Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1199/11.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS SÃO SUJEITOS PASSIVOS INDIRECTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA.
RESPEITO PELOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA NO CHAMAMENTO DE DEVEDORES SUBSIDIÁRIOS.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA SUBSIDIÁRIA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS.
ARTº.24, Nº.3, DA L.G.T., NA REDACÇÃO RESULTANTE DA LEI 60-A/2005, DE 30/12.
ARTºS.6 E 55, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS. 
FUNÇÕES E DEVERES DOS TOC.
PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS TOC.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
2. A responsabilidade tributária subsidiária por dívidas de outrem está sujeita a um regime bastante estreito e exigente, cujo recorte não pode deixar de ter em presença os cuidados de minimização das restrições que estas situações provocam na esfera patrimonial dos contribuintes terceiros chamados (sujeitos passivos indirectos da relação jurídica tributária). Com efeito, está-se aqui já numa fase patológica ou desconforme do desenvolvimento da relação jurídica tributária, o que significa que o devedor directo incumpriu com a sua obrigação principal (pagamento do tributo), encontrando-se o prazo de pagamento voluntário já decorrido. Nessa sequência, o credor tributário sente a necessidade de recorrer a meios coercivos para fazer valer a sua pretensão.
3. O chamamento de devedores subsidiários ao pagamento de dívidas tributárias de outrem não pode ser efectuado com desrespeito pelos princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, pelo que a reversão é sempre precedida da audição daqueles (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.).
4. Até à entrada em vigor da Lei 60-A/2005, de 30/12, a responsabilidade subsidiária dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC) já estava prevista no artº.24, nº.3, da L.G.T., mas era mais difícil de concretizar, uma vez que se exigia a prova da violação dolosa dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.
5. Com a redacção resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12, a responsabilidade tributária subsidiária dos TOC passou a poder basear-se em conduta meramente negligente (negligência consciente ou inconsciente), devendo ser aferida com a aplicação do critério do profissional médio (o que releva é verificar se um técnico oficial de contas normalmente diligente actuaria de modo similar). No entanto, esta alteração legislativa no regime do artº.24, nº.3, da L.G.T., apenas se aplica aos pressupostos da responsabilidade subsidiária que se verifiquem após o dia 1/1/2006 (cfr.artº.12, nº.1, da L.G.T.).
6. As funções e deveres profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas estavam consagrados no Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (EOTOC), aprovado pelo dec.lei 452/99, de 5/11 (alterado e republicado pelo dec.lei 310/2009, de 26/10). Os artºs.6 e 55, do EOTOC, consagravam as funções e deveres dos TOC.
7. A lei pressupõe a responsabilidade subjectiva dos TOC desde que fiquem provados dois requisitos: a determinação no incumprimento das dívidas tributárias, bem como a insuficiência patrimonial do ente societário. É de exigir a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais que sejam imputáveis ao TOC, a título de negligência ou dolo. É de exigir, igualmente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do TOC e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o mesmo TOC exerce as suas funções profissionais, erigindo-se este como um instrumento necessário ao incumprimento fiscal, assim podendo falar-se em comparticipação na mesma causa em sede de responsabilidade extra-contratual, conforme previsão do artº.490, do C.Civil, em face da responsabilidade subsidiária prevista no artº.24, nº.1, da L.G.T., quanto à pessoa dos gerentes ou administradores.
8. Recai sobre a A. Fiscal o ónus da prova dos citados pressupostos, com vista à efectivação da responsabilidade subsidiária dos TOC através do mecanismo da reversão.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.50 a 52-verso do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, J..., visando a execução fiscal nº.... e apensos, a qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de ..., contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e Coimas, relativas aos anos de 2005 a 2010 e no montante global de € 11.528,10.

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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.66 a 72 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:

1-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a administração tributária não juntou prova sobre a violação dos deveres assumidos pela regularização técnica nas áreas de contabilidade e fiscal da devedora originária e assim a conduta dolosa ou negligente por parte do oponente, que é pressuposto legal para aferir a responsabilidade subsidiária, nos termos do art.º 24.º, n.º 3, da LGT;

2-Torna-se evidente pelos contornos factuais ínsitos nos autos, que cabe excogitar, o ora oponente deve ser considerado como parte legítima no procedimento de reversão, e na modificação subjectiva das dívidas, porquanto na matéria de facto consta o direito de audição (fl.61), exercido pelo ora oponente, onde refere a douta sentença: “invocando incapacidade para apresentar dados válidos e preenchimento das demais declarações da sociedade executada, dentro do prazo legal”;

3-No entanto, considerando a sua explicação em discurso direto, digamos que houve uma aceitação por parte do oponente da prestação de serviços, no âmbito da sua actividade de técnico oficial de contas, mas conforme ficou demonstrado, apesar do impedimento na concretização do seu trabalho, pela falta de documentos contabilísticos para realizar o trabalho, pela impossibilidade de contactar com o gerente da sociedade, não procedeu o oponente a qualquer informação de acordo com os deveres profissionais, nomeadamente de renuncia ou cessação da sua função;

4-De acordo com um artigo publicado pela Ordem dos Técnicos Oficial de Contas refere o seguinte: “Cessando o contrato de prestação de serviços, deve o TOC cessante comunicar tal facto à Administração Fiscal, através do site das declarações electrónicas (Gestão de TOC - Renunciar), deve também comunicar a respectiva cessação à CTOC através do site www.ctoc.pt (art.º 10º), de forma a cumprir a disposição estatutária.”;

5-Ora no caso em apreço, é manifesto que não existiu qualquer diligência no cumprimento dos deveres profissionais, pelo que se deve aferir um comportamento negligente por parte do oponente, que convém salientar, nos factos dados como provados, visto que no pequeno cenário narrado pelo oponente ficou omissa qualquer renúncia à prestação dos serviços prestados;

6-Determinaram o sentido da decisão, a inexistência de factos alegados e provados pela Administração Tributária que conduziram à conclusão de falta de prova de responsabilidade subsidiária do oponente, no entanto prevalecem certezas sobre a conduta negligente em violação dos deveres pela responsabilidade na regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal, estando devidamente preenchidos os pressupostos previstos:

a)Do efectivo exercício de funções de TOC do responsável subsidiário;

b)Da violação dolosa ou negligente dos deveres de assunção de responsabilidade pelo técnico oficial de contas;

7-Pelo que neste caso a Fazenda Pública considera, que o oponente, tendo negligenciado os seus deveres profissionais de técnico de contas não tendo diligenciado face ao que impõem as regras profissionais, porquanto não agiu com prudência de modo, descurando os deveres que se impunham, devendo nestes termos ser responsabilizado, no cumprimento das obrigações;

8-Neste desiderato, o oponente é parte legítima da presente oposição;

9-Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, bem como do art.º 24.º da LGT;

10-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


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Não foram produzidas contra-alegações.  

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.80 a 82 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.51 e 52 dos autos - numeração nossa):

1-No 1º. Serviço de Finanças de ... corre termos a execução fiscal nº.... e apensos, contra a sociedade “M... - Empresa de Trabalho Temporário, Lda.”, por dívidas de IVA dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 e de coimas dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no montante global de € 11.528,10 (cfr. documentos juntos a fls.1 a 50 do processo de execução apenso);

2-O aqui oponente, J..., com o n.i.f. ..., foi técnico oficial de contas da sociedade executada identificada no nº.1, em período não concretamente apurado (cfr.documento junto a fls.61 do processo de execução apenso; factualidade admitida pelo opoente no articulado inicial do processo, nomeadamente no seu artº.25);

3-O Chefe do 1º. Serviço de Finanças de ..., por despacho proferido em 04/02/2011, no âmbito da execução fiscal a que se alude no ponto 1) supra, determinou a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal contra o oponente, indicando o texto as normas contidas nas alíneas a) e b), do nº.1, do artigo 24.º da LGT e ainda «por existir prova da violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilísticas e fiscal, ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos, nos termos do artº.24, nº.3, da LGT (cfr.documento junto a fls.62 do processo de execução apenso);

4-Notificado o oponente para o exercício do direito de audição prévia, respondeu este nos termos constantes do requerimento junto a fls.61 do processo de execução apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando incapacidade para apresentar dados válidos e preenchimento das demais declarações da sociedade executada, dentro ou fora do prazo legal;

5-Por despacho de 17/03/2011 do Chefe do 1º. Serviço de Finanças de ..., foi determinada a reversão da execução contra o oponente, com a mesma fundamentação constante do despacho inicial identificado no nº.3, sendo a dívida exequenda revertida no montante de € 11.528,10, tendo por origem as dívidas identificadas no nº.1 supra (cfr. documento junto a fls.77 do processo de execução apenso);

6-Em 24/03/2011 o oponente foi citado para a execução por reversão por carta registada com aviso de recepção (cfr.documentos juntos a fls.80 e 81 do processo de execução apenso);

7-A p.i. de oposição deu entrada em 26/04/2011, no Serviço de Finanças de ... (cfr.data de entrada aposta a fls.5 dos presentes autos).                           


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão não se provaram outros factos…”.

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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados…”.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, enquanto técnico oficial de contas da sociedade executada originária (cfr.artº.24, nº.3, da L.G.T.), em consequência do que determinou a sua extinção quanto ao mesmo.

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

O recorrente alega, em síntese, que o oponente/recorrido deve ser considerado como parte legítima no procedimento de reversão. Que apesar do impedimento na concretização do seu trabalho, pela falta de documentos contabilísticos para realizar o trabalho e pela impossibilidade de contactar com o gerente da sociedade, não procedeu o oponente a qualquer informação de acordo com os deveres profissionais, nomeadamente de renúncia ou cessação das suas funções. Que não existiu qualquer diligência no cumprimento dos deveres profissionais, pelo que se deve aferir um comportamento negligente por parte do oponente. Que se verificou uma errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara violação dos requisitos legalmente consignados no Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, bem como do artº.24, da L.G.T. (cfr. conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.

No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.

Avancemos.

O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).

Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).

A responsabilidade tributária subsidiária por dívidas de outrem está sujeita a um regime bastante estreito e exigente, cujo recorte não pode deixar de ter em presença os cuidados de minimização das restrições que estas situações provocam na esfera patrimonial dos contribuintes terceiros chamados (sujeitos passivos indirectos da relação jurídica tributária).

Com efeito, está-se aqui já numa fase patológica ou desconforme do desenvolvimento da relação jurídica tributária, o que significa que o devedor directo incumpriu com a sua obrigação principal (pagamento do tributo), encontrando-se o prazo de pagamento voluntário já decorrido. Nessa sequência, o credor tributário sente a necessidade de recorrer a meios coercivos para fazer valer a sua pretensão.

Deste modo, pode afirmar-se que a natureza executiva e a subsidiariedade são as notas mais marcantes do regime da responsabilidade tributária aqui em análise. Além disso, deve também salientar-se que o chamamento de devedores subsidiários ao pagamento de dívidas tributárias de outrem não pode ser efectuado com desrespeito pelos princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, pelo que a reversão é sempre precedida da audição daqueles (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.; Joaquim Freitas da Rocha e Outro, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.100 e seg.; Abílio Morgado, Responsabilidade Tributária: Ensaio sobre o regime do artº.24, da Lei Geral Tributária, Ciência e Técnica Fiscal, nº.415, Janeiro/Junho 2005, pág.106 e seg.).                                                                                               

No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2005 a 2009) a que respeitam as dívidas de I.V.A. que constituem parte do débito exequendo revertido - cfr.nºs.1 e 5 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).

No que se refere à reversão de dívidas de coimas (anos de 2007 a 2010), deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.8, nº.1, do R.G.I.T., diploma e normativo em vigor no momento da reversão (cfr.nºs.1 e 5 do probatório; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.100 e seg.).

O artº.24, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12 (cfr.artº.57), determina que “a responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”.

Até à entrada em vigor da Lei 60-A/2005, de 30/12, a responsabilidade subsidiária dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC) já estava prevista no citado artº.24, nº.3, da L.G.T., mas era mais difícil de concretizar, uma vez que se exigia a prova da violação dolosa dos deveres de assunção de responsabilidade e assinatura.

Com a redacção resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12, a responsabilidade tributária subsidiária dos TOC passou a poder basear-se em conduta meramente negligente (negligência consciente ou inconsciente([1])), devendo ser aferida com a aplicação do critério do profissional médio (o que releva é verificar se um técnico oficial de contas normalmente diligente actuaria de modo similar). No entanto, esta alteração legislativa no regime do artº.24, nº.3, da L.G.T., apenas se aplica aos pressupostos da responsabilidade subsidiária que se verifiquem após o dia 1/1/2006 (cfr.artº.12, nº.1, da L.G.T.; Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, pág.44 e seg.).

As funções e deveres profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas estavam consagrados no Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (EOTOC), aprovado pelo dec.lei 452/99, de 5/11 (alterado e republicado pelo dec.lei 310/2009, de 26/10; actualmente ver a Lei 139/2015, de 7/9, que transformou a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados), diploma vigente à data dos factos em exame no presente processo.

Os artºs.6 e 55, do identificado EOTOC, consagravam as funções e deveres dos TOC, entre os quais se salientam (cfr.actualmente os artºs.70 a 73 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados):

1-Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;

2-Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas no nº.1;

3-Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas no nº.1, as respectivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respectivos órgãos;

4-Assegurar que as declarações fiscais que assinam estão de acordo com a lei e as normas técnicas em vigor;

5-Acompanhar, quando para tal forem solicitados, o exame aos registos e documentação das entidades a que prestem serviços, bem como os documentos e declarações fiscais com elas relacionados;

6-Abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação dos documentos e das declarações fiscais a seu cargo.

A responsabilidade tributária do TOC pressupõe a verificação da inexistência ou, pelo menos, insuficiência de bens do devedor originário e, por outro lado, a violação culposa dos deveres de regularização técnica no âmbito contabilístico e fiscal. Dito de outra forma, a lei pressupõe a responsabilidade subjectiva desde que fiquem provados dois requisitos: a determinação no incumprimento das dívidas tributárias, bem como a insuficiência patrimonial do ente societário. É de exigir a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais que sejam imputáveis ao TOC, a título de negligência ou dolo. É de exigir, igualmente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do TOC e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o mesmo TOC exerce as suas funções profissionais, erigindo-se este como um instrumento necessário ao incumprimento fiscal, assim podendo falar-se em comparticipação na mesma causa em sede de responsabilidade extra-contratual, conforme previsão do artº.490, do C.Civil, em face da responsabilidade subsidiária prevista no artº.24, nº.1, da L.G.T., quanto à pessoa dos gerentes ou administradores (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/07/2017, proc.415/12.1BEBJA; Abílio Morgado, Responsabilidade Tributária: Ensaio sobre o regime do artº.24, da Lei Geral Tributária, Ciência e Técnica Fiscal, nº.415, Janeiro/Junho 2005, pág.124 e seg.; Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, pág.44 e seg.).

Da análise destes preceitos legais constata-se que é inerente ao exercício privado da profissão de TOC um interesse público, que resulta da necessidade de transparência e rigor na elaboração das contas das entidades a quem prestam serviços. Por esse motivo, determinou o legislador que, à semelhança do que sucede com os membros dos órgãos de fiscalização e com os revisores oficiais de contas, também os TOC poderiam ser responsabilizados subsidiariamente, desde que demonstrada a violação dos seus deveres de responsabilidade pela regularização técnica, contabilística e fiscal das empresas ou, por outro lado, pela falta de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e anexos. O incumprimento das obrigações fiscais deverá, por conseguinte, ser resultante da violação culposa dos deveres que impendem sobre o TOC, recaindo sobre a A. Fiscal o ónus da prova dos citados pressupostos, com vista à efectivação da responsabilidade através do mecanismo da reversão (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.226 e seg.; Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, pág.47).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que a Fazenda Pública não produziu prova dos pressupostos da reversão consagrados pelo examinado artº.24, nº.3, da L.G.T., desde logo, não existindo prova no processo do efectivo exercício de funções de TOC da sociedade executada originária por parte do responsável subsidiário e ora recorrido, J..., nos períodos a que se referem as dívidas exequendas (cfr.anos de 2005 a 2010 - nºs.1 e 5 do probatório).
Assim é, porquanto, em todo o processo as únicas referências ao alegado exercício de funções de TOC da sociedade executada originária por parte do responsável subsidiário e ora recorrido pertencem ao próprio, em sede de exercício do direito de audição no mecanismo da reversão (cfr.nº.4 do probatório) e no articulado inicial do processo, nomeadamente no seu artº.25. Em ambos os locais o opoente recorrido admite o exercício de tais funções em 2004, embora condicionado pela não possibilidade de acesso aos documentos contabilísticos da mencionada sociedade, tal como ao desconhecimento da chave de acesso ao Portal das Finanças. Na prática, tais condicionalismos impediam o exercício de quaisquer funções de TOC por parte do opoente/recorrido.
O mesmo se diga dos restantes pressupostos da reversão consagrados no examinado artº.24, nº.3, da L.G.T., a que se refere a sentença recorrida (a determinação no incumprimento das dívidas tributárias; a consequente insuficiência patrimonial do ente societário; o nexo de causalidade adequada).  
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/ recorrido, ao abrigo dos artºs.24, nº.3, da L.G.T., e 8, nº.1, do R.G.I.T., devido a falta de prova dos pressupostos da reversão e no âmbito do processo de execução fiscal nº. ... e apensos, devendo confirmar-se a sentença do Tribunal “a quo”.

Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 19 de Dezembro de 2017

(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)



[1] (na negligência consciente o agente, por não proceder com o cuidado a que está obrigado e de que é capaz, actua sem se conformar com a realização do facto; na negligência inconsciente o agente, por não proceder com o cuidado a que está obrigado e de que é capaz, não chega, sequer, a representar a possibilidade de realização do facto).