Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11425/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:FORMAÇÃO DE CONTRATOS, PROVIDENCIAS CAUTELARES, CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
Sumário:I- O prazo de 30 dias previsto no artigo 101º do CPTA refere-se também às nulidades dos atos administrativos.
II - Caducado o direito de ação principal, deve concluir-se que é manifesta a falta do fumus boni iuris no processo cautelar respetivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· R…… – R……, Lda. intentou

Processo cautelar de contencioso pré-contratual (artigo 132º CPTA) contra

· Centro Hospitalar do Algarve, com sede na Rua Leão Penedo, 8000-386 Faro, e Outros.

Pediu ao T.A.C. de Loulé o seguinte:

- Suspensão da eficácia do acto de adjudicação para prestação de serviço do concurso público n° 14/2014 –, consubstanciado na Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância à candidata V…… – ……, Lda.

- Adjudicação provisória e imediata à requerente da execução do objecto do concurso (...) de acordo com a sua proposta.

*

Por decisão de 28-5-14, o referido tribunal decidiu julgar improcedente o processo cautelar, por caducidade do direito de acção principal.

*

Inconformada, a autora recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

O recorrido CENTRO contra-alegou, concluindo:

(OMISSIS)

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida política e económica submetida ao Bem Comum e à suprema e igual dignidade da pessoa; (ii) os princípios jurídicos fundamentais e estruturais vigentes, como a Igualdade e a Proporcionalidade sob a égide do ponto de vista da nossa Lei Fundamental.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

(OMISSIS)

Continuemos.

PREVIAMENTE (efeito do recurso):

A requerente pretende que o recurso tenha efeito suspensivo, mas não tem razão, porque todos os recursos quanto a processos cautelares têm necessariamente efeito devolutivo, conforme resulta do artigo 143º/2 do CPTA.

*

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

OBJECTO DO RECURSO

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

O MÉRITO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

Temos presente, em matéria de interpretação, metodologia e argumentação jurídicas (i.e., de “gramática do Direito”), a destrinça entre o modelo lógico da subsunção nas regras jurídicas (1) e a interpretação-aplicação dos comandos jurídicos constitucionais que visem concretizar um dever-ser ideal (2) interpretação constitucional onde, por causa dos princípios estruturais da “igual dignidade de cada pessoa humana” e do “Estado social de Direito”, predominam as máximas jurídicas da igualdade e da proporcionalidade, com um modelo aritmético da ponderação ou sopesamento).

Vejamos.

DA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO PRINCIPAL e SEU EFEITO NESTE PROCESSO CAUTELAR

O presente caso é simples.

Estamos ante um processo cautelar dos regulados no artigo 132º do CPTA.

A requerente pretende providências cautelares quanto ao ato de adjudicação de um contrato público, acto esse de 21-2-2014, publicitado e notificado nesta data.

Este processo cautelar, contra o acto de adjudicação publicitado e impugnado, deu entrada no TAC em 18-3-2014, sendo a partir desta data que o tribunal deve contar o prazo de caducidade do direito de ação.

O processo principal apenso, regulado nos artigos 100º ss do CPTA, deu entrada no TAC em 21-5-2014. Ou seja, três meses depois da data da publicitação e notificação (como se estivéssemos numa AAE das previstas nos artigos 46º a 96º do CPTA).

A Mmª juiza do tribunal a quo considerou, bem, que foi violado o prazo de 30 dias previsto no artigo 101º CPTA.

Antes de continuarmos, convém desde já afastar a viabilidade de um estranho argumento da recorrente. Esta vem agora dizer que interpôs um recurso hierárquico em 7.2.14 contra o projeto de decisão, decisão que viria a surgir em 21.2.14. É patente a incorreção deste argumento para se aproveitar do artigo 175º CPA: não houve recurso hierárquico contra o ato final aqui em causa. É o que basta.

Mas, quanto ao regime específico consagrado no artigo 101º CPTA, está hoje assente nesta Jurisdição que o prazo de 30 dias se refere também às nulidades do ato administrativo concursal (na verdade, até foram invocadas ilegalidades formais, causas de anulabilidade: violação do direito de audição prévia e total falta de fundamentação).

Pelo que, embora em rigor nada do invocado caiba na figura da nulidade (artigo 132º CPA), releva sempre o prazo de 30 dias cit.

E, por isso, com base na circunstância de ter caducado o direito de ação (principal), andou bem a decisão recorrida ao daí retirar a falta de fumus boni iuris neste processo cautelar.

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em manter o efeito meramente devolutivo do recurso e em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.

(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)

Lisboa, 4-12-2014

Paulo H. Pereira Gouveia – relator

Nuno Coutinho

Carlos Araújo

1) Cfr., por todos, K. LARENZ/C.-W. CANARIS, Metodologia da Ciência do Direito, em actualização em alemão no presente século.

2) Cfr. Im. KANT (Crítica da Razão Prática - orig. de 1788), K. ENGISCH (Introdução ao Pensamento Jurídico – a 9ª ed. alemã é de 1997), Klaus GÜNTHER (Der Sinn für Angemessenheit. Anwendungsdiskurse in Moral und Recht, Frankfurt, Suhrkamp, 1988; Ein normativer Begriff der Kohärenz für eine Theorie der juristischen Argumentation, in revista “Rechstheorie”, n.° 20, 1989, pp. 163-190), J. HABERMAS (Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy, trad., Cambridge, Polity Press, 1992; Popular Sovereignty as Procedure, in “Deliberative Democracy: Essays on Reason and Politics”, org. James Bohman e William Rehg, Cambridge, Massachusetts, 1997, pp. 35-65), e R. ALEXY (A construção dos direitos fundamentais, trad., in “Direito & Política”, nº 6, 2014, pp. 38-48; A Theory of Legal Argumentation, trad., Oxford, 2010; A Theory of Constitutional Rights, trad., Oxford, 2010).