Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:100/19.3BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/30/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO; REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO E DO CONTRATO DE FORMAÇÃO DESPORTIVA;
PODERES REGULAMENTARES DAS FEDERAÇÕES DOTADAS DE UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA;
REGULAMENTO DE TRANSFERÊNCIAS DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE NATAÇÃO; RESPONSABILIDADE CIVIL DA FEDERAÇÃO
Sumário:I. Enquanto vigorou a Lei n.º 28/98, de 26 de junho, que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, os poderes regulamentares das federações dotadas de utilidade pública desportiva no estabelecimento de obrigação de pagamento de uma justa indemnização, na matéria de transferência de praticante desportivo, circunscreviam-se aos casos em que existia um contrato de trabalho entre este e a anterior / atual entidade empregadora desportiva, ou nos casos de compensação pela formação, com a atual entidade empregadora desportiva. E ainda que existindo um destes contratos, apenas por convenção coletiva podia ser estabelecida a obrigação de pagamento de uma justa indemnização e não por regulamento federativo.
II. Assim, ao estabelecerem os artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação, aprovado na na vigência da citada lei, a obrigação de pagamento de compensação a um clube no caso de mudança para outro clube de praticantes desportivos sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, tais disposições regulamentares são ilegais, na medida em que implementam um regime de transferência de praticantes não vinculados por contrato.
III. Daí decorre que o ato da federação que impõe a um clube a liquidação a outro clube de determinada quantia, a título de compensação devida pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, é nulo, por padecer do vício de incompetência absoluta, cf. artigo 161.º, n.º 2, al. b), do CPA.
IV. Decorre do estatuído nos artigos 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e 7.º, n.os 1 e 2, do RJFD, a responsabilidade civil da federação, caso estejam preenchidos os respetivos pressupostos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO

O Centro de Apoio Social de Pais e Amigos da Escola n.º 10 (CASPAE) requereu no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação da Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, arbitragem necessária contra a Associação de Natação de Coimbra (ANC) e a Federação Portuguesa de Natação (FPN), apresentando os pedidos seguintes:
i) condenação_das Demandadas Federação Portuguesa de Natação e Associação de Natação de Coimbra à inscrição imediata das equipas e demais atletas da Demandante que se encontram pendentes, bem como a atribuição imediata de pistas nos termos e horários por si anteriormente solicitados;
ii) declaração de ilegalidade dos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação e do Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da mesma entidade;
iii) nulidade da deliberação da demandada Federação Portuguesa de Natação de liquidação a favor do Clube Fundação Beatriz Santos da quantia de 11.984,00 euros;
iv) nulidade do processo disciplinar em curso contra a demandante que corre os seus termos no Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Natação;
v) condenação das demandadas ao pagamento dc danos desportivos patrimoniais e não patrimoniais;
vi) condenação das demandadas em custas e demais despesas devidas.
Citadas, ambas as demandadas apresentaram contestação.
Por acórdão de 21/06/2019, o TAD decidido, por maioria:
a) declarar a inutilidade da condenação das demandadas à inscrição imediata de equipas e de praticantes desportivos da demandante, uma vez que tal já ocorreu na pendência do presente processo judicial;
b) indeferir o pedido de atribuição de pistas à demandante nos termos por si requeridos por se considerar que a atuação nesse campo da demandada Associação de Natação de Coimbra se mostra conforme com a juridicidade administrativa, nomeadamente com os princípios da igualdade e da imparcialidade;
c) declarar a inaplicabilidades das normas contidas nos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação e do Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da mesma federação desportiva à situação em análise nos presentes autos, em virtude de as mesmas apenas poderem ser aplicadas quando exista contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva;
d) declarar a nulidade da decisão comunicada pela demandada Federação Portuguesa de Natação à demandante em 17 de maio de 2018, que procedeu à liquidação de uma compensação financeira a pagar pela mesma à Fundação Beatriz Santos e à primeira entidade;
e) declarar a inutilidade da pretensão de declaração de nulidade de procedimento disciplinar instaurado pela demandada Federação Portuguesa de Natação por se ter apurado a inexistência do referido procedimento;
f) Condenar a demandada Federação Portuguesa de Natação ao pagamento de uma indemnização à demandante, a título de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, cujo valor em concreto deve ser calculado em incidente de liquidação, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;
g) Absolver a demandada Associação de Natação de Coimbra do pedido indemnizatório formulado pela demandante.
Inconformada, a FPN interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1 - O presente recurso vem interposto do acórdão arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido no dia 21 de Junho de 2019, na parte em que decidiu "c) Declarar a inaplicabilidade das normas contidas nos artigos 24° a 26° do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação e do Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da mesma federação desportiva à situação em análise nos presentes autos, em virtude de as mesmas apenas poderem ser aplicadas quando exista contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva", bem como na parte em que decidiu "d) Declarar a nulidade da decisão comunicada pela Demandada Federação Portuguesa de Natação à demandante em 17 de maio de 2018, que procedeu à liquidação de uma compensação financeira a pagar pela mesma à Fundação Beatriz Santos e à primeira entidade", e, bem assim, no segmento decisório que condenou "f) a Demandada Federação Portuguesa de Natação ao pagamento de uma indemnização à Demandante, a título de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, cujo valor em concreto deve ser calculado em incidente de liquidação, nos termos do artigo 358°, n.º 2, do código de Processo Civil ".
2 - A parte em que o tribunal "a quo" decidiu "c) Declarar a inaplicabilidade das normas contidas nos artigos 24° a 26° do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação e do Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da mesma federação desportiva à situação em análise nos presentes autos, em virtude de as mesmas apenas poderem ser aplicadas quando exista contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva" está ferida de nulidade e deve ser revogada por violação dos artigos 2.° e 202.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 14.°, alíneas a), ponto i), e b), da Lei n.º 5/2007, de 16.1 (LBAFD), 10.°, 11.º e 13.°, n.ºs 1, alínea g) e 2, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31.12, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23.6 (RJFD) e (desaplicação dos) 24.° a 26.° do Regulamento de Transferências da FPN, aprovado pela respectiva Direcção em 27 de Maio de 2016.
3 - O Colégio Arbitral andou, manifestamente, mal ao pronunciar-se sobre a inaplicabilidade dos artigos 24. ° a 26. ° do Regulamento de Transferências da FPN ao invés de, como lhe era imposto, se limitar a decidir sobre a legalidade das normas regulamentares constantes daqueles artigos, permitindo-se, antes, e ilegitimamente, exprimir uma valoração sobre a opção tomada pela FPN ao fazer consagrar no seu Regulamento de Transferências a disciplina da - "Artigo 24. ° - Transferência de Praticantes Não Vinculados Por Contrato; Artigo 25. ° - Condições de Transferência de Praticantes e - Artigo 26° - Compensação pela Transferência de Praticantes não Vinculados por Contrato".
4 - O tribunal "a quo" deveria conhecer que os poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina no âmbito da natação portuguesa são prerrogativas públicas e exclusivas da FPN, que decorrem da lei e do seu estatuto de utilidade pública desportiva, pelo que, apenas por si, FPN, ora recorrente, podem ser exercidos no território nacional, o que abrange, nomeadamente, a definição das normas aplicáveis à modalidade sobre a transferência de praticantes desportivos, inclusive, de praticantes de natação (que são amadores - artigo 3.° n.º 2 dos Estatutos da FPN, estatutos a que o Colégio Arbitral alude no artigo 3.° da "III - Fundamentação de facto") sem contrato de trabalho desportivo ou sem contrato de formação desportiva.
5 - "O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei"; “Têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei” e "As federações desportivas têm direito (...) A regulamentação dos quadros competitivos da modalidade". (Artigos 10. °, 11° e 13. ° do RJFD)
6 - O Colégio Arbitral ignorando o conteúdo e o sentido daquelas normas, inequivocamente habilitantes da competência da FPN para regulamentar as situações de transferência e compensação pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva, a que correspondem os artigos 24.° a 26.° do seu Regulamento de Transferências, decidiu, in casu, que estes eram inaplicáveis, desaplicando-os infundadamente.
7 - O Colégio Arbitral ”considerando que a LBAFD e o RJFD são omissos a esse respeito", especificamente sobre as situações de transferência e compensação pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva firmados, formulou um mero prognóstico referindo, imagine-se, que, a mesma, "a existir” “haveria de encontrar-se no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho de Praticante Desportivo e de Contrato de Formação Desportiva, anteriormente aprovado pela Lei n.º 28/98, de 26 de junho, e agora plasmado na Lei n.º 54/2017, de 14 de julho".
8 - O tribunal "a quo" concluiu, opinativa e erroneamente, que "os poderes regulamentares das federações desportivas ao nível da transferência de praticantes desportivos pressupunham sempre a existência de contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva", quando o entendimento que se alcança daqueles diplomas legais é precisamente o oposto, porquanto, a dita Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, na vigência da qual foi aprovado o Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação, estabelecia no artigo 1.° que "O presente diploma estabelece o regime jurídico do contrato do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva", sendo que, é óbvio, quanto aos atletas vinculados mediante contrato de trabalho desportivo ou por contrato de formação desportiva, tal lei disciplinava, efectivamente, a sua transferência nos termos do disposto nos seus artigos 18.° e 20 °, ou seja, naquele âmbito, a aplicação das regras sobre a transferência de praticantes desportivos cinge-se exclusivamente, nos termos da lei, aos casos em que exista contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva.
9 - O Colégio Arbitral ignorou que os artigos 24.° a 26.° do Regulamento de Transferências da FPN não aludem nem a praticantes desportivos com contrato de trabalho, nem a praticantes desportivos com contrato de formação desportiva, mas sim, como resulta expressamente das ditas normas regulamentares, a atletas amadores sem contrato de trabalho desportivo e/ou sem contrato de formação desportiva, correspondendo, exactamente, à situação dos 10 atletas identificados nos presentes autos que, simultaneamente, debandaram sem qualquer justificação da Fundação Beatriz Santos - Clube para a demandante CASPAE.
10 - Aliás, foi para obviar a situações antidesportivas como a que foi protagonizada pela demandante CASPAE em relação à Fundação Beatriz Santos - Clube, contra a lealdade e contra a correcção que devem pautar o relacionamento entre os agentes desportivos, e no intuito de zelar pela verdade das competições, que a Federação Portuguesa de Natação, ao abrigo do disposto nos artigos 10.°, 11.° e 13.° do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovou os artigos 24.° a 26.° do seu Regulamento de Transferências, no sentido de, nos casos em que os praticantes desportivos se encontrassem filiados por um clube, por simples licença emitida pela FPN (que nos termos do artigo 3.° do mesmo Regulamento de Transferências "comprova que um agente desportivo se encontra autorizado a participar nas provas desportivas organizadas pela Federação/ Associação"), sem vínculo de contrato de trabalho ou de contrato de formação desportiva, e decidissem mudar unilateralmente de clube, sem qualquer justificação e sem qualquer contrapartida para com o clube de origem, que, na maioria das situações, apostou e apoiou os atletas, disponibilizando-lhes recursos materiais e humanos e suportando gastos com a sua formação (muitos destes atletas integrantes das seleções nacionais), dizia-se, foi para impedir tais situações que a FPN aprovou os referidos artigos 24.° a 26.° do seu Regulamento de Transferências no sentido de salvaguardar a posição dos clubes de origem dos praticantes na situação usual, no contexto da natação portuguesa, amadora, de inexistência de celebração de contratos de contrato de trabalho ou de formação desportiva.
11 - Ao decidir pela inaplicabilidade daquelas normas do Regulamento de Transferências da FPN à situação dos autos, o Colégio Arbitral demitiu-se da obrigação de apreciar a conformidade legal das mencionadas normas com os preceitos normativos constantes das citadas normas da LBAFD e do RJFD, sendo, ao invés, patente que a disciplina constante da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, como se alcança do seu objecto (Artigo 1.°) é que é inaplicável à situação dos autos, que não lhe é, de todo, subsumível, ao contrário do julgamento do Colégio Arbitral.
12 - Não é admissível que o Colégio Arbitral tenha decidido pela inaplicabilidade dos artigos 24.° a 26.° do Regulamento de Transferências da FPN argumentando que aquele regulamento só é aplicável ''exclusivamente nas hipóteses em que tenha sido celebrado contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva", uma vez que aquelas normas, aprovadas pela FPN ao abrigo do disposto nos artigos 10 °, 11.° e 13.° do RJFD, prevêem e disciplinam precisamente situações - diferentes - como a dos autos, em que 10 atletas filiados na FPN pela Fundação Beatriz Santos - Clube, com licença FPN emitida e sem contratos de trabalho desportivo nem contratos de formação desportiva firmados com aquele clube decidiram, unilateral e simultaneamente, transferir-se para a demandante CASPAE.
13 - O equívoco do julgamento do Colégio Arbitral assenta no facto de declarar a inaplicabilidade das normas dos artigos 24.° a 26.° do Regulamento de Transferências da FPN à situação em análise "em virtude de as mesmas apenas poderem ser aplicadas quando exista contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva", quando, na verdade, aquelas normas disciplinam, justa e rigorosamente, as situações em que não existe nem contrato de trabalho nem contrato de formação desportiva, mas apenas o vínculo do praticante desportivo com o clube de origem decorrente da emissão pela FPN da competente licença desportiva.
14 - Tal entendimento até se encontra sufragado na "Declaração de Voto" junta aos autos no segmento em que se refere que "É meu entendimento que, no âmbito da vigência da Lei 28/98 de 26 de Junho, era admissível a existência de um regulamento federativo de transferências que implicasse o pagamento de compensação mesmo em casos em que não existisse anteriormente um contrato de trabalho ou de formação com o clube do qual o atleta proviesse.
A minha convicção decorria de que, precisamente, tal Lei se destinava somente a regular as consequências derivadas da celebração de um contrato profissional por alguém que já seguisse uma via profissional ou profissionalizante (um contrato de formação), e que o artigo 18° da mesma, era expresso na regulação de atletas profissionais ou nesse caminho.
Nos casos dos atletas amadores admitia-se, na minha opinião, em determinadas situações, por exemplo quando o atleta se tomasse profissional, a existência de uma fixação regulamentar de uma compensação ao(s) clube(s) anteriores, conforme referia o artigo 21. ° da Lei 28/98."
15 - O Colégio Arbitral não se limitou a aferir da ilegalidade das normas dos artigos 24.° a 26.° do Regulamento de Transferências, tal como lhe foi pedido pela demandante CASPAE, e exprimiu uma valoração sobre a opção da FPN em disciplinar, através da aprovação de normas que fez constar no seu Regulamento de Transferências, situações de transferência e compensação pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva, o que é notório pela total ausência de fundamentação do acórdão arbitral quanto à ilegalidade das ditas normas regulamentares.
16 - Nesta parte, o Colégio Arbitral decidiu, simplesmente, substituir-se à FPN, que, repete-se, rege a natação em Portugal, e determinar, sem qualquer fundamentação, de facto e ou de direito, a inaplicabilidade das referidas normas, quando é certo que apenas a FPN tem poderes regulamentares exclusivos na matéria, tendo o Colégio Arbitral, com o seu julgamento, entrado no campo reservado pela Constituição e pela Lei à FPN, determinando a inaplicabilidade de normas do mencionado Regulamento de Transferências por razões de mérito, conveniência e oportunidade, e não por razões de legalidade, em suma, denegando-se julgar da legalidade das normas do Regulamento de Transferências da FPN e decidindo pela desaplicação das referidas normas regulamentares à situação fáctica em apreço, aplicando-lhe, erroneamente, o direito, ou seja, a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, pelo que, nesta parte, o acórdão arbitral não podia ter decidido como o fez.
17 - Igualmente é nula, por manifesta contradição entre a matéria de facto julgada provada e a fundamentação de direito, a parte do acórdão arbitral em que o tribunal "a quo" decidiu "d) Declarar a nulidade da decisão comunicada pela Demandada Federação Portuguesa de Natação à demandante em 17 de maio de 2018, que procedeu à liquidação de uma compensação financeira a pagar pela mesma à Fundação Beatriz Santos e à primeira entidade".
18 - É notória a contradição entre a decisão do Colégio Arbitral de declarar a nulidade da comunicação da FPN à demandante CASPAE, realizada em 17 de Maio de 2018 - e respectiva fundamentação para julgar a nulidade, e os factos considerados provados constantes da "III - Fundamentação de facto".
19 - O Colégio Arbitral decidiu que "inexistindo norma regulamentar aplicável às situações jurídicas dos aludidos praticantes desportivos, forçoso será concluir que a atuação em causa é desconforme com a legalidade desportiva. "
20 - Contudo, na "III - Fundamentação de facto", o Colégio Arbitral julgou provado que “22.°) O Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação foi aprovado pela respetiva Direção em 27 de maio de 2016, ainda na vigência da Lei n.º 28/98, de 26 de junho" e que "23.°) Nenhum dos praticantes transferidos do Clube Fundação Beatriz Santos para a Demandante na época desportiva de 2017/2018 (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..) tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo ou um contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência.”
21 - Se o Colégio Arbitral julgou provado que a FPN, à data dos factos, tinha aprovado e em vigor um (o seu) Regulamento de Transferências; Se os artigos 24. ° a 26.° do mesmo regulamento prevêem e disciplinam as situações de transferência e compensação pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva; E, ainda, se resultou provado, pelo Colégio Arbitral, que "Nenhum dos praticantes transferido do Clube Fundação Beatriz Santos para a Demandante na época desportiva de 2017/2018 (...) tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo ou um contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência", escusado será dizer que, salvo o devido respeito, é inacreditável que o Colégio Arbitral, depois de julgar provados aqueles factos (22.° e 23.° da Fundamentação de facto) fundamente a declaração de nulidade da comunicação da FPN à demandante CASPAE, de 17 de Maio de 2018, lavrando "inexistindo norma regulamentar aplicável às situações jurídicas dos aludidos praticantes desportivos, forçoso será concluir que a atuação em causa é desconforme com a legalidade desportiva."
22 - Com efeito, existem normas regulamentares, os ditos artigos 24. ° a 26.° do Regulamento de Transferências, aprovadas pela Direcção da FPN ao abrigo do disposto nos artigos 14.°, alíneas a), ponto i), e b), da LBAD e 10.°, 11.° e 13.° do RJFD.
23 - Os artigos 24. ° a 26. ° do Regulamento de Transferências da FPN prevêem as situações de transferência e compensação pela transferência de praticantes desportivos sem contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva.
24 - As situações jurídicas dos aludidos praticantes, que dispersaram da Fundação Beatriz Santo - Clube para a demandante CASPAE, subsumem-se a tais normas regulamentares, as quais, por conseguinte, lhes eram aplicáveis, sem que as mesmas se encontrassem em desconformidade com a legalidade desportiva.
25 - Sem conceder, admitindo-se, por mera hipótese, que, por uma vez, o Colégio Arbitral estivesse certo no seu julgamento, de aquela comunicação da FPN ao CASPAE, de 17 de Maio de 2018, configurar a prática de um acto administrativo de liquidação, a FPN tinha absoluta competência para o praticar como se alcança do artigo 27. ° do Regulamento de Transferências da FPN, cuja leitura, certamente, por mero lapso, o Colégio Arbitral não se dignou proceder.
26 - Aquele artigo 27. ° do Regulamento a que se refere o artigo 22. ° da "III - Fundamentação de facto", estabelece, entre outras, as formalidades a observar pelos clubes aquando da transferência e compensação pela transferência de praticantes não vinculados por contrato, sendo que a competência da FPN para proceder à designada, pelo Colégio Arbitral, liquidação emerge do seu n.° 6, a saber: "6. Ainda no caso de que o clube de destino não proceda ao pagamento da compensação fixada pelo clube de origem, a licença será expedida, sem prejuízo de que a FPN adote as medidas necessárias para que se proceda à liquidação da quantia estabelecida. Em todo o caso, a FPN reterá ao clube de destino as subvenções, prémios e outras ajudas às quais tiver direito até á liquidação total do montante da compensação, procedendo à entrega de tais quantias ao clube de procedência no fim da época desportiva.”
27 - Isto é, 10 atletas filiados na FPN pela Fundação Beatriz Santos - Clube, sem contrato de trabalho desportivo ou de formação desportiva, mudaram em simultâneo de clube, para a demandante CASPAE, solicitando à FPN a sua filiação por aquela, bem sabendo que "Caso os clubes não cheguem a acordo quanto aos termos e condições da transferência de um praticante não vinculado por contrato, este poderá sempre transferir-se para outro clube, mediante o pagamento ao clube em que se encontra filiado ou por depósito na Federação, de um cheque passado a favor do clube de origem, pelo Clube para onde se pretende transferir, de uma verba calculada de acordo com a tabela anexa ao presente Regulamento", sendo que "Para efeito do cálculo da valorização do praticante pela participação em Seleções Nacionais, apenas se terá em conta a sua participação em jogos oficiais" e que "Na transferência de jogadores oriundos de Clubes que beneficiam do Estatuto de Clube Formador, os valores do cálculo de valorização serão duplicados em relação aos apurados de acordo com a tabela em vigor." (Artigo 26. ° do Regulamento de Transferências da FPN - Compensação pela Transferência de Praticantes não Vinculados por Contrato)
28 - Porque a demandante CASPAE não cumpriu as normas regulamentares, ou seja, não liquidou as compensações a que estava obrigada para com a Fundação Beatriz Santos - Clube, a FPN acabou por expedir as licenças solicitadas pelo CASPAE não obstante ter adoptado, através das comunicações referidas em 5.° e 6.° da "II - Fundamentação de facto", as medidas necessárias para que a demandante CASPAE cumprisse os regulamentos e procedesse à liquidação das compensações devidas à Fundação Beatriz Santos - Clube, que o Colégio Arbitral considerou tratar-se de uma liquidação, no que a recorrente discorda, mas que, mesmo que o e-mail referido em 6.° da “II - Fundamentação de facto" se tratasse de uma liquidação a FPN tinha competência para proceder a tal quantificação, nos termos n.º 6 do artigo 27.° do Regulamento de Transferências da FPN, com fundamento de facto no incumprimento da demandante CASPAE e de direito ao abrigo do disposto no artigo 24.° e 25.° do mesmo regulamento federativo.
29 - Por último, o acórdão arbitral enferma de nulidade, por manifesta insuficiência da matéria de facto julgada provada para fundamentar a decisão do Colégio Arbitral na parte em que condenou "a Demandada Federação Portuguesa de Natação ao pagamento de uma indemnização à Demandante, a título de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, cujo valor em concreto deve ser calculado em incidente de liquidação, nos termos do artigo 358. °, n.º 2, do Código de Processo Civil;".
30 - O Colégio Arbitral é peremptório ao escrever que "as atuações da Demandada Federação Portuguesa de Natação de liquidar uma quantia a título de compensação pela transferência de praticantes desportivos (...) violam o principio da legalidade e puseram em causa a possibilidade de prática desportiva pela Demandante e por aqueles que através dela pretendiam praticar natação."
31 - No supra exposto resultou, sobejamente, demonstrado que o Colégio Arbitral errou ao considerar que a conduta da FPN violou o princípio da legalidade.
32 - Quanto à decisão do Colégio Arbitral de que tal conduta da FPN pôs "em causa a possibilidade de prática desportiva pela Demandante e por aqueles que através dela pretendiam praticar natação", o acórdão arbitral é omisso na indicação dos factos julgados provados em que fundamentam o colocar "em causa a possibilidade de prática desportiva pela Demandante e por aqueles que através dela pretendiam praticar natação", factos, os quais, insiste-se, não constam da matéria de facto provada pelo tribunal "a quo".
33 - Da matéria de facto provada, também, não se alcança, quando foi requerida pela Demandante CASPAE a filiação dos atletas dos autos, qual foi a data em que foi concluído o processo de filiação dos mesmos, em que se traduziu "o pôr em causa" a possibilidade de prática desportiva pela Demandante e por aqueles que através dela pretendiam praticar natação pelo CASPAE, quantos praticantes perdeu o CASPAE, para que agremiações desportivas perdeu praticantes, e quantos perdeu, nomeadamente para o Condeixa Aqua Clube, e em que competições desportivas, ainda, na época de 2017/2018, foram tais atletas privados de participar em virtude da actuação da FPN.
34 - Nenhum dos factos julgados provados pelo Colégio Arbitral permite fundamentar a condenação da "Demandada Federação Portuguesa de Natação ao pagamento de uma indemnização à Demandante, a título de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo.” O julgamento do Colégio Arbitral enferma de inexistência de fundamentação de facto, o que determina a nulidade da decisão e a sua consequente e necessária revogação.
35 - O Colégio Arbitral em nenhum momento julga como provado que as normas constantes dos artigos 24. ° a 26. ° do Regulamento de Transferências da FPN colocam em causa ou limitam a possibilidade de prática desportiva.
36 - Outrossim, não se alcança como é que o Colégio Arbitral considera preenchido o pressuposto da culpa para efeitos de responsabilidade civil se a matéria de facto julgada provada é, quanto àquele, igualmente, omissa: Que culpa? Negligente? Dolosa? Por omissão? Quais os factos em que se consubstancia a culpa da FPN que foi julgada pelo Colégio Arbitral? O Colégio Arbitral incorre em evidente erro nos pressupostos de facto, uma vez que o comportamento da FPN se encontra, como resultou demonstrado, plenamente enquadrado nos preceitos já acima já invocados, pelo que, não se verificando ilicitude improcedem os demais pressupostos da responsabilidade civil.
37 - Igualmente não se mostram factos provados os danos ao nome, honorabilidade e imagem desportivas da demandante CASPAE. A matéria de facto julgada provada é totalmente omissa quanto aos prejuízos sofridos pela demandante CASPAE e, consequentemente, manifestamente contraditória com a fundamentação de direito constante do acórdão arbitral que julga provados os danos acima referidos, bem como danos decorrentes da perda de apoios e de financiamentos (que não identifica), perda de praticantes (que não quantifica) e perturbações de desenvolvimento da sua actividade na época desportiva 2018/2019, que não fundamenta, pelo que deve ser revogada”.
O recorrido Centro de Apoio Social de Pais e Amigos da Escola n.º 10 apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) Note-se que a única Defesa apresentada pela Recorrente nos presentes autos ocorreu na providência cautelar e tem uma extensão de oito artigos e que se resume à competência material do TAD.
b) Não tendo a FPN através dos seus representantes estatutários ou através do seu mandatário judicial, intervindo em nenhuma das audiências de julgamento que se realizaram nos presentes autos, nem nas que se realizaram no âmbito da providência cautelar que os precedeu.
c) O que originou, por consequência, que a FPN não requeresse ou realizasse qualquer prova nos mesmos.
d) Pelo que, a postura processual da FPN nos presentes autos, sempre foi de um total alheamento e desprezo perante os mesmos e, sobretudo, diante dos membros e demais intervenientes processuais junto do TAD.
e) Pretendendo agora, só após a sua condenação, discutir aquilo que não quis debater ou defender em sede própria no TAD, visando única e exclusivamente protelar o trânsito em julgado da douta decisão recorrida e prorrogar a inevitável ação da justiça que terá forçosamente de ocorrer em breve.
f) Sendo por demais evidente que, os fundamentos de recurso de apelação apresentados pela FPN que seguidamente iremos dissecar, não têm qualquer sustentação jurídica ou factual.
g) Revelando não só, uma total falta de conhecimento das matérias de facto e de Direito que foram debatidas nas diversas audiências de julgamento realizadas nos presentes autos que, recorde-se, não quis estar ou intervir e que agora apresenta e utiliza para fundamentar e interpor Recurso de Apelação.
h) Mas tal não a faz coibir de adotar uma postura processual arrogante e desrespeitadora com o Tribunal, Estado Português e com o movimento associativo que representa.
i) Pois sabe perfeitamente que as ulteriores responsabilidades patrimoniais que ainda serão apuradas no âmbito dos presentes autos, serão total ou parcialmente suportadas direta ou indiretamente pelo Estado e/ou Administração Pública.
j) Enquanto a Recorrida, enquanto entidade privada apenas conta com o apoio financeiro do exercício das atividades que constitui o seu objeto pelos seus associados e não possui as mesmas disponibilidades financeiras que a Recorrente.
k) Pelo que, o presente Recurso de Apelação constitui unicamente a apresentação de um expediente jurídico cuja falta de fundamento a Recorrente não pode ignorar, omitindo factos relevantes, e essenciais, para a boa decisão da causa, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim, manifesto, de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
l) Refere a Recorrente que a decisão arbitral recorrida esteve mal quando se pronunciou sobre a inaplicabilidade dos arts. 24° a 26° do Regulamento de Transferências da FPN, em vez de se limitar a decidir sobre a legalidade das aludidas normas tendo a aludida decisão arbitral exprimido uma valoração sobre as opções regulamentares da FPN vertidas nas supra referidas normas.
m) Concluindo em suma que, é totalmente incompreensível o entendimento do Colégio Arbitral, segundo o qual, a FPN carecia de poder para regulamentar as transferências ou mudanças de clube de praticantes sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, o que configura uma ingerência do Colégio Arbitral no direito e poder regulamentar da FPN violando frontalmente o art. 14° al. a) ponto i, e b) da LBAFD (aprovada pela Lei n° 5/2007, de 16 de Janeiro) e do disposto nos arts. 10°, 11º, 13°, n°s 1 al. g) e 2 do RJFD (aprovado pelo Decreto-Lei n° 248-B72008, de 31 de dezembro alterado pelo Decreto-Lei n° 93/2014 de 23 de junho.
n) Ora todo este entendimento é um autêntico absurdo não só porque a decisão recorrida, ainda que com várias deficiências na fundamentação, não refere aquilo que a ora Recorrente aduz no presente Recurso de Apelação, bem como, porque os fundamentos jurídicos invocados para fundamentar a sua pretensão são inexistentes e/ou não aplicáveis ao caso concreto.
o) A ora Recorrente FPN é uma pessoa coletiva de direito privado, constituída em 19 de Agosto de 1930, sob a forma de associação sem fins lucrativos constituindo uma federação unidesportiva, titular do estatuto de utilidade pública desportiva.
p) Nessa condição, a Recorrente encontra-se submetida aos princípios fundamentais vertidos no sistema jurídico-desportivo nacional, (designadamente aos princípios e normas da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD) aprovada pela Lei n° 5/2007, de 16 de Janeiro e do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) pelo Decreto-Lei n° 93/2014, de 23 de Junho), bem como, à demais legislação aplicável (incluindo as normas do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n° 4/2015 de 7 de Janeiro e do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo (RJCTD) atualmente aprovado pela Lei n° 54/2017 de 14 de Julho).
q) Nesta medida, e em virtude do objeto e da titularidade do estatuto da titularidade de utilidade pública desportiva à Recorrente FPN, constitui seu poder/dever legal, proceder à regulamentação dos quadros competitivos da modalidade (art. 13° n° 1 al. g) do RJFD) com os limites da lei,
r) Ou seja, todos os regulamentos desportivos e/ou não desportivos (incluindo o de transferências ou mudanças de clube de praticantes com ou sem contrato de trabalho ou de formação desportiva) têm como limite o quadro legislativo vigente sobre cada uma das matérias legais que constituam o objeto da regulamentação visada e isto nada tem a ver com as competências legais e regulamentares da FPN.
s) O aludido poder/dever legal regulamentar, em virtude da titularidade do mencionado estatuto de titularidade de utilidade pública desportiva, terá natureza pública, (Cfr. arts. 19° n°s 1 e 2 da LBAFD e arts. 10° e 11º do RJFD) pelo que, forçosamente, a Recorrente encontra-se sujeita a fiscalização pelo exercício de poderes públicos e pelo cumprimento das regras legais de organização e funcionamento internos por parte do serviço ou organismo da Administração Pública com competências na área do Desporto, bem como, pelos Tribunais competentes, designadamente pelo TAD (arts. 1º n° l e 4º da LTAD aprovada pela Lei n° 74/2013, de 6 de setembro alterada pela Lei n° 33/2014, de 16 de Junho).
t) Deste modo, e em primeiro lugar, a validade ou invalidade das normas regulamentares das federações desportivas sobre transferências ou mudanças de clube de praticantes com ou sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, têm como limite o disposto no regime jurídico do contrato de trabalho desportivo (lei n° 28/98, de 26 de Junho revogado entretanto pela Lei n° 54/2017, de 14 de Julho.)
u) E em segundo lugar, pelas competências legais atribuídas ao próprio TAD que tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto. (Cfr. arts. 1º n° l, 2 e 4º da LTAD aprovada pela Lei n° 74/2013, de 6 de setembro alterada pela Lei n° 33/2014, de 16 de Junho).
v) Por outro lado, o regime jurídico das compensações pelos direitos de transferência e formação e compensação dos atletas encontra-se estabelecido no Regime Jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva (doravante RJCTD), cuja redação atual encontra-se previsto na Lei n° 54/2017 de 14 de Julho que revogou a Lei n° 28/98 de 26 de Junho.
w) Contudo, o Regulamento de Transferências da Recorrente FPN que consubstancia a fundamentação da deliberação manifestamente ilegal de 17 de Maio de 2018, foi aprovado em reunião de Direção de 27 de maio de 2016, isto é, antes de Lei n° 54/2017, de 14 de Julho entrar em vigor.
x) Ou seja, as normas do Regulamento de Transferência da FPN (arts. 24° a 26° e Anexo II) relativamente às compensações pelos direitos de transferência, formação e compensação dos atletas da FPN teria forçosamente de obedecer ao disposto no art. 18° n°2 e seguintes da já revogada Lei n° 28/98 de 26 de Junho, o que, de acordo com a decisão recorrida, tal não se verificou culminando numa gritante ilegalidade.
y) Recorde-se que, de acordo com o disposto no art. 18° n°2 a 6 da Lei n° 28/98, de 26 de Junho entretanto revogada dispunha o seguinte: “2- Pode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo.”
z) Face ao exposto, apenas por convenção coletiva (e nunca por regulamento federativo tal como a decisão recorrida determinou em conformidade com a lei) poderia existir a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo.
aa) Assim, face ao teor do art. 18° n°2 do RJCTD de 1998, diante do presente caso concreto, constatou-se que faltavam duas condições legais essenciais para que a FPN pudesse estipular a obrigatoriedade do pagamento de compensações por transferência por formação ou valorização dos aludidos atletas que se transferiram da FBS para a Recorrida CASPAE.
bb) Em primeiro lugar, esta obrigatoriedade de pagamento, apenas poderia ser estabelecida por convenção coletiva e nunca por regulamento federativo, inexistindo, como se sabe na modalidade da natação, qualquer sindicato de atletas e, por consequência, qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
cc) Em segundo lugar, ficou provado nas diversas audiências de julgamento que os atletas que se transferiram da FBC para o CASPAE nunca celebraram qualquer contrato de trabalho desportivo ou de formação desportiva com a Recorrida (Cfr. Docs. 4 a 9 e 30. 2ª parte e Ponto 23 Factos Provados).
dd) Nem foram alguma vez inscritos na FPN enquanto praticantes desportivos profissionais ou enquanto formandos desportivos, como esta para além de não poder ignorar, também nunca contestou tais factos nas diversas audiências de julgamento realizadas nos presentes autos.
ee) Pelo que, facilmente se conclui que o disposto nos arts. 24° a 26° do RT e Anexo II do regulamento, que consubstancia o pedido de liquidação a favor do Clube FBS da quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes desportivos (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,) são ilegais ou inválidos por violarem frontalmente o teor do art. 18° n°2 e 21° do RJCTD de 1998, bem como, do disposto no arts. 19° n° 2 da Lei n° 54/2017, de 14 de Julho como iremos concluir adiante, originando responsabilidade desportiva e patrimonial pela sua aplicação indevida.
ff) Note-se ainda que, sobre esta matéria estabeleceu o Parecer n.º 7/2001 da PGR publicado no Diário da República n.º 139/2001, Série II de 2001-06-18 que: “Ora, do contexto verbal das normas em apreço resulta inequivocamente o sentido de que, nos termos do artigo 18. °, n.º 2, da Lei n.º 28/98, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização só pode ser estabelecida por convenção coletiva - ao contrário do que sucedia na vigência do Decreto-Lei n.º 305/95, de acordo com cujo artigo 22. °, n.º 2, tal era também possível por regulamento federativo.”
gg) Acrescentando o referido Parecer da PGR que: “Vale isto por dizer que, no âmbito da Lei n.º 28/98, as federações dotadas de utilidade pública desportiva só detêm poder regulamentar em matéria de transferência de praticantes desportivos no que não contrarie o disposto no artigo 18. °, máxime o estabelecido por convenção colectiva de trabalho. Deste modo, pode afirmar-se que, ao eliminar a referência a regulamento federativo, o artigo 18.° da Lei n.º 28/98 "remeteu para a sede própria - as estruturas representativas dos praticantes desportivos profissionais e respectivas entidades patronais - o tratamento da questão", com o que, "salvaguardando-se o princípio da liberdade contratual, distinguiram-se de forma inequívoca os casos em que a justa compensação é devida pela formação ministrada ao praticante daqueles que resultam de outras situações", conforme sustenta o Centro de Estudos e Formação Desportiva.
hh) Com efeito alude o referido Parecer da PGR que: "O artigo 18. °, n.º 2, da Lei n.º 28/98 não deixa, contudo, de introduzir uma importante modificação face ao artigo 22. °, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 305/95. Se bem virmos, a redação das duas normas é idêntica, com uma diferença: enquanto o anterior diploma admitia que as 'indemnizações de transferência' fossem estabelecidas por convenção coletiva ou regulamento federativo, a atual lei apenas permite a respectiva instituição por aquela via e não já por esta - as 'indemnizações de transferência' poderão ser criadas, é certo, mas apenas através de convenção coletiva de trabalho (-). Trata- se de uma solução análoga àquela que vigora em Espanha desde 1985 (-), da qual se extraem várias consequências práticas de grande significado, a saber: Um sistema de 'indemnizações de transferência' não poderá ser instituído através de regulamento federativo, muito menos através de regulamento aprovado no seio das ligas de clubes (-). Colocando-se a lei, neste domínio, sob reserva de convenção colectiva, isto significa, atendendo ao nosso ordenamento juslaboral, que tais ‘indemnizações de transferência’ apenas poderão ser criadas se existir uma associação sindical representativa dos praticantes desportivos em questão. Com efeito, a lei que regula a contratação colectiva no nosso país consagra o que alguns designam por monopólio sindical da contratação coletiva, ou seja, apenas as associações sindicais devidamente registadas poderão celebrar convenções coletivas de trabalho em representação dos trabalhadores (ver nota X). Quer isto dizer que, não havendo associação sindical, não pode haver convenção coletiva e, sem esta, não pode haver 'indemnizações de transferência'. Ora, no nosso país, de momento apenas existe uma associação sindical de praticantes desportivos - o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.” (negrito e sublinhado nosso)
ii) Concluindo o douto Parecer que: "Vale isto por dizer que o princípio segundo o qual as 'indemnizações de transferência' apenas poderão ser estabelecidas por convenção coletiva vigora sempre que estejamos perante um praticante desportivo/trabalhador por conta de outrem; não só para o futebol e o basquetebol, mas também em casos como, por exemplo, os do andebol ou do hóquei em patins (isto para já não falar no ciclismo) onde, como é patente, boa parte dos praticantes que disputam os campeonatos das divisões superiores são trabalhadores. Sendo-o, gozam da liberdade de trabalho consagrada no n.º 1 do artigo 18.° e usufruem também da garantia legal de que esta liberdade só poderá ser cerceada pelas 'indemnizações de transferência’ através do instrumento da contratação coletiva, nunca através de regulamentação federativa".
jj) Mas ainda que se considerasse como aplicável o atual RJCTD de 2017, perante a factualidade acima descrita.
kk) A conclusão terá de ser igual, ainda que, com contornos jurídicos distintos.
ll) De acordo com o art. 19° n°2 da Lei n° 54/2017, de 14 de Julho: "Pode ser estabelecida por convenção coletiva a obrigação de pagamento à anterior entidade empregadora de uma justa compensação a título de promoção ou valorização de um jovem praticante desportivo, por parte da entidade empregadora que com esse praticante venha a celebrar um contrato de trabalho desportivo, após a cessação do anterior."
mm) Todavia, de acordo com o art. 19° n°8 do RJCTD: "Nas modalidades em que, por inexistência de interlocutor sindical, não seja possível celebrar convenção coletiva, a compensação a que se refere o n.º 2 pode ser estabelecida por regulamento federativo."
nn) Assim, a ampliação da possibilidade de exigência de compensações por formação de atletas, nas modalidades desportivas em que não exista interlocutor sindical, não desvirtua nem exime do cumprimento dos fundamentos legais essenciais acima descritos, ou seja, a previsão de regulamento federativo para o efeito aprovado pela Direção após a data de entrada da referida Lei n° 54/2017 de 14 de Julho (RJCTD).
oo)E a obrigatoriedade de celebração do primeiro contrato de trabalho desportivo pelos atletas em causa, o que, no presente caso concreto, também não sucedeu tal como ficou provado nas diversas audiências de julgamento realizadas nos autos.
pp) Pelo que, seria indispensável a aprovação de um regulamento federativo para o efeito aprovado pela Direção após a data de entrada da referida Lei nº 54/2017 de 14 de Julho para as referidas compensações por transferência sejam exigíveis, o que não sucedeu, nem a FPN fez qualquer prova nos autos nesse sentido.
qq) Pelo que, todas e quaisquer compensações por formação calculadas de acordo com o disposto nos arts. 24 a 26 do Regulamento de Transferências da FPN e Anexo II do Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da FPN são ilícitas por claríssima violação do disposto nos arts. 19° n° 2 e 8 do RJCTD atual.
rr) E foi este o caminho seguido pela decisão recorrida, quando o Colégio Arbitral refere expressamente na p. 29: “Deste modo, apenas poderia ser aplicado o Regulamento de Transferências em causa se se demonstrasse que os praticantes desportivos transferidos para a Demandante detivessem contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva. Na ausência de qualquer um dos mencionados vínculos contratuais não se antevê como lhe poderia ser exigido o pagamento de uma compensação à Demandante. Uma vez que nenhum dos praticantes transferidos do Clube Fundação Beatriz dos Santos para a Demandante na época desportiva 2017/2018 (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,) tinha celebrado um contrato de de trabalho desportivo ou um contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência.”
ss) Isto é, o Colégio Arbitral através da decisão recorrida, para além de não se imiscuir nas competências da FPN ou na sua capacidade de regulamentação, considerou indevido por manifestamente ilegal o pedido de compensação consubstanciado nas normas regulamentares acima indicadas (arts. 24° a 26° do Regulamento de Transferências e Anexo II do mesmo) uma vez que o mesmo apenas poderia ser quantificado por convenção coletiva de trabalho e quando refere na decisão recorrida: “Ora, a liquidação do valor de uma transferência entre praticantes desportivos não submetidos a contrato de trabalho desportivo ou a contrato de formação desportiva não tem qualquer estribo legal ou regulamentar, razão pela qual se há de concluir que o órgão ou entidade da Federação Portuguesa de Natação que tiver praticado o ato jurídico não tinha competência para tal. O poder regulamentar em causa não foi delegado pelo Estado na Federação Portuguesa de Natação, pelo que o acto padece de incompetência absoluta, sendo, consequentemente nulo, nos termos gerais do artigo 161° n°2 al. b) do Código de Procedimento Administrativo. A ausência de competência do órgão federativo, por si só, geradora de nulidade do ato de liquidação é ainda acompanhada de falta de fundamentação do ato de 17 de Maio de 2018, não se vislumbrando os fundamentos de facto e de direito que geraram a quantificação da quantia alegadamente em dívida pela Demandante. O vício de falta de fundamentação gera anulabilidade, nos termos gerais do artigo 163° do Código de Procedimento Administrativo, pelo que este desvalor jurídico é consumido pela causa de nulidade anteriormente apontada.” (Cfr. p. 31 da decisão recorrida).
tt) Assim, ao invés do maliciosamente alegado, nunca esteve em causa a competência regulamentar da FPN sobre transferências ou mudanças de clube de praticantes com ou sem contrato de trabalho ou de formação desportiva, mas sim, a forma como a referida federação o fez no presente caso concreto, ou seja, através de disposições regulamentares e não através de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
uu) Esclarecendo-se também que, na nossa interpretação, do teor da decisão recorrida, a ausência de competência do órgão federativo para deliberar sobre a matéria (compensação por formação) tem em conta o anteriormente exposto, ou seja, que a obrigação de pagamento de uma justa indemnização por formação no presente caso concreto só poderia ser estabelecida por convenção coletiva, não tendo a Direção da FPN ou qualquer outro seu representante ou funcionário quaisquer competências legais para deliberar sobre tal.
vv) O que origina, por consequência, a impossibilidade legal da FPN através dos seus poderes regulamentares, poder exigir à ora Recorrida, quaisquer montantes sobre compensações sobre formação, uma vez que não existe qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho na modalidade.
vvw) Acarretando assim, a inevitável nulidade absoluta do ato deliberativo de 17 de Maio de 2018 da FPN, nos termos do disposto no art. 161° n°2 al. b) do do Código de Procedimento Administrativo consubstanciado no disposto nos arts. 24° a 26° do RT e Anexo II do regulamento, que exige o pedido de liquidação a favor do Clube FBS da quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes desportivos (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,) por serem manifestamente ilegais ou inválidos por violarem frontalmente o teor do art. 18° n°2 e 21° do RJCTD de 1998, bem como, do disposto nos arts. 19° n° 2 da Lei n° 54/2017, de 14 de Julho, caso esta disposição fosse aplicável.
xx) Inexistindo pois, na decisão recorrida, qualquer alusão ou juízo de valor do Colégio Arbitral quanto à solução regulamentar adotada pela FPN, mas sim e apenas, a apreciação do seu comportamento deliberativo, manifesto e gritantemente ilegal perante a Recorrida CASPAE, ao exigir-lhe uma compensação por formação pela transferência de atletas que, de acordo com o RJCTD de 1998, apenas poderia ser determinada por convenção coletiva e jamais por regulamento federativo.
yy) A Doutrina nacional sobre esta matéria é clara, e sem exceção, aponta no sentido da decisão recorrida e em conformidade com a posição do CASPAE ao longo dos autos, ou seja, o da impossibilidade de poder ser exigida uma compensação por formação pela transferência de atletas sem contrato de trabalho desportivo por mero regulamento federativo, mas sim, através de convenção coletiva de trabalho nos termos previstos na lei. Neste sentido veja-se JOÃO LEAL AMADO relativamente ao art. 18° n°2 do RJCTD de 1998 em: O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as indemnizações de transferência, Questões Laborais n° 12, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, pp. 235-239; Vinculação versus Liberdade (O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo), Coimbra : Coimbra Editora, 2002, pp. 428 a 433; e quanto ao art. 19° n°2 do RJCTD de 2017 em Contrato de Trabalho Desportivo - Lei n° 54/2017, de 14 de Julho - Anotada, Coimbra: Almedina, 2017, pp. 110 a 116; ALBINO MENDES BAPTISTA, relativamente ao art. 18° n°2 do RJCTD de 1998 em: Revista do M.° P.°, n.º 80, 1999, e também integrado na obra ‘Direito Laboral Desportivo’, Estudos, Vol. I, Lisboa, 2003, pgs. 77-78 e por fim, LÚCIO MIGUEL CORREIA, relativamente ao art. 18° n°2 do RJCTD de 1998, em: Limitações à Liberdade Contratual do Praticante Desportivo, Lisboa: Editora Petrony, 2008, pp. 125 a 127
zz) Face ao exposto, dúvidas não restam que não existe na decisão recorrida, qualquer violação do princípio da separação de poderes a que alude os arts. 2º e 202° n° l da CRP, sendo certo que esta questão nunca foi trazida aos autos em sede de julgamento e nem é sequer indicada a forma como a decisão recorrida violou o disposto nos arts. o art. 14° al. a) ponto i, e b) da LBAFD (aprovada pela Lei n° 5/2007, de 16 de Janeiro) e do disposto nos arts. 10°, 11º, 13°, n°s 1 al. g) e 2 do RJFD (aprovado pelo Decreto-Lei n° 248-B/2008, de 31 de dezembro alterado pelo Decreto-Lei n° 93/2014 de 23 de junho, pelo que, a decisão recorrida deve ser mantida.
aaa) Por outro lado, vem a Recorrente FPN, tentar iludir o Tribunal a quo argumentando uma pretensa nulidade entre a matéria de facto provada e a fundamentação de Direito somente na parte que decidiu da nulidade da decisão da referida federação de 17 de maio de 2018 em que exige o pedido de liquidação a favor do Clube FBS da quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes desportivos (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,).
bbb) Quantia essa que, de acordo com o Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da FPN, no montante de 10% da aludida quantia apurada e liquidada pela equipa devedora (11.984,00 euros) deveria ser atribuída à FPN para efeitos de aplicação em ações de âmbito nacional dos escalões mais jovens de formação,
ccc) E quando se sabe que, a referida federação não participou em qualquer ação de formação de nenhum dos mencionados atletas e até lhes atrasou a sua preparação e participação nas competições desportivas por si organizadas, quando aceita a inscrição dos mesmos pelo CASPAE mais de um mês depois do pedido inicial pela Recorrida (Cfr. Art. 4º dos Factos Provados da decisão recorrida), bem sabendo que, o prazo máximo a que alude o Regulamento Geral de então (art. 26°) eram de apenas 7 (sete) dias.
ddd) Porém, mais uma vez, a este argumento da Recorrente não lhe assiste qualquer razão, pois não se vislumbra qualquer contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação de Direito, somente na parte que decidiu da nulidade da decisão da referida federação de 17 de maio de 2018.
eee) Com efeito, dispõe o art. 23° dos Factos Provados que nenhum dos praticantes desportivos (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,) transferidos da FBS tinham celebrado um contrato de trabalho desportivo ou de formação desportiva.
fff) E dispõe o art. 22° dos Factos Provados que, o Regulamento de Transferências da FPN foi aprovado em 27 de Maio de 2018, ou seja, ainda sob vigência do RJCTD de 1998.
ggg) No âmbito do teor da decisão recorrida, ainda que a sua fundamentação neste aspeto possa conter alguma falta de clareza, não se identifica qualquer vício insanável nem qualquer contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação de Direito.
hhh) Conforme já anteriormente referido, na nossa interpretação, e salvo melhor entendimento, quando a decisão recorrida refere expressamente que inexiste norma regulamentar aplicável à situação jurídica dos praticantes desportivos, alude à inexistência de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável (convenção colectiva) aplicável à situação e não à inexistência de norma prevista no Regulamento de Transferências da FPN como a Recorrente pretende iludir o Tribunal.
iii) Mas mesmo que, por mera hipótese académica, o entendimento da Recorrente tivesse eventual sustentação legal interpretativa, as normas regulamentares que subsumem à decisão da FPN de 17 de maio de 2018, continuam a ser contrárias e atentadoras, não só ao quadro legal anterior do RJCTD de 1998 (art. 18° n°2 do RJCTD) bem como, ao quadro legal vigente de 2017 (art. 19° n°2 do RJCTD).
jjj) Uma vez que, a ampliação da possibilidade de exigência de compensações por formação de atletas, nas modalidades desportivas em que não exista interlocutor sindical, não desvirtua nem exime do cumprimento dos fundamentos legais essenciais acima descritos, ou seja, a previsão de regulamento federativo para o efeito aprovado pela Direção após a data de entrada da referida Lei n° 54/2017 de 14 de Julho e a obrigatoriedade de celebração do primeiro contrato de trabalho desportivo pelo atletas em causa, o que, no presente caso concreto, também não sucedeu.
kkk) Pois recorde-se que, o Regulamento de Transferências da FPN pelo qual a Recorrente fundamenta a sua deliberação ilícita, foi aprovado em reunião de Direção de 27 de maio de 2016, ou seja, antes da entrada em vigor do RJCTD de 2017, pelo que, seria indispensável a aprovação de um regulamento federativo para o efeito aprovado pela Direção da Recorrente após a data de entrada da referida Lei n° 54/2017 de 14 de Julho para as referidas compensações por transferência sejam exigíveis, o que não sucedeu.
lll) Concluindo-se assim mais uma vez que, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização por formação no presente caso concreto só poderia ser estabelecida por convenção colectiva, e não por regulamento federativo
mmm) Originando por consequência, a nulidade absoluta do ato deliberativo de 17 de Maio de 2018 da FPN, nos termos do disposto no art. 161° n°2 al. b) do do Código de Procedimento Administrativo consubstanciado no disposto nos arts. 24° a 26° do RT e Anexo II do regulamento, que exige o pedido de liquidação a favor do Clube FBS da quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes desportivos (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..,) por serem manifestamente ilegais ou inválidos por violarem frontalmente o teor do art. 18° n°2 e 21° do RJCTD de 1998, bem como, do disposto nos arts. 19° n° 2 da Lei n° 54/2017, de 14 de Julho, caso esta disposição fosse aplicável.
nnn) Por outro lado, recorde-se também que o Mail da FPN de 17 de maio de 2018 sustenta que os cálculos que perfizeram a exigência da quantia de 11.948 € têm origem nos anos de permanência dos atletas na FBS, as respetivas categorias, número de disciplinas praticadas e internacionalizações, de acordo com o Anexo II do Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da FPN, ainda que tais fundamentos não sejam, como deveriam ser individualmente qualificados ou quantificados, inibindo e impossibilitando o respetivo contraditório.
ooo) Concluindo-se, face ao supra exposto que, a referida quantia foi indevidamente peticionada, pois a mesma é exigível independentemente do tipo de vínculo (desportivo ou laboral) que o praticante desportivo celebrou com nova entidade desportiva não tendo sido realizada qualquer prova que, à data dos factos, a FBS possuía o estatuto de entidade formadora desportiva para efeitos de atribuição dos Direitos de Compensação e Formação Desportiva da Federação Portuguesa de Natação, conforme estabelece o Anexo I do Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da FPN e o disposto no art. 38° da lei n° 28/98, de 26 de junho revogado pelo art. 34° da Lei n° 54/2017, de 14 de julho.
ppp) Concluindo-se assim, mais uma vez que, a deliberação da Requerida FPN de 17 de Maio de 2018 e o disposto no RT quanto a esta matéria, designadamente nos arts. 24° a 26° do RT e Anexos II do aludido regulamento em que a Requerida FPN fundamenta a mesma, teriam de ser, como foram, considerados nulos, por violarem frontalmente as normas imperativas dos arts. 18° e 38° da Lei n° 28/98, de 26 de junho e 19° e 34° do RJCTD de 2017.
qqq) Acresce ainda que a aludida deliberação federativa enquanto ato administrativo de relevo obedece ao dever de fundamentação legal e/ou regulamentar estatuído nos arts. 152° e 153° do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA).
rrr)Isto é, a supra referida deliberação de 17 de Maio de 2018, deveria englobar fundamentação expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato. (Cfr. art. 153° n° 1 do CPA), o que não se verificou tal como consta na decisão recorrida.
sss) E conforme se viu pelo referido documento (mera folha de excel com a discrição do nome dos atletas com a mera conclusão dos valores individuais a pagar) inexistindo qualquer exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão que conduziram ao apuramento e quantificação da referida quantia.
ttt) Ora, nos termos do n°2 do art. 153° do CPA, equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato, tal como consta na decisão recorrida. Falta de fundamentação essa que, no nosso entendimento, também ofende o direito fundamental do direito ao acesso à prática desportiva (Cfr. art. 79° da CRP) e aos princípios fundamentais do sistema jurídico-desportivo vertidos no disposto nos arts. 2º da LBAFD e art. 9º do RJFD a que a decisão recorrida nem sequer se pronunciou.
uuu) Face ao exposto não existe qualquer erro de julgamento nem contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida e não existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença recorrida e na decisão nela tomada, nem se constata que a fundamentação aponta num sentido e a decisão tomada segue um caminho completamente oposto.
vvv) Refere a Recorrente que a decisão recorrida enferma de inexistência de fundamentação de facto, o que determina a nulidade da decisão e a sua subsequente revogação. E que a decisão recorrida incorre em evidente erro no julgamento dos pressupostos de facto da responsabilidade civil, não se demonstrando quaisquer danos ao nome, honorabilidade, e imagens desportivas da ora Recorrida.
www) Ora, de facto a Recorrente não tem noção de quando foi requerida a filiação dos atletas dos autos, nem quando é que foi concluído o processo de filiação dos mesmos, nem dos danos desportivos para os atletas e ora Recorrida decorrentes da demora inusitada e sem qualquer justificação dos processos de inscrição quer na época 2017/2018, quer na época 2018/2019 dos quais é o único responsável. Nem dos danos patrimoniais, desportivos, de honorabilidade, bom nome e imagem, que dolosa ou negligentemente provocou à ora Recorrida.
xxx) Uma vez que nunca compareceu, porque não quis, às diversas audiências de julgamento realizadas nos presentes autos, onde não só a legal representante da Recorrida, bem como, as testemunhas evidenciaram e expuseram todos os factos que. aparentemente, desconhece. Já para não referir que é no mínimo ridículo invocar o desconhecimento da conclusão do processo de filiação dos atletas, e/ou em que medida tal afetou a possibilidade de prática desportiva pela Recorrida, quando é a Recorrente que procede á conclusão dos processos de filiação e à organização das competições desportivas que os mesmos ficaram privados de participar caindo assim por terra, não só o pretenso desconhecimento factual, bem como, evidencia ainda mais a sua responsabilidade civil por facto ilícito e culposo.
yyy) Sem prejuízo do supra referido, e do anteriormente exposto, basta ler os artigos, 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10°, 11°, 12°, 14°, 22° e 23° dos Factos considerados como provados, para constatarmos diversos factos ilícitos e culposos provocados pela ora Recorrente na esfera jurídica desportiva, patrimonial e não patrimonial da ora Recorrida devidamente analisados e elencados nos presentes autos.
zzz) Pelo que, a matéria de facto considerada como provada nos presentes autos, não tem (conforme requerido pela Recorrida na sua petição inicial) de estipular concretamente o valor dos danos sofridos pela ora Requerida, mas somente, os factos em que a aludida responsabilidade civil incide.
aaaa) Inexistindo qualquer nulidade ou vício do acórdão arbitral por manifesta insuficiência da matéria de facto julgado provada na parte em que a Recorrente é condenada ao pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo cujo valor em concreto deve ser calculado em incidente de liquidação nos termos do disposto no art. 358° n°2 do CPC.
bbbb) Concluindo-se mais uma vez que, também nesta matéria, os parcos fundamentos do recurso de apelação apresentado, terão forçosamente de improceder, mantendo-se a decisão recorrida.
cccc) Recorde-se mais uma vez que, a FPN através dos seus representantes estatutários ou através do seu mandatário judicial, nunca intervieram em nenhuma das audiências de julgamento que se realizaram nos presentes autos, nem nas que se realizaram no âmbito da providência cautelar que os precedeu, ou seja a FPN requereu ou realizou qualquer prova ou diligência probatória nos mesmos.
dddd) Pretendendo agora, só após a sua condenação, discutir aquilo que não quis debater ou defender em sede própria nas audiências de julgamento no TAD, visando única e exclusivamente protelar o trânsito em julgado da douta decisão recorrida e prorrogar a inevitável ação da justiça que terá forçosamente de ocorrer em breve.
eeee) Sendo por demais evidente que, os fundamentos de recurso de apelação anteriormente apresentados pela FPN, não têm qualquer sustentação jurídica ou factual deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não pode nem deve ignorar.
ffff) O presente Recurso de Apelação constitui unicamente a apresentação de um expediente jurídico cuja falta de fundamento a Recorrente não pode ignorar, omitindo factos relevantes, e essenciais, para a boa decisão da causa fazendo do processo uso manifestamente reprovável, com o fím, manifesto, de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
gggg) No caso sub judice, a Recorrente, ao longo dos presentes autos sempre foi um interveniente processual ausente, e nunca requereu ou realizou qualquer prova ou diligência probatória nos mesmos vindo agora a arguir factos e pseudo nulidades da decisão recorrida, sem qualquer fundamento jurídico ou doutrinário manifestado anteriormente nos seus articulados ou decorrente das matérias discutidas e analisadas em sede de audiência de julgamento.
hhhh) Faz um uso manifestamente reprovável do processo, através da interposição do presente recurso de apelação, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, de entorpecer a ação da justiça e/ou protelar, sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
iiii) Não temos quaisquer peias em afirmar que a Recorrente age em clara má-fé processual dolosa ou gravemente negligente devendo por isso ser condenada ao pagamento de uma indemnização que o Tribunal julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a em quantia certa, com prudente arbítrio, fazendo-se a costumeira justiça.
Termos em que se Requer:
a) Que seja negado provimento ao Recurso de apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida do TAD do passado dia 21/06/2019;
b) Que a Recorrente seja condenada como litigante de má-fé, por deduzir oposição cuja falta de fundamento não poderia ou devia ignorar bem como, por fazer um uso manifestamente reprovável do processo, através da interposição do presente recurso de apelação, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, de entorpecer a ação da justiça e/ou protelar, sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, violando o disposto nas als. a) e d) do n°2 do art. 542° do CPC, requerendo-se que o Tribunal estipule a indemnização que julgue mais adequada à conduta da Recorrente enquanto litigante de má-fé, fixando-a em quantia certa, com prudente arbítrio, fazendo-se a costumeira justiça”.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões a decidir serão as seguintes:
- aferir da nulidade da decisão recorrida ao declarar a inaplicabilidade das normas contidas nos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da FPN;
- aferir da nulidade da decisão recorrida, por contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito, ao declarar a nulidade da decisão comunicada pela FPN à autora em 17/05/2018;
- aferir da nulidade da decisão recorrida, por manifesta insuficiência da matéria de facto julgada provada para fundamentar a condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização à demandante.
Cumprirá ainda aferir da litigância de má-fé da recorrente, que vem invocada nas contra-alegações de recurso.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
l.º) A Demandante foi admitida enquanto clube desportivo para participar em diversas competições desportivas de Natação, promovidas pelas Demandadas desde a época 2014/2015;
2.º) A Demandada Federação Portuguesa de Natação é uma federação unidesportiva, titular do estatuto de utilidade pública desportiva;
3.º) A Demandada Associação de Natação de Coimbra é uma pessoa coletiva de direito privado de âmbito regional que exerce as suas competências em todo o distrito de Coimbra, prosseguindo o seu objeto de acordo com o artigo 8.2 dos Estatutos da Federação Portuguesa de Natação e com os respetivos estatutos;
4.º) Os procedimentos relativos às transferências dos praticantes desportivos B….., A….., P….. e S….. da Fundação Beatriz Santos para a Demandante na época desportiva de 2017/2018 apenas ficaram concluídos mais de um mês depois do pedido inicial; 
5.º) A demandante recebeu um email em 17 de maio de 2018 dos serviços administrativos da Federação Portuguesa de Natação com o seguinte conteúdo:
“A FPN tomou conhecimento que o Clube CASPAE ainda não procedeu ao pagamento das compensações devidas ao Clube FBS pela mudança desta para aquele dos atletas P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M….., cujas licenças foram oportunamente expedidas pela FPN nos termos regulamentares.''
"Como é do conhecimento das associações e dos clubes, o cálculo das referidas compensações económicas é realizado de acordo com a fórmula constante do Anexo II ao Regulamento dos Direitos de Formação e Compensação da FPN, sendo que, para o efeito, são considerados, entre outros elementos, os anos consecutivos de permanência de cada um daqueles atletas na FBS, as respectivas categorias, número de disciplinas praticadas e ou se representaram, ou não, selecções nacionais."
“(...) A FPN decidiu proceder ao seu cálculo, termos em que concluiu que o Clube CASPAE deverá liquidar a favor do Clube FBS a quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes”
"Informa-se que a liquidação daquela importância ao Clube FBS deverá ocorrer até ao final da presente época desportiva, alertando-se que, se tal não ocorrer, a FPN desenvolverá todas as diligências que entender necessárias para o efeito, designadamente, in extremis, deliberar impedir a equipa do Clube CASPAE de competir na temporada 2018/2019 em nenhuma competição organizada pela FPN.”.
“Por último, relembre-se que 10% da quantia apurada e liquidada pela equipa devedora é atribuída à FPN para efeitos de aplicação em ações de âmbito nacional dos escalões mais jovens de formação” ( cfr. Doc. 28 junto com o requerimento cautelar);
6.º) Depois de 17 de maio de 2018, seguiu-se uma troca de comunicações entre a Demandante e a Demandada Federação Portuguesa de Natação, tendo esta em 26 de julho de 2018 remetido e-mail à Demandante com o seguinte conteúdo:
“É falso que o CASPAE tenha sido intimado para pagar compensações por transferências de nadadores e, bem assim, é inexato que o CASPAE tenha sido ameaçado de não poder inscrever atletas na próxima época desportiva caso não procedesse ao pagamento das ditas compensações à FBSC, pela "singela razão” de que a FPN jamais proferiu qualquer decisão jurídico-material nesse sentido.
Com efeito, no que concerne ao assunto supra identificado, a FPN respondeu, sempre, e oportunamente, a todas as solicitações do CASPAE e da FBSC no âmbito do, presente, litígio entre os dois clubes, pautando a sua conduta pelo rigoroso cumprimento dos regulamentos e salvaguardando os superiores interesses dos jovens nadadores, designadamente, ao expedir, em tempo, as necessárias licenças federativas, todavia, insiste-se, sem nunca se ter pronunciado sobre o mérito da questão.
O conteúdo do e-mail do passado dia 17 de maio não resulta, como é óbvio, de qualquer "precipitação ou de um juízo errado dos serviços", antes tem na sua génese (i) a censurável falta de diálogo entre o CASPAE e a FBSC para a resolução do presente diferendo, [ii] o facto, invulgar, de um grupo de nadadores jovens ter mudado - em simultâneo - da FBSC para o CASPAE, (iii) a consequente, acertada e louvável, expedição das competentes licenças aos nadadores, (iv) a manifestação expressa ab initio da FBSC de não renunciar à compensação financeira por formação, à qual entende ter direito e cujo pagamento reclama ao CASPAE no montante de 11.948,00 Euros, e (v) a constatada não liquidação desta importância, factualidade, esta, que determinou que os Serviços da FPN tivessem adotado a medida - que consideraram necessária - consubstanciada na redação da mencionada comunicação dirigida ao CASPAE.
Destarte, os Serviços da FPN, ponderando o conjunto de factos em sua presença - enunciados no parágrafo anterior - consideraram, ao abrigo do disposto no argo 27.º do Regulamento dos Direitos de Compensação e Formação da FPN, para efeitos meramente administrativo-procedimentais, idónea a pretensão invocada pela FBSC, no sentido daqueles factos proporcionarem um vislumbre de probabilidade da sua existência, o que concretizaram com o envio do já citado e-mail. Relembre-se que o n.º 6 daquela norma estabelece que "Ainda no caso de que o clube de destino não proceda ao pagamento da compensação fixada pelo clube de origem, a licença será expedida, sem prejuízo de que a FPN adote as medidas necessárias [administravas e/ou outras] para que se proceda à liquidação da quantia estabelecida."
Como tal, esgotadas as medidas burocrático-administravas e persistindo o desacordo entre os clubes, que se mantêm intransigentes nas suas posições, informamos V. Exa, que a Direção da FPN vai requerer ao Conselho de Disciplina, para os legais efeitos, a abertura de processo disciplinar para "apreciação do assunto, com tomada de posição clara sobre a aplicação do RT ", remetendo àquele órgão jurisdicional todo o expediente em seu poder" (Cfr. Doc. 33 junto com a p.i.);
7.º) Não obstante, não se provou que esteja em curso qualquer procedimento disciplinar no âmbito da Federação Portuguesa de Natação contra a Demandante, tendo por base os factos referidos nas comunicações eletrónicas de 17 de maio de 2018 e de 26 de julho de 2018;
8.º) Em 1 de agosto de 2018, a Demandante solicitou espaços de treino tendo por base o número de atletas filiados na época 2017/2018 bem como, a possível integração dos atletas que se previam para a época 2018/2019 [Cfr. Doc. 35 junto com a p.i.);
9º) Em mensagem eletrónica enviada em 27 de setembro de 2018, referente à afetação de pistas para a competição, a Demandada Associação de Natação de Coimbra, responsável por esta distribuição, não contemplou os praticantes da Demandante no Complexo Olímpico de Piscinas Municipais, atribuindo-lhe espaços de treino no Complexo de Piscinas Luís Lopes da Conceição [cfr. Doc. 37 junto com a p.i.);
10.º) A Demandada Associação de Natação de Coimbra, invocando uma "solicitação da FPN”, recusou em 8 e 10 de outubro de 2018 a filiação da Demandante, em virtude da não apresentação de comprovativo de pagamento de compensação financeira ao clube Fundação Beatriz Santos (cfr. Docs. 38 e 40 juntos com a p.i.);
11.º) Os atrasos na filiação da Demandante no início da época desportiva de 2018/2019 provocaram uma perda de praticantes desportivos para outras agremiações desportivas, nomeadamente para o Condeixa Aqua Clube;
12.º) Nas semanas seguintes, a Demandante promoveu diversas diligências para proceder à inscrição dos seus praticantes, mas apenas em 26 de novembro de 2018 ficou completa a inscrição de praticantes da Demandante pela Demandada Associação de Natação de Coimbra;
13.º) A Demandante encontra-se presentemente filiada na Associação de Natação de Coimbra para a participação em competições desportivas na época desportiva de 2018/2019, sem que o não pagamento de uma compensação financeira ao clube Fundação Beatriz Santos pela transferência de praticantes ocorrida na época desportiva transata tenha impedido a sua filiação;
14.º) A Demandante tinha 10 praticantes inscritos na Demandada Associação de Natação de Coimbra [1 infantil, um juvenil e 8 cadetes) à data de 8 de fevereiro de 2019 (cfr. listagem de atletas junta aos autos como Documento 2 pela Demandada Associação de Natação de Coimbra em sessão de julgamento de 12 de fevereiro de 2019);
15.º) No Complexo Olímpico de Piscinas, são atribuídas sete pistas de natação pelo Município de Coimbra à Associação de Natação de Coimbra, para utilização pelos clubes desportivos do concelho de Coimbra filiados na referida Associação (cfr. mapa de ocupação de piscinas junta aos autos como Documento 1 pela Demandada Associação de Natação de Coimbra em sessão de julgamento de 12 de fevereiro de 2019];
16.º) A Associação Académica de Coimbra utiliza duas pistas e tem 109 praticantes federados, o Clube Náutico utiliza duas pistas e tem 96 praticantes federados, a Fundação Beatriz Santos utiliza duas pistas e tem 68 praticantes federados, o Clube União 1919 tem 44 praticantes, partilhando uma pista com a Demandante (cfr. listagem de atletas junta aos autos como Documentos 3 a 6 pela Demandada Associação de Natação de Coimbra em sessão de julgamento de 12 de fevereiro de 2019);
17.º) A distribuição das pistas pelos clubes desportivos no Complexo Olímpico de Piscinas encontra-se publicada nesse equipamento desportivo;
18.º) O Clube Recreativo “O Vigor da Mocidade”, outra instituição desportiva do concelho de Coimbra que também se dedica à natação, não tem pistas atribuídas no Complexo Olímpico de Piscinas;
19.º) A Associação de Natação de Coimbra proporcionou à Demandante a possibilidade de utilização do Complexo de Piscinas Municipais Luís Lopes da Conceição, que possui uma piscina com 25m;
20.º) A Demandante encontra-se já a participar em provas desportivas, pelo menos a partir do Torneio da Lousã, realizado no fim-de-semana de 9 e 10 de fevereiro de 2019;
21.º) As competições desportivas na modalidade de natação realizam-se em piscinas com dimensões olímpicas (50m) e em piscinas de 25m.
22.º) O Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação foi aprovado pela respetiva Direção em 27 de maio de 2016, ainda na vigência da Lei n.º 28/98, de 26 de junho;
23.º) Nenhum dos praticantes transferido do Clube Fundação Beatriz Santos para a Demandante na época desportiva de 2017/2018 (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..] tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo ou um contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência.

A convicção do Tribuna! relativamente à matéria de facto considerada provada resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos, das declarações de parte prestadas e dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Demandante e pela Demandada Associação de Natação de Coimbra, tendo-se observado, inter alia, o princípio da livre apreciação da prova.”.

*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se:
- é nula a decisão recorrida ao declarar a inaplicabilidade das normas contidas nos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da FPN;
- é nula a decisão recorrida, por contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito, ao declarar a nulidade da decisão comunicada pela FPN à autora em 17/05/2018;
- é nula a decisão recorrida, por manifesta insuficiência da matéria de facto julgada provada para fundamentar a condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização à demandante;
- a recorrente deve ser condenada como litigante de má-fé.


a) da inaplicabilidade dos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da FPN

Nesta sede, sustenta a recorrente, em síntese, o seguinte:
- o TAD devia ter-se limitado a decidir sobre a legalidade das normas contidas nos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da FPN e não valorar a opção aí tomada pela FPN, que agiu no exercício dos seus poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina, ao abrigo do disposto nos artigos 10.°, 11.° e 13.° do Regime Jurídico das Federações Desportivas, não sendo aplicável ao caso a Lei n.º 28/98, de 26 de junho.;
- ao declarar a inaplicabilidade daquelas normas, a decisão recorrida violou os artigos 2.º e 202.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 14.º, als. a), ponto i), e b), da Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (LBAFD), 10.º, 11.º e 13.º, n.os 1, al. g) e 2, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.

O entendimento do TAD resume-se como segue:
- a competência da FPN para regulamentar as transferências de praticantes desportivos não deriva dos poderes públicos delegados de regulamentação de uma modalidade, devendo existir norma legal habilitante que o permita;
- sendo a LBAFD e o RJFD omissos, a norma legal habilitante específica teria de encontrar-se na Lei n.º 28/98, de 26 de junho, da qual decorre que os poderes regulamentares das federações desportivas ao nível da transferência de praticantes desportivos pressupõem a existência de contrato de trabalho desportivo ou de contrato de formação desportiva;
- como nenhum dos praticantes desportivos transferidos detinham um desses contratos, o Regulamento de Transferências da FPN não se lhes aplica, ficando prejudicada a apreciação da sua conformidade legal com a LBAFD, o RJFD e com a Lei n.º 28/98.
Invoca a recorrente a nulidade do acórdão arbitral, sem que densifique minimamente porque o faz.
De acordo com o disposto nos artigos 46.º e 47.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto e aprovou a respetiva lei (LTAD), verifica-se a nulidade da decisão do colégio arbitral caso exista oposição entre os fundamentos e a decisão ou esta não contenha alguns dos elementos seguintes:
a) A identificação das partes e, caso existam, dos contrainteressados;
b) A referência à competência do TAD;
c) A identificação dos árbitros e a indicação da forma como foram designados;
d) A menção do objeto do litígio;
e) A fundamentação de facto e de direito;
f) O lugar da arbitragem, o local e a data em que a decisão for proferida;
g) A assinatura do árbitro presidente ou do árbitro único;
h) A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes.
Sem que a recorrente o concretize, também não se vê que a decisão recorrida incorra na referida oposição ou que omita algum dos elementos indicados.
No mais, ali se decidiu com propriedade.
Vejamos porquê.
O Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação foi aprovado em Reunião de Direção de 27 de maio de 2016. Do mesmo consta o regime da transferência de praticantes vinculados por contrato de trabalho, no artigo 23.º, enquanto o regime da transferência de praticantes não vinculados por contrato se encontra previsto no artigo 24.º. O artigo 25.º prevê as condições de transferência de praticantes, ao passo que o artigo 26.º estipula o pagamento de uma compensação, caso os clubes não cheguem a acordo quanto aos termos e condições da transferência de um praticante não vinculado por contrato.
Invoca a recorrente que, ao criar estas normas regulamentares, agiu no exercício dos seus poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina no âmbito da natação portuguesa, que são prerrogativas públicas e exclusivas suas, decorrendo da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto e do Regime Jurídico das Federações Desportivas.
Sucede que tais poderes de regulamentação da modalidade carecem de norma legal habilitante, da qual resulte que a federação possa aprovar normas regulamentares, como as do caso vertente sobre transferências de praticantes desportivas, tal como se assinala na decisão sob recurso.
Das disposições invocadas pela recorrente da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (LBAFD), artigo 14.º, al. a), ponto i), e al. b), apenas decorre que cabe às federações desportivas regulamentar, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou de um conjunto de modalidades afins ou associadas, caso obtenham o estatuto de utilidade pública desportiva.
Por seu turno, o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (RJFD), prevê no artigo 10.º que “[o] estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei.”
Trata-se de poderes de natureza pública, artigo 11.º, tendo as federações desportivas direito à regulamentação dos quadros competitivos da modalidade, artigo 13.º, n.º 1, al. g), e exercendo ainda os direitos que nos estatutos lhes sejam conferidos pelos seus associados artigo 13.º, n.º 2.
Contudo, como se reconhece na decisão sob recurso, nada nos dizem estes normativos quanto à competência em concreto desta federação desportiva para regulamentar a matéria da transferência de praticantes desportivos.
Tal matéria, à data da aprovação do Regulamento de Transferências da FPN, encontrava-se prevista na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabeleceu um novo regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva.
Em particular, releva o que aí previa o artigo 21.º: “[a] transferência do praticante desportivo é regulada pelos regulamentos da respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º”.
Prevendo tal artigo 18.º, sob a epígrafe ‘liberdade de trabalho’, no respetivo n.º 2, que “[p]ode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo.”
Relevando ainda o artigo 38.º de tal regime, onde se previa que “[a] celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato de trabalho como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito de receber uma compensação por formação, de acordo com o disposto no artigo 18.º”.
Decorre destes normativos que os poderes regulamentares das federações dotadas de utilidade pública desportiva no estabelecimento de obrigação de pagamento de uma justa indemnização, nesta matéria da transferência de praticante desportivo, se circunscreviam aos casos em que existia um contrato de trabalho entre este e a anterior / atual entidade empregadora desportiva, ou nos casos de compensação pela formação, com a atual entidade empregadora desportiva.
E ainda que existindo um destes contratos, apenas por convenção coletiva podia ser estabelecida a obrigação de pagamento de uma justa indemnização e não por regulamento federativo.
O Regulamento de Transferências da FPN falha nestes dois pressupostos.
Bastando-nos aqui o primeiro para concluir que não podia a federação ora recorrente estabelecer, através de regulamento federativo, a obrigação de pagamento de qualquer compensação a um clube no caso de mudança para outro clube de praticantes desportivos sem contrato de trabalho ou de formação desportiva (vejam-se, neste sentido, o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 7/2001, votado em 18/04/2001, publicado no DR Série II de 18/06/2001, e João Leal Amado, ‘O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as indemnizações de transferência’, in Questões Laborais, ano V, 1998, n.º 12, págs. 233/239, já convocados nas contra-alegações do recorrido).
Como tal, os normativos constantes dos artigos 24.º a 26.º do Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação, na medida em que implementam um regime de transferência de praticantes não vinculados por contrato, são ilegais.
O pedido da recorrida enquadra-se no disposto no artigo 73.º, n.º 3, al. a), do CPTA, sendo de manter o juízo de desaplicação das normas regulamentares em questão.
Mais se diga que, em função do explanado, carece em absoluto de pertinência a invocada violação dos artigos 2.º e 202.º, n.º 1, da CRP, que de todo o modo a recorrente nem sequer minimamente fundamenta.
Improcede, pois, a primeira questão suscitada pela recorrente.


b) da nulidade da decisão comunicada pela FPN à autora em 17/05/2018

Sustenta aqui a recorrente, em síntese:
- é nula a decisão recorrida, por manifesta contradição entre a matéria de facto julgada provada e a fundamentação de direito, pois o Colégio Arbitral julgou provados os factos 22 e 23, não podendo depois dizer que inexistia norma regulamentar aplicável às situações jurídicas dos aludidos praticantes desportivos;
- admitindo que a comunicação da FPN ao CASPAE, de 17 de maio de 2018, configura a prática de um ato administrativo de liquidação, a FPN tinha absoluta competência para o praticar, como se alcança do artigo 27.º do Regulamento de Transferências.
O TAD concluiu que o poder regulamentar em causa não foi delegado pelo Estado na Federação Portuguesa de Natação, pelo que o ato de liquidação padece do vício de incompetência absoluta, sendo, consequentemente, nulo, nos termos previstos no artigo 161.º, n.º 2, al. b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Já se assinalou anteriormente que, de acordo com o disposto no artigo 46.º da LTAD, verifica-se a nulidade da decisão do colégio arbitral, designadamente, caso exista oposição entre os fundamentos e a decisão.
Trata-se de norma paralela à que consta do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, onde se prevê ser nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como é comummente percebido, esta nulidade pressupõe um erro de raciocínio lógico, em que a decisão se mostra contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, pressupondo que se atingiu conclusão de todo incompatível com as premissas em que o julgador assentou (cf., vg, o acórdão do STJ de 26/10/2010, proc. n.º 1874/05.4TCSNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).
Não é suficiente um erro de subsunção dos factos à norma jurídica, mas antes uma construção viciosa da sentença em que “os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 2010, p. 56).
No acórdão arbitral deu-se como assente nos pontos 22 e 23 do probatório:
- O Regulamento de Transferências da Federação Portuguesa de Natação foi aprovado pela respetiva Direção em 27 de maio de 2016, ainda na vigência da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
- Nenhum dos praticantes transferido do Clube Fundação Beatriz Santos para a Demandante na época desportiva de 2017/2018 (P….., R….., A….., A….., B….., S….., M….. e M…..] tinha celebrado um contrato de trabalho desportivo ou um contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência.
Como é bom de ver, uma coisa é a existência do Regulamento de Transferências, facto indesmentível, posto que a Federação Portuguesa de Natação o aprovou. Outra é o juízo de ilegalidade de normas regulamentares constantes de tal regulamento, que impunham a sua desaplicação.
À evidência, inexiste aqui qualquer erro de raciocínio lógico, em que a conclusão a que se chegou seja de todo incompatível com as premissas em que assenta.
E diga-se que também não se verifica aqui qualquer erro de julgamento.
É inequívoco que a comunicação da federação recorrente ao clube recorrido, datada de 17 de maio de 2018, ponto 5 do probatório, configura a prática de um ato administrativo de liquidação.
Com efeito, aí se conclui que o clube recorrido deveria liquidar a favor de outro clube a quantia de 11.984,00 euros a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes, a ocorrer até ao final da época desportiva, sob pena de, designadamente, a FPN deliberar impedir a equipa do clube recorrido de competir na temporada 2018/2019 em nenhuma competição organizada pela FPN.
Diz a recorrente que tinha absoluta competência para praticar tal ato, como se alcança do artigo 27.º do Regulamento de Transferências.
Como é evidente, não tinha.
Já se concluiu na questão anterior que eram ilegais as normas regulamentares aprovadas pela FPN, que implementaram um regime de transferência de praticantes não vinculados por contrato.
Ora, assentando o ato de liquidação em causa em tais normas ilegais, o mesmo é nulo, pois padece do vício de incompetência absoluta, como decorre do artigo 161.º, n.º 2, al. b), do CPA, tal como se ajuizou na decisão sob recurso.
Improcede também a presente questão suscitada pela recorrente.


c) da condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização à demandante

Quanto à presente questão, invoca a recorrente, em síntese:
- o acórdão arbitral é omisso na indicação dos factos julgados provados que permitam fundamentar a condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização ao recorrido, pelo que a inexistência de fundamentação de facto determina a nulidade da decisão;
- a matéria de facto provada é omissa quanto ao preenchimento dos pressupostos da culpa, dos danos ao nome, honorabilidade e imagem desportivas da demandante, bem como quanto aos prejuízos sofridos e é por isso manifestamente contraditória com a fundamentação de direito que os julga provados.
Na decisão recorrida fundamentou-se a procedência do pedido de condenação da requerente como segue:
Dúvidas não se colocam quanto à admissibilidade de, em abstrato, ser requerida a efetivação da responsabilidade civil das Demandadas Federação Portuguesa de Natação c Associação de Natação de Coimbra perante o TAD, na medida em que as respetivas atuações relevem do exercício de poderes públicos ou de normas de Direito Administrativo, nos termos gerais do artigo 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e do artigo 7.º, n.os 1 e 2, do RJFD. De resto, a própria aceitação da competência do TAD para dirimir o presente litígio, nos termos supra expostos, já tem como pressuposto precisamente que as atuações das Demandadas ocorreram na exercitação de poderes públicos ou que se encontravam submetidas a princípios e normas de Direito Administrativo. (…)
A existência de um facto voluntário pressupõe a ocorrência de ações ou omissões suscetíveis de serem controladas pelos agentes. Diversos factos foram dados como provados e que permitem considerar preenchido este pressuposto, nomeadamente, as comunicações dirigidas pela Demandada Federação Portuguesa de Natação em 17 de maio de 2018 e 26 de julho do mesmo ano à Demandante e a interação desta com a Demandada Associação de Natação de Coimbra para a sua filiação e para a inscrição de praticantes desportivos.
O segundo pressuposto prende-se com a ilicitude, com o sentido que lhe é dado pelo artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro: "Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de-ordem técnica" ou deveres objetivos de cuidado de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos". Deste modo, exige-se a existência de uma ilegalidade administrativa mas esta tem também de gerar a afetação de posições jurídicas subjetivas de particulares.
Também o segundo pressuposto da responsabilidade civil se mostra verificado. Pelas razões já anteriormente expostas, as atuações da Demandada Federação Portuguesa de Natação de liquidar uma quantia a título de compensação pela transferência de praticantes desportivos e de dar a entender à Demandante que estava a correr ou que estaria iminente a abertura de um procedimento disciplinar contra esta violam o princípio da legalidade e puseram em causa a possibilidade de prática desportiva pela Demandante e por aqueles que através dela pretendiam praticar a natação.
Acresce a tudo isto que ficou provado que a Demandante foi impedida de iniciar regularmente a época desportiva de 2018/2019 pelas dificuldades de natureza administrativa que foram colocadas à sua filiação e à inscrição dos respetivos praticantes desportivos e que apenas foram superadas com a época em curso. Todos estes factos prejudicaram os direitos da Demandante, incidindo sobre um aspeto desportivo de natureza jurídico-administrativa: permissão para exercício da atividade desportiva.
Mais: não pode deixar de merecer censura a comunicação emitida em 26 de julho de 2018, pela Demandada Federação Portuguesa de Natação a informar a Demandante de que, se não tivesse lugar o pagamento da mencionada compensação financeira, seriam desencadeados os procedimentos necessários para o exercício da ação disciplinar contra a mesma. A circunstância de não ter sido, na realidade, aberto o procedimento disciplinar, revela-se irrelevante, uma vez que o tom e o modo como a Demandada Federação Portuguesa de Futebol se dirigiu à Demandante fê-la crer da iminência da abertura de um procedimento disciplinar, com todos os efeitos perturbadores daí decorrentes para a sua atividade.
Passando agora à culpa, esta "deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso ou cumpridor" [artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro].
Também os factos já descritos são reveladores de um comportamento censurável. Não se pode considerar admissível que a Demandante tenha sido destinatária de uma liquidação de uma compensação financeira a outra entidade, que, mais tarde, foi desvalorizada pela Demandada Federação Portuguesa de Natação ou que não tenha sido adotada a diligência necessária para permitir a prática desportiva pela Demandante e pelos respetivos atletas, ainda na época desportiva de 2017/2018, prática depois repetida na presente época, privando-os de participarem em competições desportivas. (…)
No que tange aos danos ou prejuízos, e sem prejuízo de a Demandante ter optado por remeter a liquidação do valor da indemnização para momento ulterior, em incidente processual próprio, há que determinar, desde já, quais os danos suscetíveis de darem lugar a indemnização.
Mostram-se provados os danos ao nome, à honorabilidade e imagem desportivas da Demandante, uma vez que a existência de uma pretensa dívida por liquidar a outra instituição desportiva lesou a posição da Demandante junto da comunidade desportiva conimbricense, limitando a sua capacidade de recrutamento de praticantes desportivos, Consequentemente, existiu uma perda de atletas de competição de praticantes na fase de aprendizagem. Os prejuízos ora identificados decorreram também dos atrasos na filiação da Demandante no início da época desportiva de 2018/2019, daí advindo ainda a perda de praticantes desportivos para outras agremiações desportivas.
Igualmente, como decorrência direta do que vem sendo exposto, a Demandante perdeu apoios e financiamentos pelo não pagamento de taxas de inscrição de praticantes que, em condições normais, o teriam feito. (…)
Resta apurar o derradeiro pressuposto: o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo. Neste campo, não se verifica qualquer especificidade face ao Direito Civil, cabendo, pois, convocar o disposto no artigo 563.° do Código Civil: "A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão''. (…)
Ora, ficou provado nos presentes autos que a causa da perda de praticantes desportivos pela Demandante, das perturbações ao desenvolvimento da sua atividade desportiva, maxime na época desportiva de 2018/2019, da afetação do seu bom nome desportivo e dos prejuízos de natureza patrimonial acima identificados resultaram diretamente das ações adotadas pela Demandada Federação Portuguesa de Natação, quer de modo direto, quer quando cometeu à Demandada Associação de Natação de Coimbra as tarefas de impedir o normal desenvolvimento da atividade desportiva da Demandante.
Deste modo, acham-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, nossa medida, considera-se procedente a pretensão indemnizatória deduzida pela Demandante, sem prejuízo de o valor concreto dos danos ainda dever ser apurado em execução de sentença, nos termos conjugados dos artigos 569.° do Código Civil e 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O decidido não merece censura.
Ampara-se a recorrente numa suposta omissão na indicação dos factos julgados provados que permitem fundamentar a sua condenação, novamente invocando a nulidade da decisão.
É certo que decorre dos artigos 46.º e 47.º, n.º 1, al. b), da LTAD, que será nula a decisão do colégio arbitral caso não contenha a fundamentação de facto e de direito.
Contudo, como decorre dos trechos transcritos, é apresentada fundamentação de facto exaustiva quanto à verificação de cada um dos pressupostos da responsabilidade civil da recorrente.
Assim, temos o facto voluntário por reporte às comunicações dirigidas pela recorrente em 17 de maio de 2018 e 26 de julho do mesmo ano à recorrida e a interação desta com a Associação de Natação de Coimbra para a sua filiação e para a inscrição de praticantes desportivos.
A ilicitude por reporte à violação do princípio da legalidade por parte da recorrente, que claramente decorre da terceira questão já então enfrentada pelo colégio arbitral, primeira questão suscitada no presente recurso.
A culpa por reporte ao comportamento censurável da recorrente, ao emitir liquidação de compensação financeira à recorrida, que mais tarde desvalorizou, e a não adoção da diligência necessária para permitir a prática desportiva desta e dos respetivos atletas nas épocas desportivas de 2017/2018 e 2018/2019.
Os danos por reporte à existência de uma pretensa dívida por liquidar a outra instituição desportiva, lesando a sua posição junto da comunidade desportiva conimbricense e limitando a sua capacidade de recrutamento de praticantes desportivos, levando à perda de atletas de competição de praticantes na fase de aprendizagem, aos atrasos na sua filiação no início da época desportiva de 2018/2019, daí advindo ainda a perda de praticantes desportivos para outras agremiações desportivas e à perda de apoios e financiamentos pelo não pagamento de taxas de inscrição de praticantes.
O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo por os invocados danos terem resultado diretamente das ações adotadas pela recorrente, quer de modo direto, quer quando cometeu à Associação de Natação de Coimbra as tarefas de impedir o normal desenvolvimento da atividade desportiva da recorrida.
Como é evidente, não se vislumbra aqui qualquer ausência de fundamentação de facto, nem a matéria de facto provada é contraditória com a fundamentação de direito.
Veja-se que consta do probatório o seguinte:
- os procedimentos relativos às transferências de 4 praticantes desportivos para a recorrida na época desportiva de 2017/2018 apenas ficaram concluídos mais de um mês depois do pedido inicial – ponto 4;
- a comunicação da recorrente à recorrida datada de 17/05/2018, concluiu dever esta liquidar a favor de outro clube a quantia de € 11.984,00, a título de compensações devidas pelas transferências dos praticantes, a ocorrer até ao final da presente época desportiva, sob pena de, designadamente, não poder competir na temporada 2018/2019 – ponto 5;
- a comunicação da recorrente à recorrida datada de 26/07/2018, referindo ser falso que a recorrida tenha sido intimada para pagar compensações por transferências de nadadores e ameaçado de não poder inscrever atletas na próxima época desportiva caso não procedesse ao pagamento das ditas compensações, por jamais ter proferido qualquer decisão jurídico-material nesse sentido, mais advertindo que vai requerer ao Conselho de Disciplina a abertura de processo disciplinar – ponto 6;
- a comunicação da Associação de Natação de Coimbra à recorrida datada de 27/09/2018, não permitindo o uso pelos praticantes desta do Complexo Olímpico de Piscinas Municipais – ponto 9;
- a recusa em 08 e 10/10/2018 de filiação da recorrida, por parte da Associação de Natação de Coimbra, invocando solicitação da recorrente, por não apresentação de comprovativo de pagamento de compensação financeira ao clube Fundação Beatriz Santos – ponto 10;
- os atrasos na filiação da recorrida no início da época desportiva de 2018/2019 terem provocado uma perda de praticantes desportivos para outras agremiações desportivas, nomeadamente para o Condeixa Aqua Clube – ponto 11;
- ter a recorrida promovido nas semanas seguintes diversas diligências para proceder à inscrição dos seus praticantes, que apenas logrou em 26/11/2018 – ponto 12;
- a aprovação do Regulamento de Transferências que esteve na base do ato de liquidação – ponto 22;
- não terem os praticantes transferidos para a recorrida, na época desportiva de 2017/2018, celebrado contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportiva com a primeira entidade à data da transferência – ponto 23.
São estes os factos que suportam as conclusões jurídicas relativas ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil da recorrente.
Inexiste, pois, nulidade da decisão nesta parte, nem sequer erro nos pressupostos de facto, posto que a decisão sobre a matéria fáctica surge devidamente enquadrada e ampara a solução jurídica em seguida desenhada.
Concluindo, a responsabilidade civil da recorrente decorre do estatuído nos artigos 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e 7.º, n.os 1 e 2, do RJFD, não merecendo censura a decisão sob recurso ao julgar verificados os respetivos pressupostos e ao relegar para execução de sentença o apuramento do valor concreto dos danos, em conformidade com o disposto nos artigos 569.º do CC, 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do CPC.

Em suma, o presente recurso improcede.

Peticionou a recorrida a condenação da recorrente como litigante de má-.
Invoca que a recorrente deduziu oposição cuja falta de fundamento não poderia ou devia ignorar e fez um uso manifestamente reprovável do processo, através da interposição do presente recurso de apelação, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, de entorpecer a ação da justiça e/ou protelar, sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, violando o disposto nas als. a) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
Conforme decorre do disposto no artigo 542.º do CPC, a conduta da parte integra-se no conceito de litigância de má-fé se estiver viciada por dolo ou negligência grave, considerando-se como tal:
a) ter deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (…)
d) ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Dos autos não resulta o invocado, quer da matéria de facto dada como assente, quer do recurso que aquela apresentou.
Com efeito, ainda que se tenha decidido em sentido contrário ao por si aqui sustentado, não se vislumbra sombra de dolo ou negligência grave na sua atuação, seja quanto a não ignorar a falta de fundamento do recurso, seja quanto a fazer um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de entorpecer a ação da justiça e/ou protelar, sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A recorrente apresentou argumentação jurídica com um mínimo de plausibilidade, em função da defesa dos seus interesses, exercendo o seu direito ao recurso da decisão arbitral.
Pelo que improcede o pedido de condenação da recorrente como litigante de má-fé.

*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida;
- julgar improcedente o pedido de condenação da recorrente como litigante de má-fé.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 30 de abril de 2020

(Pedro Nuno Figueiredo - relator)

(Ana Cristina Lameira)

(Cristina dos Santos)