referida casa. Mas também deriva nos autos que em 16-11-2011 o A. deu a morada da casa da sua filha para efeitos de comunicações com o ISS e que em 10-03-2015 se encontrava recenseado em tal morada. Por seu turno, em 03-02-2014 foi proferida sentença que condenou C........... a restituir ao A. a sua casa e pertences e que foi apresentado posteriormente um processo executivo. Desconhece-se o termo de tal processo executivo e se o A. retornou à casa em apreço após a decisão tomada nesse processo e antes de 13-04-2015.
Quanto à decisão da CMA a determinar a exclusão do A. do PER, é de 13-04-2015, uma data posterior à factualidade acima expendida.
Como já se disse, para preenchimento dos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, o A. teria de provar na acção que a sua residência permanente esteve sempre no local que estava abrangido pelo PER e que habitava apenas a titulo provisório a casa dos seus familiares - de um irmão e/ou da filha.
O A. teria também de provar que a indicação da morada que foi feita ao ISS e para recenseamento não visavam a indicação da sua residência permanente, mas, apenas, a resolução de uma situação provisória, que se estava a prolongar no tempo. Isto é, o A. tinha que provar na acção que indicou a morada da sua filha por razões práticas, face a uma situação provisória, que se estava a prolongar e não porque tivesse efectivamente mudado a sua residência para junto da sua filha. O A. tinha ainda que provar que a indicação da morada da sua filha como a da sua residência foi feita com a indicação que era algo provisório e que não visava a obtenção de outros apoios e benefícios financeiros públicos, nomeadamente habitacionais.
Consequentemente, no caso dos autos, para que os pressupostos dos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05, ficassem preenchidos, seria preciso que se confirmasse que à data da decisão que se anulou - isto é, em 13-04-2015 - o requerente do benefício relativo ao PER, o ora A. e Recorrido: (1) mantinha-se a deter residência permanente na construção sita na Estrada M…….., n.º …-C, Damaia, Amadora, por aí se manterem os seus pertences e só não habitar essa casa por estar fisicamente impossibilitado disso; (2) que a indicação da morada da casa da sua filha que foi feita em diversos serviços públicos não visou a indicação da sua morada de residência permanente - mas apenas a comunicação de uma residência provisória - e que por via dessa indicação o A. não usufruiu de apoios e benefícios financeiros públicos, nomeadamente para fins habitacionais.
Ora, porque nos autos não se abriu uma fase de instrução, com a prestação da prova testemunhal arrolada pelas partes, ficaram por provar as supra-mencionadas alegações, que constituíam factos essenciais à eventual procedência dos pedidos.
Como já se disse, frente à matéria factual apurada nos autos resulta que o A., efectivamente, não habitava no local alvo do PER e que tinha indicado a morada da residência da sua filha em vários serviços públicos. Porém, permaneceu controvertida a alegação do A. de que a habitação abrangida pelo PER continuava a ser a sua residência permanente em 13-04-2015 e que aí não habitava apenas porque estava fisicamente impossibilitado. Da mesma forma, manteve-se controvertida a alegação do A. de que habitava na morada da residência da sua filha a título temporário e que as indicações que possam ter dado nos vários serviços públicos foram nesse pressuposto Igualmente, ficou por instruir e provar a circunstância de a indicação da morada da filha do A. que foi feita pelo mesmo não ter visado a obtenção de outros apoios e benefícios financeiros públicos, nomeadamente habitacionais.
Por conseguinte, a decisão recorrida errou quando condenou a Entidade Demandada a incluir o A. no PER sem que estivessem provados nos autos os pressupostos indicados nos art.ºs 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 07-05 e quando não fez preceder esse julgamento da necessária fase de instrução e julgamento para que se pudessem provar os factos – essenciais - que permaneciam controvertidos.
Em suma, o recurso procede quando se aponta um erro decisório à decisão sindicada por ter condenado o Município a incluir o A. no PER, quando não ficaram provados nos autos os necessários pressupostos e quando não fez abrir uma fase de instrução e julgamento para prova das alegações das partes relativas à verificação – ou não verificação – daqueles pressupostos.
Razões porque se anula o julgamento feito pelo Tribunal ad quo e se determina a baixa dos autos para que se abra uma fase de instrução e julgamento para prova dos factos alegados pelas partes, que relevam para o conhecimento dos pedidos formulados na acção e que permanecem controvertidos, após o que se deve proceder a novo julgamento.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos para que se abra uma fase de instrução e julgamento para prova dos factos alegados pelas partes e que permanecem controvertidos, após o que se deverá decidir novamente;
- custas pelo A. e Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020.
(Sofia David)

(Paula Ferreirinha Loureiro)

(Pedro Nuno Figueiredo)