Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:820/11.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
PROVA DA NÃO IMPUTABILIDADE DO NÃO PAGAMENTO
24, Nº.1, AL. B), DA L.G.T
Sumário:Se o Recorrente, relativamente a um dos fundamentos apreciados pela sentença, não ataca o decidido, não se opondo expressamente (nem implicitamente) à apreciação feita, temos que o recurso jurisdicional em apreciação, nessa medida, é inapto a colocar em causa a decisão sob escrutínio.
Fundando-se a reversão da execução no artº. 24, nº.1, al. b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida.

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

No caso, apreciada criticamente a prova, podemos concluir que o Recorrente não demonstrou que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “Cafetarias …”, se ficou a dever a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias".

A circunstância de a devedora originária ter pago os impostos de acordo com o apuramento feito pelo seu contabilista, diferente da qualificação fiscal que a AT viria a dar aos mesmos factos, com as correcções fiscais que daí resultaram, não justifica a não imputabilidade da falta de pagamento.

Também a concorrência, sem mais, não pode ser argumento válido e atendível para afastar a culpa pelo não pagamento, sendo algo transversal a todos os ramos de actividade.

A qualificação da insolvência como “fortuita” não é, por si só, suficiente para afastar a presunção de culpa do gerente contida na alínea b) do nº 1 do art.º 24º da LGT; a qualificação da insolvência da sociedade como “fortuita” não tem efeitos externos ao processo de insolvência.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A... deduziu oposição à execução fiscal n.º 156... e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Sintra 1 para cobrança da quantia exequenda no montante total de €149.362,98 e acrescido, relativa a dívidas de IVA respeitantes ao período de 2004 e 2005, IRC referente aos exercícios 2004, 2005, 2006 e 2007, e coimas tributárias, da devedora originária “C..., Lda.”.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra julgou improcedente a oposição.

Inconformado, o Oponente veio recorrer da sentença proferida, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões (com a indicação corrigida das alíneas):

a) Vem o presente recurso apresentado da Sentença proferida em 30 de Janeiro de 2020, a fls. … dos autos, nos termos da qual foi julgada parcialmente (im)procedente Oposição à Execução Fiscal autuada com o n.º 820/11.0BESNT;

b) O Tribunal a quo considerou que o Recorrente não logrou demonstrar a ausência de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária;

c) A Sentença em apreço violou, pois, o disposto no artigo 24.º, da LGT;

d) A gerência da sociedade devedora originária sempre pagou todos os impostos que, em boa fé, considerava devidos, e que foram apurados por profissional qualificado para o efeito – o Contabilista Certificado -, pelo que nunca poderia imaginar que os factos seriam requalificados para efeitos tributários,

e) Não obstante, num primeiro momento, como demonstrado, contraiu um empréstimo bancário e pagou os impostos liquidados adicionalmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o que deve ser valorado como prova da sua boa fé e ausência de culpa e não o contrário;

f) De igual modo é indício evidente da ausência de culpa do Recorrente que, até ao limite das suas possibilidades procurou satisfazer os créditos tributários liquidados adicionalmente;

g) A sociedade devedora principal "C... Lda', foi declarada insolvente por Sentença de 8 de Julho de 2009, no âmbito do processo 16641/09.8T2SNT, que correu os seus termos no Juízo do Comércio do Tribunal de Sintra, na Comarca da Grande Lisboa Noroeste, conforme documento junto com a petição inicial;

h) Insolvência esta que foi declarada fortuita o que é também indiciador da adequada conduta porque sempre se pautou;

i) A devedora principal dedicava-se à exploração de cafetarias e no exercício da sua actividade, explorava a marca "A...", e tinha diversos estabelecimentos de restauração ligados a este conceito de "fast-food";

j) Sucede, porém, que no ano de 2001 a cadeia internacional M... (líder mundial nesta área de negócio) iniciou, de forma agressiva, a sua actividade em Portugal, fazendo uma concorrência que a sociedade devedora originária não conseguiu suportar tendo-se degradado consecutivamente os seus resultados operacionais até ao encerramento;

l) Esta situação foi ainda agravada pelo resultado de uma inspecção tributária (cujo imposto liquidado adicionalmente foi, como referido já, diligentemente pago);

m) Desse momento em diante, a sociedade devedora principal passou anualmente a ter correcções tributárias, execuções fiscais, e dívidas constantes com a Administração Fiscal sendo que por mais que se esforçasse na resolução de todos estes litígios e no pagamento das referidas dívidas, a sua situação económica não o permitia, atendendo às condições de mercado;

n) Note-se que tais dívidas não emergem de qualquer comportamento doloso ou sequer negligente por parte da sociedade devedora originária, mas apenas de diferença de entendimento, entre o Contabilista Certificado e a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao tratamento contabilístico e formalidades de prova adequadas;

o) Em face dos factos descritos e da prova efectuada é manifesto o erro de julgamento e violação do artigo 24.º, da Lei Geral Tributária pelo Tribunal a quo sendo impostergável a conclusão de que nenhuma culpa pode ser imputada ao Recorrente;

p) Recorrente este que, independentemente do padrão de análise, sempre foi prudente e diligente em face dos elementos de gestão de que dispunha;

q) Acima de tudo sempre foi um comportamento de boa fé e com o intuito de lograr o lucro e o cumprimento de todas as responsabilidades da sociedade devedora originária;

r) As circunstâncias do mercado são essenciais para aferir da eventual (mas inexistente no caso concreto), culpa do gerente;

s) Com efeito, o Recorrente sempre buscou o lucro da sociedade, o que logrou durante diversos anos;

t) Sucede que, com a entrada de um player no mercado com as características do M..., e com a agressividade que o fez, a sociedade devedora originária viu-se numa situação de dificuldade por não possuir as armas para competir, perecendo;

u) Ou seja, o Recorrente sempre foi diligente e ponderado nas decisões tomadas, mas o mercado (que se alterou profundamente com a entrada do referido player) não permitiu a obtenção de resultados operacionais positivos o que, em última análise, conduziu à insolvência;

v) Este é um facto que concorre em grande medida para a ausência de culpa do Recorrente;

w) De igual modo, o Recorrente, em face deste estado de coisa, apresentou a sociedade devedora originária à insolvência (considerada fortuita), precisamente com acto tendente à protecção dos credores;

v) Ao contrário do que vem referido na Sentença em apreço este facto é relevante;

y) Com efeito, se existissem suspeitas de fraude ou sequer de conduta antijurídica, o respectivo incidente de qualificação teria sido instaurado;

z) Ora, a prova de factos negativos, por natureza dado que não é possível uma prova peremptória, é feita através de indícios.

aa) O referido indício, em conjunto com a demais prova carreada para os autos, e factos descritos, é evidenciador da ausência de culpa do Recorrente;

bb) Deve, pois, também por este motivo, a Sentença recorrida ser revogada porque assente em erro de julgamento por erro sobre os pressupostos violando assim o disposto no artigo 24.º, da Lei Geral Tributária.

cc) Como resulta dos autos, a citação remetida ao ora Recorrente era omissa quanto aos elementos essenciais da dívida originária como exige o artigo 22.º, n.º 4, da LGT;

dd) Assim sendo a situação em apreço caracteriza-se por uma clara violação do disposto nos artigos 163.º e 190.º, do CPPT, o que por si só implica a nulidade da citação por falta de otificação do acto de liquidação – cfr. artigo 198.º, do Código de Processo Civil -, e a inexigibilidade da dívida em relação ao Recorrente enquanto, alegada, responsável subsidiária;

ee) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 198.º do Código de Processo Civil, supletivamente aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário “Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”.

ff) No caso concreto, não foram respeitadas as formalidades especiais decorrentes dos artigos 22.º, 23.º e 24.º, da Lei Geral Tributária, o que conduz à nulidade da respectiva citação, e à inexigibilidade da dívida em reversão;

gg) Tal omissão prejudica os direitos e garantias do ora Recorrente e é motivador da inexigibilidade da dívida exequenda enquanto responsável subsidiário;

hh) Assim, face ao exposto não restam quaisquer dúvidas de que a dívida exequenda é inexigível ao Recorrente tendo a Sentença recorrida incorrido em erro de julgamento por violação ostensiva dos artigos 23.º, n.º 4, e 22.º, n.º 4, ambos da Lei Geral Tributária;

ii) Por fim, mesmo que assim não se entendesse, sempre estaria em causa a nulidade da citação, sendo que prevê o artigo 165.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que as nulidades insanáveis são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final, deverá concluir-se que as nulidades que aqui se invocam não poderão deixar de ser apreciadas e declaradas.

Termos em que, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a Sentença proferida em 30 de aneiro de 2020, com a consequente declaração de inexigibilidade da dívida ao ora Recorrente, enquanto responsável subsidiário.


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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunt0 junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A) . A devedora originária dedicava-se à exploração de cafetarias, explorava a marca “A...” e tinha diversos estabelecimentos de restauração ligados ao conceito “fast food” [prova testemunhal].

B) . A devedora originária abriu várias lojas de venda de hambúrgueres “A...” em centros comerciais como o IMAVIS, CC Amoreiras, CC Babilónia e Cascais Villa [prova testemunhal].

C) . Em 1991 surge em Portugal a primeira loja M... [facto notório de conhecimento público, e não controvertido pelas partes].

D) . Entre 2000 e 2006 a sociedade devedora originária fechou todos os estabelecimentos de cafetaria que tinha [prova testemunhal e em confronto com os factos assentes descritos na sentença de insolvência a fls. do PEF não numerado].

E) . A 08.07.2008 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 156..., no Serviço de Finanças de Sintra 1, contra a sociedade “C..., Lda.”, nipc 5..., para cobrança de dívida de IVA, pela quantia exequenda de €20.710,72, referentes ao exercício de 2004, que tiveram datas limite de pagamento entre 12.04.2004 a 10.02.2005 [cf. fls. do PEF não numerado em apenso].

F) . Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os processos de execução fiscal n.ºs:

i) n.º 1562..., por dívidas de IVA no montante de €26.544,95 referentes ao exercício de 2005, que tiveram data limite de pagamento entre 10.03.2005 a 10.02.2006;

ii) n.º 15622…, por dívidas de IVA no montante de €260,37 referentes ao exercício de 2004, que tiveram data limite de pagamento em 31.08.2008;

iii) n.º 156220…, por dívidas de IRC referentes aos exercícios de 2004 e 2005, que tiveram data limite de pagamento em 01.10.2008 e 29.09.2008, respectivamente;

iv) n.º 1562200…, por dívidas de coimas no montante de €812,60 referentes ao exercício de 2008, que tiveram data limite de pagamento em 19.10.2008;

v) n.º 15622008…, por dívidas de IRC referentes ao exercício de 2006, que tive data limite de pagamento em 12.11.2008;

vi) n.º 156220080…, por dívidas de IRC referentes ao exercício de 2007, que tive data limite de pagamento em 19.11.2008;

vii) n.º 15622009…, por dívidas de coimas no montante de €505,20 referentes ao exercício de 2009, que tiveram data limite de pagamento em 09.02.2009;

[cf. fls. do PEF não numerado em apenso]

G) . A 08.07.2009 foi proferida sentença de insolvência da sociedade devedora originária em sede do processo n.º 16641/09.8T2SNT, que correu termos no Juízo do Comércio de Sintra – Comarca da Grande Lisboa-Noroeste [cf. cópia da certidão do Registo Comercial a fls. do PEF em apenso e cópia da sentença a fls. do PEF não numerado em apenso e fls. 27 a 34 dos autos].

H) . À data da insolvência a sociedade “C..., Lda.”, nipc 5..., era devedora à administração fiscal da quantia de €229.146,74, à sociedade A..., Lda., da quantia de €215.141,23, à sociedade N..., Lda., da quantia de €340.143,19, à sociedade C..., Lda., da quantia de €21.538,80 e a F... da quantia de €1.118,75 [descrito de forma genérica em sede de prova testemunhal e em confronto com os factos assentes descritos na sentença de insolvência a fls. do PEF não numerado].

I) . O oponente e a sua esposa são sócios das sociedades A..., Lda., e N..., Lda., identificadas no ponto anterior [prova testemunhal].

J) . À data da insolvência a sociedade devedora originária detinha bens e direitos no valor total estimado de €999.275,66 [descrito de forma genérica em sede de prova testemunhal e em confronto com os factos assentes descritos na sentença de insolvência a fls. do PEF não numerado].

K) . A insolvência decretada identificada no ponto anterior foi qualificada como fortuita face à proposta nesse sentido pelo administrador de insolvência e pelo Ministério Público [cf. e cópia da sentença a fls. do PEF não numerado em apenso e fls. 36 e 37 dos autos].

L) . Por despacho de 18.02.2011 foi determinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 1, a preparação do processo de execução fiscal n.º 156... e apensos para eversão contra o oponente, com fundamento no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT [cf. cópia do despacho a fls. do PEF em apenso].

M) . Através do ofício n.º 1931 de 22.02.2011, do Serviço de Finanças de Sintra 1 foi o oponente notificado para o exercício do direito de audição prévia em sede do procedimento de reversão identificado no ponto anterior [cf. cópia do ofício a fls. do PEF não numerado em apenso].

N) . A 07.03.2011 foi pelo oponente exercido o direito de audição prévia invocando a nulidade do despacho [cf. cópia do requerimento a fls. do PEF não numerado em apenso].

O) . Por despacho de 11.04.2011 do Chefe de Finanças de Sintra 1 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º 156... e apensos contra o oponente, constando do mesmo nomeadamente o seguinte:

“(…) Fundamentos da Reversão

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/n.º1/b) LGT).

E alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT.

(…)” [cf. cópia do despacho a fls. do PEF não numerado em apenso].

P) . A 18.04.2011 foi o oponente citado na qualidade de responsável subsidiário em sede do processo de execução fiscal n.º 156... e apensos, para pagamento da quantia exequenda de €149.362,98, e acrescido, contendo o ofício, nomeadamente, a seguinte menção:

“(…) Fundamentos da Reversão

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários,

sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT) ; Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/n.º1/b) LGT).

E alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT. (…)” [cf. cópia do ofício de citação e aviso de recepção assinado constante de fls. do PEF não numerado em apenso].


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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Pelo tribunal foi ouvida a testemunha A..., esposa do oponente e também ela sócia da sociedade devedora principal. Prestou um depoimento muito confuso em termos cronológicos, não conseguindo precisar as datas dos eventos descritos.

Fez um enquadramento da sociedade de forma credível, resultando provados os factos descrito nas alíneas A) e B) dos factos assentes. Imputou o declínio da actividade da sociedade devedora originária a vários factos, nomeadamente a denominada “crise das vacas loucas” nos anos 90 e abertura massificada dos restaurantes da cadeia “M...” [alínea C) dos factos assentes], e que implicaram por um lado uma diminuição no consumo de hambúrgueres e por outro uma forte concorrência, dificilmente combatida.

Não obstante, alega que foram efectuados esforços para recuperar dessa conjuntura nos anos 90, o que acabou por ser bem sucedido, mas que sucessivas acções de inspecção terão conduzido a elevadas dívidas tributárias. Centrou o seu depoimento nas dificuldades advenientes das referidas inspecções, condicionadas pelo facto de terem um defeituoso e, a seu ver, incompetente apoio dos sucessivos contabilistas que terá implicado deficiências na contabilidade e que deram origem a correcções em sede de procedimento de inspecção tributária em sede de IVA e de IRC de avultado valor, mas que imputa de ilegais.



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- De Direito

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a oposição deduzida por A..., tendo ordenado a extinção da execução fiscal instaurada apenas na parte respeitante à cobrança coerciva de dívidas de coimas.

É, pois, quanto ao mais, que este recurso vem interposto.

Vejamos, então, tendo presente que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões, esclareça-se, desde já, que não vem posta em causa a matéria de facto fixada em 1ª instância, pelo que será esse o circunstancialismo de facto a atender nesta sede.

Atentemos nas últimas sete conclusões da alegação de recurso, nas quais o Recorrente repete o que já inicialmente havia sustentado quanto à nulidade da citação por a mesma ser omissa quanto aos elementos essenciais da dívida originária. Em concreto e no essencial, defende que “não foram respeitadas as formalidades especiais decorrentes dos artigos 22.º, 23.º e 24.º, da Lei Geral Tributária, o que conduz à nulidade da respectiva citação, e à inexigibilidade da dívida em reversão”, sublinhando que tal “omissão prejudica os direitos e garantias do ora Recorrente e é motivador da inexigibilidade da dívida exequenda enquanto responsável subsidiário”.

Vejamos, o que a sentença decidiu a este propósito. Aí se lê o seguinte:

“Em primeiro lugar importa aferir da validade do vício invocado pelo oponente quanto à nulidade da citação, alegando a insuficiência de informação descritiva quanto à origem das dívidas revertidas contra o oponente.

No que diz respeito à adequação da oposição enquanto meio processual para suscitar a nulidade da citação, e em virtude da resposta já merecer um consenso jurisprudencial amplamente debatido e confirmado, chama-se aqui à colação a fundamentação vertida em sede do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 28.02.2007, em sede do recurso n.º 0803/04, onde se pode ler:

«… o facto de a alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT não rechaçar, peremptoriamente, a consideração da nulidade da citação como fundamento de oposição à execução, não significa que este meio processual seja o próprio para a invocar.

Isto porque a nulidade da citação consubstancia uma nulidade do processo executivo, e as nulidades devem ser invocadas e apreciadas no processo em que ocorreram, tendo em vista a sua sanação e o prosseguimento do processo. Ao passo que a oposição à execução persegue a extinção do processo ou, pelo menos – em casos restritos -, a sua suspensão.

Como se escreveu no acórdão da Secção de 12 de Fevereiro de 2003, tirado no processo nº 1529/03, os fundamentos previstos na falada alínea i) « (…) devem consubstanciar-se (…) em factos modificativos ou extintos da dívida, ou que afectam a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada. Porém, não abrange as nulidades cometidas na execução, que só no processo executivo podem ser arguidas. Está neste caso a nulidade decorrente da falta de citação, que a alínea a) do n° 1 do artigo 165° qualifica como nulidade insanável em processo de execução fiscal, mas só “quando possa prejudicar a defesa do interessado”. A consequência desta nulidade vem prevista no n° 2 do mesmo artigo, e é “a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos “.»

(…)

O processo de oposição tem por escopo a extinção ou suspensão da execução fiscal, o que tem como consequência que na oposição apenas sejam aceites fundamentos que conduzam a esses objectivos, o que não é o caso da nulidade de citação que, a verificar-se, justificaria a anulação dos actos subsequentes do processo.

Assim, impõe-se prosseguir o processo apenas para apreciação dos restantes pedidos que se adequam à forma processual utilizada – oposição -, e considera-se sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação, relativamente ao qual se decreta a nulidade parcial do processo (neste sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.05.2014, em sede do processo n.º 01086/13)”.

O assim decidido, além de integralmente em linha com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, não vem minimamente posto em causa. Com efeito, neste recurso, o Recorrente limita-se a reiterar a sua posição inicial, correspondente à nulidade da citação por omissão dos elementos essenciais da dívida originária, sem, contudo, questionar o decidido quanto ao entendimento do Tribunal que considerou que a nulidade da citação não é fundamento de oposição à execução fiscal.

Assim sendo, como está bem de ver, e quanto a esta questão que autonomizámos, o Recorrente não ataca a sentença, não se opondo expressamente (nem implicitamente) à apreciação feita, o que nos leva a considerar que, nesta medida, o discurso fundamentador do recurso em análise é absolutamente inapto a colocar em causa a decisão sob escrutínio. Dito por outras palavras, a alegação recursória não esgrime argumentos – um sequer – relativamente ao que foi decidido quanto à nulidade da citação.

Assim sendo, diremos que, enquanto forma de ataque à sentença recorrida, o percurso seguido no presente recurso jurisdicional, nas conclusões ora em apreciação, é manifestamente ineficaz.

Há, pois, que concluir pela improcedência das conclusões cc) a ii) que vínhamos analisando.


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Avançando para o mais que nos vem colocado em discordância com a sentença.

Lidas as conclusões, temos que questiona o Recorrente o seguinte: saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela sua legitimidade, por ter entendido que o mesmo não ilidiu a presunção de culpa quanto ao não pagamento das dívidas, nos termos previstos na alínea b), do nº1 do artigo 24º da LGT.

Para o Recorrente, a prova feita nos autos determinava, se correctamente apreciada, diversa conclusão daquela a que chegou o TAF de Sintra, concretamente a ausência de culpa por banda do Oponente quanto ao não pagamento das dívidas tributárias em cobrança na execução fiscal.

Enfatiza o Recorrente que a “gerência da sociedade devedora originária sempre pagou todos os impostos que, em boa fé, considerava devidos, e que foram apurados por profissional qualificado para o efeito – o Contabilista Certificado -, pelo que nunca poderia imaginar que os factos seriam requalificados para efeitos tributários”; que, não obstante, “num primeiro momento, como demonstrado, contraiu um empréstimo bancário e pagou os impostos liquidados adicionalmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o que deve ser valorado como prova da sua boa fé e ausência de culpa e não o contrário”; que o Oponente, “até ao limite das suas possibilidades procurou satisfazer os créditos tributários liquidados adicionalmente”; que a “C... Lda', foi declarada insolvente por Sentença de 8 de Julho de 2009, no âmbito do processo 16641/09.8T2SNT”, “insolvência esta que foi declarada fortuita o que é também indiciador da adequada conduta porque sempre se pautou”. Para o Recorrente, importa ter presente e valorar que a “devedora principal dedicava-se à exploração de cafetarias e no exercício da sua actividade, explorava a marca "A...", e tinha diversos estabelecimentos de restauração ligados a este conceito de "fast-food", sabendo que “no ano de 2001 a cadeia internacional M... (líder mundial nesta área de negócio) iniciou, de forma agressiva, a sua actividade em Portugal, fazendo uma concorrência que a sociedade devedora originária não conseguiu suportar”.

Assim - prossegue - “é manifesto o erro de julgamento e violação do artigo 24.º, da Lei Geral Tributária pelo Tribunal a quo sendo impostergável a conclusão de que nenhuma culpa pode ser imputada ao Recorrente”, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada.

Vejamos, então, tendo presente, no essencial, aquele que foi o discurso fundamentador adoptado na sentença recorrida, após convocar o quadro legal aplicável ao caso. Ora, lê-se na decisão posta em crise, naquilo que para aqui importa, que:

“(…) No caso dos presentes autos, é certo que o oponente não nega ser gerente da sociedade devedora originária, tal como resulta da certidão do registo comercial, assim, para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tinha, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável

No que se refere à questão da culpa - como é sabido - consiste na omissão de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família - bonus pater familiae), e traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

Seguindo de perto aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06.10.2009, proferido em sede do proc. n.º 03267/09, a cujas considerações se adere sem reservas, a culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extracontratual (cf. artigos 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil) e em termos de causalidade adequada, a qual não se refer ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Ora, na alínea b) do referido artigo 24.º da LGT, ao responsabilizar-se o gestor que «não prove que não lhe foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não pode desconhecer a existência da dívida, e, por conseguinte, ao colocar a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indicia uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhe resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.

O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas.

Ora, fez o oponente um enquadramento sobre a alteração de circunstâncias do mercado com a introdução em Portugal da cadeia “M...” que veio trazer uma forte concorrência, quase em situação de monopólio relativamente ao mercado de venda de hambúrgueres. Alegou igualmente que face a sucessivas acções de fiscalização das quais resultaram correcções em sede de IRC e de IVA com a consequente emissão de liquidações de valor elevado, a sociedade deparou-se com grandes dificuldades em superar financeiramente.

Sendo certo que é um facto notório a evolução concorrencial das várias cadeias de fast-food ao longo dos anos, é manifestamente insuficiente alegar a entrada no mercado em 1991 de um grande concorrente e as dificuldades em pagar as dívidas tributárias referentes a factos ocorridos mais de 10 anos depois, sendo certo que apenas 19 anos depois terá a sociedade requerido a sua insolvência.

Pela a própria testemunha arrolada pelo oponente, sua esposa e sócia da sociedade devedora originária, afirmado que tinham conseguido superar a crise das vacas loucas e a concorrência feroz, mas que o grande problema adveio dos problemas na contabilidade que conduziram à emissão de liquidações correctivas de elevado valor na sequência de acções de inspecção.

Dos autos resulta provado que os maiores credores da sociedade devedora originária à data da insolvência eram a Fazenda Pública e duas sociedades detidas pelos mesmos sócios daquela sociedade.

Também a invocação da qualificação da insolvência da sociedade devedora originária como “fortuita” não se pode extrair automaticamente o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de junho de 2015, proferido em sede do processo n.º 01189/14).

Assim, apesar de invocar um quadro fáctico externo à sociedade, certo é o oponente não alegou nem demonstrou quais os actos em concreto que adoptou por forma a tentar cumprir as obrigações fiscais a que estava vinculado, especificando as medidas concretas que foram tomadas pelo oponente com vista ao cumprimento das obrigações fiscais, de promover o negócio da sociedade, razão pelo qual não se encontra ilidida a presunção de culpa constante na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º, da LGT.

Consequentemente, improcede a argumentação invocada pelo oponente quanto à sua ilegitimidade enquanto responsável subsidiário, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT”.

Vejamos, o que se nos oferece dizer a este propósito.

O quadro legal em que nos movemos não oferece dúvidas, a saber: o artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT e, como tal, a apreciação sobre a (i)legitimidade do Oponente, ora Recorrente.

Também não suscita controvérsia o exercício da gerência de facto da devedora originária, a sociedade C... Lda, por parte do A....

O que aqui suscita a firme discordância do Recorrente é tão-somente a questão de saber sobre a ilisão da presunção de culpa [artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT], como era seu ónus. Assim, cingir-nos-emos à análise de tal vector.

Ora, preceitua o nº1, do artigo 24º da LGT, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

“Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.)” – cfr. acórdão do TCA Sul, de 17/05/18, no processo nº 1099/14.8 BELRS.

Indo agora ao caso concreto, deve dizer-se, com a sentença, que do exame da factualidade provada se pode concluir que o Opoente, ora Recorrente, não produziu prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “C... Lda”, se ficou a dever a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias".

Vejamos, com detalhe, o que nos leva a assim concluir.

Repetindo uma ideia já avançada, e que aqui importa não perder de vista, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao artigo64º do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

No caso, o Recorrente coloca especial ênfase na circunstância de ter pago os impostos de acordo com o apuramento feito pelo seu contabilista, profissional qualificado, e que não poderia imaginar a diferente qualificação fiscal que a AT viria a dar aos mesmos factos, com as consequentes correcções fiscais que daí resultaram.

Ora, salvo o devido respeito, trata-se de argumentação absolutamente inócua para os efeitos aqui em apreciação, sendo certo que, como qualquer outro contribuinte (singular ou colectivo), a devedora originária está sujeita à actuação da AT, no exercício das suas competências legais, que lhe permitem questionar e corrigir os valores inicialmente declarados pelos sujeitos passivos, sem prejuízo das garantias de defesa que a todos são asseguradas.

Portanto, tratando-se de argumentação inócua para efeitos de aferir da culpa do revertido, nada mais se nos oferece dizer a este propósito.

Sem alcance prático para o que aqui nos ocupa mostram-se também as conclusões e) e f), pois a matéria de facto não contempla qualquer menção aos alegados empréstimos, sendo que, nos termos vistos, não veio impugnada a matéria de facto, nem requerida a sua ampliação.

Prossegue o Recorrente colocando especial enfâse na consequência da entrada no mercado de um forte concorrente, a M..., sabido que a devedora originária se dedicava à exploração de cafetarias e restauração, em concreto à fast food.

Ainda que o Tribunal possa entender o abalo provocado por tão forte concorrente, a verdade é que tal concorrência, instalada em Portugal desde 1991, não serve para justificar dívidas a que estão subjacentes liquidações referentes a factualidade reportada a cerca de 15 anos depois. Pergunta-se, aliás, o que fez a devedora originária para se adaptar à concorrência deste player ou de outros, sabido que diversas marcas e empresas de fast food se mantêm no mercado ao longo dos anos. Para mais, como resulta dos autos, a devedora originária exercia também a sua actividade na exploração de cafetarias, o que não corresponde aos serviços oferecidos pela M....

Em nosso entendimento, a concorrência, sem mais, não pode ser argumento válido e atendível para afastar a culpa pelo não pagamento, sendo algo transversal a todos os ramos de actividade, lembrando que tantas outras empresas perante as mesmas condições são bem sucedidas.

Vêm depois invocadas inúmeras generalidades, sem alcance prático, como aquelas que correspondem às afirmações proferidas a propósito da prudência e diligência do revertido/gestor, da sua boa-fé, da busca do lucro. Repete-se: trata-se de asserções vagas sem qualquer concretização circunstanciada, que não evidenciam, como se impunha, a tomada de medidas no sentido de inverter a situação e os resultados alcançados.

Por último, o Recorrente insiste no relevo da apresentação à insolvência da devedora originária, insolvência essa considerada fortuita. No entendimento do Recorrente, tal facto é relevante, pois que “se existissem suspeitas de fraude ou sequer de conduta antijurídica, respectivo incidente de qualificação teria sido instaurado”.

Também aqui, salvo o devido respeito, entendemos que o Recorrente não tem razão, pois tal factualidade não tem o alcance que dela se pretende retirar.

Com efeito, como a sentença não deixou de enfatizar, a apresentação à falência teve lugar quase 19 depois do circunstancialismo de facto (a entrada no mercado do concorrente M...) ao qual o Recorrente atribui especialmente o declínio da devedora originária. Mas mais. Como a sentença realçou, “Também a invocação da qualificação da insolvência da sociedade devedora originária como “fortuita” não se pode extrair automaticamente o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de junho de 2015, proferido em sede do processo n.º 01189/14)”.

E, na verdade, assim é, pois a qualificação da insolvência como “fortuita” não é, por si só, suficiente para afastar a presunção de culpa do gerente contida na alínea b) do nº 1 do art.º 24º da LGT, e, por consequência, suficiente para afastar a sua responsabilidade subsidiária pela falta de pagamento de dívidas tributárias da sociedade, sabido que a qualificação da insolvência da sociedade como “fortuita” não tem efeitos externos ao processo de insolvência.

Neste sentido, o acórdão deste TCA, de 21/05/15, processo nº 6183/15, segundo o qual “Seja porque a qualificação de uma insolvência como fortuita não tem efeitos externos ao processo de insolvência, seja porquanto a averiguação ali feita tem pressupostos e enquadramento processual e temporal diversos do processo de Oposição Judicial, a qualificação de insolvência como fortuita não equivale à demonstração de inexistência de culpa em processo de Oposição Judicial”.

Em suma, não vem alegado e demonstrado um quadro factual demonstrativo da adopção de medidas tendentes a cumprir as obrigações fiscais a que o Recorrente estava vinculado, com vista ao cumprimento das obrigações fiscais e à promoção do negócio da sociedade.

Assim, como a sentença concluiu (e bem), não se mostra ilidida a presunção de culpa constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 24º, da LGT.

Tanto basta para julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao recurso.

Mantém-se, pois, a sentença recorrida.


***


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/04/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


(Catarina Almeida e Sousa)