Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:701/13.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:LITISPENDÊNCIA.
PEDIDO DE ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
PEDIDO DE REVISÃO DO ATO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I - A litispendência pressupõe a repetição de uma causa e ocorre quando esta é interposta estando a anterior em curso e tem visa impedir que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior - cfr. artigo 580.º do CPC.
II – Não obsta a verificação da litispendência o pedido subsidiário levado a efeito na impugnação deduzida em primeiro lugar, uma vez que a sua apreciação, se encontra assegurada no processo onde o pedido foi formulado não se mostrando prejudicado pela exceção verificada na impugnação deduzida depois.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

P...., com demais sinais nos autos, recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, da decisão proferida no TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LOULÉ, em 03 de fevereiro de 2014, na impugnação judicial da liquidação de IRS do ano de 2006, interposta na sequência da decisão de indeferimento de recurso hierárquico, por julgou verificada a excepção dilatória de litispendência e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

A Recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«a - O Tribunal recorrido violou os art.os 577º, al. i, 580º e 581º do CPC, art.os 78º e 95º n.º 1 e 2 al. d) da LGT e 97 do CPPT e art. 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa.

b - A reclamação graciosa e o pedido de revisão consubstanciam meios alternativos de sindicância dos actos de liquidação, pelo que inexiste qualquer obstáculo à sua cumulação administrativa ou sindicância judicial.

c - O contribuinte perante os indeferimentos da reclamação graciosa e do pedido de revisão (oficiosa) que tenham como objecto mediato uma mesma liquidação, pode, atenta a autonomia de cada um dos meios contenciosos, cumulativamente impugnar cada uma das decisões.

d - ou seja, embora versem sob a mesma liquidação, temos uma ausência da tríplice identidade exigida para a verificação da excepção dilatória de litispendência, pois quer a causa de pedir, quer o pedido são distintos em cada um dos actos sindicados.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exª, deve ser dada procedência ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, ordenando-se o andamento dos autos no Tribunal a quo.»


»«

A FAZENDA PÚBLICA, não contra-alegou.

»«

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da incompetência do TCA Sul – Secção de Contencioso Tributário, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, sendo competente, em seu entender, o STA – Secção de Contencioso Tributário.

Notificadas as partes do teor do douto parecer vem a Recorrente manifestar a sua concordância com o mesmo e requerer que, a final, se determine a remessa ao Tribunal hierarquicamente competente.

A Fazenda Publica nada disse.


»«

Considerando que a situação em apreço envolve a apreciação da situação fática que não foi fixada no tribunal a quo, a competência para apreciar o recurso encontra-se, in casu, subtraída ao Supremo Tribunal Administrativo (STA) – Art. 280.º n.º 1 do CPPT.

Cumpre assim, apreciar e decidir.


»«

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

»«

2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que este Tribunal possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

A questão a decidir é a de saber se, como decidido, se verificam, in casu, os pressupostos a que está legalmente subordinado o reconhecimento da exceção de litispendência.

3 - FUNDAMENTAÇÃO

Factualidade

Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

Por consulta ao SITAF verifica-se:

1. Em 28/08/2013 P...., entregou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé uma impugnação judicial do indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário – cfr. fls. folha que antecede a petição inicial do processo instaurado naquele tribunal com o n.º 700/13.5BELLE;

2. A petição inicial do processo de Impugnação supra enunciado, corresponde a cópia daquela que deu origem à instauração dos presentes autos com exceção da parte a que se refere ao pagamento da liquidação em questão (art. 48.º da p.i., nestes autos) e àquela a que, também nos presentes autos, se prende com a argumentação contrária à defendida pela AT para considerar intempestiva a reclamação graciosa (pontos 49 a 78);

3. A petição inicial do processo a que nos vimos referindo tem como introito e pedido o infra transcrito:

“P...., divorciada, NIF 240…., residente na C…. - Caixa Postal 6… - F…. – 7…-2… O…, notificada da decisão de indeferimento de 4 de Julho de 2013 do pedido de revisão do acto tributário, vem deduzir


IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

(…)

Nestes termos, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exã, deve ser dado provimento à presente impugnação e, consequentemente ser anulada a liquidação em causa, ou caso assim se não entenda, anulado o despacho de indeferimento do pedido de revisão, ordenando-se à AT que proceda à respectiva revisão.

(…)”


»«

Importa ainda referir que, contrariamente ao referido na sentença recorrida, a Impugnante vem responder à exceção invocada pela Fazenda Publica, aqui em apreciação, pelo requerimento apresentado em 13/12/2013, pedindo a sua improcedência.

Nada mais se verificou com interesse para a decisão a proferir.


»«

De direito

A sentença recorrida absolveu a Fazenda Pública da instância por ter julgado verificada a exceção de litispendência.

Para assim decidir, considerou a Mma. Juiz a quo, que: “… a presente impugnação judicial tem por objeto, exatamente as mesmas partes (a ora Impugnante e a Autoridade Tributária); o mesmo objeto (qual seja, a liquidação adicional de IRS para o exercício de 2006), e a mesma causa de pedir, coincidindo toda a argumentação, ipsis verbis, com aquela que consta do articulado inicial do referido processo n.º 700/13.3BELLE, salvo no que respeita à questão da tempestividade da reclamação graciosa (…), sendo certo, contudo, que a questão central (como a própria Impugnante lhe chama – cfr. art.º 79.º da p.i. que respeita aos presentes autos e art.º 48.º da p.i. relativa ao processo n.º 700/13.3BELLE) prende-se com a tributação de mais- valias imobiliárias em sede de IRS.
Deste modo, é inevitável concluir que ocorre a exceção de litispendência.
(…)”

A Recorrente, por seu lado, discorda, com os seguintes argumentos, que sintetizamos:

ü Por não se conformar a Recorrente vem insurgir-se contra a decisão proferida pelo tribunal a quo, referindo, ainda que de forma genericamente, que na mesma foram violados os artigos: 577º, al. i), 580º e 581º do Código de Processo Civis e bem assim os 78º, 95º n.º 1 e 2 al. d) da Lei Geral tributária e 97.º do CPPT e ainda o artigo 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa.

ü Acrescenta que, em seu entender, a reclamação graciosa e o pedido de revisão consubstanciam meios alternativos de sindicância dos atos de liquidação, pelo que inexiste qualquer obstáculo à sua cumulação administrativa ou sindicância judicial.

ü Considera que perante os indeferimentos da reclamação graciosa e do pedido de revisão (oficiosa) que tenham como objeto mediato uma mesma liquidação, pode, atenta a autonomia de cada um dos meios contenciosos, cumulativamente impugnar cada uma das decisões, até porque, quer a causa de pedir, quer o pedido são distintos em cada um dos atos sindicados

Ou seja, se bem entendemos o raciocínio exposto pela Recorrente, o que a mesma pretende, e foi a razão porque apresentou duas impugnações, é que o tribunal se pronuncie em separado relativamente aos atos de indeferimento da reclamação graciosa e do pedido de revisão (oficiosa) e bem assim em relação a cada um dos pedidos que formula, por considerar que os meios utilizados consubstanciam meios alternativos de sindicância apesar do objeto mediato de ambos os pedidos ser a mesma liquidação, até porque, como refere, quer a causa de pedir, quer o pedido são distintos em cada um dos atos sindicados

Ora, vejamos se com razão:
Na verdade e conforme decorre da petição inicial que deu origem aos presentes autos (Proc. N.º 701/13.3BELLE) e daquela em que assenta o processo de impugnação n,º 700/13.5BELLE, a Recorrente intenta, no mesmo dia, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé dois meios impugnatórios diferentes, a saber:

Ø este, impugnação judicial do indeferimento do recurso hierárquico – cfr. fls. 3 do PA em anexo – prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT);

Ø e outro, a impugnação do indeferimento do pedido de revisão do ato tributário – cfr. ponto 1, da factualidade supra – previsto no 1 e 2 al. d) da LGT e 95.º n.º 1 al. b) do CPPT

Confrontando o teor das petições iniciais apresentadas pelos recorrentes num e noutro processo - fls. 28 a 46 dos autos e factualidade agora assente -, constata-se que: (1) o facto sobre que incide a tributação é o mesmo (tributação em sede de IRS das mais valias resultantes da alienação do imóvel e bem assim o reinvestimento na aquisição de novo imóvel no ano 2006); (2) o objeto mediato é sempre a anulação da liquidação levada a efeito pela ATA; (3) a causa de pedir é a mesma, já que as petições são, no que respeita à explanação aos fundamentos do pedido de mérito, cópia uma da outra; (4) os pedidos, porém, são distintos, uma vez que nestes autos o que se pede é para “… ser anulada a liquidação em causa, com a devolução da quantia paga e respetivos juros indemnizatórios.”, e nos autos de impugnação n.º 700/13.5BELLE, existe um pedido subsidiário que, não procedendo o primeiro, sempre terá de ser apreciado, ou seja pede-se para “…ser anulada a liquidação em causa, ou caso assim se não entenda, anulado o despacho de indeferimento do pedido de revisão, ordenando-se à AT que proceda à respectiva revisão.”
(o negrito é nosso).

Relembremos agora os pressupostos em que assenta a exceção de que nos vimos ocupando.
Como sabemos a litispendência, como o caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior evitando que prossigam duas ações, remetendo a apreciação da questão para a ação interposta em segundo lugar. (cfr. artigo 580.º do CPC).

Trata-se de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, obsta à apreciação da questão de mérito de causa e conduz à absolvição de instância conforme se preceitua nos artigos 576.º n.º 2 e 577.º al. i) e 578.º todos do CPC aqui aplicáveis “ex vi” e) do art. 2.º do CPPT e deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.

No que respeita ao noção de “repetição da causa” a lei faculta ao interprete, no art.º 581.º do CPC, as linhas indicadoras daquilo que assim deve ser entendido e enuncia que, ”repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e á causa de pedir” (n.º 1), ou seja exige-se a permanência dos elementos que constituem aquela tripla identidade (sujeitos / pedido / causa de pedir) que cumulativamente se deve verificar para que se possa dizer que se verifica a litispendência.

A este propósito aderimos à posição do Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo manifestada no parecer proferido no acórdão de 22/02/2017 no processo n.º 0874/15 daquele tribunal que se transcreve:
« Na apreciação dessa excepção «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 498.º (agora o art. 581.º do NCPC) mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497.º (agora o n.º 2 do art. 580.º do NCPC) onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou repetir uma decisão anterior (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, a pags. 302).
Ponderando esta “directriz substancial” ensinava Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, a pgs. 138 e 139, que a excepção em causa «destina-se a evitar que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica) e a (…) a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), intervindo ainda, num plano secundário, «a preocupação de salvaguardar o prestígio dos tribunais».

Aqui chegados, importa voltar ao caso que nos ocupa, sem perder de vista o ensinamento de que a litispendência visa evitar que a situação jurídica material definida por uma sentença possa vir a ser validamente definida de modo diverso por outra, evitando por outro lado a prolação de uma decisão inútil, por outro lado ainda estabilidade da decisão judicial.

Não olvidando que a lei processual tributária faculta ao particular meios alternativos de sindicância do ato de liquidação, como bem o refere a Recorrida nas conclusões de recurso (art. 95.º n.º 1 alíneas da LGT e 97.º n.º 1 do CPPT) situação a que, em abstrato, confere ao particular a faculdade de, munido dos respetivos requisitos, lhes poder deitar mão, podemos dizer com segurança que, nos meios processuais em cotejo inexiste qualquer dúvida quanto à identidade dos sujeitos e bem assim quanto à causa de pedir, uma vez que os intervenientes, nas impugnações em confronto, são os mesmos, sendo também a mesma a causa de pedir, já que as petições iniciais, são, na parte da fundamentação do mérito do pedido, cópia uma da outra e está em causa a mesma situação fática (tributação de mais- valias imobiliárias em sede de IRS/2006).

Porém encontramos diferenças nos pedidos formulados em cada uma das ações e bem assim, no ato recorrido uma vez que a primeira impugnação (n.º 700/13.3BELLE) vem interposta contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário e a presente contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico e reclamação graciosa.
Sendo os pedidos:
Ø No primeiro caso: A anulação a liquidação em causa, ou caso assim se não entenda, anulado o despacho de indeferimento do pedido de revisão, ordenando-se à AT que proceda à respetiva revisão.
Ø No segundo: A anulação da liquidação em causa, com a devolução da quantia paga e respetivos juros indemnizatórios

Ora, quanto ao ato sindicado o que constatamos é que a Impugnante, aqui Recorrente utiliza o ato de indeferimento do pedido de revisão como ato lesivo para agir judicialmente e com isso pretende distanciar-se dos presentes autos, assumindo o direito a lançar mão de meios de sindicância alternativos, mas depois utiliza, como fundamentação em ambos os processos, igual articulado, isto é, os mesmos fundamentos e a mesma causa de pedir sem invocar qualquer tipo de causa de invalidade própria de qualquer um dos atos de que recorre. Assim deverá ser excluído o reconhecimento de absoluta identidade substancial entre os pedidos formulados, sendo notório que é o mesmo o efeito que deles se pretende obter.

Por outro lado, aferimos que não há qualquer dissemelhança entre os pedidos formulados, mas sim subsidiariedade já que o pedido principal é o mesmo, que é o da anulação da liquidação em causa, acrescentado a primeira impugnação, um pedido subsidiário, que é a anulação do “despacho de indeferimento do pedido de revisão...”. Trata-se de um pedido que não pode deixar de ser apreciado, mas só e no caso de improcedência do pedido principal, o que não obsta à verificação da litispendência neste processo, uma vez que este pedido (o subsidiário) foi apresentado no processo que não viu suscitada a exceção e por conseguinte, ali, tem assegurada a sua apreciação, não ocorrendo, nesta parte qualquer tipo de repetição.

Agiu bem, pois, o Tribunal a quo ao julgar verificada a exceção de litispendência e, em consequência, absolver a Fazenda Pública da instância.

Em suma:

No caso vertente, inexiste qualquer dúvida quanto á identidade dos sujeitos e da causa de pedir e, não obstante o pedido formulado na segunda impugnação contenha um pedido subsidiário, este não evita a verificação da litispendência uma vez que a sua apreciação, se encontra assegurada no processo onde o pedido foi formulado (P. n.º 700/13.5.BELLE).

Termos em que o se confirmará a sentença recorrida e se negará provimento ao recurso, o que se provirá na parte do dispositivo

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter, na ordem jurídica, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente


Lisboa, 28 de fevereiro de 2019.

(Hélia Gameiro Silva)

(Benjamim Barbosa)

(Anabela Russo)