Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3124/15.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/12/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
RECURSO DE REVISÃO
Sumário:I - O recurso de revisão interposto ao abrigo dos artigos 696º e ss do CPC é um recurso extraordinário que visa a alteração de uma decisão já transitada em julgado, em casos especialmente previstos na lei. Ao contrário dos recursos ordinários, não é um recurso que, por si só, vise impedir o trânsito em julgado.
II - Também assim é no contencioso tributário, pois que, nos termos do artigo 293º do CPPT, sobre a revisão da sentença aí se dispõe que “A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão no prazo de quatro anos, correndo o respectivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida”.
III - Nos termos do artigo 169º do CPPT, a suspensão da execução fiscal, nas condições aí previstas, tem como limite o trânsito em julgado da decisão, como decorre do emprego da expressão “até à decisão do pleito”.
IV - Transitada em julgado a decisão da impugnação judicial em que se discute a legalidade da dívida exequenda, nada justificaria que a AT estivesse obrigada a manter suspensa a execução fiscal por um período de mais 4 anos, por ser este o prazo previsto na lei para a interposição do recurso de revisão.
V - Contrariamente ao defendido pela Recorrente, a interposição de recurso de revisão não obsta ao prosseguimento da execução fiscal, ainda que na pendência deste processo executivo e aliado ao facto de ter sido deduzida impugnação judicial da liquidação correspondente à dívida exequenda, tenha sido prestada garantia com vista a suspender tal processo de execução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

I..., LDA., melhor identificada nos autos, apresentou reclamação, nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acto do órgão da execução fiscal que determinou a venda do bem imóvel dado como garantia da dívida no âmbito do processo de execução fiscal nº ..., o qual corre os seus termos no Serviço de Finanças de ..., contra a sociedade ... Lda., por dívidas de IRC, referentes ao ano de 2004.

Tal reclamação foi julgada improcedente.

Inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, a Reclamante, e ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, formulando as seguintes conclusões:


A

A causa de pedir na reclamação dos autos encontra-se bem identificada no requerimento inicial, e o mesmo se passa com o pedido.

B

Pode e deve o Tribunal conhecer o pedido do Reclamante e não quaisquer conjeturas feitas pela AT.

C

O recurso de Revisão, prestada que se encontra a garantia suspende os termos da execução nos termos do art. 169º do CPPT.

D

O despacho sub judice violou de forma grosseira, entre outras que V. Exas doutamente suprirão as constantes dos arts552º do CPC ex vi art. 2º do CPPT e nº 2 do art. 277º do CPPT e art. 169º do CPPT.

Termos em que,

Deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a decisão recorrida com os legais efeitos, com o que se fará a esperada JUSTIÇA”


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) A 30/09/2009, no Serviço de Finanças de ..., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ..., contra a sociedade ..., Lda., por dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao ano de 2004, na quantia exequenda de 244.734,86,28 euros, acrescida de juros de mora e de outros encargos legais (cfr. fls. 1 e 2 do PEF);

b) A 29/12/2011, na Conservatória do Registo Predial de ..., pela aqui reclamante, foi constituída e registada a favor da FP hipoteca voluntária sobre bem imóvel inscrito na matriz predial urbana com o artigo 6498, fracção A, da freguesia de ..., concelho de ..., para garantia do integral pagamento da quantia exequenda até ao valor de 242 613,30 euros, reclamada no processo de execução fiscal n.º... (cfr. fls. 286 e 287 do PEF);

c) A 30/09/2013 foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a impugnação judicial, que correu termos com n.º.../13.0BESNT, tendo como objecto “o despacho de indeferimento por intempestividade do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações adicionais de IRC n.ºs ..., no montante de €278.394,28, n.º …, no montante de €78.358,95 e n.º …, no valor de €166.127,17, referentes aos exercícios fiscais de 2004, 2005 e 2006, respectivamente” (cfr. processo n.º .../13.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF, disponível em www.taf.mj.pt);

d) A 16/01/2014, por despacho de concordância exarado na informação n.º…/2004, da Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão de Gestão da Dívida Executiva, foi ordenada a suspensão do processo executivo, n.º ... (cfr. fls. 191 a 195 do PEF);

e) A 28/03/2014, foi proferido despacho de concordância pelo Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, exarado em informação da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direcção de Finanças de Lisboa, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte:

“[…] em 03/03/2010, o sujeito passivo apresentou junto do Serviço de Finanças de ..., um pedido de revisão oficiosa da liquidação em apreço, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, ao qual por despacho proferido pela Directora da DSIRC e comunicada ao DE em 23/04/2012, foi negado provimento; Na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o DE interpôs recurso hierárquico, que viria a ser liminarmente indeferido, por Despacho da Subdirectora Geral da DSIRC, com fundamento na extemporaneidade da petição; Inconformado com a decisão o contribuinte apresentou impugnação judicial com o n.º.../13.0BENST.

Conforme despacho do Director de Finanças Adjunto do Departamento A da Justiça Tributária desta Direcção de Finanças, de 26 de Fevereiro de 2014, “o pedido de revisão oficiosa subjacente à presente impugnação judicial, foi formulado pela impugnante para além do prazo previsto no art.78.º da LGT, sendo como tal intempestivo. Consequentemente, afigura-se-nos que, quer o recurso hierárquico subsequente, quer a presente impugnação judicial são, também, intempestivos, uma vez que a tempestividade destes depende da tempestividade do pedido de revisão”.

Desta forma, verifica-se que um dos requisitos do artigo 169.º do CPPT para que o processo de execução fiscal em apreço se manter suspenso não se encontra preenchido […].

De facto, o DE, ao accionar, ao longo dos últimos anos, a panóplia de meio processuais, ultrapassando até os prazos previstos para tal, na tentativa (infrutífera) de obter a anulação/revisão da liquidação controvertida, para ser a sua intenção utiliza-los como um expediente dilatório, para retardar o cumprimento da obrigação fiscal.

De referir ainda que existe no âmbito do PEF ... uma garantia activa consistindo numa hipoteca voluntária, com um valor que ascende a €329.225,38.

Atendendo ao exposto, propõe que o Serviço de Finanças de ... levante a suspensão do PEF ..., por não se encontrarem verificados os requisitos constantes no art.º169 do CPPT” (cfr. fls.210 a 214 do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

f) A 2/05/2014, na sequência do despacho a que se refere a alínea anterior do probatório, foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de ..., na qual pode ler-se “ informa-se que em cumprimento do proposto no relatório de acompanhamento n.º345 da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE) deverá ser retirada a suspensão recolhida no PEF ..., instaurado em nome de ..., LDA, NIPC …, por o meio contencioso ora apresentada (impugnação judicial) ter como génese o indeferimento de um recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento de uma revisão oficiosa. Assim e com base na conclusão daquele relatório deverá ser retirada a suspensão do PEF […]”(cfr. fls. 217do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

g) Na mesma data, pelo Chefe de Serviços de Finanças de ..., foi proferido despacho de concordância com informação referida na alínea anterior do probatório, no qual pode ler-se “Em face da informação supra, proceda-se à remoção da suspensão do PEF, prosseguindo os autos a sua normal tramitação […]” (cfr. fls. 217 do PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

h) A 31/07/2014, foi remetido à reclamante ofício de citação n.º, para pagamento da dívida existente e acrescido, no PEF ... (cfr. fls. 271 do PEF);

i) A 30/09/2014, a sociedade executada apresentou no Serviço de Finanças de ..., reclamação do acto do órgão de execução fiscal que procedeu à remoção da suspensão do PEF, a que se reporta a alínea g) do probatório, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o processo n.º.../14.0BESNT (cfr. tramitação do processo n.º.../14.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

j) A 20/10/2014, foi proferida sentença no processo n.º.../13.0BESNT, que julgou improcedente a impugnação judicial a que se refere a alínea c) do probatório (cfr. processo n.º .../13.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

k) A 10/11/2014, por parte da executada, foi interposto recurso da sentença a que se refere a alínea anterior do probatório (cfr. processo n.º .../13.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

l) A 26/01/2015, o recurso a que se reporta alínea anterior probatório foi julgado deserto (cfr. processo n.º .../13.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

m) A 25/02/2015, foi registada penhora sobre o bem imóvel a que se refere a alínea b) do probatório (cfr. fls. 393 e 394 do PEF);

n) A 21/05/2015, por parte da executada, foi apresentada reclamação do despacho a que se refere a alínea l) do probatório, que julgou deserto o recurso interposto pela executada (cfr. processo n.º .../13.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

o) A 25/05/2015, foi proferida sentença no processo n.º.../14.0BESNT, a que se refere a alínea i) do probatório, que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção da reclamação do acto do órgão de execução fiscal (cfr. proc. n.º.../14.0BESNT, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

p) A 09/09/2015, foi proferido despacho pelo Chefe de Serviços de Finanças de ..., no qual pode ler-se:

“ […]determino que se avance para a venda judicial do prédio penhorado, através da modalidade de leilão electrónico” ( cfr. fls. 335 e 335 do PEF);

q) Na mesma data do facto a que se reporta a alínea anterior do probatório, foi remetido à reclamante e ao administrador da mesma, o ofício n.º…, respectivamente, com a informação da venda judicial do bem imóvel dado como garantia, a que se refere a alínea b) do probatório (cfr fls. 398 e 399 do PEF);

r) A 21/09/2015, foi remetida ao Serviço de Finanças de ..., a petição inicial que deu origem à presente reclamação (cfr. fls. 5 dos autos);

s) A 22/10/2015, a reclamação a que se refere a alínea n) do probatório foi indeferida por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida no proc.º. n. 8875/15; (cfr. processo n.º .../13.0BESNT-A, facto de conhecimento judicial, por consulta ao SITAF);

Factos não provados

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação

A convicção do tribunal formou-se, conforme se indica em cada alínea do probatório, com base no teor dos documentos constantes dos autos, no processo de execução fiscal em apenso, bem como nos factos de que teve conhecimento no exercício das suas funções e ao abrigo do princípio do inquisitório (cfr. artigos 411.º e 412.º n.º2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT e n.º1 do artigo 13.º do mesmo Código), através da consulta ao SITAF dos processos n.º.../13.0BESNT, nº.../13.0BENST-A e n. º.../14.0BESNT.

2.2. De direito

Antes do mais, importa deixar claro que, tal como resulta da p.i de reclamação, pretendeu a Reclamante, ora Recorrente, sindicar junto do TAF de Sintra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças “no sentido da venda dos bens dados em Garantia do pagamento da quantia exequenda até à decisão final do processo de impugnação judicial requerido pela executada ... SA”.

No essencial, sustentava a Reclamante a ilegalidade da decisão de “venda dos bens dados em garantia” por a execução fiscal estar suspensa.

Com efeito, lê-se na petição inicial (vide conclusão B), além do mais, que “a execução encontra-se suspensa por força de garantia prestada pelos aqui requerentes a favor da Fazenda Nacional, e atento o prosseguimento da Impugnação judicial nº .../13.0 BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.”

O Mmo. Juiz a quo não acolheu a argumentação expendida pela Reclamante, julgou improcedente a reclamação e manteve o acto reclamado.

Para assim concluir o TAF de Sintra considerou, em síntese útil, não se verificarem “os alegados pressupostos para a suspensão do PEF”.

Para que melhor se perceba o decidido, é importante que deixemos devida nota daquele que foi o percurso seguido pelo Tribunal a quo.

Assim, lê-se na sentença, no que para aqui importa, que:

“(…)

Determina o n.º1 do artigo 169.º do CPPT que “[a] execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.

Mais determina o n.º2 do mesmo artigo que “[a] execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda ”.

Ora, nos presentes autos resulta provado que no âmbito do processo de execução fiscal n.º..., foi prestada garantia por parte da aqui reclamante, mais resultando provado que efectivamente foi apresentada impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no processo n.º.../13.0BESNT o que determinou a suspensão do PEF (cfr. alíneas b) e c) e d) do probatório).

Contudo, resulta também provado que o período de suspensão ocorrido entre 16/01/2014 a 02/05/2014 (cfr. alíneas e) e g) do probatório), cessou por força do despacho a que se reporta a alínea g) do probatório, tendo a sociedade executada lançado mão da reclamação do acto que determinou o “levantamento da suspensão do PEF”, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, não obtendo tal reclamação provimento, por verificação de excepção de caducidade de direito de acção (cfr. alíneas i) e o) do probatório).

Mais resulta provado que, na presente data, a impugnação judicial que correu termos no processo n.º .../13.0BESNT, foi já julgada improcedente, tendo o trânsito em julgado ocorrido após decisão da reclamação a que se refere a alínea s) do probatório.

Assim sendo, verifica-se que o levantamento do efeito suspensivo ocorrido no PEF é matéria já apreciada em sede de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, pelo que o acto que determina “o levantamento da suspensão do PEF” se encontra já consolidado na ordem jurídica, insusceptível de ser novamente apreciado através do presente meio processual, ao que acresce que a circunstância da existência de impugnação judicial que a reclamante avança como pressuposto da suspensão do PEF, já não se verificar, atento o trânsito em julgado ocorrido na mesma a 28/10/2015.

Para mais, quanto ao vício a que a reclamante lança mão relativo à alegada ilegalidade derivada do acto que determina a venda, pela revogação da suspensão do PEF efectuada pelo chefe de finanças e não por superior hierárquico que decidiu a suspensão e que, na sua tese, merece o desvalor jurídico de nulidade, é certo e está provado que o processo de execução fiscal n.º ... se encontrou suspenso, o que ocorreu por sancionamento do teor da informação n.º.../2004, da Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão de Gestão da Dívida Executiva, considerando as hipotecas voluntárias constituídas a favor da FP no PEF, para efeitos de garantia da dívida exequenda (cfr. alíneas b) e d) do probatório).

Contudo, resulta também provado que o “levantamento da suspensão do PEF” ocorrido por despacho do chefe de finanças Chefe de Serviços de Finanças de ..., surge na sequência do despacho do Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que por considerar não se encontrarem verificados os requisitos constantes no artigo 169.º do CPPT, propõe àquele mesmo serviço de finanças o levantamento da suspensão do PEF (cfr. alínea e) e f) e g) do probatório).

Por conseguinte, verifica-se que o acto do órgão de execução fiscal que determina a venda do bem imóvel dado como garantia naquele PEF - objecto dos presentes autos de reclamação - não padece de qualquer ilegalidade derivada, considerando que o acto de levantamento da suspensão do PEF que o antecede surge na decorrência de autorização superior para o efeito e não de “uma revogação de um acto de um superior hierárquico”, conforme alega a aqui reclamante, concretizando-se tal acto de determinação de venda apenas num acto normal da tramitação de um processo de execução fiscal, cumpridos que foram os actos de citação e penhora que lhe antecedem, nos termos do CPPT (cfr. alíneas h) e m) do probatório).

Face ao exposto, não se verificando os alegados pressupostos para a suspensão do PEF e nem concretizando a reclamante qualquer ilegalidade própria do acto que determina a venda judicial do bem dado como garantia, sendo a sua causa de pedir baseada apenas na invocação de vícios derivados de acto que surge a montante do acto de venda na tramitação do processo de execução regulado no CPPT – acto de remoção da suspensão do PEF - impõe-se, sem necessidade de mais considerações, julgar improcedente a presente reclamação.”

Por conseguinte, temos que, de acordo com a sentença recorrida, o acto reclamado deve ser mantido porquanto:

- a impugnação judicial nº .../13.0 BESNT foi julgada improcedente e já transitou em julgado;

- a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º contra “o levantamento da suspensão do PEF” não obteve provimento, “por verificação da excepção de caducidade do direito de acção”, encontrando-se tal acto já consolidado na ordem jurídica;

- “o acto do órgão de execução fiscal que determina a venda do bem imóvel dado como garantia naquele PEF - objecto dos presentes autos de reclamação - não padece de qualquer ilegalidade derivada, considerando que o acto de levantamento da suspensão do PEF que o antecede surge na decorrência de autorização superior para o efeito e não de “uma revogação de um acto de um superior hierárquico”.

Vejamos, agora e em detalhe, as conclusões da alegação de recurso, não perdendo de vista que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, e percorrendo as 4 (quatro) conclusões formuladas pela Recorrente temos que a mesma faz notar que “a causa de pedir na reclamação dos autos encontra-se bem identificada no requerimento inicial, e o mesmo se passa com o pedido”.

Ora, o maior esforço interpretativo não permite a este Tribunal alcançar em que medida esta singela afirmação encerra um ataque, uma discordância, com o decidido, posto que, daquilo que retiramos de uma leitura atenta da decisão sindicada, não se nos afigura que o Mmo. Juiz a quo tenha tido qualquer dúvida, hesitação ou tenha laborado em erro sobre a identificação da causa de pedir ou do pedido.

Uma e outro surgem, aliás, perfeitamente revelados na sentença.

Percebe-se que o TAF identificou claramente as causas de pedir – verificação dos “pressupostos para a suspensão do PEF” e, bem assim, a “ilegalidade derivada do acto que determina a venda, pela revogação da suspensão do PEF efectuada pelo chefe de finanças e não por superior hierárquico que decidiu a suspensão” – como também o pedido – a nulidade/ anulabilidade do “acto do órgão de execução fiscal que determina a venda do bem imóvel dado como garantia naquele PEF - objecto dos presentes autos de reclamação.”

Porque assim é, esta primeira conclusão é de julgar improcedente.

Passemos à 2ª conclusão, identificada com a letra B.

Neste ponto refere a Recorrente que “Pode e deve o Tribunal conhecer o pedido do Reclamante e não quaisquer conjeturas feitas pela AT”.

Também aqui, mesmo imbuídos do maior esforço de interpretação das palavras da Recorrente, este Tribunal é incapaz de alcançar o que se pretendeu invocar, desde logo porque a sentença cuidou de apreciar, com base no probatório fixado (não impugnado) e no quadro legal expressamente delimitado, a (i)legalidade do acto que determinou a venda de bem imóvel oferecido como garantia no PEF.

Ora, em que medida, segundo a Recorrente, o Tribunal a quo conheceu, não do pedido, mas de “conjecturas feitas pela AT”, é uma afirmação cujo alcance não apreendemos, já que é visível que o Tribunal – bem ou mal, por agora não é disso que estamos a cuidar – não se afastou da questão de saber se o acto reclamado padecia de qualquer desvalor jurídico.

E, assim sendo, esta segunda conclusão é de julgar improcedente.

Avancemos na análise do recurso e centremo-nos na terceira conclusão, identificada pela letra C.

Segundo a Recorrente, “O recurso de Revisão, prestada que se encontra a garantia suspende os termos da execução nos termos do art. 169º do CPPT”.

Vejamos, então.

Esta simples formulação pouco nos permite perceber sobre o alcance da discordância com a sentença, já que, lida a mesma, não se mostra aí feita nenhuma referência a um qualquer “recurso de revisão”.

Tentando perceber a alusão feita, encontramos no corpo da alegação a seguinte formulação: “Da mesma forma bem sabe a AT que corre termos um recurso de revisão de sentença nos autos que correm termos por este Tribunal com o nº .../10.8 BESNT pelo que resulta claramente que a AT não cumpriu o que por lei lhe é cometido suspender a instância executiva na qual foi prestada garantia até à decisão do TCA sobre o Recurso de Revisão que continua desde a sua entrada em juízo sem actividade relevante, por culpa que não é imputável seguramente à aqui recorrente”.

Vejamos, por partes.

Em primeiro lugar, há que dizer que a questão da alegada pendência de um “recurso de revisão de sentença (…) com o nº .../10.8 BESNT” é matéria que jamais foi equacionada junto do TAF pela Reclamante, ora Recorrente, não tendo, consequentemente, sido apreciada na sentença recorrida.

Com efeito, na petição de reclamação a Reclamante o que invocou, isso sim – já o dissemos, – foi a circunstância de execução fiscal se encontrar suspensa por força de garantia prestada “e atento o prosseguimento da Impugnação judicial nº .../13.0 BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.”

Foi assim que foi desenhada a causa de pedir, no que toca à suspensão da execução fiscal, e assim foi apreciado pelo TAF, no sentido – repete-se - do não acolhimento das razões da Reclamante.

Deve dizer-se, aliás, que a concreta análise levada a efeito pelo TAF sobre a questão apreciada – leia-se, sobre a não verificação dos pressupostos para a suspensão da execução fiscal – não foi atacada neste recurso, já que em nenhum momento a Recorrente refere discordar do entendido quanto à não suspensão do PEF, seja em função do trânsito em julgado do processo de impugnação nº .../13.0 BESNT, seja em relação aos demais argumentos avançados na sentença (que nada têm a ver com o referido processo nº .../10.8 BESNT).

Por conseguinte, tal questão, nos termos em que aqui vem (agora) colocada, apresentando-se como uma questão nova, levar-nos-ia, num primeiro olhar, a considerá-la não susceptível de conhecimento nesta sede, já que nos recursos ordinários apenas se permite ao Tribunal ad quem que reaprecie a decisão proferida pelo Tribunal a quo, reapreciação esta que não pode deixar de ser levada a cabo dentro do mesmo circunstancialismo em que se moveu o tribunal recorrido quando proferiu a sentença recorrida. Com efeito, e em regra, não pode o Tribunal de recurso ser convocado a pronunciar-se sobre questões que não foram alegadas na 1ª instância.

No entanto, num olhar mais atento e consideradas as especificidades do caso concreto, vemos que assim não é.

Vejamos as razões para assim entendermos.

Apesar de a ora Recorrente nada ter concretizado sobre o alegado “recurso de revisão”, verifica-se, após consulta ao SITAF, que o apontado “recurso de revisão”, foi interposto em Novembro de 2015, com expressa invocação do disposto no artigos 696º a 701º do CPC, tendo por objecto a sentença do TAF de Sintra, proferida em 09/07/13, que julgou verificada a caducidade do direito de impugnar as liquidações de IRC dos exercícios de 2004 a 2006, direito este exercido pela impugnante ... .... De notar, também, que a dívida exequenda respeitante ao processo nº ... - cfr. ponto a) dos factos provados – tem subjacente liquidação de 2004, correspondente a um dos actos tributários impugnados no dito processo nº .../10.8 BESNT (cfr. consulta ao SITAF).

Por conseguinte, há que concluir que a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT (sobre a qual recaiu a sentença recorrida) deu entrada no Serviço de Finanças em Setembro de 2015 (cfr. fls. 5 dos autos), sendo a interposição do recurso de revisão, no qual a Recorrente fundamenta a suspensão da execução fiscal, de Novembro de 2015, ou seja, posterior à apresentação da reclamação.

É atendendo a tal especificidade que entendemos que esta é questão – leia-se, a manutenção da suspensão da execução fiscal na pendência de recurso de revisão e estando prestada já anteriormente garantia - cujo conhecimento ainda é possível nesta sede e nesta oportunidade.

Contudo, a razão não está do lado da Recorrente.

Vejamos.

Como bem saberá a Recorrente, o recurso de revisão interposto ao abrigo dos artigos 696º e ss do CPC é um recurso extraordinário que visa a alteração de uma decisão já transitada em julgado, em casos especialmente previstos na lei. Ou seja, ao contrário dos recursos ordinários, não é um recurso que, por si só, vise impedir o trânsito em julgado.

Também assim é, aliás, no contencioso tributário, pois que, nos termos do artigo 293º do CPPT, sobre a revisão da sentença aí se dispõe que “A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão no prazo de quatro anos, correndo o respectivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida”.

Portanto, quer o recurso previsto no artigo 696º do CPC, quer o previsto no 293º do CPPT, são recursos extraordinários, os quais têm como objecto uma decisão transitada em julgado.

E, porque assim é, tal sempre contenderia com as pretensões da Reclamante, já que, nos termos do artigo 169º do CPPT, a suspensão da execução fiscal, nas condições aí previstas, tem como limite o trânsito em julgado da decisão, como decorre do emprego da expressão “até à decisão do pleito”.

Com efeito, transitada em julgado a decisão da impugnação judicial em que se discute a legalidade da dívida exequenda, nada justificaria que a AT estivesse obrigada a manter suspensa a execução fiscal por um período de mais 4 anos, por ser este o prazo previsto na lei (cfr. artigo 293º, nº1 do CPPT) para a interposição do recurso de revisão. De resto, a tal obstariam os princípios da certeza e segurança jurídicas a que o processo de execução fiscal não é alheio.

Acresce, no sentido do efeito não suspensivo do recurso de revisão e ao contrário do pretendido pela Recorrente, o que decorre do disposto nos artigos 699º, nº3 e 702º, ambos do CPC, nos termos do quais se dispõe que “o recebimento do recurso não suspende a execução da decisão recorrida” e, bem assim, que “se estiver pendente ou for promovida a execução da sentença, não pode o exequente ou qualquer outro credor ser pago em dinheiro ou em quaisquer bens sem prestar caução”.

Portanto, contrariamente ao defendido pela aqui Recorrente, a interposição de recurso de revisão não obsta ao prosseguimento da execução fiscal, ainda que na pendência deste processo executivo e aliado ao facto de ter sido deduzida impugnação judicial da liquidação correspondente à dívida exequenda, tenha sido prestada garantia com vista a suspender tal processo de execução. Dito de outro modo, o efeito suspensivo da execução não se mantém na pendência do recurso de revisão com base na garantia anteriormente prestada no processo de execução fiscal.

De todo o modo, e sem prejuízo daquilo que dissemos, reitera-se que, quanto ao mais que foi dito na sentença e que levou à decisão final com o sentido que atrás deixámos apontado, nada vem questionado, seja no que se refere ao processo nº.../13 (e aos seus efeitos), seja em relação ao apreciado a propósito do alegado abuso de poder por ao Chefe do Serviço de Finanças estar vedado revogar um acto praticado pelo superior hierárquico (cfr. pontos 1 a 5 da p.i de reclamação).

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerandos, há que julgar improcedente também a conclusão C que vimos de analisar.

Avancemos para a última conclusão (D), nos termos da qual se refere que “O despacho sub judice violou de forma grosseira, entre outras que V. Exas doutamente suprirão as constantes dos arts 552º do CPC ex vi art. 2º do CPPT e nº 2 do art. 277º do CPPT e art. 169º do CPPT”.

Tal conclusão (que aqui surge como síntese das conclusões anteriormente expostas) nada adianta de relevante em relação à concreta discordância com o decidido, nos termos já apontados, seja no que toca à singela invocação do artigo 169º do CPPT, seja, também, no que se refere ao simples apelo ao artigo 277º, nº2 do CPPT – “A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado” – ou à chamada à colação do disposto no artigo 552º do CPC, preceito este que dispõe sobre os requisitos da petição inicial.

Assim sendo, e como conclusão de tudo o que vimos de dizer, julga-se, sem necessidade de mais, improcedente o presente recurso jurisdicional.


*

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 12/01/17


__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Cremilde Miranda)

_________________________

(Pereira Gameiro)