Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04809/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/07/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES.
PRESSUPOSTOS DO DECRETAMENTO DO ARRESTO NO ÂMBITO DO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
FINALIDADES DA OPOSIÇÃO AO ARRESTO.
ARRESTO PREVENTIVO EM BENS DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
ARTº.136, Nº.5, DO C.P.P.T., CONSAGRA UMA PRESUNÇÃO LEGAL DE EXISTÊNCIA DO “PERICULUM IN MORA”.
ARTº.51, Nº.2, DA L. G. TRIBUTÁRIA. PROVIDÊNCIAS CAUTELARES. PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:1. O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora e, grosso modo e na vertente processual, a providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
2. Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
a)A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
b)A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
c)A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente.
3. No âmbito do processo tributário o arresto (preventivo) tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cfr.artºs.136 e 214, nº.3, do C.P.P.Tributário), admitindo a lei o pedido de arresto mesmo no âmbito do procedimento tributário de inspecção, enquanto medida cautelar que visa garantir o pleno exercício da função inspectiva da A. Fiscal (cfr.artº.31, do R.C.P.I.T.).
4. Os requisitos de procedência do arresto, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.51, da L.G.Tributária; artº.136, do C.P.P.Tributário):
a)Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis;
b)O tributo em causa estar liquidado ou em fase de liquidação, sendo que nos tributos periódicos, como é o caso do I.R.C., ou do I.R.S., a lei considera que se encontra em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respectivos rendimentos se reportem, enquanto nos tributos de obrigação única, como é o caso do I.V.A., o imposto se encontra em fase de liquidação, logo a partir do momento em que ocorre o facto tributário.
5. Na fase da declaração do arresto impende sobre o requerente o ónus da prova dos factos integrantes dos respectivos requisitos, não bastando, em consequência, o simples e vago rumor de uma ameaça do requerido de se desfazer dos seus bens, para que se dê como provado que ele se prepara para o concretizar. E isto porque o receio de diminuição de garantias tem de ser fundado, o que vale por dizer, que deve ser apreciado objectivamente e não apenas na óptica pessoal do requerente. Por outras palavras, é necessário que existam elementos indiciários objectivos no processo que apontem no sentido de que o devedor ou responsável pretende alienar ou sonegar bens que devem servir de garantia do crédito tributário.
6. O arresto é decretado sem audiência da parte contrária (cfr.artº.408, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.139, do C.P.P.Tributário) só se iniciando, para o arrestado, a via contraditória depois de ser notificado da decisão e podendo, em alternativa, este optar por uma das duas vias contenciosas possíveis (cfr.artºs.388, nº.1, e 392, nº.1, do C.P.Civil):
a)O recurso da decisão que decretou o arresto quando entenda que, face aos elementos apurados, ele não devia ter sido deferido;
b)A oposição à mesma decisão, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
7. Optando o requerido pela oposição, não pode pôr em causa a matéria de facto anteriormente consignada nos autos nem a aplicação do direito a esses factos feita pela decisão que decretou o arresto (o que poderia fazer em sede de recurso dessa decisão). Nos casos de arresto requerido antes de ser instaurada a execução, os únicos factos relevantes a alegar em sede de oposição serão os que permitam a conclusão, diversa da constante da decisão que decretou a providência, de que não se justifica o fundado receio da diminuição das garantias de cobrança dos créditos tributários já liquidados ou em fase de liquidação (assim levando à revogação da decisão que ordenou o arresto), e os que permitam concluir que os bens apreendidos excedem as necessidades de garantia (o que determinará a redução de bens apreendidos).
8. No caso de se pretender o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração da execução fiscal ou do chamamento deste à execução por via da reversão, torna-se necessário que o requerente (Fazenda Pública) alegue e prove, ainda que sumariamente (pois que estamos no domínio de um procedimento cautelar), factos tendentes a demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos legais para esse chamamento à luz das normas que estabelecem a responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias, o que acontece quando, de forma cumulativa, se verificam:
a)Os requisitos previstos no artº.153, nº.2, do C.P.P.T., relativos à inexistência de bens penhoráveis do devedor originário ou à fundada insuficiência do património do mesmo devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido;
b)Os requisitos previstos no artº.24, da L.G.T., relativos ao exercício do cargo de gerente da sociedade devedora no período da constituição do facto tributário ou no período de entrega ou pagamento dos impostos em dívida.
9. Pretender que no âmbito de uma providência cautelar de arresto preventivo o requerente (Fazenda Pública) faça prova, ainda que meramente indiciária, da eventual culpa do responsável subsidiário, quando se requer o arresto em bens deste, assim satisfazendo o eventual ónus probatório consagrado no artº.24, nº.1, al.a), da L. G. Tributária, significa a transposição para o âmbito deste procedimento cautelar de natureza preventiva da discussão sobre a efectivação da responsabilização subsidiária que apenas ocorre em sede de execução fiscal, após a reversão e no âmbito de eventual oposição (cfr.artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário). Pelo que, não deve tal actividade probatória ser confundida com a decisão sobre os fundamentos do arresto como medida cautelar preventiva da execução.
10. De acordo com o disposto no artº.136, nº.5, do C.P.P.T., a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal de existência do “periculum in mora”. Como está bem de ver, a Administração Tributária, para gozar de tal presunção, precisa de fazer a demonstração do facto indiciário pertinente, que está na base dessa mesma presunção legal, e que se consubstancia em haver dívidas por impostos que o devedor ou o responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.
11. O nº.5, do artº.136, do C.P.P.Tributário, foi aditado pela Lei 15/2001, de 5/6. Nada na lei nos permite tirar a conclusão que o citado artº.136, nº.5, do C.P.P.T., não se aplica aos arrestados responsáveis subsidiários (“ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”).
12. Nos termos do artº.51, nº.2, da L. G. Tributária, a realização de providências cautelares por parte da Fazenda Pública e no âmbito do procedimento/processo tributário deve respeitar os princípios da necessidade e da proporcionalidade. Este normativo traça, pois, um duplo limite à adopção das providências cautelares: não devem ser excessivas, o que é uma proibição meramente relativa, respeitando ao conteúdo e extensão concretos de cada providência; nem causar dano de impossível ou difícil reparação ao particular, o que significa a proibição absoluta das medidas provisórias que atinjam esse resultado, mesmo quando o seu objectivo seja evitar um dano de difícil ou impossível reparação à Fazenda Nacional, e gerando a inobservância dessa disposição um dever de indemnização por parte da Administração Tributária. O princípio da proporcionalidade não apenas proíbe a adopção de providências cautelares excessivas, como impõe a sua caducidade no momento em que seja obtido o fim para que foram decretadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., titular do n.i.f. ..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.1576 a 1586 do presente processo, através da qual julgou improcedente oposição a arresto decretado em bens de sua pertença, deduzida ao abrigo do artº.388, nº.1, al.b), do C. P. Civil.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.1592 a 1619 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Não se tendo conformado o recorrente com a decisão proferida, vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu pela improcedência da oposição e consequente manutenção do arresto decretado;
2-Salvo o devido respeito, a sentença recorrida errou no julgamento das questões que lhe foram colocadas;
3-Relativamente à matéria de facto, é manifesto o erro de julgamento, pelo que o Tribunal recorrido não pode ter baseado a sua convicção na prova produzida, nomeadamente, na prova documental e na prova testemunhal;
4-A douta sentença julgou incorrectamente os pontos de facto constantes dos números 3, 6, 7, 12, 13 e 15, na medida em que a prova documental junta aos autos pelo recorrente impunha decisão diversa da proferida, quanto aos factos dados como provados;
5-O Tribunal Tributário de Lisboa, na sua douta sentença, face à prova documental produzida, não podia ter considerado como provados, os pontos de facto constantes dos citados números 3, 6, 7, 12, 13 e 15;
6-O Tribunal “a quo” ignorou integralmente toda a prova documental apresentada, quer pelo recorrente, com a sua douta oposição à providência cautelar, quer pela sociedade B..., e continuou a considerar, para a formação da sua convicção, tão-somente, os factos alegados na proposta do pedido de arresto, acompanhado do projecto do relatório do serviço de fiscalização e respectivos documentos de diligências;
7-Atentos todos os novos elementos de prova apresentados pelo recorrente, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter dado como provada a seguinte factualidade:
I)Período compreendido entre 11/07/2005 e 31/10/2005
a) a sociedade requerida, no período compreendido entre 11/07/2005 e 31/10/2005 efectuou transmissões intracomunitárias de bens com a “C...” que totalizaram a quantia de € 7.578.600,17 (documentos 1 a 138 - Facturas);
b) todas as facturas referentes as estas transacções foram emitidas pela sociedade requerida com invocação da isenção de I.V.A. ao abrigo da alínea a), do artº.14, do R.I.T.I. (documentos 1 a 138 - Facturas);
c) todas as mercadorias objecto da transmissão intracomunitária foram transportadas desde o território nacional até à sede social do cliente “C...” pela empresa transportadora B... (documentos 139 a 144 - documentos de contratação do transporte);
d) as mercadorias eram entregues pela empresa transportadora B... na sede social da empresa “C...”, sita na Calle Resina, 37, Nave 16, em Madrid (documentos 145 a 151 - guias de transporte);
e) o cliente “C...”, aquando do recebimento da mercadoria, conferia o número de paletes e assinava um documento comprovativo desse recebimento;
f) a empresa transportadora B... é uma sociedade totalmente externa, quer em relação à sociedade requerida, quer quanto ao cliente “C...”;
g) o cliente “C...” efectuava o pagamento das facturas emitidas mediante transferência bancária (documentos 152 a 207 - comprovativos das transferências);
II.Período compreendido entre 11/11/2005 e 28/12/2005
a) a sociedade requerida, no período compreendido entre 11/11/2005 e 28/12/2005, manteve relações comerciais com o cliente “C...”, dado que este continuou a encomendar-lhe mercadoria via e-mail;
b) a sociedade requerida efectuou transmissões intracomunitárias de bens com a “C...” que totalizaram a quantia de € 5.800.368,88, valor este apurado pela Administração Tributária e correspondente à soma das respectivas facturas emitidas (documentos 208 a 318 - facturas);
c) também essas facturas foram emitidas pela sociedade requerida com invocação da isenção de I.V.A. ao abrigo da alínea a), do artº.14, do R.I.T.I. (documentos 208 a 318 - facturas);
d) todas as mercadorias objecto dessas transmissões intracomunitárias foram, igualmente, transportadas desde o território nacional até à sede social do cliente “C...” pela empresa transportadora B... (documentos 319 a 322 - documentos de contratação do transporte);
e) as mercadorias eram, da mesma forma, entregues pela empresa transportadora B... na sede social da empresa “C...” que continuava a situar-se na Calle Resina, 37, Nave 16, em Madrid (documentos 323 a 327 - guias de transporte);
f) o cliente “C...”, aquando do recebimento da mercadoria, conferia o número de paletes e assinava um documento comprovativo desse recebimento;
g) a empresa transportadora continuava a ser a B..., uma sociedade totalmente externa, quer em relação à sociedade requerida, quer quanto ao cliente “C...”;
h) para pagamento das referidas facturas respeitantes às transacções intracomunitárias o cliente “C...” continuou a privilegiar a transferência bancária, a qual foi efectuada de contas bancárias tituladas em nome da empresa (documentos 328 a 373 - comprovativos de transferência);
III.A relação comercial entre a sociedade requerida e a empresa espanhola “C...” continuou após 4/11/2005, data em que aquela empresa deixou de configurar um operador intracomunitário, a processar-se exactamente da mesma forma como se processou até então;
IV.Continuando a sociedade espanhola “C...” a encomendar mercadoria, a recebê-la no seu armazém e pagar o respectivo preço, a sociedade requerida não tinha meios ao seu dispor para desconfiar que aquela empresa, em 4/11/2005, tinha cessado a actividade para efeitos de I.V.A. e assim deixado de preencher um dos requisitos legais para verificação da isenção de I.V.A., nos termos do artº.14, do R.I.T.I.;
8-A factualidade alegada e dada como provada, não se mostra suficiente para, legalmente, fundamentar o decretamento da providência cautelar de arresto contra os bens do recorrente;
9-O Tribunal “a quo” não curou de apreciar, além dos factos demonstrativos do imposto ou da sua provável existência, os factos integradores do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito;
10-Cabia à Fazenda Pública alegar e provar os requisitos cumulativos enumerados no artº.136, do C.P.P.T., isto é, alegar e provar os factos que demonstrassem o tributo e a sua provável existência e também os fundamentos do receio da diminuição da garantia de cobrança;
11-Mas, a factualidade levada ao probatório não identifica de forma objectiva, suficiente, congruente e de acordo com as regras da experiência comum, qualquer actividade de diminuição do património levada a cabo pelo recorrente;
12-Pois, resulta que, para além dos factos alegados, quer no relatório do Serviço de Fiscalização, quer na proposta de arresto, não existe prova alguma que corrobore a alegação factual da Fazenda Pública;
13-Inexistindo essa prova nos autos, o Tribunal “a quo” fez igualmente uma errada valoração e apreciação dos factos dados como provados que fundamentaram a decisão de arresto dos bens do recorrente elencados no número 17 da fundamentação de facto da decisão recorrida;
14-Das certidões prediais e cadernetas prediais que se encontram juntas aos autos da providência cautelar é notório que o recorrente não tem vindo a delapidar o seu património, fazendo diminuir assim a garantia de cobrança dos créditos tributáveis;
15-Da consulta informática ao património do recorrente consta que este tem vindo a aumentar o seu património imobiliário desde 2005;
16-A proposta de arresto é fundamentada num relatório elaborado na sequência de uma acção de inspecção tributária, que se encontra ferida de manifestas irregularidades e ilegalidades denunciadas pelo recorrente;
17-A proposta de arresto limita-se a meras conclusões, sem apoio em factos credíveis e suficientes para demonstrar o receio de diminuição de garantias de cobrança quanto aos bens do arrestado;
18-A Fazenda Pública apenas justificou o seu fundado receio de diminuição de garantia de cobrança no seu crédito na insuficiência do património do recorrente face ao montante elevado da dívida, e não através de situações concretizáveis e quantificáveis, que permitissem identificar e concluir uma probabilidade séria de diminuição do património do recorrente;
19-Não se pode presumir o justificado receio de perda de garantia patrimonial nos termos do nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., dado que o recorrente não consubstancia devedor obrigado a reter ou a fazer repercutir a terceiros o imposto, que nem tão-pouco se verifica ter deixado de entregar nos cofres do Estado;
20-A douta sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., na medida em que no presente caso a presunção aí estabelecida não pode ter aplicação;
21-Ao ter considerado verificados os requisitos do fundado receio de diminuição de cobrança do invocado crédito no montante de € 1.218.077,52, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs.136 e 214, ambos do C.P.P.T., artº.51, da L.G.T., e artº.31, do R.C.P.I.T., e consequentemente, padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto e aplicação de direito;
22-O simples exercício do cargo de gerente não é só por si suficiente para que o recorrente possa ser considerado responsável subsidiário pela dívida fiscal apurada no montante de € 1.218.077,52;
23-Pois, a simples qualidade de gerente não é pressuposto único da existência da obrigação de responsabilidade, e por isso, não poderia considerar-se como verificada a existência provável dos créditos sobre o ora recorrente, apenas com base neste pressuposto da gerência;
24-A qualidade de responsável subsidiário do recorrente depende da demonstração cumulativa dos pressupostos definidos no artº.153, do C.P.P.T., e artº.24, da L.G.T.;
25-Cabia à Fazenda Pública alegar factos susceptíveis de permitir uma futura reversão, e deles fazer pelo menos uma prova sumária, o que no caso dos autos não sucedeu;
26-A Fazenda Pública não alegou, e muito menos provou, factos demonstrativos e que permitissem concluir pela reunião dos pressupostos da responsabilidade subsidiária;
27-A Fazenda Pública deveria ter identificado concretamente a dívida tendo em conta o período da sua constituição e/ou do momento em que foi colocada à cobrança e, posteriormente, fazer a respectiva prova de acordo com os pressupostos dos dois regimes previstos no artº.24, da L.G.T., o que não fez;
28-A dívida fiscal em causa, admite-se que possa ter nascido no período de gerência do recorrente, mas apenas foi posta à cobrança em Junho de 2010 (prazo de pagamento voluntário até 30/6/2010), ou seja, decorrido há muito o termo do período de sua gerência;
29-Atento o momento em que a dívida tributária nasceu e o período de tempo em que foi posta à cobrança, além da Fazenda Pública alegar e demonstrar a inexistência ou insuficiência do património societário para satisfação da dívida, cabia-lhe igualmente provar a culpa do recorrente nessa inexistência ou insuficiência patrimonial societária;
30-Está demonstrada a insuficiência do património societário, mas não foi feita a prova pela Fazenda Pública que por culpa do recorrente o património societário se tornou insuficiente para o pagamento da dívida tributária no montante de € 1.218.077,52;
31-Isto é, a Fazenda Pública não alegou e muito menos provou factos donde o Tribunal pudesse inferir a probabilidade subsidiária do recorrente pelas dívidas da sociedade requerida face ao regime legal de responsabilização subsidiária aplicável ao presente caso;
32-E, consequentemente, não se verificando o preenchimento cumulativo dos pressupostos da reversão contra responsável subsidiário, o Tribunal “a quo” fez uma errada valoração dos factos provados e respectiva aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artºs.153, do C.P.P.T., e 24, da L.G.T.;
33-Não estando demonstrados os pressupostos da responsabilidade subsidiária do recorrente, há errada aplicação do artº.136, do C.P.P.T., e, assim, consequente erro de julgamento na aplicação do direito;
34-Sustenta-se ainda que a sentença recorrida, ao dar como verificado em relação ao recorrente a existência de crédito, errou, porquanto, não se pode considerar provada a probabilidade da existência da obrigação da responsabilidade subsidiária do recorrente, por omissão do preenchimento cumulativo dos requisitos;
35-As providências cautelares devem ser proporcionais ao dano a evitar, e não podem produzir dano de impossível ou difícil reparação, conforme determina o artº.51, nº.2, da L.G.T.;
36-O recorrente encontra-se presentemente desempregado, sem auferir qualquer subsídio de desemprego, pelo que, ao ver-se impedido de movimentar as suas contas bancárias, onde se encontram depositadas as suas poupanças, depara-se com uma situação de desespero económico-financeiro que põe em causa, inclusivamente, a sua sobrevivência pessoal, já que não tem meios ao seu dispor para fazer face sequer às suas despesas normais da vida quotidiana;
37-Ficando em causa a sobrevivência pessoal e em condições dignas do recorrente, conclui-se que o arresto decretado se mostra desproporcional e incomparavelmente superior ao dano que pretende evitar, causando maiores prejuízos na esfera pessoal do recorrente do que na esfera patrimonial do Estado;
38-A manutenção do arresto nos termos sobreditos, viola claramente o disposto no artº.51, nº.2, da L.G.T.;
39-Em face das conclusões que antecedem deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que altere os concretos pontos de factos reclamados, declare como não verificados os requisitos necessários ao deferimento do arresto, e ordene o seu levantamento sobre os bens arrestados ao recorrente, designadamente os bens imóveis como também as contas bancárias.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V.Exªs., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser revogada, ordenando-se o levantamento do arresto decretado, nos termos supra expostos.
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A DEVIDA, NECESSÁRIA E COSTUMADA JUSTIÇA.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.1672 e 1673 dos autos):
1-Que se verificam todos os pressupostos do decretamento do arresto em bens do recorrente, encontrando-se bem fundamentada, de facto e de direito, a sentença objecto do presente recurso;
2-Que a jurisprudência deste Tribunal vai nesse sentido, de tanto sendo exemplo o recente ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/4/2011, proc.4668/11;
3-Termina, pugnando por que se negue provimento ao recurso e se mantenha a decisão recorrida.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.36, nº.2, do C.P.T.A.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença a decretar o arresto em bens do recorrente/opoente julgou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.133 a 135 dos autos):
1-A sociedade requerida é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a “Importação, Exportação e Comercialização de material Informático”, a que corresponde o CAE 46 900;
2-A sociedade requerida iniciou a sua actividade em 2004/12/28, encontrando-se registada como sujeito passivo de I.V.A. no regime normal de periodicidade trimestral, e abrangida pelo regime geral de tributação para efeitos de I.R.C.;
3-Em cumprimento das ordens de serviço nºs.0I200900346 e 0I200900347, a sociedade ora requerida foi alvo de uma acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, por parte da inspecção tributária da D.G.C.I., tendo em conta as anomalias constantes no sistema de informação “Vat Information Exchange System” (VIES), resultantes de transmissões intracomunitárias de bens, declaradas pela ora requerida para o cliente espanhol “C..., SL”, cuja actividade se encontra cessada desde 4/11/2005;
4-No âmbito da cooperação administrativa prevista no artº.19, do Regulamento nº. 1798/2003, a Administração Fiscal Portuguesa e a Administração Fiscal de Espanha, trocaram diversas informações sobre as aquisições e transmissões intracomunitárias de bens efectuadas/declaradas pela sociedade ora requerida;
5-A Administração Fiscal Espanhola informou que aquisições intracomunitárias de bens efectuadas ao operador espanhol “D... SL” (DIM), estavam a ser alvo de uma investigação relativamente aos exercícios de 2001 e 2002, por suspeita de envolvimento em redes de fraude ao I.V.A., informando ainda que a sua conduta continua até ao exercício de 2005;
6-Na acção de inspecção apurou-se que a sociedade “C..., SL”, com quem a ora requerida mantinha relações comerciais, “é uma sociedade não localizável, sem nenhuns meios materiais para realizar transacções e cuja finalidade era produzir I.V.A. deduzido pelas outras empresas da rede”;
7-Os serviços de inspecção concluíram, em face da factualidade e indícios recolhidos, que o comportamento fiscal da ora requerida indicia que esta integraria uma rede de empresas com envolvimento e práticas de fraude ao I.V.A., materializada em Espanha e lesiva dos interesses do Estado Espanhol, apresentando um perfil com características de "conduit company" (empresa de ligação);
8-O então sócio gerente, A..., cedeu a sua quota, em 25/1/2006, a favor de Jesus Redondo Montejano;
9-A... exerce funções na sociedade requerida;
10-A... assinou, em 25/2/2005, auto de declarações onde declara que cabem a si as funções de gerência;
11-A... assinou, em 2005, os documentos constantes de fls.36 e 37 dos autos em representação da sociedade requerida;
12-Não foi possível contactar A...;
13-A... tem o seu domicílio fiscal fixado na sede fiscal da sociedade requerida;
14-A TOC da requerida renunciou às suas funções em 3/7/2007;
15-Na sequência de acção de fiscalização dos serviços de Prevenção e Inspecção Tributária foi apurado, relativamente ao exercício de 2005, I.V.A. em falta nos cofres do Estado (ainda não liquidado), no montante de € 1.218.077,52, acrescido de € 5.607,68;
16-O património da sociedade requerida resume-se a um presumível saldo bancário no valor de € 522,95;
17-A... é proprietário dos seguintes imóveis:
a) Fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., nº.5, Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João, sob o artigo 1447, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº.1179, da freguesia do Beato, com o valor patrimonial de € 114.311,75;
b) Prédio rústico sito em Caldeirinhas, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 14399 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4753, com o valor patrimonial de € 45,58;
c) Prédio rústico sito em Horta Velha, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28780 e descrito na Conservatória do registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4754, com o valor patrimonial de € 5,40;
d) Prédio rústico sito na Tapada do Barroco, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28845 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4755, com o valor patrimonial de € 34,79;
e) Prédio rústico sito em Pinheiro Alto, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28863 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.4756, com o valor patrimonial de € 23,69;
f) Prédio rústico sito no Pinheiro Alto, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 29098 e descrito na Conservatória do registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4757, com o valor patrimonial de € 6,03.
X
A sentença a decretar o arresto considerou como factualidade não provada a seguinte “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença a decretar o arresto é a seguinte “…Quanto aos factos indiciariamente provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos pelo Representante da Fazenda Pública…”.
X
A sentença recorrida julgou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.1578 a 1581 dos autos):
1-A sociedade requerida é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a “Importação, Exportação e Comercialização de material Informático”, a que corresponde o CAE 46 900;
2-A sociedade requerida iniciou a sua actividade em 2004/12/28, encontrando-se registada como sujeito passivo de I.V.A., no regime normal de periodicidade trimestral, e abrangida pelo regime geral de tributação para efeitos de I.R.C.;
3-Em cumprimento das ordens de serviço nºs.0I200900346 e 0I200900347, a sociedade ora requerida foi alvo de uma acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, por parte da inspecção tributária da D.G.C.I., tendo em conta as anomalias constantes no sistema de informação “Vat Information Exchange System” (VIES), resultantes de transmissões intracomunitárias de bens, declaradas pela ora requerida para o cliente espanhol “C..., SL”, cuja actividade se encontra cessada desde 4/11/2005;
4-No âmbito da cooperação administrativa prevista no artº.19, do Regulamento nº. 1798/2003, a Administração Fiscal Portuguesa e a Administração Fiscal de Espanha, trocaram diversas informações sobre as aquisições e transmissões intracomunitárias de bens efectuadas/declaradas pela sociedade ora requerida;
5-A Administração Fiscal Espanhola informou que aquisições intracomunitárias de bens efectuadas ao operador espanhol “D... SL” (DIM), estavam a ser alvo de uma investigação relativamente aos exercícios de 2001 e 2002, por suspeita de envolvimento em redes de fraude ao I.V.A., informando ainda que a sua conduta continua até ao exercício de 2005;
6-Na acção de inspecção apurou-se que a sociedade “C..., SL”, com quem a ora requerida mantinha relações comerciais, “é uma sociedade não localizável, sem nenhuns meios materiais para realizar transacções e cuja finalidade era produzir I.V.A. deduzido pelas outras empresas da rede”;
7-Os serviços de inspecção concluíram, em face da factualidade e indícios recolhidos, que o comportamento fiscal da ora requerida indicia que esta integraria uma rede de empresas com envolvimento e práticas de fraude ao I.V.A., materializada em Espanha e lesiva dos interesses do Estado Espanhol, apresentando um perfil com características de "conduit company" (empresa de ligação);
8-O então sócio gerente, A..., cedeu a sua quota, em 25/1/2006, a favor de Jesus Redondo Montejano;
9-A... exerce funções na sociedade requerida;
10-A... assinou, em 25/2/2005, auto de declarações onde declara que cabem a si as funções de gerência;
11-A... assinou, em 2005, os documentos constantes de fls.36 e 37 dos autos em representação da sociedade requerida;
12-Não foi possível contactar A...;
13-A... tem o seu domicílio fiscal fixado na sede fiscal da sociedade requerida;
14-A TOC da requerida renunciou às suas funções em 3/7/2007;
15-Na sequência de acção de fiscalização dos serviços de Prevenção e Inspecção Tributária foi apurado, relativamente ao exercício de 2005, I.V.A. em falta nos cofres do Estado (ainda não liquidado), no montante de € 1.218.077,52, acrescido de € 5.607,68;
16-O património da sociedade requerida resume-se a um presumível saldo bancário no valor de € 522,95;
17-Em 26/5/2010 foi proferida a decisão de fls.131 e seg. dos autos que decretou arresto contra os seguintes bens de Nuno Rafael de Melo:
a) Quantias, títulos ou direitos depositados nas entidades bancárias localizadas em território português em nome do requerido, até ao montante suficiente para garantia do crédito tributário em falta;
b) Fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., nº.5, Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João, sob o artigo 1447, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº.1179, da freguesia do Beato, com o valor patrimonial de € 114.311,75;
c) Prédio rústico sito em Caldeirinhas, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 14399 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4753, com o valor patrimonial de € 45,58;
d) Prédio rústico sito em Horta Velha, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28780 e descrito na Conservatória do registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4754, com o valor patrimonial de € 5,40;
e) Prédio rústico sito na Tapada do Barroco, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28845 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4755, com o valor patrimonial de € 34,79;
f) Prédio rústico sito em Pinheiro Alto, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 28863 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.4756, com o valor patrimonial de € 23,69;
g) Prédio rústico sito no Pinheiro Alto, freguesia de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 29098 e descrito na Conservatória do registo Predial de Proença-a-Nova sob o nº.4757, com o valor patrimonial de € 6,03;
18-Em 6/8/2010 foi deduzida a presente oposição.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou somente em prova documental constante dos presentes autos e levando em consideração que o recorrente impugna, parcialmente, a decisão da matéria de facto constante da sentença objecto do presente recurso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
19-A sociedade requerida mencionada no nº.1 da matéria de facto supra exarada da sentença objecto do presente recurso, tem a firma “Alfaoem - Importação, Exportação e Comercialização de Material Informático, L.da.”, com o n.i.p.c. 507 190 840, com sede na Rua Forte de Santa Apolónia, Lote 10, R/ch. Dto., Atelier, 1900-205, Lisboa, pertencendo à área do 1º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.relatório que fundamentou o pedido de arresto junto a fls.11 a 20 do I volume dos presentes autos; documento junto a fls.1385 do IV volume dos presentes autos);
20-A gerência da sociedade requerida pertenceu, exclusivamente, ao opoente/ recorrente no período que decorreu entre a data da constituição da mesma, em 22/12/2004, e a data em que o mesmo cedeu a sua quota na empresa a Jesus Redondo Montejano e renunciou à gerência que vinha exercendo, em 25/1/2006, período durante o qual bastava apenas a sua assinatura para vincular a sociedade (cfr.cópias das escrituras de constituição da sociedade requerida e de cessão de quota e alteração parcial do contrato juntas a fls.22 a 31 do I volume dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito a sentença a decretar o arresto, em compêndio, deferiu o procedimento cautelar quanto ao recorrente/opoente, A..., em consequência do que, para garantia dos créditos tributários relativos a I.V.A., de 2005, no montante de € 1.218.077,52, acrescido de € 5.607,68, decretou o arresto de contas bancárias e diversos bens imóveis de sua propriedade, até ao montante suficiente para garantia do crédito da Fazenda Pública.
Já a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar infundada a oposição a arresto deduzida, em virtude da improcedência dos fundamentos apresentados pelo opoente, mais se devendo manter o arresto nos termos em que foi decretado.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando desde logo, como supra se alude, que é manifesto o erro de julgamento da matéria de facto, pelo que o Tribunal recorrido não pode ter baseado a sua convicção na prova produzida, nomeadamente, na prova documental e na prova testemunhal. A douta sentença julgou incorrectamente os pontos de facto constantes dos números 3, 6, 7, 12, 13 e 15, na medida em que a prova documental junta aos autos pelo recorrente impunha decisão diversa da proferida, quanto aos factos dados como provados. Que o Tribunal “a quo” ignorou integralmente toda a prova documental apresentada, quer pelo recorrente, com a sua douta oposição à providência cautelar, quer pela sociedade B..., e continuou a considerar, para a formação da sua convicção, tão-somente, os factos alegados na proposta do pedido de arresto, acompanhado do projecto de relatório do serviço de fiscalização e respectivos documentos de diligências. Que atentos todos os novos elementos de prova apresentados pelo recorrente, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” deveria ter dado como provada a seguinte factualidade:
I)Período compreendido entre 11/07/2005 e 31/10/2005
a) a sociedade requerida, no período compreendido entre 11/07/2005 e 31/10/2005 efectuou transmissões intracomunitárias de bens com a “C...” que totalizaram a quantia de € 7.578.600,17 (documentos 1 a 138 - Facturas);
b) todas as facturas referentes as estas transacções foram emitidas pela sociedade requerida com invocação da isenção de I.V.A. ao abrigo da alínea a), do artº.14, do R.I.T.I. (documentos 1 a 138 - Facturas);
c) todas as mercadorias objecto da transmissão intracomunitária foram transportadas desde o território nacional até à sede social do cliente “C...” pela empresa transportadora B... (documentos 139 a 144 - documentos de contratação do transporte);
d) as mercadorias eram entregues pela empresa transportadora B... na sede social da empresa “C...”, sita na Calle Resina, 37, Nave 16, em Madrid (documentos 145 a 151 - guias de transporte);
e) o cliente “C...” aquando do recebimento da mercadoria conferia o número de paletes e assinava um documento comprovativo desse recebimento;
f) a empresa transportadora B... é uma sociedade totalmente externa, quer em relação à sociedade requerida, quer quanto ao cliente “C...”;
g) o cliente “C...” efectuava o pagamento das facturas emitidas mediante transferência bancária (documentos 152 a 207 - comprovativos das transferências);
II.Período compreendido entre 11/11/2005 e 28/12/2005
a) a sociedade requerida, no período compreendido entre 11/11/2005 e 28/12/2005, manteve relações comerciais com o cliente “C...”, dado que este continuou a encomendar-lhe mercadoria via e-mail;
b) a sociedade requerida efectuou transmissões intracomunitárias de bens com a “C...” que totalizaram a quantia de € 5.800.368,88, valor este apurado pela Administração Tributária e correspondente à soma das respectivas facturas emitidas (documentos 208 a 318 - facturas);
c) também essas facturas foram emitidas pela sociedade requerida com invocação da isenção de I.V.A. ao abrigo da alínea a), do artº.14, do R.I.T.I. (documentos 208 a 318 - facturas);
d) todas as mercadorias objecto dessas transmissões intracomunitárias foram igualmente transportadas desde o território nacional até à sede social do cliente “C...” pela empresa transportadora B... (documentos 319 a 322 - documentos de contratação do transporte);
e) as mercadorias eram da mesma forma entregues pela empresa transportadora B... na sede social da empresa “C...” que continuava a situar-se na Calle Resina, 37, Nave 16, em Madrid (documentos 323 a 327 - guias de transporte);
f) o cliente “C...” aquando do recebimento da mercadoria conferia o número de paletes e assinava um documento comprovativo desse recebimento;
g) a empresa transportadora continuava a ser a B..., uma sociedade totalmente externa, quer em relação à sociedade requerida, quer quanto ao cliente “C...”;
h) para pagamento das referidas facturas respeitantes às transacções intracomunitárias o cliente “C...” continuou a privilegiar a transferência bancária, efectuada de contas bancárias tituladas em nome da empresa (documentos 328 a 373 - comprovativos de transferência);
III.A relação comercial entre a sociedade requerida e a empresa espanhola “C...” continuou após 4/11/2005, data em que aquela empresa deixou de configurar um operador intracomunitário, a processar-se exactamente da mesma forma como se processou até então;
IV.Continuando a sociedade espanhola “C...” a encomendar mercadoria, a recebê-la no seu armazém e pagar o respectivo preço, a sociedade requerida não tinha meios ao seu dispor para desconfiar que aquela empresa, em 4/11/2005, tinha cessado a actividade para efeitos de I.V.A. e assim deixado de preencher um dos requisitos legais para verificação da isenção de I.V.A. nos termos do artº.14, do R.I.T.I. (cfr.conclusões 3 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
“In casu”, conforme se retira das conclusões de recurso, o recorrente cumpriu o ónus identificado acima.
Assim sendo, examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, dir-se-á que o recorrente utilizou o meio de reacção ao arresto que se consubstancia na oposição.
O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora e, grosso modo e na vertente processual, a providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito. Estamos perante uma apreensão judicial que implica a sua posterior indisponibilidade, embora sem afectar o respectivo poder de disposição (cfr.artº.619, do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 5ª. edição, Almedina, 1992, pág.461 e seg.; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.9 e seg.).
Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
1-A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
2-A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
3-A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente (cfr.Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, I, Coimbra Editora, 1982, pág.619 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.22 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, 1981, pág.129 e seg.; José Carlos Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 6ª. edição, Almedina, pág.321 e seg.).
A disciplina genérica adjectiva do arresto consta dos artºs.406 a 411, do Código de Processo Civil, regime que se aplica à apreensão decretada no âmbito do processo tributário de forma supletiva (cfr.artº.139, do C.P.P.Tributário).
O arresto é decretado sem audiência da parte contrária (cfr.artº.408, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.139, do C.P.P.Tributário) só se iniciando, para o arrestado, a via contraditória depois de ser notificado da decisão e podendo, em alternativa, este optar por uma das duas vias contenciosas possíveis (cfr.artºs.388, nº.1, e 392, nº.1, do C.P.Civil):
1-O recurso da decisão que decretou o arresto quando entenda que, face aos elementos apurados, ele não devia ter sido deferido;
2-A oposição à mesma decisão, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2010, proc. 4290/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.981 e 982).
No âmbito do processo tributário o arresto (preventivo) tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cfr.artºs.136 e 214, nº.3, do C.P.P.Tributário), admitindo a lei o pedido de arresto mesmo no âmbito do procedimento tributário de inspecção, enquanto medida cautelar que visa garantir o pleno exercício da função inspectiva da A. Fiscal (cfr.artº.31, do R.C.P.I.T.).
O arresto pode incidir sobre bens do sujeito passivo originário dos tributos, como sobre bens do responsável solidário ou subsidiário. No caso de se pretender o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração da execução fiscal ou do chamamento deste à execução por via da reversão, torna-se necessário que o requerente (Fazenda Pública) alegue e prove, ainda que sumariamente (pois que estamos no domínio de um procedimento cautelar), factos tendentes a demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos legais para esse chamamento à luz das normas que estabelecem a responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias, o que acontece quando, de forma cumulativa, se verificam:
1-Os requisitos previstos no artº.153, nº.2, do C.P.P.T., relativos à inexistência de bens penhoráveis do devedor originário ou à fundada insuficiência do património do mesmo devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido;
2-Os requisitos previstos no artº.24, da L.G.T., relativos ao exercício do cargo de gerente da sociedade devedora no período da constituição do facto tributário ou no período de entrega ou pagamento dos impostos em dívida (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.126/11; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 30/3/2006, proc.1612/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/1/2010, proc.3687/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/4/2011, proc.4668/11).
Mais se dirá que, optando o requerido pela oposição, não pode pôr em causa a matéria de facto anteriormente consignada nos autos nem a aplicação do direito a esses factos feita pela decisão que decretou o arresto (o que poderia fazer em sede de recurso dessa decisão). Antes pode, apenas, alegar novos factos, apresentar meios de prova ainda não tidos em conta e requerer a realização de outras diligências probatórias, para além das já efectuadas, com vista a demonstrar que não se verificam os fundamentos da providência ou que esta deve ser reduzida. Nos casos de arresto requerido antes de ser instaurada a execução, os únicos factos relevantes a alegar em sede de oposição serão os que permitam a conclusão, diversa da constante da decisão que decretou a providência, de que não se justifica o fundado receio da diminuição das garantias de cobrança dos créditos tributários já liquidados ou em fase de liquidação (assim levando à revogação da decisão que ordenou o arresto), e os que permitam concluir que os bens apreendidos excedem as necessidades de garantia (o que determinará a redução de bens apreendidos).
No caso “sub judice”, a factualidade que o recorrente pretendo ver constar do probatório (baseada somente na análise dos documentos que junta aos autos, dado não ter dado relevo à prova testemunhal produzida, tal como o Tribunal “a quo”) nada têm a ver com o fundado receio da diminuição das garantias de cobrança dos créditos tributários que, em concreto, deram origem à presente providência cautelar (I.V.A. relativo ao 4º. trimestre de 2005), tal como com a factualidade referente ao eventual excesso de bens apreendidos atentas as necessidades de garantia.
Pelo contrário, e conforme já se referiu na sentença recorrida, a factualidade que o recorrente quer trazer para o probatório apenas versa sobre matéria relacionada com a eventual ilegalidade da liquidação, ao abrigo dos pressupostos constantes do artº.14, do R.I.T.I., mais exactamente com a regra de incidência que determina que as aquisições intra-comunitárias somente devem ser tributadas no Estado-membro do destino dos bens e consequente isenção no Estado de origem dos mesmos.
Assim sendo, entende-se que a matéria de facto que a sentença julgou provada é a que, de acordo com o regime legal aplicável às provas (cfr.artºs.341 e seg. do C.Civil), resulta efectivamente da prova documental constante dos autos e que, por isso, não ocorre o invocado erro de julgamento de facto por parte da sentença, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Mais aduz o opoente/recorrente que a sentença recorrida não curou de apreciar, além dos factos demonstrativos do imposto ou da sua provável existência, os factos integradores do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito. Dado que cabia à Fazenda Pública alegar e provar os requisitos cumulativos enumerados no artº.136, do C.P.P.T., isto é, alegar e provar os factos que demonstrassem o tributo e a sua provável existência e também os fundamentos do receio da diminuição da garantia de cobrança. A Fazenda Pública apenas justificou o seu fundado receio de diminuição de garantia de cobrança do seu crédito na insuficiência do património do recorrente face ao montante elevado da dívida, e não através de situações concretizáveis e quantificáveis, que permitissem identificar e concluir uma probabilidade séria de diminuição do património do recorrente. Que não se pode presumir o justificado receio de perda de garantia patrimonial nos termos do nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., dado que o recorrente não consubstancia devedor obrigado a reter ou a fazer repercutir a terceiros o imposto, que nem tão-pouco se verifica ter deixado de entregar nos cofres do Estado. Pelo que, a douta sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., na medida em que no presente caso a presunção aí estabelecida não pode ter aplicação. Por último, não se verificando o preenchimento cumulativo dos pressupostos da reversão contra responsável subsidiário, no caso o recorrente, o Tribunal “a quo” fez uma errada valoração dos factos provados e respectiva aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artºs.153, do C.P.P.T., e 24, da L.G.T. (cfr.conclusões 8 a 34 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Os requisitos de procedência do arresto, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.51, da L.G.Tributária; artº.136, do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/2/99, rec.20374, Antologia de Acórdãos, Ano II, nº.2, pág.168 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 18/5/99, proc.1954/99; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 1ª. edição, 2000, pág.329 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.974 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.257 e seg.):
1-Haver fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributáveis;
2-O tributo em causa estar liquidado ou em fase de liquidação, sendo que nos tributos periódicos, como é o caso do I.R.C., ou do I.R.S., a lei considera que se encontra em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respectivos rendimentos se reportem, enquanto nos tributos de obrigação única, como é o caso do I.V.A., o imposto se encontra em fase de liquidação, logo a partir do momento em que ocorre o facto tributário.
No requerimento inicial deve a Fazenda Pública alegar e efectuar prova sumária (“bonus fumus iuris”) da factualidade demonstrativa do imposto ou da sua existência provável e dos factos integrantes do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito. Além disso, deverá relacionar e identificar devidamente os bens que pretende ver arrestados, os quais devem ser suficientes para garantir a cobrança do respectivo crédito fiscal (cfr.artºs.136, nº.4, e 137, nº.2, ambos do C.P.P.Tributário).
Na fase da declaração do arresto impende sobre o requerente o ónus da prova dos factos integrantes dos respectivos requisitos, não bastando, em consequência, o simples e vago rumor de uma ameaça do requerido de se desfazer dos seus bens, para que se dê como provado que ele se prepara para o concretizar. E isto porque o receio de diminuição de garantias tem de ser fundado, o que vale por dizer, que deve ser apreciado objectivamente e não apenas na óptica pessoal do requerente. No caso dos autos, acresce que nos termos do artº.136, nº.5, do C. P. P. Tributário, o legislador presume o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança quando nos encontramos perante dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legalmente consagrados para o efeito, presunção legal esta que se aplica ao I.V.A., dívida tributária em causa no presente processo (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.976 e 977; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/1/2003, proc. 7350/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/3/2006, proc.1051/06).
De acordo com o disposto no artº.136, nº.5, do C.P.P.T., a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal de existência do “periculum in mora”. Como está bem de ver, a Administração Tributária, para gozar de tal presunção, precisa de fazer a demonstração do facto indiciário pertinente, que está na base dessa mesma presunção legal, e que se consubstancia em haver dívidas por impostos que o devedor ou o responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.
“In casu”, atenta a matéria de facto indiciariamente provada nas sentenças do Tribunal “a quo” a decretar o arresto e a conhecer da oposição ao mesmo (cfr.nºs.2 a 11 e 15 a 17 da matéria de facto constante da sentença a decretar o arresto e supra exarada e da matéria de facto constante da sentença a conhecer da oposição ao arresto acima consignada), devem considerar-se reunidos os requisitos que levam ao decretamento do arresto.
Concretizando, existem indícios objectivos da perda de garantia de cobrança da liquidação de I.V.A., relativa ao 4º. Trimestre de 2005 e de que é sujeito passivo originário a sociedade “Alfaoem - Importação, Exportação e Comercialização de Material Informático, L.da.”. O tributo em causa já se encontra liquidado. O património conhecido da sociedade requerida é manifestamente insuficiente para garantir o pagamento da mesma liquidação.
Passemos, então, à análise da situação do arrestado/recorrente, enquanto responsável subsidiário.
Atenta a matéria de facto indiciariamente provada na sentença do Tribunal “a quo” a decretar o arresto (cfr.nºs.1, 2, 8 a 11, 15 e 16 da matéria de facto constante da sentença a decretar o arresto e supra exarada), deve concluir-se que a Fazenda Pública produziu prova sumária da aludida insuficiência do património da sociedade devedora originária (“Alfaoem - Importação, Exportação e Comercialização de Material Informático, L.da.”) e do exercício do cargo de gerente por parte do opoente/recorrente no período a que se refere a dívida de I.V.A. cuja garantia de cobrança se visa assegurar com a presente providência cautelar (4º. trimestre de 2005), pelo que estão reunidos os pressupostos do chamamento à luz das normas que estabelecem a responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias do recorrente no âmbito da presente providência cautelar de arresto, tudo conforme foi decidido pelo Tribunal “a quo”.
Mais se dirá que o recorrente parece confundir a efectivação da responsabilização subsidiária que apenas ocorre em sede de execução fiscal e após o preenchimento ou reunião cumulativa dos seus pressupostos legalmente definidos com os pressupostos ou requisitos de que a lei faz depender o arresto. O que há que ponderar, prioritariamente, é que o arresto visa evitar “a diminuição das garantias de cobrança dos créditos tributários” sendo certo que decorre da factualidade indiciariamente provada poder o recorrente vir a ser chamado, no âmbito de futura execução fiscal, enquanto responsável subsidiário, pelo pagamento da dívida em causa nos presentes autos. Por outras palavras, para que possa ser decretado arresto sobre bens do responsável subsidiário importa apenas verificar se ocorrem os requisitos referidos e ainda se se encontram preenchidos os pressupostos exigidos por lei para poder ordenar-se contra o mesmo a reversão da execução. Questão diferente é a de saber se essa responsabilização se efectivará ou não, mas isso já se liga à acção executiva e não pode, nem deve, ser confundida com a decisão sobre os fundamentos do arresto como medida cautelar preventiva da execução.
Pretender que no âmbito de uma providência cautelar de arresto preventivo o requerente (Fazenda Pública) faça prova, ainda que meramente indiciária, da eventual culpa do responsável subsidiário, quando se requer o arresto em bens deste, assim satisfazendo o eventual ónus probatório consagrado no artº.24, nº.1, al.a), da L. G. Tributária, significa a transposição para o âmbito deste procedimento cautelar de natureza preventiva da discussão sobre a efectivação da responsabilização subsidiária que apenas ocorre em sede de execução fiscal, após a reversão e no âmbito de eventual oposição (cfr.artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário). Pelo que, não deve tal actividade probatória ser confundida com a decisão sobre os fundamentos do arresto como medida cautelar preventiva da execução.
Por outras palavras, para que seja decretado o arresto preventivo em bens do responsável subsidiário, salvo melhor opinião, importa apenas verificar se ocorrem os requisitos gerais da mesma providência cautelar consagrados no citado artº.136, nº.1, do C. P. P. Tributário, mais competindo examinar se se encontram preenchidos os pressupostos exigidos por lei para poder ordenar-se contra o responsável subsidiário a reversão da execução, a saber:
1-A inexistência de bens penhoráveis do devedor originário ou a fundada insuficiência do património do mesmo devedor;
2-O exercício do cargo de gerente/administrador da sociedade devedora originária no período da constituição do facto tributário ou no período de entrega ou pagamento dos impostos em dívida por parte do responsável subsidiário.
Por último, e quanto à questão em análise, sempre se dirá que a posição ora defendida vem na linha da orientação sempre defendida por este Tribunal relativamente ao ónus da prova da Fazenda Pública face a responsável subsidiário e no âmbito do decretamento de arresto preventivo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2004, proc.342/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/3/2006, proc.1051/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/1/2010, proc.3687/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/4/2011, proc.4668/11).
Concluindo, mostram-se reunidos os pressupostos de decretamento do arresto em bens do opoente/recorrente e enquanto responsável subsidiário da sociedade requerida “Alfaoem - Importação, Exportação e Comercialização de Material Informático, L.da.”.
No âmbito deste fundamento do recurso alega, igualmente, o recorrente que não se pode presumir o justificado receio de perda de garantia patrimonial nos termos do nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., dado que o recorrente não consubstancia devedor obrigado a reter ou a fazer repercutir a terceiros o imposto, que nem tão-pouco se verifica ter deixado de entregar nos cofres do Estado. Pelo que, a douta sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no nº.5, do artº.136, do C.P.P.T., na medida em que no presente caso a presunção aí estabelecida não pode ter aplicação.
Dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
O nº.5, do artº.136, do C.P.P.Tributário, foi aditado pela Lei 15/2001, de 5/6. Nada na lei nos permite tirar a conclusão que o citado artº.136, nº.5, do C.P.P.T., não se aplica aos arrestados responsáveis subsidiários (“ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”). Apesar disso, sempre se dirá que, no caso “sub judice”, o aplicador do direito não necessita, sequer, de recorrer à presunção prevista no citado normativo, atenta a matéria de facto indiciariamente provada, da qual se retira directamente, o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança do crédito tributário de I.V.A. relativo ao 4º. trimestre de 2005, atento o valor da mesma liquidação (€ 1.218.077,52, acrescido de € 5.607,6) e a manifesta insuficiência dos bens em nome da sociedade requerida, tal como do valor dos existentes em nome do opoente/recorrente. Concluindo, no caso dos autos, não é sequer, necessário utilizar a presunção consagrada no artº.136, nº.5, do C.P.P.Tributário, para se decretar o arresto de bens do responsável subsidiário.
Face ao exposto, julga-se improcedente o vício assacado à sentença objecto de recurso e sob apreciação.
Por último, argúi o recorrente que as providências cautelares devem ser proporcionais ao dano a evitar, e não podem produzir dano de impossível ou difícil reparação, conforme determina o artº.51, nº.2, da L.G.T. Que o mesmo se encontra presentemente desempregado, sem auferir qualquer subsídio de desemprego, pelo que, ao ver-se impedido de movimentar as suas contas bancárias, onde se encontram depositadas as suas poupanças, depara-se com uma situação de desespero económico-financeiro que põe em causa, inclusivamente, a sua sobrevivência pessoal, já que não tem meios ao seu dispor para fazer face, sequer, às suas despesas normais da vida quotidiana. Ficando em causa a sobrevivência pessoal e em condições dignas do recorrente, conclui-se que o arresto decretado se mostra desproporcional e incomparavelmente superior ao dano que pretende evitar, causando maiores prejuízos na esfera pessoal do recorrente do que na esfera patrimonial do Estado. Pelo que, a manutenção do arresto nos termos sobreditos, viola claramente o disposto no artº.51, nº.2, da L.G.T. (cfr.conclusões 35 a 38 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A possibilidade de a Administração adoptar medidas cautelares não é específica do procedimento tributário. Aplica-se também ao procedimento administrativo comum. Efectivamente, o C.P.A., no artº.84, nº.1, prevê igualmente, por iniciativa da Administração ou dos interessados, a adopção das chamadas medidas provisórias em qualquer fase do procedimento administrativo, desde que haja justo receio de, sem tais medidas, se produzir lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos em causa.
Nestes termos, o fim da garantia dos créditos fiscais pode ser prosseguido por meio de providências cautelares que visem impedir a dissipação do património do devedor ou a destruição, falsificação ou desaparecimento de documentos ou outros elementos essenciais ao apuramento da sua situação tributária.
As providências cautelares que a administração tributária pode adoptar ou requerer aos Tribunais Tributários de 1ª. Instância são apenas as tipicamente previstas na lei. O próprio C.P.P.T. não permite à Administração Tributária requerer judicialmente a adopção de providências cautelares não especificadas (cfr.artº.135, nº.1, do C.P.P.Tributário).
Nos termos do artº.51, nº.2, da L. G. Tributária, a realização de providências cautelares por parte da Fazenda Pública e no âmbito do procedimento/processo tributário deve respeitar os princípios da necessidade e da proporcionalidade. Este normativo traça, pois, um duplo limite à adopção das providências cautelares: não devem ser excessivas, o que é uma proibição meramente relativa, respeitando ao conteúdo e extensão concretos de cada providência; nem causar dano de impossível ou difícil reparação ao particular, o que significa a proibição absoluta das medidas provisórias que atinjam esse resultado, mesmo quando o seu objectivo seja evitar um dano de difícil ou impossível reparação à Fazenda Nacional, e gerando a inobservância dessa disposição um dever de indemnização por parte da Administração Tributária. O princípio da proporcionalidade não apenas proíbe a adopção de providências cautelares excessivas, como impõe a sua caducidade no momento em que seja obtido o fim para que foram decretadas (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.225; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.237 e seg.).
O legislador recorre a um conceito relativamente indeterminado na norma em exame (prejuízo de impossível ou difícil reparação), o qual permite a avaliação judicial concreta da natureza do prejuízo (ou dano) invocado. Dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável (cfr.artº.692, nº.4, do C.P.Civil). Não basta, pois, que o recorrente alegue e prove o risco de lesão considerável, mas antes de lesão de difícil, ou impossível, reparação (em resultado da actuação da A. Fiscal). Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.
No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.1095).
No caso concreto, o recorrente não faz prova, ou seja, não demonstra os pressupostos do prejuízo irreparável ou de difícil reparação que invoca para sustentar que o arresto ordenado em bens de sua propriedade violou o dito princípio da proporcionalidade. E refira-se, em concreto, que o arresto de contas bancárias de que é titular somente abrangeu uma conta bancária com depósitos à ordem de que o recorrente é titular no “Finibanco, S.A.”, sendo que o montante arrestado se cifrou em € 1.581,60 (cfr.documento junto a fls.205 do I volume dos presente autos). Concluindo, não vislumbra o Tribunal que a impossibilidade de movimentação da mencionada conta bancária leve o recorrente a ficar numa situação de desespero económico-financeiro que põe em causa, inclusivamente, a sua sobrevivência pessoal.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, considera-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 7 de Junho de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)
(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)
(Lucas Martins - 2º. Adjunto)