Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6162/12.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC 2000
SUCURSAIS
OPERAÇÕES ISENTAS
Sumário:I. Nos termos do n.º 2, do artigo 676.º do CPC, são as decisões judiciais, e a não o acto administrativo tributário praticado pela Administração Tributária, que são objecto de recurso.
II. Se o Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os vários fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso
III. Não tendo o Impugnante alegado, nem demonstrado como se lhe impunha nos termos da disciplina legal aplicável, para assegurar a produção do efeito jurídico favorável de reconhecimento da isenção, que todos os clientes intervenientes em operações financeiras contratadas pela SFE não tinham residência em território nacional, sendo os elementos disponibilizados nos autos insuficientes, não pode este Tribunal proceder à anulação da correcção em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. N..., S.A., sucedeu na posição processual do primitivo Recorrente, B..., S.A., o qual interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que i) declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de anulação da liquidação n.º 8...; e ii) julgou improcedente por não provada a presente impugnação judicial por si deduzida contra o acto tributário de liquidação de IRC do exercício de 2000.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1ª) A correcção efectuada pela Administração Tributária, ao não aceitar, como custo fiscal, uma provisão para cobrança duvidosa, não obstante o Banco de Portugal ter determinado a obrigatoriedade da sua constituição, é ilegal;

2ª) Não procede o argumento aduzido pela Administração Tributária, segundo a qual, tendo o Banco de Portugal determinado a constituição de tal provisão, em Março de 2001, ela não podia ser constituída com referência ao exercício de 2000;

3ª) É que, por um lado, o Banco de Portugal não determinou que tal provisão se constituísse com referência a 2001 e, por outro, a referida determinação da entidade de supervisão resultou da análise por ele feita sobre a situação de crédito durante o ano de 2000;

4ª) Mesmo que o entendimento defendido pela recorrente não tenha acolhimento, em nome da justiça, deve essa provisão ser reconhecida fiscalmente no exercício de 2001;

5ª) Também uma outra correcção efectuada pela Administração Tributária, não aceitando como custo fiscal uma provisão para cobrança duvidosa, em relação a um cliente que se encontrava em processo de insolvência e recuperação de empresa, é ilegal;

6ª) É que, não constando essa situação (sujeição a um processo de insolvência e recuperação de empresa) entre o elenco das provisões estabelecido pelo Banco de Portugal, é aplicável ao recorrente o regime geral das provisões estabelecido, para todos os contribuintes, no Código do IRC;

7ª) Este, aliás, é o entendimento expresso pela Administração Tributária no Processo IRC 2874/01, E.G/SAIR: 47402/2011 – Direcção Geral dos Impostos, Informação nº 1154/2001;

8ª) Também aqui, caso este entendimento não seja acolhido, deve, em nome da justiça, ser a provisão fiscalmente reconhecida no exercício em que passaram a estar reunidos os pressupostos estabelecidos no Aviso do Banco de Portugal nº 3/95.

9ª) A correcção efectuada pela Administração Tributária não aceitando, como custo fiscal, despesas de representação efectuadas ou incorridas pelo recorrente é ilegal;

10ª) Desde logo, porque existe uma contradição na fundamentação aduzida pela Administração Tributária, já que, no Relatório da Inspecção, desconsiderou-se tais despesas como custo, porque o contribuinte não indicou as pessoas com quem realizou as referidas despesas e essa indicação teria que constar de despachos da entidade patronal permitindo a realização das despesas;

11ª) Ora, no despacho de concordância que incidiu sobre o referido Relatório, é dito que a lei, não só não exige a indicação das pessoas com quem se realizou as despesas, como também não exige a existência de despachos de autorização para a sua realização;

12ª) Para além dessa insanável contradição, a verdade é que a lei não estabelece essa exigência de apresentação de despachos de autorização, pelo que a sua inexistência não pode fundamentar a sua não aceitação como custo fiscal;

13ª) Além disso, as despesas de representação estão definidas, quanto à sua natureza, no nº 3 do artº 41º do CIRC, como “os encargos suportados com recepções, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro”;

14ª) A mesma norma define os destinatários ou beneficiários de tais despesas: “clientes, fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades”;

15ª) Todas essas despesas incorridas pelo recorrente são referentes a recepções, viagens, passeios ou espectáculos, sendo que a própria Administração Tributária admite não ser necessário indicar ou provar com que pessoas ou entidades foram realizadas tais despesas;

16ª) Por outro lado, como decorre de jurisprudência firmada, o princípio do inquisitório impõe que a Administração Tributária indague se os pressupostos da aceitação do custo estavam ou não preenchidos;

17ª) Ora, resultando da contabilidade e dos documentos que as despesas em causa foram efectivamente realizadas e foram-no com recepções, passeios e espectáculos, cabia à Administração Tributária demonstrar – o que o não fez – não estarem presentes os pressupostos que permitem ao contribuinte deduzir essa despesa;

18ª) A correcção efectuada pela Administração Tributária consistente na não aceitação da isenção quanto às operações realizadas pela Sucursal Financeira Exterior da impugnante localizada na Zona Franca da Madeira é, também, ilegal;

19ª) Desde logo, porque havendo fundadas dúvidas sobre a legalidade da apresentação, à Administração Tributária, dos nomes dos clientes da sucursal e a sua residência, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República um parecer sobre essa matéria e determinou que até à emissão do referido parecer fossem suspensas as acções de inspecção por parte da Administração Tributária;

20ª) Em violação frontal de tal despacho, a Administração Tributária não suspendeu a Inspecção ao ora recorrente e, não tendo o contribuinte apresentado aqueles elementos sobre o nome e residência dos clientes, considerou não aplicável à sucursal a isenção de IRC;

21ª) Salvo o devido respeito, não é procedente o entendimento de que quando foi emitido o referido despacho do membro do Governo já a inspecção estava completa, ainda que sem o relatório elaborado, já que, sem relatório, a inspecção não está, obviamente, completa ou encerrada;

22ª) Tendo o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República emitido parecer, posteriormente homologado, segundo o qual o fornecimento dos dados em causa, sem autorização dos clientes, consubstanciava um crime mas que a não apresentação desses elementos justificava a perda da isenção, o contribuinte obteve autorização dos clientes e quis entregar à Administração Tributária os solicitados elementos;

23ª) Tendo a Administração Tributária recusado analisar tais elementos, em contradição, aliás, com o seu comportamento em posteriores exercícios, com o pretexto de que o Relatório da Inspecção já estava terminado, tornou-se, pois, necessário, impugnar a perda da isenção de IRC para a Sucursal, juntando-se os documentos comprovativos da residência dos clientes;

24ª) Demonstrado que esses clientes são não residentes em Portugal, está, pois, a sucursal isenta, pelo que a correcção não se pode manter;

25ª) Aliás, a douta sentença recorrida dá como provado que existem os elementos exigidos pela Administração Tributária, sendo que os clientes a quem a recorrente solicitou e obteve autorização para fornecer os elementos requeridos, são todos aqueles seleccionados pela Administração Tributária;

26ª) O argumento aduzido pela Administração Tributária e aceite na douta sentença recorrida, de que no âmbito da inspecção sempre poderia a Administração Tributária vir, eventualmente, exigir outros elementos de prova, é, de todo em todo improcedente;

27ª) Desde logo porque a Administração Tributária pretende prevalecer-se do seu ilegal comportamento, ao não ter suspendido a inspecção como determinava o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;

28ª) É que, se o tivesse feito, após definido superiormente que os contribuintes tinham que apresentar esses elementos, retomaria a inspecção e, aí, solicitaria os documentos que considerasse relevantes;

29ª) Por outro lado, é indiscutível que tudo o que foi pedido ou solicitado pela Administração Tributária foi apresentado pelo contribuinte, em sede de impugnação;

30ª) Não aceitar a isenção com base na eventualidade de a Administração Fiscal poder exigir, quem sabe, mais elementos, é um argumento sem qualquer respaldo legal;

31ª) Sendo que, ainda que tal prova não estivesse feita, a consequência legal não seria a perda total da isenção, mas a perda da isenção para as operações com clientes em relação aos quais não tivesse sido feita a prova da não residência em Portugal.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, e julgando-se, assim, procedente a impugnação, como é de Justiça.»

3. A recorrida notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 588 a 590 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido de ser negado provimento ao recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao manter as correcções operadas em sede de acção inspectiva pela Administração Tributária.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. No dia 31/05/2001, o impugnante apresentou a sua declaração de IRC referente ao exercício de 2000, nela tendo calculado e apurado um prejuízo fiscal no valor de € 27.501.274,80, com imposto a recuperar, no valor de € 13.228.506,09, atenta a existência de retenções na fonte e pagamentos por conta (fls. 424/449 e PAT apenso).

B. No dia 03/09/2001, o impugnante recebeu da administração tributária o montante referido em A, relativo a imposto a recuperar (fls. 424/449 e PAT apenso).

C. No dia 30/11/2001, o impugnante apresentou uma declaração de substituição, referente ao exercício de 2000, na qual declarou um prejuízo no valor de € 160.978.093,91 (fls. 424/449 e PAT apenso).

D. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 24/01/02, de 30/01/2002, foi efetuada ação inspetiva de âmbito geral ao impugnante, com início em 08/02/2002 e prorrogada por períodos de três meses, conforme despachos datados de 02/07/2002 e 25/09/2002 (Doc. 2 da PI e PAT apenso).

E. À data, o impugnante, como banco comercial, dedicava-se à obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, conjuntamente com os seus recursos próprios, na concessão de crédito, em títulos e em ativos, prestando ainda outros serviços bancários no país e no estrangeiro, dispondo para tal efeito de uma rede nacional de 469 balcões, de sucursais financeiras internacionais em Londres, Nova Iorque, Nassau e Lausana, de uma sucursal financeira exterior na zona franca da Madeira e de dez escritórios de representação no estrangeiro, tendo no exercício de 2000 aberto uma nova sucursal financeira nas Ilhas Cayman e encerrado a atividade da sua sucursal de Madrid em virtude de possuir já um banco com sede em Madrid, o B..., SA (Espanha) (Doc. 2 da PI e PAT apenso).

F. Encontrava-se registado, para efeitos fiscais, na área do Serviço de Finanças de Lisboa 2, pelo exercício da atividade bancária, estando sujeito ao regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativamente à atividade exercida pela sede, e ao regime de isenção temporária relativamente à atividade desenvolvida na sucursal financeira (Doc. 2 da PI e PAT apenso).

G. Na sequência da referida ação inspetiva, foi elaborado o relatório constante de fls. 36/76, datado de 09/12/2002 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido juntamente com os respetivos anexos de fls. 77/251, concluindo pela necessidade de diversas correções em sede de IRC, nos termos seguintes:

“I.2.1 . Correção ao lucro tributável

I.2.1.1. IRC (…)

I.2.1.1.2. Provisões não dedutíveis (…)

I.2.1.1.2.2. Provisão para cobrança duvidosa

O banco considerou como custo o reforço desta provisão no montante de € 1.246.994,74, resultante das seguintes situações:

i) Relativamente ao cliente n.º 271/07989/001.8, embora o valor global das prestações em mora de capital e juros não exceda 25% do capital em dívida acrescido dos juros vencidos, o banco dotou a provisão pelo montante de € 997.595,79. Tal dotação foi efetuada, segundo o banco, por imposição do Banco de Portugal que, ao abrigo do n.º 17º do já referido Aviso 3/95, determinou que o BES procedesse à constituição de provisões para o aludido cliente, atendendo à deterioração das condições de solvabilidade, Contudo, sendo a referida carta do Banco de Portugal datada de 27/03/01, a mesma não se aplica ao exercício de 2000, pelo que se procedeu à correção no montante de € 997.595,79, nos termos do disposto no n.º 4º, do Aviso 3/95, do BP conjugado com a aI. d), do n.º 1, do art.º 33°, do CIRC (cfr. descrito no ponto III.1.1.2.2. do relatório).

ii) Relativamente ao cliente n.º 023/53648/000.0 a não aceitação da provisão tem a ver com o facto de aquele se encontrar num processo de recuperação de empresas e o n.º 1º do já aludido Aviso n.º 3/95, por força da remissão da alínea d) do n.º 1 do art.º 33º do CIRC, não contemplar a constituição de provisões com aquela finalidade. Por outro lado, e ainda que os créditos naquelas condições pudessem ser considerados de cobrança duvidosa os mesmos não reúnem os pressupostos do n.º 4º, do citado Aviso, razão pela qual se corrigiu o montante de € 249.398,95, nos termos do disposto nos n.º 1º e 4º, do Aviso 3/95, do BP conjugado com a aI. d), do n.º 1, do artº 33º do CIRC (cfr. descrito no ponto III.1.1.2.2. do relatório). (…)

I.2.1.1.8. Despesas de representação

Vai-se proceder à correção no montante de € 508.202,05, relativo a custos que o banco considerou como aceites fiscalmente a título de despesas de representação, os quais não se encontrando nas condições previstas no n.º 6 do art.º 4º, do Dec. Lei n.º 192/90, de 9/06, com a redação dada pela Lei n.º 3-8/00, de 4/04, não são aceites fiscalmente nos termos do corpo do n.º 1 do art.º 23°, do CIRC (cfr. descrito no ponto III.1.1.8. do relatório). De salientar que, antes do exercício do Direito de Audição, esta correção era no valor de € 475.677,12.

I.2.1.1.9. Sucursal Financeira Exterior da Madeira

Relativamente às operações selecionadas pela Administração Fiscal através do balancete do off-shore da Madeira, o banco não fez prova da não residência em território português dos respetivos intervenientes, impossibilitando a comprovação dos pressupostos do benefício fiscal consagrado na aI. c) do n.º 1 do artigo 41º, do CIRC, pelo que se procedeu à integração da totalidade dos resultados da atividade isenta nos resultados da atividade sujeita, tendo-se efetuado uma correção no montante de € 72.919.580,93 (cfr. descrito no ponto III.1.1.9. do relatório).” (Doc. 2 da PI).

H. Sobre este relatório, recaiu o parecer de fls. 36 da Inspetora Tributária Assessora Principal, datado de 30/12/2002 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta:

“[R]elativamente às despesas de representação (…) da Lei parece não decorrer que se tenha de comprovar com que entidades foram efetuadas este tipo de despesas (clientes, fornecedores ou outras entidades), nem que tenha de existir autorização formal, por nota interna ou outra, para a realização das mesmas, como no fundo defende o s.p. Contudo, parece resultar claro que cabe ao s.p. demonstrar inequivocamente que as mesmas foram efetuadas no âmbito do disposto no artº 4º, nº 6, do Dec.-Lei nº 192/90, de 9/6, da forma sugerida pela inspeção ou por outra, desde que não fiquem dúvidas” (Doc. 2 da PI).

I. Na mesma data, o Diretor dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária emitiu despacho concordando com as conclusões do relatório (Doc. 2 da PI).

J. No dia 18/06/2003, a Direção-Geral dos Impostos emitiu a liquidação adicional de IRC com o n.º 8..., na qual apurou imposto a pagar pelo impugnante no montante de € 18.896.332,37, considerando um lucro de € 48.605.412,58, com data limite de pagamento no dia 04/08/2003, nos termos que constam de fls. 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 3 da PI).

K. No dia 31/10/2003, o impugnante deduziu a presente impugnação judicial das correções e liquidação indicadas nos pontos G e J (fls. 1).

L. Em junho de 2004, foi emitida declaração oficiosa pela Direção de Serviços do IRC, considerando a declaração de substituição entregue no dia 30/11/2001, da qual consta o prejuízo fiscal apurado de € 84.871.406,53 (160.978.093,91–76.106.687,38), tributações autónomas no valor de € 474.747,06, pagamento por conta no valor de € 12.755.608,98, e valor a recuperar de € 13.253.166,24 (fls. 429/449).

M. Tendo por base esta declaração oficiosa, no dia 28/06/2004, foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2500021564, em substituição da liquidação referida no ponto J, com imposto a recuperar no montante de € 578.192,37, o qual foi reembolsado no dia 19/07/2004 (fls. 429/449).

N. No dia 02/12/2002, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.º 1953/2002, solicitou a emissão de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República quanto à viabilidade legal de a administração tributária ter acesso ao detalhe das contas do balancete das sucursais financeiras exteriores para efeito de confirmar a qualidade de residente ou não residente dos intervenientes das operações a que se refere o artigo 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e determinou a sustação das ações inspetivas, no que dependam de esse acesso, a menos que esteja em risco o direito à liquidação do tributo por virtude de caducidade do mesmo, tendo aquele parecer sido objeto de homologação no dia 22/04/2003 (Doc. 5 da PI e Base Jurídico-Documental do Ministério da Justiça).

O. No exercício de 2000, os intervenientes em operações, de saldo superior a € 498.797,90, com a Sucursal Financeira Exterior da Madeira do impugnante, não residiam à data em território nacional (Doc. 7 da PI e pontos 99/104 da informação de fls. 386/406 do PAT apenso).

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


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2. RECTIFICAÇÃO DA ALÍNEA O. DA MATÉRIA DE FACTO

Compulsados os autos, designadamente o RIT (ponto III.1.1.9), doc. n.º 7 da p.i. e informação de fls. 386 a 406 do processo instrutor, impõe-se rectificar a alínea O. do probatório, para uma melhor clarificação do seu teor, passando a constar o seguinte:

O. No exercício de 2000, os intervenientes em operações, de saldo superior a € 498.797,90, com a Sucursal Financeira Exterior da Madeira do impugnante, selecionados por amostragem em sede de acção inspectiva, não residiam à data em território nacional (cfr. RIT, Doc. 7 da PI e pontos 99/104 da informação de fls. 386/406 do PAT apenso).


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3. ADITAMENTO OFICIOSO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Por ser relevante para a decisão da causa, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, importa aditar oficiosamente ao probatório o seguinte facto, o qual resulta provado por documento junto aos autos:

P. O Banco de Portugal, endereçou ao Conselho de Administração do B..., SA, carta datada de 27/03/2001, referência 2504/01/DSBDR, com o seguinte teor: «Considerando a deterioração das condições de solvabilidade da empresa S... (PORTUGAL) – Produtos Electromecânicos, SA, o Banco de Portugal determina, ao abrigo do n.º 17 do Aviso n.º 3/95, que sejam constituídas provisões que representem, pelo menos, 32% dos créditos concedidos a esta empresa, sem prejuízo de se continuarem a constituir as provisões para crédito vencido e créditos de cobrança duvidosa estabelecidas na disciplina do Aviso n.º 3/95, desde que, globalmente, esse provisionamento ultrapasse os 32% do total do crédito.» (cfr. fls. 85 da numeração dos autos de suporte físico).

4. DE DIREITO

O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, proferida na impugnação judicial que o Recorrente havia deduzido contra a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2000, na parte em que julgando improcedente a impugnação manteve as seguintes correcções:

(i) provisões para cobrança duvidosa - € 997.595,79 e € 249.398,95;

(ii) despesas de representação - € 508.202,05;

(iii) sucursal financeira exterior - € 72.919.508,93.

O Recorrente discorda da decisão da primeira instância, esgrimindo, basicamente, os argumentos já apresentados na petição inicial.

Vejamos, de per si, cada uma das correcções.

4.1. Provisões para cobrança duvidosa (€ 997.595,79 e € 249.398,95)

Alega o Recorrente que a Administração Tributária ao não aceitar como custo fiscal, a provisão para cobrança duvidosa, no valor de € 997.595,79, cuja constituição foi determinada pelo Banco de Portugal é ilegal, não procedendo o argumento de que ela não podia ser constituída com referência ao exercício de 2000, por o Banco de Portugal ter determinado a constituição de tal provisão em Março de 2001, por a referida determinação da entidade de supervisão ter resultado da análise por ela feita sobre a situação de crédito durante o ano de 2000 (conclusões 1 a 3 da alegação de recurso).

Quanto à segunda correcção relativa a provisão para cobrança duvidosa, no € 249.398,95, alega a Recorrente nas conclusões 4 a 6 da alegação de recurso que a não aceitação como custo fiscal da provisão para cobrança duvidosa em relação a um cliente que se encontra em processo de insolvência e recuperação de empresa é ilegal, por ser aplicável o regime geral das provisões estabelecido para os contribuintes no CIRC.

Na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo sustentou a legalidade das correcções, nos seguintes termos:

(…) Para a Fazenda Pública, a primeira provisão só poderia ser constituída a partir do exercício de 2001, sustentando, no mais, que as provisões para créditos de cobrança duvidosa não podem ser aceites como custos fiscalmente relevantes, por não constarem do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal.

Como é consabido, a constituição de provisões destina-se a acautelar os riscos inerentes à vida das empresas, permitindo-lhes salvaguardar situações de custos futuros e ainda de ocorrência incerta.

A este propósito, aduziu-se o seguinte no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/01/2007 (proc. n.º 0491/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf), “os vários elementos patrimoniais da empresa podem estar sujeitos a deperecimento, ou perda de valor, provocado por acontecimentos mais ou menos (im)previsíveis – pelo que a empresa poderá criar diversos tipos de provisões para acudir ou minimizar o risco dessa decadência de valor. As provisões que apresentam maior importância são as seguintes: provisões para cobranças duvidosas (destinadas a fazer face aos riscos que advêm da cobrança das dívidas de terceiros); provisões para riscos e encargos (destinadas a cobrir possíveis riscos e encargos, nitidamente precisos quanto ao seu objeto, mas de realização incerta, decorrentes de acontecimentos já surgidos ou em curso); e provisões para depreciação de existências, destinadas a fazer face a possíveis perdas do valor das existências. A constituição de provisões tem como finalidade essencial incluir em custos ou perdas de dado exercício uma dotação que de outro modo nele não figuraria, por lhe faltar justificação documental para a respetiva movimentação – falta de justificação que a constituição da provisão vem suprir. As provisões têm também a finalidade de imputar os custos aos exercícios a que se referem, evitando, assim, onerar excessivamente o exercício em que se concretizam. Para além de permitirem uma maior regularidade nos resultados da empresa, possibilitam ainda a retenção de recursos (auto financiamento provisório). As provisões poderão ainda considerar-se como proveitos retidos (embora não definitivamente) ou proveitos suspensos, que se destinam a fazer face aos encargos prováveis de montante incerto. De facto, se estes eventos não se verificarem, elas serão transformadas em proveitos efetivos. Nesta perspetiva, elas assumem um caráter de reservas, distinguindo-se destas, pelo facto de as provisões serem constituídas independentemente da existência de lucros enquanto que as reservas só serão constituídas como aplicação de resultados, sendo portanto condição fundamental destas a existência de lucros.

Nesta conformidade, diremos que as contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e atuais, de provável processamento futuro, ou, sendo certa a sua ocorrência futura, apenas o seu montante é atualmente incerto.

Podemos então definir provisões como sendo custos estimados e atuais (do exercício) correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura.

A necessidade de constituição de provisões surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua atividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. E o princípio da prudência adotado pelo Plano Oficial de Contabilidade determina que as diminuições do ativo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.

O papel das contas de provisões é importantíssimo: permitem uma maior regularidade na escrituração dos prejuízos ou apuramento dos resultados, evitando que se venha a afetar desfavorável ou desmesuradamente os eventos que conduziram anteriormente à constituição das provisões. Cf. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, vol. I, Parte Geral, 4.ª edição, pp. 353 e 354; e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), p. 172. Nem todas as provisões, porém, serão consideradas como custos para efeitos do apuramento do lucro tributável.”

Vejamos então o enquadramento legal das provisões efetuadas pelo impugnante que, como sublinhado na fundamentação de facto, exerce a atividade bancária.

No caso particular das instituições bancárias, previa então o artigo 33.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRC, na redação conferida pela Lei nº 71/93, de 26 de novembro (doravante CIRC), que podiam ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da Comunidade Europeia.

De forma mais genérica, a alínea a) do referido artigo previa como provisões fiscalmente dedutíveis as que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

Naquela primeira situação, prevista na citada alínea d), está em causa uma delegação de competências no Banco de Portugal, a quem compete definir os fins e limites da constituição das provisões.

No caso da provisão no valor de € 997.595,79, temos como assente a existência de uma carta do Banco de Portugal, dirigida ao Conselho de Administração do impugnante e datada de 27/03/2001, que determinou a constituição de tal provisão.

De acordo com o ponto 1.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, as instituições de crédito e as sociedades financeiras são obrigadas a constituir provisões, nas condições indicadas no presente aviso, com as seguintes finalidades:

a) Para risco especifico de crédito;

b) Para riscos gerais de crédito;

c) Para encargos com pensões de reforma e de sobrevivência;

d) Para menos-valias de títulos e imobilizações financeiras;

e) Para menos-valias de outras aplicações;

f) Para risco-país.

Com específico relevo para o caso previa o ponto 4.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal o seguinte:

“São considerados outros créditos de cobrança duvidosa os seguintes:

a) As prestações vincendas relativas a operações de crédito em que se verifique que as prestações em mora de capital e juros excedem 25% do total do capital em dívida acrescido dos juros vencidos;

b) As prestações vincendas de todos os créditos concedidos a um mesmo cliente, quando o valor global das prestações em mora de capital e juros relativos a esse mesmo cliente represente pelo menos 25% do total do capital em dívida acrescido dos juros vencidos.”

E previa ainda o ponto 17.º do mesmo aviso que o “Banco de Portugal poderá determinar, por circular dirigida a todas as instituições, a obrigação de constituição de provisões fora das condições previstas neste aviso, sempre que as circunstâncias o justifiquem, em especial quando existam fundadas dúvidas sobre a cobrabilidade de créditos sobre um cliente ou sobre um grupo de clientes ligados entre si, designadamente devidas à deterioração das suas condições de solvabilidade, nomeadamente quando se verifique o acionamento de processo especial de recuperação de empresas ou declaração de falência.”

No caso da primeira provisão objeto de análise, temos a referida carta do Banco de Portugal, constante de fls. 85 destes autos, da qual consta que “considerando a deterioração das condições de solvabilidade da empresa S... (PORTUGAL) – Produtos Eletromecânicos, S.A., o Banco de Portugal determina, ao abrigo do n.º 17 do Aviso n.º 3/95, que sejam constituídas provisões (…)”.

Não disputa a administração tributária que incumbia ao impugnante dar cumprimento a esta imposição do Banco de Portugal, mas sim que o devesse fazer desde logo por referência ao exercício de 2000, quando a carta lhe foi dirigida no decurso do ano de 2001.

E temos por certo que lhe assiste razão.

É que, chamando à colação o princípio da especialização dos exercícios, postulado no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, afigura-se inequívoco que as provisões, como componentes negativas do lucro tributável, devem ser constituídas no exercício a que digam respeito, ou seja, só podem ser imputadas a determinado exercício quando se verificam os respetivos requisitos à data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas.

Como assinalado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/04/2003 (proc. n.º 101/03, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf), “no regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade. (…) [N]ão é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade”.

Temos, pois, que não cabia ao impugnante escolher de forma arbitrária em que exercício iria constituir a provisão, mas apenas a partir do momento do conhecimento do risco de incobrabilidade, o que evidentemente se reporta à data da carta emanada do Banco de Portugal.

Diz o impugnante que a decisão do Banco de Portugal respeita à situação do cliente referente a 2000, tendo efetuado análise em momento posterior, determinando, em face da situação referente a 2000, a necessidade de constituição da provisão.

O argumento convocado pelo impugnante não encontra, a nosso ver, sustento na missiva do Banco de Portugal. Com efeito, nada ali se diz sobre resultar a imposição em causa de uma análise ao exercício de 2000 da empresa devedora, pelo que se afigura abusivo inferir que a deterioração das suas condições de solvabilidade se reporte a tal ano e não aos últimos três meses que precederam aquela carta, já respeitantes ao exercício de 2001.

Assim, como foi no decurso do exercício de 2001 que se constatou este risco, após o encerramento das contas relativas ao exercício de 2000, só a partir daí se poderia ver refletida a provisão na contabilidade do impugnante.

Cumpre então concluir que bem andou a administração tributária ao proceder à referenciada correção no montante de € 997.595,79.

A segunda correção relativa às provisões para cobrança duvidosas, no valor de € 249.398,95, reporta-se a um cliente do impugnante que se encontrava em processo de recuperação de empresas.

Como já sublinhado, decorre do citado artigo 33.º, n.º 1, al. d), do CIRC, que estamos perante um caso de delegação de competências no Banco de Portugal, a quem compete definir os fins e limites da constituição das provisões. Ocorre aqui uma delegação de poder administrativo próprio de certa administração direta do Estado (a administração fiscal) numa outra administração não fiscal do Estado exercida por forma indireta, numa administração levada a cabo através de institutos públicos, no caso o Banco de Portugal, com fundamento neste se encontrar melhor posicionado para dar satisfação ao interesse público, que aqui se resolve numa certa conciliação entre os interesses da obtenção de receitas fiscais com os de execução de uma correta política monetária e financeira, a ser concretizada por todos os agentes financeiros e que constitui uma específica atribuição do Banco de Portugal (acórdão do STA de 18/03/1998, proc. n.º 016745).

A argumentação trazida pelo impugnante assenta em que as provisões fiscalmente aceites não são apenas as impostas pelo Banco de Portugal, sendo possível recorrer ao regime geral das provisões, pelo que defende a ilegalidade da correção efetuada, por violar o artigo 33.º, n.º 1, a), do CIRC.

Mais invoca que a administração tributária cai numa clara contradição, na medida em que começa por justificar a não aceitação da provisão por a situação concreta (empresa sujeita ao processo de recuperação de empresas) não estar contemplada no Aviso do Banco de Portugal; depois, tendo o contribuinte alegado que não estando contemplada na regulamentação do Banco de Portugal, então aplica-se-lhe o regime geral do Código do IRC, veio a administração tributária dizer não estarmos perante uma qualquer situação não regulamentada pelo Aviso n.º 3/95.

Ora, o que se entendeu no relatório da ação inspetiva foi que a circunstância da empresa estar sujeita a processo de recuperação de empresas não se enquadrava no ponto 1.º do Aviso n.º 3/95, que não contempla a constituição de provisões com aquela finalidade. Mais aí se assinala que as provisões relativas aos créditos concedidos pelas instituições bancárias são genericamente regulamentadas pelo Aviso n.º 3/95, sendo certo que os créditos em apreço não reúnem as condições estabelecidas no ponto 4.º do citado Aviso.

Como se vê, e ao invés do que sustenta o impugnante, inexiste aqui propriamente uma contradição, mas a tentativa de rebater os argumentos convocados pelo impugnante em sede de direito de audição de forma distinta, mas com a qual não contende, dos inicialmente utilizados.

E devidamente analisada a situação, à luz das disposições do CIRC e do aviso do Banco de Portugal, afigura-se-nos novamente que a razão está do lado da administração tributária.

É que se é verdade que o artigo 34.º, n.º 1, al. a), do CIRC (com a epígrafe provisão para créditos de cobrança duvidosa), considera que, para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará no caso do devedor ter pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência, no caso específico das instituições bancárias, o ponto 4.º do Aviso n.º 3/95 estabelece condições próprias para a constituição de provisões desta natureza.

Sendo que nem sequer disputa o impugnante a ausência efetiva das condições para a constituição da provisão.

A questão não é, pois, a de saber se o referido artigo 33.º, n.º 1, al. d), do CIRC, ao remeter para o Banco de Portugal a disciplina do regime das provisões das instituições bancárias, afasta sem mais a aplicação das demais normas constantes do CIRC, que preveêm tal regime. Mas sim conjugar ambos os regimes e, na parte especificamente prevista no Aviso, saber se podia o impugnante proceder à constituição da provisão para cobrança duvidosa.

O que, em face do que se deixou exposto, merece resposta negativa, devendo manter-se a correção efetuada pela administração tributária.

O assim decidido não nos merece qualquer reparo.

Analisadas as conclusões, auxiliada pela interpretação da motivação das alegações constata-se que o Recorrente limita-se a repetir todos os pontos de discordância alegados na petição inicial com as presentes correcções e que foram individualmente tratados pela sentença recorrida (cfr. pontos 44 a 49 e 50 a 60 da p.i.).

Com efeito, a Recorrente não questiona a sentença recorrida, contrariando os seus fundamentos, antes ignora o que nela foi decidido, como se as questões não tivessem sido objecto de apreciação judicial.

Ora, nos termos do n.º 2, do artigo 676.º do CPC, são as decisões judiciais, e a não o acto administrativo tributário praticado pela Administração Tributária, que são objecto de recurso.

No caso presente, o Recorrente não demonstra a sua discordância com a decisão recorrida, ou seja, dito por outras palavras, não indica os fundamentos que no seu entendimento a decisão da primeira instância devia ser anulada ou alterada, para que o Tribunal ad quem os aprecie.

O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal ad quem tome conhecimento delas e as aprecie (vide neste sentido Ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013, disponível em www.dgsi.pt/).

Se o Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os vários fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso

Pelo exposto, não tomaremos conhecimento do recurso, neste segmento, por falta de objecto.

4.2. Despesas de representação (€ 508.202,05)

A Recorrente alega por referência a esta correcção existir uma contradição na fundamentação aduzida pela Administração Tributária ao desconsiderar tais despesas como custos, porque o contribuinte não indicou as pessoas com quem realizou as referidas despesas e essa indicação teria que constar de despachos da entidade patronal permitindo a realização das despesas, quando no despacho de concordância que incidiu sobre o Relatório é dito que a lei não exige a indicação das pessoas com quem se realizou as despesas e também não exige a existência de despachos de autorização para a sua realização. Mais alega que o n.º 3, do artigo 41.º do CIRC define os destinatários e todas as despesas incorridas pelo recorrente são referentes a recepções, viagens, passeios ou espectáculos (conclusões 7 a 15 da alegação de recurso).

Para concluir pela manutenção da correcção, a sentença recorrida, com base na factualidade apurada, tem o seguinte discurso fundamentador:

Como terceiro ponto do dissídio, surge a questão das despesas de representação, no valor de € 508.202,05, relativamente ao que o impugnante sustenta ocorrer uma contradição insanável na fundamentação da correção efetuada, pois no relatório indica-se que os documentos apresentados não permitem concluir que as despesas em causa foram suportadas com clientes ou fornecedores, por falta de apresentação dos despachos, memorandos ou qualquer outro tipo de autorização superior para que as mesmas se realizem para esse fim, nem se identifica as entidades com quem as despesas em apreço foram suportadas, enquanto no despacho que recaiu sobre o mesmo se refere que estes fundamentos não são legalmente exigidos, assumindo a única orientação compatível com a lei (CIRC e D-L n.º 192/90, de 9 de junho), que não exige aquele tipo de prova ou de formalismo, sendo que a administração fiscal não demonstra que os documentos apresentados são insuficientes para comprovar o destino das despesas incorridas pelo impugnante.

De forma resumida, o que se retira do relatório da ação inspetiva quanto à correção no montante de € 508.202,05, é que se considerou que estas despesas não se encontram nas condições previstas no n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, com a redação dada pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, pelo que não são aceites fiscalmente nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

No parecer que incidiu sobre o relatório, aduziu-se não decorrer da lei que se tenha de comprovar com que entidades foram efetuadas este tipo de despesas, nem que tenha de existir qualquer autorização formal, mas deve ser demonstrado que as mesmas foram efetuadas no âmbito do disposto no referido artigo 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 192/90.

Ora, novamente aqui não se vislumbra a contradição insanável que o impugnante quer ver entre o relatório e o parecer que sobre o mesmo recaiu, mas antes neste se complementam (e clarificam) os argumentos naquele exarados.

Com efeito, não se pode ver como argumento único do relatório que a não aceitação dos custos se reporte, apenas e só, à falta de apresentação dos despachos, memorandos ou qualquer outro tipo de autorização superior para que as mesmas se realizem para esse fim.

Na verdade, o que ali se disputa, de forma mais genérica, é a falta de comprovação das despesas para os efeitos da norma legal convocada.

E esta comprovação poderia ter sido feita através da documentação referida.

Isso mesmo vem esclarecer o parecer, que deve ser visto, repete-se, como complemento do relatório, aduzindo-se que não era apenas através da apresentação destes documentos que o impugnante poderia demonstrar o enquadramento daquelas despesas à luz do citado normativo legal.

Vejamos então se deve manter-se a presente correção.

De acordo com o n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, na redação conferida pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

E tal normativo deve ser conjugado com o artigo 23.º do CIRC, que já então considerava como custos fiscalmente relevantes aqueles que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Temos, pois, como custos do exercício os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, tratando-se aqui dos elementos negativos da conta de resultados, cuja dedutibilidade fiscal está dependente de dois requisitos:

- estarem estes encargos comprovados por documento;

- serem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Já não decorre da lei, como anteriormente acontecia, o critério da razoabilidade destes encargos, bastando a sua comprovação através de documento, donde deve igualmente decorrer a sua indispensabilidade.

Porque assim é, estes documentos deverão conter os elementos necessários para que seja determinável a própria causa destas despesas, assim se aferindo a sua relevância fiscal.

Como é consabido, por regra, as despesas corretamente contabilizadas devem ter-se como custos fiscalmente relevantes, para efeitos daquela norma. E “o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/03/2006, proc. n.º 01236/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf).

E estando comprovadas uma série de despesas, relativamente às quais o sujeito passivo logre estabelecer um nexo de ligação com a prossecução da atividade da empresa, não será de afastar a indispensabilidade de tais custos.

Mas é necessário que seja feita esta comprovação, como decorre da própria letra do citado artigo 23.º do CIRC.

Sem que a lei confira aqui grande margem de discricionariedade ao contribuinte, pois decorre desta norma, bem como das obrigações impostas pelos artigos 117.º e seguintes do CIRC, que se quis mesmo evitar tal discricionariedade.

Também se diga que a esta necessidade de comprovação da indispensabilidade das despesas, imposta pelo artigo 23.º, não obsta o princípio da declaração e da veracidade da escrita dos sujeitos passivos, que vigora no nosso ordenamento jurídico, nos termos plasmados no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, conforme decorre do artigo que o precede, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque – artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

Deste modo, invocando o contribuinte que lhe assiste o direito de considerar como custos fiscalmente relevantes determinadas despesas em que incorreu e questionando a administração tributária tal relevância, caberá àquele demonstrar o já referenciado nexo de ligação com a prossecução da atividade da empresa e assim a indispensabilidade daquelas.

Posto isto, verifica-se que à luz dos elementos constantes dos autos, e ponderados os argumentos em que assentaram as correções, verifica-se ser de manter o entendimento da administração tributária.

É que, de facto, tendo a administração tributária questionado a relevância fiscal daquelas despesas de representação, cabia ao impugnante fazer a demonstração da existência daquele nexo, o que não fez.

Nem se pode dizer que a inspeção tributária não deixou outra alternativa ao impugnante, ao notificá-lo para apresentar as autorizações que permitiram efetuar os referidos encargos suportados e contabilizados como despesas de representação, cf. fls. 93, autorizações que este não tinha na sua posse, cf. fls. 96. É que, em conformidade com o que se vem de expor, não obstante a notificação fazer referência àquela documentação, não era esta a única forma de comprovação das despesas, à luz dos normativos legais aplicáveis ao caso.

Temos então que, como já visto, cabia ao impugnante o ónus da prova da indispensabilidade dos custos, o que não fez.

Ficou, assim, por estabelecer qualquer grau de conexão com a atividade da empresa que seja suficientemente concretizado, pelo que bem andou a administração tributária ao desconsiderar tais despesas como custo fiscal, pois o entendimento contrário viabilizaria a possibilidade da empresa contabilizar custos da esfera privada na sua escrita.

Como tal, as despesas de representação declaradas pelo impugnante não podem ter-se como custos fiscalmente dedutíveis.

E porque assim é, deve manter-se a correção efetuada nesta sede.

Como se vê, a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, aprecia exaustivamente os vícios suscitados pela Recorrente, aduzindo argumentos poderosos no sentido da inconsistência das questões suscitada pelo Impugnante, que também aqui não nos merece qualquer reparo.

Ora, como já se deixou expresso supra o objecto do recurso jurisdicional é a sentença proferida em primeira instância.

Sucede que, também neste segmento, como está claro de se ver, o Recorrente limita-se a repetir os argumentos que o levaram a impugnar a correcção (pontos 61 a 78 da p.i.) não invocando nenhum vício ou erro de julgamento da sentença, não sendo possível com base nos argumentos utilizados formular qualquer juízo de censura à decisão recorrida conducente à sua anulação.

Destinando-se os recursos a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se considerem mal decididas, e não tendo o Recorrente acrescentado qualquer outra questão ou vício aos invocados na petição inicial, impõe-se concluir, que também neste segmento carece o recurso de objecto, impossibilitando o seu conhecimento, dando-se aqui por reproduzido o que supra se referiu, nas anteriores correcções, sobre esta matéria.

4.3. Sucursal financeira exterior (€ 72.919.508,93).

O Recorrente reproduz, de forma sintética, nos pontos 21 a 29 das conclusões da alegação de recurso a argumentação que invocou em sede de impugnação judicial da liquidação de IRC do ano de 2000 (pontos 79 a 104 da p.i.) para sustentar a ilegalidade da correcção em apreço, sem acrescentar qualquer novo argumento ou pronuncia sobre a fundamentação da decisão da primeira instância.

Alega o Recorrente nesta questão, ­­­­tendo-se em consideração as conclusões e a motivação da alegação, o seguinte: Que recusou na acção de inspecção a prestação de informações sobre a identificação dos intervenientes em operações com saldo superior a € 498.797,90 e o respectivo país da residência invocando o dever legal de segredo bancário. Referiu que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.º 1953/2002 –W solicitou a emissão de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Republica determinando que fossem, relativamente aos elementos referentes a clientes da SFE, de suster as acções inspectivas, no que dependam desse acesso a menos que esteja em risco o direito à liquidação do tributo por virtude de caducidade do mesmo, e que a Administração Tributária não susteve a inspecção, não obstante não haver risco de caducidade da liquidação. Mais alega que o referido na sentença de que o despacho do Secretário de Estado e o encerramento da acção inspeciva ocorreu no mesmo período temporal (Dezembro de 2002) não permite dizer que aquele despacho não surtiu efeitos sobre a inspecção, por esta já se encontrar completada, ainda que sem o relatório elaborado à data, porque sem o relatório a inspecção não está completa, tendo sido violado o despacho do Secretário de Estado. Alegou, ainda, que após a orientação do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, solicitou aos clientes em causa autorização para fornecer os elementos requeridos, tendo-os obtido, apresento-os na presente impugnação judicial, tendo a Administração Tributária vindo defender, e a sentença recorrida subscreveu esta tese, de que tais elementos eram uma primeira abordagem na análise da verificação ou não do preenchimento dos requisitos definidos na norma que concede a isenção, tendo a sentença recorrida concluído que não estava feita prova do pressuposto da isenção. Concluiu a recorrente de que a sentença recorrida é ilegal por ter apresentado tudo o que foi solicitado pela Administração Tributária e que a eventual não demonstração da não residência em Portugal dos clientes da Sucursal Financeira Exterior não é a perda total do benefício em causa, mas sim a perda do benefício referente às concretas operações em relação às quais não teria sido feita a prova.

A decisão da primeira instância fundamentou a manutenção da presente correcção, expendendo a seguinte fundamentação:

O quarto e último ponto do dissídio entre o impugnante e a administração tributária respeita às correções do rendimento da sucursal financeira exterior (SFE) daquele, a operar na Zona Franca da Madeira, no valor de € 72.919.580,93.

Para o impugnante, a falta de disponibilização à administração tributária da identificação dos intervenientes em operações com saldo superior a € 498.797,90 e o respetivo país da residência era legítima, sendo invocável o dever de segredo bancário, e ocorrendo conflito reconhecido em parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Mais refere que, em qualquer caso, a correção efetuada pela administração fiscal, ao considerar todo o rendimento obtido pela sucursal financeira exterior como tributado, é ilegal, pois a lei não comina a ausência de fornecimento das provas quanto à realização de operações como não residentes com a perda total, absoluta, da isenção de IRC, mas só relativamente às que não é feita a prova da não residência.

Sumariamente, entendeu a administração tributária, em sede de ação inspetiva, que o impugnante não fez prova da não residência em território português dos intervenientes em operações selecionadas através do balancete do off-shore da Madeira, assim impossibilitando a comprovação dos pressupostos do benefício fiscal em causa, pelo que procedeu à integração da totalidade dos resultados da atividade isenta nos resultados da atividade sujeita.

Neste conspecto, a primeira questão a dilucidar é a de saber se, em face do referenciado conflito de deveres, podia o impugnante usufruir da isenção dos rendimentos da SFE, apesar de não demonstrar a qualidade de não residentes dos intervenientes nas operações selecionadas.

O artigo 41.º, n.º 1, al. c), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 307/95, de 20 de novembro, estabelecia então uma isenção em sede de IRC e IRS para as instituições de crédito e sociedades financeiras, relativamente aos rendimentos da atividade exercida na Zona Franca da Madeira, desde que neste âmbito não realizassem quaisquer operações com residentes em território português.

Com relevo para a situação dos autos, à data dos factos previa o artigo 14.º, n.º 4, do EBF (na redação do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro), que “os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito”.

E segundo o artigo 65.º, n.º 4, do CPPT, na sua redação originária, “sem prejuízo das sanções contraordenacionais aplicáveis, a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha.”

Estaria então o impugnante, para efeito de lhe ser considerado o aludido benefício, obrigado a apresentar em sede de acção inspetiva os elementos pretendidos pela administração tributária, quando poderia incorrer designadamente em infração criminal, ao disponibilizar tais elementos?

A resposta afigura-se-nos inequívoca no sentido afirmativo, em face do regime então vigente de concessão dos benefícios fiscais, com contraponto nas disposições relativas à preservação do sigilo bancário.

Sobre a presente matéria, foi proferido exaustivo parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologado no dia 27/03/2003 (disponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/), a cuja fundamentação aderimos na íntegra e do qual se salientam as seguintes passagens:

“Para efeito da concessão do benefício fiscal, a produção da prova da existência dos respetivos pressupostos é da iniciativa do interessado, que deverá juntar ao requerimento inicial os necessários elementos instrutórios (artigo 65º, n.º 1, e 74º, n.º 1, do CPPT); nesse ponto, e atento o que preceitua o n.º 2 do citado artigo 14º da LGT, o requerente poderá ter de informar a administração fiscal não só sobre os requisitos especificamente atinentes ao tipo de benefício requerido, como também quanto à sua situação tributária global; por outro lado, e após a concessão do benefício, o titular passa a ficar sujeito ao ónus de facultar à administração fiscal (ou, na terminologia do artigo 14º, n.º 4, da LGT, revelar ou autorizar a revelação) todos os elementos necessários ao controlo dos pressupostos dessa atribuição, sob pena dos benefício fiscal ficar sem efeito (artigo 65º, n.º 4, do CPPT). A cominação imposta para o incumprimento do dever de colaboração por parte do contribuinte, no tocante à verificação sucessiva dos pressupostos da atribuição do benefício, compagina-se com a disciplina do artigo 12º, n.º 4, do EBF, pela qual se admite a revogação do ato administrativo de concessão em caso de inobservância das obrigações impostas imputável ao beneficiário (…) A reserva do sigilo profissional não tem, porém, caráter absoluto. Ela admite como exceções todas as situações que possam configurar-se como causas excludentes da ilicitude, e entre as quais se contam o consentimento do titular do interesse jurídico tutelado, as autorizações legais, o direito de necessidade, a prossecução de um interesse público ou o cumprimento de um dever jurídico imposto por lei (cfr. artigo 31º do Código Penal). O consentimento por parte do portador do segredo é expressamente ressalvado na descrição do tipo legal e a sua previsão como facto justificativo da conduta conjuga-se com a dispensa do dever de segredo que está especialmente contemplada no artigo 79º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Por outro lado, a eliminação, na revisão de 1995, da causa de exclusão da ilicitude com base em conflito de deveres, a que se reportava o antigo artigo 186º (o facto (...) não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo), não impede - como defende a generalidade da doutrina - que as situações passíveis de se encontrarem abrangidas por aquele dispositivo se enquadrem agora no esquema geral do artigo 36º do Código Penal.

É assim admissível, em termos gerais, que a violação do dever de sigilo profissional apareça justificada por obrigações contrapostas que impendem sobre o confidente, como sucede exemplificativamente nos casos em que ocorra o dever legal de revelação, o dever de ofício ou a necessidade de defesa em ação judicial.

No contexto do segredo bancário, poderá considerar-se, parafraseando Costa Andrade, que esta é uma das áreas do sigilo cuja violação é justificada por um número crescente de autorizações ou deveres legais. Por força do citado artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a revelação do segredo é legítima inter alia “nos termos previstos na lei penal e de processo penal” e ”quando existia outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.

Em face do direito penal, as circunstâncias justificativas que excluem a punibilidade da revelação do segredo são as que, como tal, possam enquadrar-se na previsão dos artigos 31º e 36º do Código Penal, como há pouco se referenciou. Noutro plano, a exclusão da ilicitude da conduta pode resultar de um dever de cooperação especificamente imposto pela lei. (…)

Na vigência do Decreto-Lei n.º 2/78, e perante uma norma paralela à do artigo 63º da LGT – o artigo 34º do Decreto-Lei n.º 363/78, de 28 de novembro, que reorganizou a Direção-Geral das Contribuições e Impostos -, o Conselho Consultivo havia já considerado que o “dever de sigilo não sofre derrogação imediata por força dos poderes gerais de fiscalização e exame conferidos pela lei à Administração Fiscal” (…) não subsiste motivo para sustentar hoje uma diferente opinião.

Pergunta-se se a adminstração tributária poderá aceder ao detalhe das contas do balancete das Sucursais Financeiras Exteriores que operam nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, em vista a verificar a qualidade de não residente dos intervenientes nas operações financeiras, considerando ser esse um pressuposto da atribuição de benefício fiscal previsto no artigo 41º, n.º 1, alínea c), do EBF (na redação anterior à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro). Como se anotou, o apontado benefício fiscal traduz-se na isenção de IRC relativamente aos rendimentos da atividade exercida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras que se encontrem instaladas nas referidas zonas francas, desde que tais atividades não envolvam operações com residentes em território português (artigo 41º, n.º 1, alínea c)). Por outro lado, para esse efeito, a lei define o que se entende como residente em território português (n.º 13) e estabelece o regime de prova aplicável, determinando que a qualidade de não residente, quando não resulte inequivocamente dos documentos que suportam a operação, deverá ser comprovada através de declaração do próprio (n.º 14). Salientou-se, além disso, que esse específico regime se harmoniza com os princípios gerais enunciados no artigo 65º do CPPT, que, no âmbito dos procedimentos destinados ao reconhecimento de benefícios fiscais, impõem, não só que a prova da existência dos respetivos pressupostos de atribuição seja efetuada por iniciativa do interessado, como também a obrigação de este, como condição da manutenção do benefício concedido, facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo (desses) pressupostos.

A exigência legal de apresentação da prova de uma dada circunstância de facto para efeito do reconhecimento ou manutenção de um benefício fiscal corporiza uma posição jurídica de desvantagem do particular em face da Administração, que poderá caracterizar-se como um ónus jurídico. Ou seja, o interessado, nesse caso, dispõe do poder ou da faculdade de adotar um certo comportamento, que está especificado na lei, caso pretenda assegurar a produção de um efeito jurídico favorável ou não perder um certo efeito útil já produzido. No caso vertente, a lei parece exigir que a entidade bancária se certifique da qualidade de não residente através da documentação atinente à operação; caso a atribuição dessa qualidade não resulte, inequivocamente, da aferição desses elementos, a mesma entidade poderá obter prova adicional, que a lei admite que possa consistir numa declaração emitida pelo próprio interveniente na operação. É certo que, face ao entendimento antes explanado, as instituições de crédito não poderão fornecer aos serviços de fiscalização tributária os elementos pessoais de terceiros com quem contratem as operações financeiras, sem o prévio consentimento destes, visto que essa informação se encontra coberta pelo sigilo bancário.

Mas, em contrapartida, essas mesmas entidades não poderão invocar o sigilo bancário para se eximir ao ónus da prova da verificação dos requisitos da concessão do benefício fiscal. Para poderem beneficiar de isenção de IRC, é às instituições de crédito – e não à administração tributária - que compete provar que a sua atividade não envolveu quaisquer operações financeiras com residentes em território português. E para satisfazer esse ónus, essas entidades carecem de obter autorização dos seus clientes para a divulgação dos elementos que permitam comprovar a existência desse requisito.

Caso não tenham tomado qualquer iniciativa nesse sentido ou não tenham obtido o necessário consentimento dos interessados, as entidades beneficiárias ficam impedidas de efetuar a prova de que depende a concessão da isenção fiscal, tudo se passando, para efeitos fiscais, como se tais operações se tivessem realizado com residentes em território português.

Como se impõe concluir, a administração tributária não precisa de invocar os poderes de fiscalização previstos no artigo 63º, n.º 1, da LGT, para confirmar a existência dos pressupostos da atribuição do benefício fiscal, bastando-lhe constatar o incumprimento do ónus da prova por parte da entidade visada.

Mas caso, os órgãos de fiscalização pretendam obter, por sua iniciativa, os elementos de informação necessários à comprovação daquele requisito, as instituições de crédito encontram-se obrigadas a facultar tais elementos, sob pena de extinção do benefício, ainda que, para esse efeito, tais entidades careçam de assegurar a cooperação dos seus clientes (artigo 14º, n.º 4, da LGT e 12º, n.º 2, do EBF).”

Em face da esclarecedora fundamentação constante deste parecer, já se afigura possível dar resposta à primeira questão supra formulada.

Temos assim que, ainda que se afigure legítima a recusa de exibição para consulta dos documentos bancários por parte das instituições de crédito, em face da falta de obtenção das autorizações dos visados, tem lugar a aplicação da cominação constante dos artigos 14.º, n.º 4, da LGT e 65.º, n.º 4, do CPPT, por incumprimento do ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal.

Porque assim é, aos rendimentos da SFE não podia ser aplicada a isenção pretendida pelo impugnante.

Deste modo, se afigurava então justificada a correção em causa.

O impugnante suscita ainda três outras subquestões, relativas à sua sucursal financeira exterior na Madeira, cuja apreciação se impõe.

Uma delas reporta-se à alegada violação de uma decisão emitida por superior hierárquico, no caso o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por parte da entidade inspetiva, que não sustou a ação que incidiu sobre o impugnante na parte que dizia respeito aos rendimentos da sucursal financeira exterior.

Sucede que, por um lado, o despacho do Secretário de Estado e o encerramento da ação inspetiva ocorreram no mesmo período temporal, o mês de dezembro de 2002, o que leva a crer que aquele despacho não surtiu efeitos sobre esta inspeção, por esta já se encontrar completada, ainda que sem o relatório elaborado, à data em causa.

Por outro lado, com a posterior homologação do parecer, cujas conclusões vão ao encontro da orientação propugnada pela administração tributária na ação inspetiva, sempre se deve considerar confirmada a sua actuação nesta sede.

Argumenta ainda o impugnante ser ilegal a cessação do benefício fiscal de isenção relativamente a todo o rendimento obtido pela SFE situada na Zona Franca da Madeira, defendendo que a perda da isenção só deve verificar-se relativamente a rendimentos obtidos em operações com residentes ou com pessoas ou entidades em relação às quais não foi feita a prova de não residência em Portugal.

Mas analisada a norma que estabelece a isenção em causa, afigura-se carecer de respaldo legal o entendimento do impugnante.

Com efeito, ali se estabelece uma isenção com os seguintes requisitos:

- os rendimentos respeitem a atividade exercida na Zona Franca da Madeira;

- no âmbito desta atividade todas as operações devem ser realizadas com não residentes em território português.

Reporta-se então a isenção a todo o rendimento da SFE, não havendo lugar à sua divisão, pelo que ficando por comprovar que todas as operações ocorreram com não residentes, não estão verificados os pressupostos do benefício, não se afigurando possível a sua aplicação parcelar.

Improcede, pois, o argumento avançado pelo impugnante.

Finalmente, verifica-se que o impugnante invoca, e aliás demonstra, como reconhecido pela administração tributária, ter entretanto obtido junto dos clientes autorização para o fornecimento dos dados pretendidos em sede de ação inspetiva, declarações de não residência dos intervenientes nas operações de valor superior a € 498.979,90, que juntou agora em sede de impugnação judicial.

Perante esta junção de documentos, defende a administração tributária que a notificação efetuada pelos serviços de inspeção corresponde a uma primeira abordagem na análise da verificação ou não do preenchimento dos requisitos definidos na norma que concede a isenção, podendo a referida amostra ser alargada ou estender-se à totalidade do universo das transações da SFE, pelo que os documentos juntos não são prova bastante do preenchimento do pressuposto da isenção, que depende da total ausência de operações com residentes ou entidades com estabelecimento estável em território nacional e que o ónus da prova de verificação de tal pressuposto cabe ao contribuinte.

Salienta, contudo, que as declarações de não residência juntas pelo impugnante cumprem os requisitos de formalidade para efeitos de prova definidos no n.º 14 do artigo 41.º do EBF e que as mesmas seriam aceites caso o impugnante tivesse apresentado idêntica prova relativamente aos restantes intervenientes no total das transações efetuadas pela SFE.

À luz dos argumentos já avançados quanto à natureza da isenção aqui em causa, verifica-se o acerto da posição da administração tributária.

No decurso da ação inspetiva, como já vimos, impunha-se ao impugnante a obrigação de obter junto dos seus clientes o necessário consentimento para o fornecimento de dados à administração tributária, o que não fez, ficando impedido de efetuar a prova de que dependia a concessão da isenção fiscal.

Contudo, em sede de impugnação judicial, já não lhe bastará a junção dos aludidos elementos para que se anule a correção.

É que reportando-se a isenção a todos os rendimentos da SFE, e não podendo aquela ter uma aplicação parcelar, competia-lhe agora comprovar que todas as operações ocorreram com não residentes, para demonstrar a verificação dos pressupostos da concessão do benefício, pelo que devia então fazê-lo também quanto às operações de valor inferior a € 498.979,90.

Parafraseando o citado parecer, não tendo o impugnante obtido ainda o necessário consentimento dos demais intervenientes, tudo se passa, para efeitos fiscais, como se as demais operações se tivessem realizado com residentes em território português.

Assim, novamente improcede a sua pretensão, devendo manter-se a correção impugnada.

A sentença sob censura, e no que a esta parte respeita, foi profícua e clara na sua fundamentação na apreciação das questões suscitadas pelo Impugnante e merece sem reservas a nossa concordância.

Contudo, não deixará de se fazer uma breve apreciação sobre o alegado nas conclusões 19 e 29 da alegação de recurso, nas quais se refere, respectivamente, que sem relatório elaborado a inspecção não está completa ou encerrada e que a falta de prova tem como consequência legal não a perda total da isenção, mas a perda da isenção para as operações aos quais não tivesse sido feita a prova da não residência em Portugal.

Na verdade, o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigidos à declaração de direito tributário (artigo 54.º, n.º 1 da LGT).

No que respeita às acções de fiscalização, este procedimento é concluído com a elaboração do relatório final (artigo 62.º do RCPIT), porém, não é despiciendo recordar que, no presente caso, os actos de inspecção (artigo 60.º do RCPIT) já se encontravam há muito concluídos à data da emissão do despacho do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, e como salienta o Mm. Juiz a quo o aludido despacho e o RIT são praticamente simultâneos, visto que o despacho a solicitar a emissão de parecer é de 02/12/2002 e o RIT de 09/12/2002, o que permite a conclusão que o despacho não surtiu efeitos sobre a conclusão do procedimento.

Em todo caso, sempre se dirá, que a não suspensão do procedimento não produz efeito invalidante da liquidação, na parte da correcção em apreço, atenta a circunstância de o Recorrente, no âmbito da impugnação judicial, apresentada contra as correcções supra identificadas, e não só contra a que nos ocupamos, ter tido a oportunidade de fazer a prova, que só sobre si impendia, de demonstrar que o pressuposto do benefício fiscal definido na alínea c), do artigo 41.º do EBF se encontrava preenchido (artigo 14.º, n.º 4 da LGT).

Com efeito, relevante é o facto do Recorrente, à data da apresentação da presente impugnação judicial, não ignorar o teor do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (que juntou como doc. n.º 6), no sentido de que compete à instituição de crédito a não à Administração tributária o ónus de provar que a sua actividade não envolve operações com residentes em território nacional, confirmando assim o entendido vertido no RIT, assente no teor das normas legais aplicáveis, pelo que não ficou cerceado o seu direito de efectuar a prova de que dependia a concessão da isenção fiscal, comportamento que se lhe impunha por lei e que não adoptou, nem mesmo quando foi notificado da apensação do processo administrativo e da informação prestada de fls. 386 e segs. do PA (fls. 361, 362 e 363 da numeração dos autos de suporte físico), de que o pedido de amostragem de declarações de não residência dos intervenientes nas operações de valor superior a € 498.979,90 solicitada em sede de inspecção tributária, não é considerada suficiente nesta sede, para se estender à totalidade do universo das transacções da SFE, tendo optado por se remeter ao silêncio.

À data dos factos, a alínea c), do n.º 1, do artigo 41.º, do EBF, determinava que as instituições de crédito e as sociedades, relativamente aos rendimentos da actividade aí exercida beneficiam de isenção de IRC, desde que nesse âmbito não realizem quaisquer operações com residentes em território português ou com um estabelecimento estável de um não residente aí situado.

O certo é que, nestes autos, o Impugnante não fez tal prova.

Contrariamente ao que o Recorrente pretende fazer crer, a lei ao exigir que a SFE não realize operações com residentes em território português relativamente a todos os seus rendimentos, não admite a perda de isenção parcial, relativamente aos rendimentos em relação aos quais não fez prova, pois, compete ao sujeito passivo comprovar a observância de todos os pressupostos definidos no benefício fiscal que afastam o direito à tributação do facto tributário, isto é, de que todas a operações, sem excepção, ocorrem com não residentes.

Não tendo o Impugnante alegado, nem demonstrado como se lhe impunha nos termos da disciplina legal aplicável, para assegurar a produção do efeito jurídico favorável de reconhecimento da isenção, que todos os clientes intervenientes em operações financeiras contratadas pela SFE não tinham residência em território nacional, sendo os elementos disponibilizados nos autos insuficientes, não pode este Tribunal proceder à anulação da correcção em causa.

Também neste segmento a sentença recorrida decidiu bem ao validar a correcção da Administração Tributária, sendo, portanto, de confirmar.

Concluindo, da transcrição que fizemos do discurso fundamentador da sentença recorrida resulta que se fez uma correcta aplicação do direito aos factos apurados e não postos em causa nesta sede de recurso.


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Conclusões/Sumário:

I. Nos termos do n.º 2, do artigo 676.º do CPC, são as decisões judiciais, e a não o acto administrativo tributário praticado pela Administração Tributária, que são objecto de recurso.

II. Se o Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os vários fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso

III. Não tendo o Impugnante alegado, nem demonstrado como se lhe impunha nos termos da disciplina legal aplicável, para assegurar a produção do efeito jurídico favorável de reconhecimento da isenção, que todos os clientes intervenientes em operações financeiras contratadas pela SFE não tinham residência em território nacional, sendo os elementos disponibilizados nos autos insuficientes, não pode este Tribunal proceder à anulação da correcção em causa.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro 2021.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)