Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1166/09.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL;
TITULAR DO DIREITO DE CONSTRUÇÃO;
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL.
Sumário:1. O Regulamento da Contribuição Especial (RCE), devida pela valorização de imóveis, decorrente da realização da EXPO 98 (aprovado em anexo ao DL n.º 54/95, de 22 de Março), define dois momentos relevantes distintos, para efeitos de incidência objectiva e subjectiva (cf. art.ºs 2.º e 3.º).

2. Para efeitos de incidência objetiva, o momento relevante é aquele em que é requerida a licença de construção e, para efeitos de incidência subjetiva, é aquele em que é emitida essa mesma licença, sendo neste último momento essencial aferir quem é o titular do direito de construir.

3. O art.º 3.º do RCE consagra uma presunção de que a titularidade do direito de construção é daquele em nome de quem seja emitida a licença de construção, sendo tal presunção ilidível.

4. Tendo, entre o momento em que foi requerida a licença de construção e o momento em que foi emitido o alvará de construção, sido transmitido o direito de propriedade do lote em causa e deixado o Recorrido de ser, por via dessa transmissão, titular do direito de construção, o mesmo não é sujeito passivo da CE, ainda que o alvará tenha sido emitido em seu nome, dado ter sido ilidida a presunção prevista no art.º 3.º do RCE.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S..., visando a liquidação da Contribuição Especial (CE), prevista no DL n.º 54/95, de 22 de Março.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, porquanto considerou que tendo o impugnante apresentado em Setembro de 2004, o requerimento de autorização para construção, vendeu o lote em causa em Novembro de 2004 e, tal como o Ac. do STA de 30/01/2013, proferido no proc n.º 0804/12, refere que ainda que o direito de propriedade se mantivesse não significa que o titular do direito de construção seja o mesmo e, no caso dos autos, o contrato celebrado em Novembro de 2004 resulta que o impugnante deixou de ser titular do direito de construção, não obstante o alvará de construção ter sido emitido em seu nome, tendo sido ilidida a presunção decorrente do facto de o alvará ter sido emitido em nome da impugnante. E, assim sendo, não se verifica o pressuposto subjectivo do facto tributário em termos de titularidade do direito de construção, o que fere a liquidação de erro sobre os pressupostos.
Por outro lado, à data em que foi requerida a licença de construção estava em vigor a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, de 1940. Acresce que a data do pedido de licenciamento era 24/02/2005, mas ficou provado que esse pedido deu entrada no Município de Loures em 14/09/2004, o que implica que o requerimento foi apresentado anteriormente e, se à data de apresentação do requerimento a impugnante era isenta de qualquer contribuição e imposto, esta situação deveria ter sido ressalvada, atenta a norma de salvaguarda constante da Concordata de 2004, pelo que padece de erro sobre os pressupostos a liquidação.
Nos termos expostos, o Tribunal a quo julgou a impugnação procedente, tendo anulado o acto impugnado.

II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se a impugnante era sujeito passivo de imposto e se estava ou não isenta do mesmo.

III – A impugnante era proprietária do prédio designado por Lote 22, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P..., da freguesia de Moscavide, concelho de Loures.

IV – Em 11/11/2004 foi celebrada a escritura de compra e venda entre a impugnante e a sociedade O... Construções e Projectos SA.

IV – A impugnante promoveu uma operação de loteamento urbano, na Câmara Municipal de Loures, tendo-lhe sido atribuído o proc. n.º 37981/L.

V – Por deliberação da Câmara Municipal de Loures de 04/02/2003 e de 18/11/2003 foi aprovada a operação de loteamento, tendo sido emitido o alvará de licença de loteamento n.º 02/2004, de 09/02/2004 e posteriormente foi emitido o alvará de autorização administrativa de construção.

VI – O alvará de autorização administrativa de construção com o n.º 518/2005, processo n.º 45.481/AA/E/OR, foi emitido em nome da impugnante.

VII – Em 15/11/2007 a impugnante foi notificada pelo Serviço de Finanças de Loures 3 para apresentar a Mod. 1, nos termos do art.º 7.º do Regulamento de contribuição especial, relativo à emissão do alvará de autorização administrativa de construção n.º 518/2005 que incidia sobre o prédio sito na U..., Lote 22, da freguesia de Moscavide.

VIII – Em 10/12/2007 foi a impugnante notificada de "(…) conforme se verifica nos alvarás as licenças foram emitidas em nome do contribuinte S.... Ao abrigo da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, estão isentos de alguns impostos, a circular 10/2005 de 21/11, esclarece os impostos em que situações podem beneficiar das isenções, no entanto não especifica claramente a contribuição especial, existindo por parte deste Serviço dúvidas se os mesmos se encontram ou não isentos, pelo que foi solicitado superiormente esclarecimento nesse sentido.”

IX – Em 21/04/2009 foi a impugnante notificada dos valores atribuídos pela comissão de avaliação e para pagar a Contribuição Especial no montante de € 7.042,00.

X – A impugnante alega que não requereu a emissão da licença de construção ou da obra, na sua p.i., contudo aquela foi-lhe emitida em seu nome bem como o alvará de autorização administrativa de construção n.º 518/2005, proc.º n.º 45.481/AAE/E/0R, "Dado e passado que sirva e título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-lei 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 177/20001 de 04/06.”

XI – O art.º 7.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao DL n.º 54/95, de 22/03 estipula que "1 - Os titulares de licença de construção ou de obra deverão apresentar até ao fim do mês imediato àquele em que tenha sido emitida a referida licença, na repartição de finanças da área da situação do prédio, declaração do modelo aprovado.”, que não foi tido em consideração pela impugnante (bold e sublinhado nosso).

XII – O art.º 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao DL n.º 54/95, de 22/03 estipula que "A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra.” (bold e sublinhado nosso)

XIII - Ora, a impugnante requereu o loteamento urbano do prédio supra mencionado à Câmara Municipal de Loures, tendo sido emitido o Alvará de Licença de Loteamento n.º 02/2004, de 09/02/2004 e,
Mais, foi proprietário do prédio até 11/11/2004, data em que o alienou à sociedade O... Construções e Projectos SA.

XIV – Nos termos expostos, pelo facto do alvará de autorização administrativa de construção n.º 518/2005, proc. n.º 45.481/AA/E/OR ter sido emitido em 12/09/2005, em nome da impugnante, não viola a norma de incidência tributária.

XVI – A impugnante alega que está isenta de qualquer pagamento de imposto bem como de contribuição especial, mencionando a Concordata celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, em 1940 e posteriormente em 2004.

XVII – O art.º 26.º da Resolução da Assembleia da República n.º 74/20014, de 16/11 estipula as isenções e as não sujeições a imposto da Igreja Católica.

XVIII – A circular 10/2005, de 21/11, do Gabinete do Director Geral, vem esclarecer em que situações se verifica a isenção, não tendo feito qualquer alusão à Contribuição Especial e, como tal não podemos considerar que a mesma esteja incluída nos impostos ou nas situações de isenção.

XIX – Na douta sentença é referido que “a Concordata de 1940 previa, no seu art.º 8.º, uma isenção de qualquer imposto ou contribuição, geral ou local, designadamente aos seminários.”
Mas, o preambulo do DL n.º 54/95, de 22/03, considera que “A realização da Exposição de Lisboa de 1998 vem valorizar substancialmente os prédios rústicos e os terrenos para construção envolvente.
(…)
A contribuição aplicada é uma contribuição especial devida pela valorização da área beneficiada com aquele investimento, tendo em conta que os encargos de mais-valias anteriormente cobrados se devem ter como revogados.
A contribuição especial criada pelo presente diploma fará reverter para a comunidade em geral, parte do benefício recebido pelos proprietários dos terrenos valorizados.”

XX – Na verdade, este tipo de contribuição especial não está contemplada na Concordata de 1940 ou de 2004, pelo que a mesma era devida.

XXI – Nos termos expostos, constata-se que a impugnante era sujeito passivo de imposto porque foi por ela requerida a licença de construção e emitida em seu nome, não tendo cumprido com o estipulado no DL n.º 555/99 nem no RJEU quanto à alteração da titularidade do alvará de loteamento nem tendo apresentado essa substituição no Serviço de Finanças, pelo que é sujeito passivo de imposto e, como tal, a liquidação da contribuição especial é devida, devendo a sentença do Tribunal a quo ser revogada por outra.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO
FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
1ª. Atentas as conclusões da alegação da recorrente, em especial a conclusão II de acordo com a qual a "o thema decidendum, assenta em saber se a impugnante era sujeito passivo de imposto e se estava ou não isenta do mesmo", conclui-se que o objeto do presente recurso reconduz-se única e exclusivamente a questões de direito, sendo o recurso, portanto, da competência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. artigo 280.º, n.º 1 do CPPT).

2ª. A contribuição especial em causa é devida, segundo a lei, ”pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra” (v. art. 3º do Decreto-Lei n.º 54/95, de 22 de Março), o que significa que não basta que se verifique a condição de um alvará de licença se mostrar emitido em nome de certa pessoa, sendo ainda imprescindível que essa mesma pessoa seja titular do direito de construir.

3ª. Não sendo o ora Recorrido titular do direito de construir ao momento em que foi emitido em seu nome o alvará de autorização administrativa - por já não ser então o proprietário do lote, como se provou nos autos – é manifesta a ilegalidade do ato de liquidação por ausência de suporte legal.

"O artigo 3.º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença da construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efectivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará mas sim em nome do titular do direito de construção" cfr. - Acórdão do STA de 30.01.2013, proferido no processo 0804/12, disponível em www.dgsi.pt

A contribuição especial alegadamente devida pela emissão do alvará de autorização administrativa para construção, foi liquidada no âmbito de um pedido de autorização apresentado em momento em que vigorava para o Recorrido o regime aprovado pela citada Concordata de 1940 e não o regime decorrente da Nova Concordata de 2004, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de Novembro e que só entrou em vigor em 31 de Janeiro de 2005, após a troca dos respectivos instrumentos de ratificação (cfr. art.º 33.º da Concordata e Aviso n.º 23/2005, de 26 de Janeiro), pelo que se aplica a Concordata de 1940.

Com efeito, “será pelo requerimento de licenciamento, ainda que tal pedido nada acrescente ao valor do prédio já que será a aprovação do licenciamento que terá a virtualidade de aumentar o dito valor, que se determinará se certo prédio ficou ou não sujeito à dita contribuição especial” – cfr. Acórdão TCAN, de 07/07/2005, Proc. n.º 00027/02, in www.dgsi.pt

A própria Concordata de 2004, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de Novembro, e que veio a entrar em vigor à data da emissão do alvará, veio preceituar no seu artigo 31º que ficam ressalvadas as situações jurídicas anteriores consolidadas, o que sempre decorreria, aliás, do princípio da tutela da confiança.

O artigo 8.º da citada Concordata de 1940 preceituava que eram “isentos de qualquer imposto ou contribuição, geral ou local, os templos e objectos nele contidos, os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação do clero, e bem assim os editais e avisos afixados à porta das igrejas, relativos ao ministério sagrado; de igual isenção gozam os eclesiásticos pelo exercício do múnus espiritual.
Os bens e entidades eclesiásticos, não compreendidos na alínea precedente, não poderão ser onerados com impostos ou contribuições especiais.”

9ª. Ao contrário do invocado pela Recorrente, o Recorrido nunca estaria sujeito ao pagamento da dita contribuição especial e à apresentação do referido Modelo 1, pois sempre estaria o isento de tal tributo nos termos conjugados dos artigos 8.º da Concordata de 1940 e 31º da Concordata de 2004, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de Nov.

10ª. A Concordata de 1940 estipula uma isenção total e abrangente - neste sentido, entre outros, o Despacho 5994/2005, de 21 de Março – II Série nº 56, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais -, onde se inclui claramente a contribuição em crise nos autos.

NESTES TERMOS, deve o recurso apresentado pelo Fazenda Pública recorrente ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as legais consequências;
Assim se decidindo será cumprido o
DIREITO e feita JUSTIÇA.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer em que para além de excepcionar a incompetência absoluta deste Tribunal em razão da hierarquia posto que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, conclui, para o caso de improcedência da excepção, ser de negar provimento ao recurso por a sentença não padecer dos vícios que lhe são imputados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar se o impugnante era sujeito passivo de imposto e se estava ou não isento do mesmo, tendo a sentença incorrido em erro de julgamento nas conclusões a que chegou, sem olvidar a questão prévia da incompetência absoluta deste tribunal em razão da hierarquia, colocada pelo Recorrido e pelo Exmo. Senhor PGA.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:


1) O impugnante é uma entidade canonicamente ereta e é pessoa jurídica coletiva, de direito português (cfr. fls. 40, do processo administrativo).

2) Pelo Município de Loures foi aprovada a operação de loteamento do terreno descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.º .../19940522, tendo, nessa sequência, sido emitido o alvará de licença de loteamento n.º 02/2004, de 9 de fevereiro de 2004 (cfr. fls. 29 e 47, do processo administrativo).

3) Na sequência da operação de loteamento mencionada em 2), foi constituído, entre outros, o lote 22, da U..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.º .../20040906, desanexado do prédio mencionado em 2) (cfr. fls. 113, dos autos, e fls. 29 e 45, do processo administrativo).

4) O impugnante apresentou, junto dos serviços competentes da Câmara Municipal de Loures, requerimento de autorização administrativa para obra de construção no lote mencionado em 3), requerimento que ali deu entrada a 14.09.2004 (facto assumido pelo impugnante – cfr. fls. 169 e 170, não posto em causa pela FP).

5) Através de escritura pública, outorgada no cartório notarial de Alverca, a de 11 de novembro de 2004, o impugnante declarou vender à sociedade O... – Construções e Projectos SA e esta declarou comprar, entre outros, o lote mencionado em 3) (cfr. escritura pública, constante de fls. 122 a 128, dos autos, e fls. 40 a 47, do processo administrativo).

6) A 12.09.2005, foi emitido, pelo Município de Loures, o alvará de autorização administrativa de construção n.º 518/2005, em nome do impugnante, constando do mesmo designadamente o seguinte:
«Imagem no original»
…” (cfr. documento constante de fls. 113 e 114, dos autos, e fls. 29 e 30, do
processo administrativo).

7) Na sequência de notificação do impugnante, por parte da administração tributária (AT), para efeitos de apresentação de declaração Mod. 1 da Contribuição Especial prevista no DL n.º 43/98, de 3 de março, foi apresentado requerimento, pelo impugnante, junto dos serviços da AT, datado de 03.12.2007, do qual consta designadamente o seguinte:
«Imagem no original»
…” (cfr. documentos juntos de fls. 119 a 129, dos autos, e fls. 34 a 54, do processo
administrativo).

8) Na sequência do mencionado em 7), foi remetido ofício ao impugnante, por parte dos serviços da AT, datado de 10.12.2007, do qual consta designadamente o seguinte: “
«Imagem no original»

…” (cfr. documentos juntos a fls. 136, dos autos, e fls. 55, do processo administrativo).

9) Foi elaborado termo de avaliação, para efeitos de liquidação da contribuição especial prevista no DL n.º 54/95, de 22 de março, pelos serviços da AT, relativamente ao lote mencionado em 3), constando do mesmo designadamente o seguinte:


(…)
«Imagem no original»
…” (cfr. documentos constantes de fls. 20 a 23 e 146 a 149, dos autos, e de fls. 65 a
72, do processo administrativo).

10) Na sequência do mencionado em 9), foi emitida pela AT, a 24.03.2009, em nome do impugnante, a liquidação de contribuição especial, relativa ao lote 22 da U..., no valor de 7.042,00 Eur. (cfr. fls. 24 a 27, dos autos, e fls. 76, do processo administrativo).
*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.».

B.DE DIREITO

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pelo recorrido nas suas contra-alegações, em virtude de, no seu modo de ver, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redacção vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.
Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infracção das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

E visto o teor daquelas, logo se apreende que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, porquanto, não havendo embora discordância quanto à matéria factual, as partes divergem quanto às ilações a extrair dos factos, nomeadamente, no que respeita à circunstância de o impugnante, na qualidade de proprietário do terreno loteado referido em 3) do probatório, ter requerido à Câmara Municipal de Loures autorização administrativa para obras no referido lote de terreno.

Face ao exposto, improcede a excepção de incompetência absoluta em razão da hierarquia invocada pelo Recorrido, com posterior pronúncia favorável do Exmo. Senhor PGA, julgando-se este TCA competente para conhecer do objecto do recurso.

Passando ao conhecimento do mérito do recurso, a questão controvertida reside em indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir, por um lado, que o sujeito passivo da CE não era o impugnante, como requerente do alvará para obras no terreno loteado, mas sim o titular do direito à construção na data da respectiva emissão e, por outro, ainda que o sujeito passivo fosse o impugnante, sempre ele estaria isento do referido tributo por via do direito concordatário aplicável.

Sobre a primeira das questões enunciadas, já se pronunciou este tribunal em diversos arestos, todos publicitados na base de dados (www.dgsi.pt) e de que destacamos o Ac. de 01/14/2020, tirado no proc.º 1167/09.8BELRS, de que nos vamos socorrer, com as adaptações necessárias.

Como ali se deixou consignado,

O DL n.º 54/95, de 22 de março, aprovou o Regulamento da Contribuição Especial (RCE), devida pela valorização de imóveis, decorrente da realização da EXPO 98, regulamento esse aprovado em anexo.

Nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, “[c]onstitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerida a licença de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de janeiro de 1992, corrigido pelo coeficiente de desvalorização monetária”.

É, pois, definido, como momento relevante, para efeitos de incidência objetiva, o momento em que é requerida a licença de construção.

Por seu turno, o art.º 3.º do referido regulamento prescreve que a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitida a licença de construção ou de obra.

Assim, são momentos relevantes, sob dois prismas distintos, (i) aquele em que é requerida a licença de construção e (ii) aquele em que é emitida essa mesma licença, sendo neste último momento relevante aferir quem é o titular do direito de construir.

A este propósito chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.01.2013 (Processo: 0804/12), que, apesar de respeitante à contribuição especial (CE) criada pelo DL n.º 43/98, de 3 de Março, apresenta consonância com os presentes autos, dada a semelhança da disciplina legal de ambas as CE.

No mencionado aresto escreveu-se:

“Na confrontação do artigo 2º com o 3º parece haver dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respectivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera ‘realizado’ o acréscimo desse valor.

(…) [P]ara efeitos de determinar o momento da “realização” do acréscimo do valor do prédio ou terreno que foi valorizado pelos investimentos públicos, a lei atende à data da emissão do alvará, por ser esse o momento em que o titular do direito de construir o pode tornar efectivo. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 604/2005, de 2/11 «o facto gerador do tributo é o acto jurídico de licenciamento da edificação – rectius no momento em que é emitido o título correspondente – que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido».

O facto de na determinação da matéria colectável o artigo 2º do diploma atender ao valor actual dos prédios à data "em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra", não significa que esse seja o momento da realização do acréscimo tributável. Como também se refere no referido acórdão, «não é a apresentação do requerimento de licenciamento da operação urbanística que constitui o facto gerador da obrigação de imposto. Estamos aí perante uma norma que opera em benefício do sujeito passivo, congelando esse aumento de valor em momento anterior ao da ocorrência do facto essencial, com que a mais valia eclode (a emissão do alvará), assim neutralizando os efeitos da maior ou menor duração do procedimento de licenciamento que, em princípio, é imputável à Administração ou decorre de circunstâncias aleatórias que o sujeito passivo não domina»”.

E, no que respeita à densificação do conceito de titularidade do direito de construir, refere-se no referido Acórdão (cuja doutrina, apesar de a situação fática subjacente ser respeitante a superficiário, é transponível in casu):

“A determinação do momento em que se gera o facto tributário tem grande interesse no caso dos autos, pois quando o alvará foi emitido em nome da recorrente, ela já não era titular do direito de construir a obra licenciada. (…)

Sendo a contribuição devida pelos “titulares do direito de construir”, o facto revelador da capacidade contributiva que constitui o pressuposto e causa da contribuição especial, naturalmente que só quem pode exercer esse direito vê repercutir na sua esfera jurídica o aumento de valor do prédio. A incidência objectiva, consubstanciada no aumento do valor do prédio, resulta da possibilidade do mesmo ser utilizado para construção urbana. Mas, só quem tem o direito de construir pode ser sujeito passivo da contribuição especial. Isto significa que o facto tributário considerado (…) é (…) a titularidade do direito de construir, em sentido estrito, que consiste na faculdade de se materializar o aproveitamento urbanístico correspondente e que é consolidado ou adquirido com a emissão da licença titulada por alvará.

(…) Ora, no caso dos autos, quando o acréscimo de valor se “realizou”, consumado com a emissão do alvará de licença de construção, tal como se dita no artigo 3º do RCE, já o requerente do licenciamento não era titular do direito de construir: o alvará foi emitido em Março de 2008 e em Dezembro de 2007 o direito de construir foi transmitido para terceiro. Se este tivesse cumprido o disposto no nº 9 do artigo 9º do RJEU, averbando no prazo de 15 dias a substituição do titular do direito de construir, naturalmente que o alvará teria sido emitido em seu nome”.

Assim, e sistematizando, o conceito de titular de direito de construção para efeitos do art.º 3.º do RCE é distinto, designadamente, do de proprietário (e de titular do direito de construção) à data da apresentação do requerimento de licença de construção, podendo haver alterações subjectivas entre um momento e outro.

A este respeito, o próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, admite tais alterações nos procedimentos ali consagrados (cfr. n.º 9 do seu art.º 9.º).

É ainda de sublinhar que consta do já mencionado art.º 3.º do regulamento em causa uma presunção de que a titularidade do direito de construção é daquele em nome de quem seja emitida a licença de construção. Não obstante, tal presunção é ilidível.

Chama-se novamente à colação o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, onde se refere:

“O artigo 3º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença de construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efectivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação, a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará, mas sim em nome do (…) titular do direito de construção”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta, desde logo, que, tendo o Recorrido apresentado em 14 de Setembro de 2004 o requerimento de autorização administrativa para construção [cf. facto 4.)], vendeu o lote de terreno em causa, através de escritura outorgada em 11 de Novembro do mesmo ano [cf. facto 5.)].

Ou seja, através do contrato celebrado em 11 de Novembro de 2004, o Recorrido transmitiu a um terceiro o direito de construção ínsito à propriedade do lote, que declarou transmitir naquela data.

Não obstante, o alvará de construção foi, apesar de tal transmissão, emitido em nome do Recorrido [cf. facto 6.)], já em 12.09.2005.

Dois anos mais tarde, o Recorrido foi notificado pela Administração tributária (AT), para que procedesse à entrega da declaração modelo 1 da CE, tendo nessa sequência o Recorrido reagido e explanado as razões por que, na sua perspetiva, não teria de proceder a tal apresentação [cf. facto 7.)].

Após tais procedimentos, foi ainda o Recorrido notificado para nomear representante para efeitos de avaliação do lote, tendo tal avaliação sido efectuada [cf. facto 9.)] e, em seguimento, emitida a liquidação impugnada [cf. facto 10.)].

Ora, tendo em consideração esse acervo probatório, para apreciação do erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação em causa, há que atentar na titularidade em concreto do direito de construir à data da emissão do alvará de construção.

Assim, e voltando ao caso dos autos, considerando o contrato celebrado em 11 de Novembro de 2004, resulta que o Recorrido deixou de ser o titular do direito de construção, não obstante o alvará de construção ter sido emitido em seu nome.

Cumpre salientar a este propósito que o próprio termo de avaliação contém, a este respeito, um erro nos pressupostos, na medida em que do mesmo resulta que a data do pedido de licenciamento foi 24.02.2005 [cf. facto 9.)], ou seja, data ulterior à venda do lote, quando, como resulta da factualidade assente, tal pedido data de 14 de Setembro de 2004.

Como tal, o pedido de licenciamento foi efetuado pelo Recorrido, em Setembro de 2004, numa altura em que era titular do direito de construção ínsito ao seu direito de propriedade. Não obstante, com a transmissão que viria a efectuara em 11 de Novembro seguinte, deixou de ter tal titularidade. Logo, mostra-se ilidida a presunção decorrente do mencionado facto de o alvará ter sido emitido em nome do Recorrido.

Não sendo o Recorrido titular do direito de construção, no momento da emissão do alvará de loteamento, não se encontra verificado o elemento subjectivo constante do art.º 3.º do Regulamento.

O facto de não ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 7.º do RCE também não permite extrair diferente conclusão, ao contrário do defendido pela Recorrente.

Com efeito, nos termos do mencionado art.º 7.º:

“1 - Os titulares de licença de construção ou de obra deverão apresentar até ao fim do mês imediato àquele em que tenha sido emitida a referida licença, na repartição de finanças da área da situação do prédio, declaração do modelo aprovado.

2 - Com a apresentação da declaração deverá ser exibida a licença de construção ou de obra a fim de ser extraída pela repartição de finanças fotocópia destinada a documentar o processo”.

É certo que esta disposição legal, ao contrário do referido no art.º 3.º, não apela ao conceito de titular do direito de construção.

No entanto, trata-se de disposição legal que prevê uma obrigação acessória e não uma norma de incidência, ao contrário do art.º 3.º. Ademais, sempre a interpretação das normas tem de ser sistemática e, como tal, a interpretação do art.º 7.º deve ser feita atento o disposto na globalidade do RCE, designadamente no art.º 3.º.

Portanto, o facto de o Recorrido não ter cumprido o disposto no art.º 7.º em nada altera o juízo efectuado, pois que não era o mesmo o titular do direito de construção à data da emissão do alvará de construção.

Refira-se, adicionalmente, que carece de qualquer relevância o alegado pela Recorrente, no tocante ao não cumprimento pelo Recorrido da obrigação de comunicação da alteração subjectiva do procedimento, prevista no art.º 9.º do RJUE, porquanto essa falta de comunicação não tem qualquer impacto na circunstância de, de facto, o Recorrido não ser titular do direito de construção à data de emissão do alvará. É evidente que, se tal comunicação tivesse ocorrido, evitar-se-ia o presente litígio, mas a sua não ocorrência não implica que não possa ser afastada a presunção decorrente do art.º 3.º do citado Regulamento, o que, como já referimos, ocorreu.

Como tal não se verifica o pressuposto subjectivo do facto tributário em termos de titularidade do direito de construção, o que inquina a liquidação em crise de vício de lei por erro nos pressupostos.

Logo, carece de razão a Recorrente, não estando a sentença inquinada dos vícios que lhe são apontados, merecendo ser inteiramente confirmada.

Fica prejudicado o conhecimento da questão da isenção de imposto à luz do direito concordatário potencialmente aplicável, que perde interesse em vista do decidido quanto à não sujeição subjectiva.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 14 de Outubro de 2021


Vital Lopes



Luísa Soares



Patrícia Manuel Pires